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Secção Jurídica

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Investigação

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SUSTENTABILIDADE: LUCRO E PROPÓSITO - A IMPORTÂNCIA DAS EMPRESAS NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO MELHOR

por Filomena Girão e Maria Inês Basto, FAF Advogados

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Para Milton Friedman, a única responsabilidade social de uma empresa era a maximização do seu lucro e, por conseguinte, a maximização do retorno do investimento dos seus accionistas. À luz da doutrina daquele Nobel das Ciências Económicas – que se tornou dominante durante o século XX – o papel das empresas estaria confinado à prossecução dos seus interesses financeiros, deixando-se para o Estado a função (ou, melhor, o propósito) de implementar políticas sociais, de interesse público, que salvaguardassem o bem-estar geral das pessoas. Hoje, todavia, não é esse o comportamento que se espera das empresas, quer sejam públicas ou privadas, de pequena, média ou de grande dimensão. Actualmente, e, desde logo, por pressão da própria sociedade-cliente-consumidor, exige-se que as empresas, de uma forma ética, consciente e sustentável, sirvam um propósito bastante mais abrangente, capaz de criar valor, não só para os seus accionistas, mas também para a comunidade em que se inserem. Exige-se-lhes um propósito social, integrado numa estratégia empresarial que vá muito além da maximização do lucro a curto prazo, que se enquadre nos factores de sustentabilidade ESG (da sigla em inglês, Environmental, Social e Governance) - factores que, por sua vez, deverão estar alinhados com os Objectivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas. Sendo aqueles factores ESG indicadores do impacto social da actividade empresarial: i) ao nível da sustentabilidade ambiental, espera-se que a empresa tome medidas de redução da sua pegada ambiental, assim promovendo a protecção e qualidade do meio ambiente; ii) ao nível da sustentabilidade ou responsabilidade social, exige-se que a empresa promova, respeite e proteja os Direitos Humanos, a começar pelos direitos dos seus trabalhadores, colaboradores, parceiros, e até fornecedores, promovendo, ainda, a saúde e segurança no local de trabalho e a inclusão de grupos vulneráveis ou minoritários; e, iii) ao nível de governance, ou boa governação, pretende-se que a empresa implemente mecanismos e procedimentos éticos e transparentes e que incorpore medidas anticorrupção. Em suma, exige-se das empresas a integração nos seus modelos de negócio de estratégias compatíveis com um desenvolvimento sustentável, plenamente considerado, equivalendo isto a dizer um “desenvolvimento que satisfaça as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades,

Filomena Girão e Maria Inês Basto

garantindo o equilíbrio entre o crescimento económico, o cuidado com o ambiente e o bem-estar social” (Relatório Brundtland, 1987). Apesar do conceito de factores de sustentabilidade ESG ter surgido inicialmente no sector financeiro, e sendo este até ao momento o sector mais regulamentado nesta matéria, o reconhecimento da sua importância não é hoje um fenómeno exclusivo daquele sector, das grandes empresas ou das empresas cotadas em bolsa. Na verdade, existe hoje uma visão da sustentabilidade empresarial mais abrangente e mais comprometida com a sociedade, que tem despoletado uma reflexão e uma regulamentação crescentes em quase todos os sectores de actividade, envolvendo cada vez mais empresas, independentemente do seu objecto e da sua dimensão. Sinal disso mesmo é a mais recente Proposta de Directiva relativa à Comunicação de Informações sobre Sustentabilidade pelas Empresas, apresentada pela Comissão Europeia no passado dia 21 de Abril de 2021, que propõe alterar as Directivas 2013/34/UE, 2004/109/CE e 2006/43/CE e, ainda, o Regulamento (UE) n.º 537/2014, melhorando o reporte de sustentabilidade, “a fim de explorar melhor o potencial do mercado único europeu para contribuir para a transição para um sistema económico e financeiro plenamente sustentável e inclusivo, em conformidade com o Pacto Ecológico Europeu e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas”. E, mais, embora o âmbito de aplicação desta Proposta de Directiva continue a visar essencialmente as grandes empresas, nela se prevê igualmente a sua aplicação às PME’s cotadas em mercado regulamentado pela União Europeia dentro de três anos, recomendando-se, mesmo, a aplicação voluntária a todas as PME’s. Em jeito de conclusão, tal não quer dizer que responsabilidade social e lucro sejam conceitos antagónicos, ou sequer que a prossecução deste tenha sido substituída por aquela. Bem pelo contrário! Pela nossa experiência na área laboral e de compliance, é nossa convicção que as empresas que entendem a sua sustentabilidade de forma plena e abrangente (visando o lucro, promovendo políticas de protecção ambiental e assumindo uma vocação social com a sua comunidade envolvente) tornam-se mais sólidas e prósperas, e encontram-se mais preparadas para enfrentar crises sociais e económicas. Num mundo cada vez mais global, e especialmente num contexto de pós-pandemia, a preocupação das empresas com a sua sustentabilidade – representando esta a soma de lucro e propósito - determinará o seu comprometimento com as pessoas e este, por seu turno, será definidor do nosso futuro.

O PARADIGMA DA CIRCULARIDADE NO SETOR DA CONSTRUÇÃO: DESAFIOS E CONTRIBUTOS DO CECOLAB

por João Nunes¹, Amanda Diniz Barros,

Mariana Fonseca, Filipa Figueiredo, Jorge A.

Pinto Paiva, Associação CECOLAB²

O CECOLAB é um laboratório colaborativo dedicado ao tema da Economia Circular, denominado por Associação CECOLAB – “Collaborative Laboratory Towards Circular Economy e com sede em Oliveira do Hospital, na região interior Centro de Portugal. Iniciou as suas atividades em fevereiro de 2020 e tem como missão: i) apoiar a transição para uma economia responsável para com os recursos e as pessoas, mais eficiente no seu ciclo de vida, desenvolvendo e transferindo conhecimento e tecnologia para o mercado; ii) criar emprego científico altamente qualificado; e iii) assumir a liderança e o posicionar Portugal a nível internacional na área da Economia Circular. O CECOLAB desenvolve soluções sustentáveis de mercado no âmbito da Economia Circular para Cadeias de Valor Estratégicas (Floresta, Agroindústria, Resíduos Urbanos, Água, Indústria de Manufatura e Construção e a Servitização), apoiadas em três plataformas tecnológicas: Biotecnologia Industrial; Processos de Separação Sustentáveis e Química Verde; e Ecodesign. O CECOLAB oferece serviços de consultoria em gestão de inovação de alta qualidade, suporte ao desenvolvimento de escala tecnológicas do nível TRL4 para TRL9, assessoria e transferência de conhecimento para o mercado, agregando valor e possibilitando o crescimento económico em todos os níveis. O CECOLAB integra na sua estrutura mais de 25 recursos humanos multidisciplinares altamente qualificados e em permanência, com formação desde a Biotecnologia, Química, Engenharia Civil, Mecânica e de Materiais, Informática e Eletrónica, Meio Ambiente, Economia e Ciências Sociais ao Direito. A Associação reúne entidades de excelência, tendo como associados universidades (U.Minho, U.Porto, U.Aveiro, U.Coimbra, U.NOVA de Lisboa e U.Católica Portuguesa), empresas (BLC3 Evolution, Aquitex, Lipor, Mota Engil, TMG, RAIZ: Grupo Navigator) e entidades de interface (ISQ e LNEG). O CECOLAB é reconhecido como infraestrutura de investigação e ciência com interesse nacional estratégico na área da Economia Circular (Roteiro Nacional de Infraestruturas de Investigação de Interesse Estratégico Nacional despacho nº 4157/2019). O setor da construção requer iniciativas inovadoras pela sua importância económica, abrangência territorial e dependência de extração de materiais, e geração de grandes volumes de resíduos de construção e demolição.

Presidente CECOLAB João Nunes -

1 Autor correspondente: president@cecolab.pt 2 Associação CECOLAB – Collaborative Laboratory towards Circular Economy

Este setor foi considerado prioritário no Pacto Ecológico Europeu e no novo Plano de Ação para a Economia Circular em Portugal (PAEC - Resolução do Conselho de Ministros n.º 190-A/2017 – D.R. n.º 236/2017), devido à elevada quantidade de recursos que emprega nas várias atividades e à extensa cadeia de valor. Foi estabelecido que o sector da construção deverá transitar para um modelo de Economia Circular, construindo e renovando o parque edificado de forma eficiente em termos de utilização de energia e recursos e de redução e valorização dos resíduos gerados, indo ao encontro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS) definidos na Agenda 2030, sendo estes: ODS7 “Garantir o acesso a fontes de energia fiáveis, sustentáveis, e modernas para todos”, ODS11 “Tornar as cidades e comunidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis” e ODS12 “Garantir padrões de consumo e de produção sustentáveis”. Contudo, muitas das intervenções necessárias a efetuar neste setor estão logo na fase de projeto. A fase de projeto é uma fase chave do ciclo de vida da construção para uma transição para a Economia Circular, e que necessita igualmente de desenvolvimentos de novos conhecimentos, abordagens e tecnologias. O CECOLAB posiciona-se como uma entidade determinante na transição para a circularidade do setor da construção. Nas diversas áreas de atuação do setor da construção pode-se destacar a contribuição do CECOLAB em atividades de investigação e inovação direcionadas para a Economia Circular, nomeadamente: • Projeto circular: O projeto circular surge como área de investigação para ser aplicado ao projeto de edifícios, no processo de conceção e montagem e na articulação de eventuais desmontagens no fim de vida do edificado. O ecodesign e a avaliação do ciclo de vida, na perspetiva do “berço ao berço”, assumem um papel fundamental logo na fase de projeto para o aumento da circularidade do setor da construção, e na consideração do edificado como um banco de materiais. Desta forma, cada parte ou etapa de uma construção é considerada pelo seu valor próprio e como parte de um ciclo que deve ser (re)integrado.

Cada um dos bancos de materiais tem duração diferente e o projeto baseado na visão circular deve ter este aspeto em consideração. Destaca-se, neste caso, a necessidade de estudos relativos aos “passaportes de materiais” visando permitir às empresas a total rastreabilidade dos materiais durante o ciclo de vida completo das obras, no qual a digitalização assume um papel relevante, assim como, as tecnologias de “Building Information Modeling” (BIM) e

“Radio-Frequency IDentification” (RFID). Por outro lado, a integração dos conceitos de Ecodesign (eficiência nos fluxos de massa) e da arquitetura bioclimática com o uso inteligente de energia (eficiência nos fluxos de energia), desde o processo de projeto, potenciará a aplicação com elevado impacte circular no setor da construção: desde a vertente do ato da construção à utilização do espaço, terminando com a fase de demolição ou nova utilização do espaço (por exemplo, passar de um espaço residencial para de serviços); • Descarbonização do setor da construção: Para se assegurar uma descarbonização do setor da construção a curto prazo e com viabilidade para uma estratégia a médio e longo prazo, a composição (armazenamento de carbono) e origem de materiais a usar, as técnicas de construção e as medidas de compensação carbónica, são três áreas de elevado foco de atividade do CECOLAB para contribuir para a neutralidade carbónica no setor da construção;

• Eficiência de recursos (mássicos e energéticos)

no uso do ambiente construído: Na ótica do uso eficiente de recursos no setor da construção é importante uma abordagem sistémica, desde a vertente da construção de um edifício ou estrutura, até à sua utilização. Podemos conceber um edifício em que a construção represente um uso eficiente de recursos mássicos e energéticos, contudo, não significa que depois o seu uso – e numa perspetiva holística de

Ciclo de Vida completo – represente um aumento da

eficiência de recursos. Neste contexto, o CECOLAB, e sabendo da importância que representa o uso do ambiente construído para o cumprimento das metas e objetivos da Economia Circular, apresenta uma visão e abordagem integrada: a Construção e o Uso do Ambiente Construído. Na vertente do uso do ambiente construído inclui-se a dimensão (i) mássica, ao longo da vida do ambiente construído, pela composição, o tempo de vida útil e a capacidade e impacte circular em novas utilizações no final de vida dos materiais e produtos usados; e a (ii) energética, pela capacidade de por unidade útil de ambiente construído – e para os padrões de base de conforto térmico e de digitalização – termos um uso mais inteligente da energia (mais eficiente e acessível), permitindo depois um menor impacte a montante no uso de recursos na geração dessa energia; • Resíduos de Construção e Demolição (RCD): Em 2018, ao setor da construção destinaram-se 28.7 % do total de matérias-primas e 54.3 % do total de minerais não metálicos nos 27 países da União Europeia.

O setor da construção e o setor extrativo das minas e pedreiras totalizam 62.5 % do total de resíduos. A quantidade de RCD foi de 136 kg/per capita em Portugal em 2018, valor relativamente reduzido quando comparado com a média da EU27, de 1870 kg/per capita. Em 2018, em Portugal, a taxa de resíduos minerais não perigosos provenientes de RCD que foi recuperada através de reciclagem foi de 31.91 % (79.4% na UE27), sendo maioritariamente valorizada através de atividades de preenchimento. O desenvolvimento de soluções circulares para a valorização mássica e económica de RCD é um desafio global atual e urgente. Um dos objetivos de investigação & inovação do CECOLAB é o desenvolvimento de soluções alternativas de reuso, reciclagem e valorização deste tipo de resíduos, reinserindo-o no ciclo produtivo da construção e numa lógica de hierarquização de uso dos resíduos. Este tipo de solução permitirá reduzir o impacte deste setor na natureza e na utilização de matéria-prima virgem, aumentando o consumo de matérias primas secundárias provenientes de RCD.

O CECOLAB ambiciona para o setor da construção, e para os demais, garantir a cooperação internacional para o aumento da capacidade de escala/resposta a curto prazo. De referir que o CECOLAB é um dos promotores e signatário da Carta de Cooperação Mútua (21 de abril de 2021) assinada entre a CECOLAB, o CBIEC - Centro Brasileiro de Inovação em Economia Circular e a Rede de Economia Circular Africana (ACEN) com o objetivo de estabelecer programas de colaboração técnico-científica para a implementação de soluções de Economia Circular que facilitem a interação e troca de conhecimento entre a Europa, América Latina e África. Esta mudança de paradigma é visível através da aposta na criação e na dinamização de redes pré-existentes e do diálogo interinstitucional, no âmbito da Economia Circular, desde os CoLAbs às entidades governamentais, academia, empresas e entidades internacionais.

Agradecimentos:

O CECOLAB agradece o apoio financeiro no âmbito do projeto “Contratação de Recursos Humanos altamente qualificados”, CENTRO-04-3559-FSE-000095 do Programa Operacional Regional do Centro (Centro2020), através do FEDER, no âmbito do acordo de parceria Portugal2020 e à Fundação para a Ciência e Tecnologia.

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