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Energia
H 2 , UMA MOLÉCULA PEQUENA PARA UM PROBLEMA ENORME!
por Nuno Vitorino, Diretor Comercial da Induzir
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H2 no contexto Europeu
O rápido desenvolvimento industrial nas últimas décadas, juntamente com o aquecimento global e a taxa de redução de recursos de natureza fóssil, originou uma necessidade urgente para encontrar novas fontes de energia limpa e desenvolver tecnologias mais eficientes de utilização de energia. O Roteiro de Energia¹ emitido pela Comissão Europeia explora a transição do sistema energético com o objetivo de tornar compatíveis as medidas adotadas para a redução de gases de efeito estufa, e destaca a eficiência energética como um dos pilares para a melhoria da
¹ Commision E. European Commission´s communication ´Energy Roadmap 2050´, 2012 ² Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2) competitividade e da sustentabilidade da economia europeia. Por este motivo há diretrizes claras para o desenvolvimento e investimento na eficiência energética de todos os setores de atividade, com foco no setor industrial, que apesar do seu consumo ter recuado nos últimos anos, continua a ser um dos maiores consumidores. Assim, a União Europeia pretende chegar à neutralidade carbónica até 2050, sendo que para o horizonte 2030 definiu as seguintes metas²: • 30-35% de quota de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto; • 30-35% de redução do consumo de energia; • 35-40% de redução das emissões de gases com efeito de estufa relativamente aos níveis de 1990; • 10-15% de interligações elétricas.
Mais recentemente (final 2019) foi apresentado o Pacto Ecológico Europeu, criado para potenciar a utilização eficiente dos recursos no sentido de promover uma transição para uma economia assente na neutralidade carbónica, onde constam medidas como: • Apoiar a inovação industrial, investindo na implementação de tecnologias limpas, com vista à descarbonização dos seus processos; • Implantar formas de transporte (público e privado) mais limpas, baratas e saudáveis; • Assegurar o aumento da eficiência energética não só das operações unitárias que suportam a indústria, mas também dos edifícios; • Desenvolver com as entidades internacionais a melhoria das normas ambientais globais.
Adivinha-se que nas próximas décadas, a indústria de processos de fabrico se transforme profundamente para cumprir a visão estratégica delineada pelo
Pacto Ecológico Europeu de ter uma economia com zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa. A descarbonização irá afetar irreversivelmente os principais sectores económicos, incluindo a energia, transportes, indústria e agricultura. As indústrias, e em particular aquelas que são utilizadoras intensivas de energia, deverão reinventar-se uma vez que serão obrigadas a profundas mudanças na utilização e racionalização das diversas fontes de energia, com consequências inequívocas nas características dos produtos fabricados.
H2 no contexto nacional
Tendo por base as diretrizes apresentadas pela União Europeia, Portugal desenvolveu o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC2050), onde consta a estratégia a médio-longo prazo para diminuir as emissões de gases com efeito de estufa. O RNC2050 indica que para atingir a neutralidade carbónica em 2050 é necessário baixar 85-90% (45 a 55% dos quais até 2030) a emissão de gases com efeito de estufas (ano de referência 2005) e ser capaz de capturar entre 10 e 13 milhões de toneladas de CO2 em 2050. Para além disso, o caminho para a neutralidade carbónica implica a total descarbonização dos sistemas de produção de eletricidade, da mobilidade urbana e alterações relevantes dos hábitos da sociedade de forma a utilizar a energia de uma forma racional e eficiente. Neste enquadramento, no final do ano passado Portugal enviou para a Comissão Europeia o Plano Nacional Energia e Clima (PNEC) para o período 2021-2030, onde apresentou os objetivos para o setor da energia. A saber: i) atingir pelo menos 80% de renováveis na produção de eletricidade; ii) diminuir a dependência energética do exterior; iii) reduzir em 35% o consumo de energia primária, por melhoria de eficiência. Em linha com as diretrizes da Comissão Europeia, o PNEC atribui uma relevância significativa ao papel do Hidrogénio como via para o cumprimento das metas de descarbonização estabelecidas, e identifica-o como uma das principais áreas que no curto prazo será alvo de forte investimento não só do ponto de vista regulamentar, mas também do ponto de vista de financiamento em novas tecnologias. Para isso, uma questão chave é: “Como produzi-lo!?”. Muito se tem discutido ao longo dos últimos meses em torno desta pergunta, se por via cinzenta, azul ou verde… Pois bem, não é objetivo desta publicação fazer juízo de valor acerca deste tema, nem falar das vantagens e desvantagens de cada um dos processos de produção de Hidrogénio, mas independentemente disso, tendo em mente os objetivos propostos, o foco tem efetivamente de estar assente neste objetivo comum, a descarbonização. As questões que diariamente ouvimos acerca da maturidade da tecnologia, custo-benefício de uma opção em detrimento de outra, etc., estão suportadas em questões de natureza técnica, política, económica e estratégica e cuja decisão final para além de extremamente difícil será sempre apoiada por uns e criticada por outros. Não obstante a divergência de opiniões, perfeitamente aceite e compreensível num estado democrático, o ponto mais importante a reter é que a Europa e Portugal não estão parados. Estão sim a trabalhar no sentido de conseguir obter condições para a produção de Hidrogénio e com isso tentar inverter o rumo, pois há cada vez mais evidências científicas de que o sistema energético atual, por libertar grandes quantidades de gases de efeito de estufa, está a provocar mudanças climáticas no nosso planeta, com implicações que atualmente já são avaliáveis e que no futuro serão imprevisíveis.
H2 na Indústria Cerâmica
Na Europa, a Indústria Cerâmica na sua globalidade é um sector que emprega mais de 200.000 pessoas, contribuindo para um balanço francamente positivo do comércio externo. Em Portugal são já mais de 1100 empresas neste setor, que empregam cerca de 16 000 trabalhadores e no seu conjunto representam cerca de 0,5% do Produto Interno Bruto³. É do conhecimento geral que a Indústria Cerâmica tem operações unitárias que operam em condições de temperatura da ordem das várias centenas de graus centigrados, motivo pelo qual o consumo energético tem uma expressão relevante. Em média a energia representa 30-40 % dos custos de produção, onde o gás natural representa cerca de 85%, sendo os restantes 15% ocupados pela energia elétrica⁴. Num contexto de descarbonização, a utilização de eletricidade verde permitirá reduzir as emissões indiretas proveniente do uso da eletricidade, contudo outros esforços tecnológicos são necessários para conseguir uma redução drástica das emissões provenientes do uso dos combustíveis fósseis. A Indústria Cerâmica tem ao longo das últimas décadas mostrado que de uma forma geral é uma indústria que aposta fortemente na inovação, tanto nos produtos como nos processos. Prova disso são as reduções significativas de consumo específico de energia nos últimos 20 anos, muito à custa do desenvolvimento da engenharia
³ Dados 2015 ⁴ “Paving the way to 2050: the ceramic industry roadmap”, CERAM-UNIE, the European Ceramic Industry Association, 2012.
de fornos em termos de design e eficiência da cozedura, da otimização dos ciclos de cozedura e do investimento em mais e melhores sistemas de controlo. Os objetivos severos de descarbonização sobre os quais teremos de trabalhar ao longo das próximas décadas obrigam a que ocorram desenvolvimentos rápidos e profundos dos processos de cozedura. Neste sentido, a incorporação de novos combustíveis limpos afigura-se como uma das alternativas promissoras, considerando que o “todo elétrico” não se vislumbra uma opção técnica e economicamente viável para esta indústria. De acordo com um dos mais recentes roadmaps da associação europeia SPIRE (Sustainable Process Industry Through Ressource and Energy Efficiency)⁵, que estabelece as grandes transformações e linhas de I&DT necessárias para que as indústrias de processos da Europa atinjam, entre outros desafios, a neutralidade carbónica em 2050. Neste roteiro, o gás natural massivamente utilizado como fonte de energia para o processamento cerâmico de média e alta temperatura (secagem e cozedura) deverá progressivamente ser substituído por processos inovadores, incluindo as tecnologias de cozedura assistidas por campos elétricos, ou ainda secagem sob vácuo. A eletrificação parcial é considerada possível (desde que vencidas as limitações técnicas), mas ainda não é economicamente viável, daí o facto das bioenergias e o hidrogénio serem apontadas como alternativas viáveis desde que sejam desenvolvidos/adaptados os queimadores para o processo, uma vez que o hidrogénio, leia-se misturas de hidrogénio e gás natural, tem uma dinâmica de combustão que claramente terá de ser ajustada, face à realidade atual.
Não é novidade que nas próximas décadas haverá uma alteração do paradigma da energia à escala global. No caso concreto da Indústria Cerâmica, há questões de natureza técnica que têm de ser salvaguardadas, ou pelo menos os industriais e decisores têm de estar conscientes do que pode acontecer. Assim, note-se que do ponto de vista puramente termodinâmico para que os materiais adquiram as suas propriedades finais é necessário fornecer energia, independentemente da fonte. Contudo, há aspetos relacionados com transferência de calor e cinética das reações químicas, que esses sim estão relacionados com os mecanismos que dinamizam os processos e que podem impactar com a dinâmica dos processos produtivos. Para além disso, a alteração do combustível causará sem qualquer dúvida alteração nas atmosferas dos equipamentos térmicos, que podem ou não ter impacto na qualidade do produto final. No enquadramento acima, é importante que a possibilidade esteja identificada e que pelo menos as equipas técnicas, operacionais e de ID das empresas estejam preparadas para o que pode surgir, pois em articulação com os produtores/fornecedores de matérias-primas e de equipamentos terão um papel de extrema relevância na estabilização/adequação das condições de processo que irão advir da alteração do paradigma energético.
Em suma:
A descarbonização é fundamental para o Equilíbrio?
Sim, fundamental, necessário e imprescindível!
O Hidrogénio é uma via para a atingir? Sim, sendo um combustível que não emite GEE, a sua utilização pode e deve ser analisada, estudada, e se for caso disso implementada!
As metas para a descarbonização propostas pela tutela Europeia e Nacional são razoáveis e exequíveis? Em boa verdade são metas ambiciosas. Sabe-se que o papel dos decisores, mais do que executar é tentar estimular o tecido que os rodeia para que um determinado objetivo se concretize. Dito isto, mesmo admitindo que as metas são ambiciosas, é necessário ter a perceção (possivelmente os decisores tiveram isto em conta) de que há causas que exponenciam mais o foco e a dedicação dos executantes do que outras. E esta é efetivamente uma delas! Assim, é dever de todos os setores refletir, estudar, analisar e propor medidas para que os resultados finais sejam o mais próximo possível das metas agora estabelecidas.
A Indústria está preparada para o que se avizinha?
Gostava de estar enganado, mas na generalidade estou convencido que não. No entanto, o período temporal em que nos encontramos permite ainda alguma margem. Contudo, 2021 é um ano chave para as empresas, instituições de ID e de IDT se preparem para as dificuldades que podem advir desta alteração de paradigma.
⁵ P4Planet 2050 Roadmap, SPIRE - Sustainable Process Industry Through Ressource and Energy Efficiency, Final Report, March 2020