Renováveis
SUMÁRIO
1A DESCARBONIZAÇÃO DA INDÚSTRIA CERÂMICA E O CONTRIBUTO DOS GASES RENOVÁVEIS E DAS REDES DE DISTRIBUIÇÃO DE GÁS
Por Nuno Nascimento
Diretor de Estratégia e Transição Energética, da GALP Gás Natural Distribuição, SA
5Eff2Decarb: PLANO DE PROMOÇÃO DA EFICIÊNCIA NO CONSUMO DE ENERGIA COM VISTA À DESCARBONIZAÇÃO
Por Inês Rondão e António Baio Dias Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro, Coimbra
Eficiência
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EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NA INDÚSTRIA DA CERÂMICA E DO VIDRO, COM HIDROGÉNIO E OXIGÉNIO RENOVÁVEIS.
Por Rui Costa Neto Investigador do IST e IN+/Prof. ULHT
INDÚSTRIA CERÂMICA/CRISTALARIA E CHOQUE ENERGÉTICO, QUE FUTURO?
Por João Garrido Engenheiro e Fundador da Caparica Solaris
A DESCARBONIZAÇÃO DA INDÚSTRIA CERÂMICA E O CONTRIBUTO DOS GASES RENOVÁVEIS E DAS REDES DE DISTRIBUIÇÃO DE GÁS
Por Nuno Nascimento, Diretor de Estratégia e Transição Energética, da GALP Gás Natural Distribuição, SAA GGND, como principal player no setor da distribuição de gás em Portugal (representa cerca de 70% do volume de gás distribuído), encara a descarbonização das redes de gás como um enorme desafio nacional, mas também como uma oportunidade única no impulso da ati vidade de distribuição de energia como suporte à competitividade, a médio-longo prazo, da economia e da indústria portuguesa.
A indústria cerâmica é responsável pelo consumo de cerca de 10% do gás natural distri buído em Portugal (dados de 2019), suportando um volume de negócios total a rondar 1,2 mil milhões de euros. São números que tornam a cerâmica num dos sectores industriais com mais tradição e impacto direto na economia portuguesa.
Sendo uma indústria com necessidades térmicas elevadas e, por conseguinte, mais difícil de descarbonizar (hard-to-abatesector), é importante apoiar a sua trajetória de redução de emissões de gases de efeito de estufa.
A descarbonização tem sido amplamente discutida ao nível da União Europeia (UE), ten do esta assumido o compromisso de se tornar no primeiro continente neutro em carbono até 2050. O Acordo Verde Europeu foi projetado com o intuito de transformar a UE no líder mun dial em tecnologias verdes, aliando o crescimento económico a uma transição justa. Foi neste contexto que a Comissão Europeia lançou, em julho de 2021, o seu pacote Fit for 55 , que junta um conjunto de propostas legislativas para dar vida aos objetivos do Green Deal .
A Comissão tem atribuído um papel fun damental aos gases renováveis para atingir o objetivo de substituir os combustíveis fós seis e acelerar a transição da Europa para as energias limpas. O hidrogénio renovável e o biometano serão fundamentais para substi tuir o gás natural, o carvão e o petróleo, em indústrias e transportes difíceis de descar bonizar.
No que respeita ao biometano e para a expansão da utilização deste recurso, é pro posta uma meta de produção de 35 mil mi lhões de m3 de biometano até 2030 e, para
Plan
que tal seja possível, é essencial incentivar a sua produção e utilização, assim como faci litar a sua integração no mercado interno do gás da UE.
Portugal com elevado potencial
Alinhada com os objetivos de descarbo nização e de utilização de gases renováveis, a Associação Europeia da Indústria Cerâmi ca - Cerame-UnieAisbl (CU) – apresentou o Roteiro para 2050 , onde define como a neutralidade climática pode ser alcançada, olhando para os gases renováveis, custos e tecnologias associadas.
Sem surpresas, constata-se que este Roteiro para 2050 destaca uma forte presença da utilização dos gases renováveis.
O documento identifica o hidrogénio como solução de longo prazo, em função de uma maior disponibilidade e de condições favoráveis para a sua expansão e escalabilidade, face a outras tecnologias, como a eletrificação direta.
Em paralelo, e constatando o seu potencial de aplicação imediata na ótica de descarbo nização da indústria, este relatório apresenta o biometano como uma solução a curto prazo de maior impacto, pois as instalações que atualmente utilizam gás natural podem passar a utilizar biometano sem qualquer necessidade de investimento na adaptação dos equipamen tos para consumir este gás, o que se traduz numa mudança mais simplificada.
As tecnologias do biometano estão disponíveis, com diferentes níveis de pe netração, em diferentes Estados-Membros, prevendo-se um incremento significativo dos volumes de todos os gases renováveis até 2040.
Apesar de apresentar um atraso no de senvolvimento do biometano face a outros países europeus, Portugal tem um potencial significativo nesta matéria. Estima-se que o aproveitamento dos resíduos orgânicos com origem municipal, de ETAR e RSU (resíduos sóli dos urbanos), permita uma produção de biometano suficiente para substituir cerca de 20% do gás natural atualmente consumido nas redes de distribuição de gás.
Nuno NascimentoA importância da cooperação
Tendo em conta o carácter transformador da utilização dos gases renováveis na descar bonização da indústria cerâmica, têm surgido projetos inovadores, um pouco por toda a Euro pa e onde importa destacar o ORANGE.BAT.
Desenvolvido no cluster industrial de Castellón, na região de Valência, que representa 95% da indústria cerâmica espanhola, este projeto visa substituir a utilização do gás natural por hidrogénio renovável.
Se o tempo e a evolução tecnológica demonstrarão quais as soluções mais custo-eficazes para cada indústria, é hoje certo que não há inovação nem desenvolvimento sustentável sem atuação em rede de parcerias e sinergias entre diferentes tipos de entidades, soluções e até vetores energéticos.
O projeto espanhol é disso um exemplo: integrando importantes operadores industriais, operadores de redes de gás, empresas de investimento, centros de investigação e governos locais (entre outros), procura assegurar a competitividade económica, ambiental e social a longo prazo de um cluster fundamental para a economia espanhola.
A GGND, enquanto líder nacional de infraestruturas de distribuição de gás, tem apostado no desenvolvimento de um conjunto de iniciativas que irão permitir acelerar a execução de projetos semelhantes, também em Portugal.
Um exemplo disso é o Green Pipeli ne Project (GPP). Um projeto pioneiro, lo calizado no município do Seixal, que tem como objetivo injetar hidrogénio verde na atual rede de gás natural. Contemplando cerca de 80 clientes, incluindo industriais, o GPP visa contribuir para o estudo do im pacto que a injeção de hidrogénio (até 20% em volume) terá na rede e nos equi pamentos de queima dos consumidores, (info: www.greenpipeline.pt )
Paralelamente, e com foco permanente no suporte à descarbonização da indústria, a GGND promove, no âmbito do Plano de Promoção de Eficiência no Consumo (PPEC), um pro jeto pioneiro – o Roteiro para a Introdução de Gases Renováveis no Setor Industrial Nacional
Este roteiro envolve as principais associações sectoriais nacionais e pretende estimular um consumo mais eficiente nas indústrias, através da utilização de gases renováveis, numa ótica de promoção da eficiência na geração, distribuição e utilização de calor de processo.
Sendo a APICER parceira core desde o início deste projeto, contamos com uma par ticipação alargada de todos os associados nos diversos eventos do roteiro, com particular destaque para os workshops, seminários e ações de formação dedicados à descarboni zação da indústria cerâmica, que irão come çar já a partir do 1 º trimestre de 2023. Nestes eventos serão abordados diversos tópicos técnico-científicos de apoio à inovação de processo, eficiência e produção industrial sectorial com recurso a gases renováveis, contando com especialistas e com testemu nhos sectoriais internacionais.
Assim, sendo a descarbonização e a transição energética uma missão de toda a sociedade do século XXI, a GGND e a API CER, conjuntamente com os seus associa dos, terão a oportunidade de desenvolver, partilhar e discutir os desafios, soluções téc nicas e de funcionamento do mercado para uma transição energética com gases renováveis, tirando partido da inigualável experiência e know-how coletivo que um programa PPEC aporta a todos os envolvidos.
A GGND acredita que é através da aproximação entre industriais, associações, municí pios, agentes de mercado e operadores de rede de gás que a inovação, conhecimentos técni cos e académicos podem contribuir de forma mais efetiva e determinante para a descarboni zação nacional e, consequentemente, para o desenvolvimento de uma economia robusta, a par da proteção do meio ambiente. Tudo isto em prol das gerações futuras.
A importância das infraestruturas de distribuição de gás para uma descarbonização viável da indústria é evidente. Estas são uma garantia da segurança de abastecimento e complemen taridade no sistema energético. O acesso a redes energéticas (elétricas e de gás) de elevada qualidade, é uma garantia de segurança de abastecimento, da diversificação de opções e de competitividade.
Como exemplo do desenvolvimento dos gases renováveis em Portugal, é interessante constatar que, no âmbito do POSEUR e do PRR, nomeadamente nos programas de financia mento à produção de gases renováveis, a GGND tem vindo a receber dezenas de pedidos de ligação à rede, de produtores de hidrogénio e biometano. A introdução gradual destes gases permitir-nos-á fazer um caminho conjunto de descarbonização com a indústria nacional, faci litando o desenvolvimento do mercado e a adaptação de tecnologias.
Eff2Decarb: PLANO DE PROMOÇÃO DA EFICIÊNCIA NO CONSUMO DE ENERGIA COM VISTA À DESCARBONIZAÇÃO
Por Inês Rondão e António Baio Dias Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro, CoimbraContexto e objetivos da medida
Em Portugal, considerando o ano de 2019 como referência, o setor cerâmico é composto por cerca de 370 empresas, das quais 300 se encontram ativas, e destas cerca de 85% são PME. Neste setor, o processo de fabrico dos materiais cerâmicos é caracterizado pelo consumo intensivo de energia, que representa cerca de 25 a 30% dos custos e de outros recursos, como os minerais, que podem representar até 20% dos custos. O conhecimento do desempenho ambiental da indústria cerâmica é fundamental para o seu progresso e para a promoção de uma economia hipocarbónica, mais circular e de uma construção mais sustentável. Apesar de uma série de medidas de eficiência energética e de redução de CO 2 já implementadas, estima-se que a indústria cerâmica seja responsável pela emissão de 950 mil toneladas de CO 2 anualmente.
Neste quadro, e atendendo à necessidade de uma maior eficiência energética, as tecnologias e os aspetos valorizados incluem os sistemas de gestão de consumo, nos quais são consideradas medidas inovadoras de gestão da procura, que contribuam para o incremento da elasticidade da procura. Estas deverão incluir uma avaliação prévia das poupanças de energia, nomeadamente, através da realização de diagnósticos prévios e apoio aos clientes, de forma a aumentar o grau de sucesso na implementação das mesmas. No campo das emissões de CO 2 , importa monitorizar e identificar as principais fontes de emissão, para posterior definição da estratégia de redução das mesmas.
O Plano de Promoção da Eficiência no Consumo de Energia com Vista à Descarbonização é uma medida promovida pela APICER, em estreita colaboração com o CTCV e financiado pela ERSE. Com arranque previsto para setembro de 2022, irá abranger 40 empresas industriais do sector da cerâmica com consumos energéticos inferiores a 500 tep/ano. Prevendo-se uma redução de consumo de energia avaliada em 15 000 MWh/ano, correspondendo a emissões de 3.100 toneladas de CO 2 evitadas.
Com esta medida procura-se promover uma considerável redução no consumo de energia e das emissões carbónicas nas indústrias abrangidas. Com o levantamento de dados e diagnósticos energéticos, pretende-se identificar pontos críticos, assinalados no Manual de Eficiência Energética e Carbónica a desenvolver, um guia para a sensibilização das indústrias beneficiárias, para a correta gestão de energia e políticas de redução de emissões de CO2. Os resultados da medida serão ainda divulgados através de seminários sobre Boas Práticas na Eficiência Energética.
Etapas de desenvolvimento da medida
Inicialmente serão selecionadas 40 empresas do sector cerâmico para a realização do levantamento de informação de consumos energéticos e emissões de CO2. Com base nesta informação serão realizados diagnósticos energéticos, e consequentemente a aplicação de medidas focadas em sistemas de gestão de consumos e disseminação de boas-práticas nas empresas (Figura 1), incluindo a elaboração de um Manual de Eficiência Energética e Carbónica.
Dentro da fase de sensibilização será elaborado um Guia de Boas Práticas com os resultados da medida, nomeadamente com a identificação dos problemas e soluções tipo, de forma a potenciar a sua implementação e replicação noutros consumidores e em situações semelhantes.
As medidas comportamentais incidem essencialmente na sensibilização dos técnicos e operários para a correta utilização dos equipamentos e sistemas consumidores de energia, as quais podem ser potenciadas pela existência de sistemas de monitorização e disponibilização de informação de apoio à gestão dos consumos.
Do ponto de vista social, serão promovidas alterações comportamentais no uso eficiente de energia, quer através dos sistemas de gestão de consumos a implementar, quer através da disseminação de boas práticas, incluindo casos de estudo. De referir que estas alterações comportamentais terão influência também, e por arrasto, ao nível dos comportamentos de consumo dos colaboradores ao nível residencial.
Notas finais
As medidas desenvolvidas serão implementadas num conjunto de 40 empresas industriais do Setor Cerâmico do universo de empresas associadas da APICER, provenientes de várias regiões do território nacional. No entanto, as medidas de disseminação procurarão disseminar os resultados para toda a indústria cerâmica.
Pretende-se que a Medida promova alterações ao nível dos comportamentos na gestão de consumo de energia, rumo à descarbonização das indústrias do sector cerâmico. Partindo de uma análise da situação inicial, a qual servirá de referência, permitirá determinar planos de ação e fixar prioridades, avaliando a rentabilidade dos investimentos em matéria de fontes
Representação esquemática das interdependências das diversas de implementação da medidade energia, eficiência energética e emissões carbónicas. A implementação das Medidas de Utilização Racional de Energia previstas terá como reflexo direto a redução da fatura energética da instalação e consequentemente a redução de emissões de gases com efeito de estufa e consequente redução das penalizações fiscais associadas.
EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NA INDÚSTRIA DA CERÂMICA E DO VIDRO, COM HIDROGÉNIO E OXIGÉNIO RENOVÁVEIS.
Por Rui Costa Neto Investigador do IST e IN+/Prof. ULHTQualquer CEO ou diretor técnico de processos de combustão, depara-se com grandes desafios no contexto desta crise energética na Europa. Perguntas a responder: Quando é que o metano vai descer dos 200 €/MWh para os 20 €/MWh? Ou se vai descer para um valor comportável? Para que os seus produtos de cerâmica ou vidro não atinjam custos de produção proibitivos dos seus produtos. E que consigam produzir com preços competitivos e sustentáveis que o consumidor vai querer pagar.
Grande parte destes processos de cozedura de produtos cerâmicos, acontece a temperatu ras superiores a 1000 °C, sendo por isso impossíveis de eletrificar, ao contrário do que acontece com algumas indústrias metalúrgicas. Muitos destes processos, o custo da energia influência o custo final de produção, entre 40% e 60%. Atendendo que o custo do gás natural aumentou 10 vezes, neste contexto de guerra na Ucrânia, e as taxas carbónicas aumentaram 14 vezes (CO2 aumentou de 7 para 100 €/ton), o que faz com que um prato de cerâmica que tinha um custo de produção de 1 € por prato, passe a ter um custo de produção de 4€ mais alguns cêntimos para cobrir ao aumento das taxas de CO2. Uma empresa grande consumidora de gás natural, torna-se inevitavelmente uma grande pagadora de taxas de CO2, que para muitas das empresas estes custos ambientais, representam centenas de milhares de euros anuais, acrescidos à sua fatura exorbitante em gás natural. Como é que uma indústria cerâmica europeia combate este panorama energético, que poderá estar aí para durar, atendendo a que na Europa não somos produtores de gás natural e temos que comprar todo o gás a outras geografias estáveis ou instáveis. Quais as soluções? Quais os melhores caminhos para atenuar a situação atual?
ProcessoPrimeiro: eficiência energética; segundo produção endógena (fazer tudo dentro de portas) para que cada país dependa mais de si próprio.
Para qualquer indústria de cerâmica e de vidro se tornar mais eficiente e depen der mais só de si própria, só terá de trocar, parcialmente o gás natural do gasoduto por eletricidade verde. Dispondo de água doce, salgada ou residual, necessita purifica-la por um processo de osmose inversa, que permite desmineralizar a água que muitas empresas dis põem no local. Por cada metro cúbico de água, será possível produzir no local da fábrica atra vés de eletrólise da água, 111 kg de hidrogénio (33,33 kWh/kg PCI) e 889 kg de oxigénio puros. Para isso, as empresas só têm que ter contratualizada a eletricidade verde de baixo custo (< 50€/MW), ou adquirir a eletricidade verde via PPA (Power Purchase Agreement), ou dispor da eletricidade de um parque solar ou eólico, ou hidroelétrica. Alimentando o eletrolisador com água e eletricidade verde podem produzir no próprio local da fábrica o seu próprio combustí vel e criar o seu próprio ecossistema energético sustentável para produzir toda a sua energia térmica e até vender a que sobrar, na forma de gases aos vizinhos, alcançando independência e segurança energética. A eletrólise da água, consiste na decomposição da água através da oxirredução de corrente elétrica contínua. Neste processo para além de se obter o combustível hidrogénio, obtém-se também um segundo componente, o oxigénio puro (O2), que queima de forma ultra-eficiente em qualquer processo de combustão.
A indústria de cerâmica ou vidro, necessita sujeitar os seus produtos a tratamentos térmicos com temperaturas entre os 1000 °C e os 1600 °C, durante horas, para garantir uma cristalização adequadas dos seus produtos cerâmicos. É neste contexto que surgem as virtudes da oxi-combustão, ou a chamada combustão assistida com oxigénio puro (O2). Por outro lado, a pergunta imediata que se coloca: Mas porquê utilizar o oxigénio proveniente do eletrolisador, se existe oxigénio (O2) no ar em abundância? O oxigénio (O2) no ar não é assim tão abundante, pois é 5 vezes mais diluído em azoto (N2). Quando ocorre a combustão de qualquer gás, seja metano, propano, butano ou até mesmo hidrogénio (H2), com o oxigénio do ar, o azoto (N2) é sempre um gás “espectador”, pois dilui o calor gerado por qualquer chama, arrefece o forno, levando o calor nos gases de escape e tornando o processo de combustão muito menos eficiente. O calor de combustão de qualquer chama num forno de cerâmica, vai tipicamente para três locais do forno: cerca de 50% vai para a carga (o produto a cozer e suporte cerâmico), 15% para as paredes do forno, e 35% perde-se para a atmosfera. Estes valores variam claramente com a tipologia de forno.
Mesmo nos fornos mais eficiente, é pouco viável recuperar o calor dos gases de exaustão e voltar a incorporar esse calor no forno, principalmente devido à grande diluição do calor, em azoto, o tal gás espectador no processo. A oxi-combustão com o oxigénio puro (O2), proveniente
Rui Costa Netoda eletrólise, vai permitir ter muito menos gases de exaustão e por isso minimizar as perdas em calor dos gases à saída do forno. O calor proveniente da chama vai, preferencialmente para o produto cozer no forno e suporte, ou para as paredes do forno que vão garantir a manutenção de uma boa inércia térmica no processo, reduzindo assim o consumo específico do processo (quantidade de energia despendida por kg de produto) até 40%, dependendo sempre da geometria e do tipo de forno. Em todas as reações químicas, e em particular as de combustão, temos de considerar sempre a parte termodinâmica do processo (baseada em reações de combustão obtidas sob condições-padrão) e a parte cinética (que diz a que velocidade uma reação ocorre).
Qualquer reação química, e as reções de combustão não são exceção, são sempre condicionadas pela termodinâmica mais a cinética. Uma reação de combustão de qualquer gás combustível com oxigénio puro (O2) é tudo menos uma reação que ocorre sob condições padrão devido à sua rápida cinética, porque não temos lá o azoto a atrapalhar, a diluir os gases e a ocupar espaço dentro do forno, traduzindo-se no final em ineficiência energética. A título de exemplo, numa chama de oxi-corte é queimado o acetileno, propano ou butano, com oxigénio (O2) puro. Quando é acesso o maçarico com oxigénio do ar, a chama de difusão tem uma temperatura de 500 °C no topo da chama e quando abrem a válvula de oxigénio (O2) puro, a temperatura da chama de pré-mistura sobe quase para 2100 °C. Na prática, o que as indústrias de cerâmica e vidro necessitam fazer é utilizar o oxigénio (O2) puro proveniente da eletrólise para ter uma combustão mais eficiente, consumindo menos gás natural (é demonstrado em vários estudos internacionais em indústrias reais uma redução até 40%), e obter uma temperatura de chama semelhante à que tinham com queimadores de ar. Com a combustão assistida com oxigénio puro (O2), o que as indústrias de cerâmica e do vidro estão a fazer é a trocar gás natural que tem preços atuais elevadíssimos (200 €/MWh, 10x mais altos do que há 2 anos), por O2 puro que vem da água e da energia elétrica renovável, por via da eletrólise.
Adicionalmente vão passar a emitir menos dióxido de carbono, porque consomem menos metano, e consequentemente vão pagar menos taxas carbónicas. Vão emitir também menos NOx porque também tem menos azoto na zona de combustão, porque o oxigénio do ar que continha 71 % de azoto (N2) foi bastante reduzido por substituição com o oxigénio puro da eletrólise. O NOx é um gás residual da combustão e que se forma nas zonas de temperatura mais elevada das chamas, gás este que promove a formação de chuvas ácidas e desencadeia problemas respiratórios através da reação química direta como as mucosas dos seres vivos. Adicionalmente, as chamas de pré-mistura, enriquecidas com oxigénio (O2) puro apresentam mais componente radiativa e menos convectiva, o que garante que o calor é mais facilmente transferível para a carga nos fornos, garantindo uma melhor uniformidade e controle de temperatura. Todas estas consequências positivas da combustão assistida com oxigénio só serão possíveis devido à instalação massiva e descentralizada de eletrolisadores, onde será possível ter a produção local de um combustível verde (hidrogénio) e de um oxidante, (oxigénio puro) a partir de água e, graças ao desenvolvimento da economia do hidrogénio e oxigénio a nível local e global, permitirá que as economias sejam mais descarbonizadas e seguras energeticamente, e como bónus consigam ser mais eficientes.
do Processo Image by jcomp on FreepikINDÚSTRIA CERÂMICA/CRISTALARIA E CHOQUE ENERGÉTICO, QUE FUTURO?
Por João Garrido Engenheiro e Fundador da Caparica SolarisPresentemente estamos a viver um choque energético sem precedentes no qual se está a estabelecer um grande desequilíbrio entre a procura e a oferta de energia. Os produtos energéticos estão bastante caros e o acesso a matérias-primas como o gás natural podem estar em causa, pairando no ar o “fantasma” do racionamento ou mesmo de elevada escassez destes recursos. O Inverno que se aproxima será o grande teste de resistência contra os blackouts e toda a Europa será posta à prova como nunca antes visto. Analisando o mercado de futuros (OMIP) a tendência de elevados preços é bastante explícita, os contratos de gás para 2023 atingiram o valor de 178,01 EUR/MWh e os da electricidade 236 EUR/MWh, sendo que estes valores ainda poderão sofrer acréscimos consideráveis. Isto induz-nos a uma rápida conclusão, os tempos da energia cara vieram para ficar, não se perspectivando uma inversão deste rumo num futuro próximo. Apesar do exercício de “futurologia” do mercado da energia ser algo muito complexo e imprevisível, estando este fundamentalmente dependente de factores geopolíticos, o cenário de elevados custos de energia deverá ser aquele sobre o qual os industriais deverão delinear os seus planos de gestão presente e futura.
Esta situação está a lançar uma onda de choque que está a afectar de uma forma bastante acentuada toda a indústria europeia, sendo de destacar o grande impacto que os industriais nacionais da cerâmica e cristalaria estão a sofrer neste preciso momento. O elevadíssimo valor do gás natural está a causar um cenário bastante crítico, com as facturas energéticas a crescer muitas vezes (nalguns casos 10 vezes), tendo como principal consequência o cancelamento de encomendas e até mesmo o “layoff” de algumas unidades industriais.
O desafio actual é extremo, em que para além de se ter que gerir a crise, também têm que ser contempladas acções de descarbonização da indústria, ao mesmo tempo que se pretende reduzir o consumo energético e a dependência face ao exterior. É importante referir que não
existem medidas milagrosas, nem ninguém tem uma “varinha de condão” para resolver todas estas questões no imediato. No entanto, interessa referir que as medidas do curto prazo irão ter um forte impacto no futuro, pelo que é fundamental nunca perdermos o foco no futuro.
Para mitigar a presente situação é fundamental que os industriais tenham uma postura muito pró-activa e que tomem diversas medidas no curto e no médio/longo prazo. Passo então a elencar um conjunto de medidas que julgo serem úteis, apesar de muitas já serem largamente conhecidas e terem sido parcialmente discutidas.
Medidas de curto prazo:
1. Organização das compras de energia
Seria muito importante que todos os industriais se pudessem unir e fazer uma central de compras de energia para contratar gás natural e electricidade como um todo. Deste modo poderão ganhar mais peso negocial e conseguir melhores condições contractuais por parte dos fornecedores de energia, nomeadamente a obtenção de melhores preços fixos no médio prazo.
2. Eficiência Energética
Considerando que se trata de um sector electrointensivo estando sujeito ao Comércio Europeu de Licenças de Emissão (CELE) já muito foi feito ao nível da eficiência energética, no entanto importa assumir que muito mais ainda pode ser feito, nomeadamente a realização de pormenorizadas auditorias energéticas com uma maior frequência. Os equipamentos de medição têm evoluído muito e cada vez é possível monitorizar os consumos com maior detalhe. Para além disso, tem havido uma grande evolução tecnológica a todos os níveis, sendo exemplo os novos equipamentos de aproveitamento do calor residual do processo. A digitalização também tem sofrido avanços consideráveis, nomeadamente as tecnologias associadas à indústria 4.0.
3. Utilização de energias renováveis
Utilização de energia solar. Presentemente já é bastante rentável utilizar sistemas fotovoltaicos para produção de electricidade para autoconsumo, sendo esta uma medida
João Garridode fácil implementação, bom retorno económico e que poderá reduzir significativamente a factura da electricidade. Para além disso, a utilização de sistemas de energia solar térmica também poderão ser uma boa opção para o aquecimento de águas sanitárias e também para aquecimento ou pré-aquecimento de águas de processo.
Outra tecnologia que está cada vez mais acessível e que poderá ser implementada no curto/médio prazo é a utilização de gás sintético de biomassa. Esta tecnologia é muito interessante porque é facilmente adaptável à grande maioria dos equipamentos que funcionam a gás natural, no qual se poderão adaptar os queimadores para bifuel , especificamente o gás sintético de biomassa e o gás natural. Esta é uma alternativa e complemento ao gás natural, sendo que também contribui para a redução das emissões de gases de estufa.
Medidas de longo prazo:
1. Mudança tecnológica
É cada vez mais evidente de que o caminho a seguir é a electrificação havendo um grande desenvolvimento tecnológico no sentido de substituir as tecnologias de queima de combustíveis por processos eléctricos, nomeadamente fornos eléctricos, bombas de calor de alta temperatura, entre outras. A título de exemplo em Espanha está a ser desenvolvido um projecto de inovação tecnológica no sector da cerâmica, o projecto GREENH2KER, no
qual um grande industrial estabeleceu uma parceria com umas das principais empresas eléctricas e um fornecedor de equipamentos. Este projecto tem como principal objectivo a redução da utilização de gás natural através da utilização da combinação de diversas tecnologias como: energia solar, electrolisadores, produção de hidrogénio verde, bombas de calor e processos de reaproveitamento de calor residual.
2. Aprovisionamento de Energia Verde
A crescente electrificação irá aumentar o consumo de energia eléctrica nas unidades industriais e apesar de existir uma grande possibilidade de produção própria, como anteriormente foi referido, esta quantidade de energia auto-produzida não será suficiente para colmatar todas as necessidades. Torna-se imperativo estabelecer contratos de longo prazo com produtores independentes de energias renováveis, através de contratos de aquisição de energia verde (também conhecidos por power purchase agreements ). Esta medida tem sido amplamente desenvolvida nos Estados Unidos da América e no Norte da Europa. Na Península Ibérica os produtores de energias renováveis são cada vez mais competitivos principalmente os que estão a desenvolver projectos solares e eólicos. Deste modo poder-se-á assegurar o acesso a energia verde, a preços baixos, constantes e previsíveis no longo prazo.
3. Parcerias de Investigação e Desenvolvimento
Cada vez a tecnologia evolui mais rapidamente e é fundamental que as empresas nacionais estejam a competir de igual para igual nos mercados mais exigentes e como tal é imperativo que exista um constante desenvolvimento e adaptação tecnológicos. É imprescindível que se criem condições para a construção de ecossistemas de Investigação e Desenvolvimento (I+D), nomeadamente através de parcerias com as universidades e as empresas produtoras de equipamentos. Deste modo poder-se-á desenvolver muito capital intelectual e criar mais hipóteses de acesso ao financiamento, especificamente aos fundos europeus no âmbito dos Next Generation EU, Innovation Fund, Horizon, Repower EU, entre outros.
A título de conclusão torna-se cada vez mais evidente que vivemos tempos de grande disrupção, pelo que é cada vez mais urgente que as empresas tenham capacidade de adaptação aos grandes choques que vivemos e aos que se avizinham. Como tal é essencial que se reduza o consumo de gás natural o mais rapidamente possível, sendo que a elevada dependência deste combustível fóssil poderá levar a grandes desastres económicos, nomeadamente o encerramento de muitas indústrias europeias e empresas do sector. Para além disso, se queremos levar a sério o grande desafio e ameaças das alterações climáticas temos que deixar de queimar combustíveis fósseis no curto prazo. As evidências são mais do que muitas, este Verão estamos a assistir a ondas de calor em toda Europa, incêndios, rios a secar … A bem da economia e do clima temos que migrar para uma sociedade livre de combustíveis fósseis, caso contrário teremos que pagar uma factura demasiado elevada!