6 minute read

Investigação

CIRCULARIDADE DE RESÍDUOS INDUSTRIAIS NA CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL – AS COBERTURAS VERDES

por Joana Carvalho, (PhD) – Coordenadora do Departamento de IDT do CVR – Centro para a Valorização de Resíduos

Advertisement

As práticas de construção sustentável estão em constante evolução, de forma a poderem abranger abordagens e prioridades variadas. Definições comummente disseminadas, referem a construção sustentável como a prática de criar estruturas e utilizar processos ambientalmente responsáveis e eficientes em termos de recursos, ao longo do ciclo de vida de um edifício, visando reduzir os impactos negativos para a saúde e meio ambiente causados, quer pelo processo construtivo ou pelas edificações, quer pelo ambiente edificado. A sustentabilidade no âmbito da construção inclui conceitos-chave como a escolha de materiais não tóxicos, a redução e reutilização de recursos, e mais recentemente, a minimização de resíduos e sua possível reutilização e incorporação em novos materiais. Seguindo os pressupostos da sua missão e visão, de ser a interface dedicada ao desenvolvimento e implementação de opções inovadoras e ambientalmente corretas de gestão integrada de resíduos, escoradas nos princípios de economia circular, o CVR participa no consórcio EGR – EcoGreenRoof, cujo objetivo é o desenvolvimento de substratos ecológicos, através da seleção e utilização de resíduos industriais de base orgânica e inorgânica, para aplicação em coberturas verdes. Trata-se de um projeto cofinanciado pela União Europeia através do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, enquadrado no Programa Operacional da Competitividade e Internacionalização do Portugal 2020. Uma cobertura verde também conhecida como cobertura viva, com vegetação ou ecológica é um telhado de edifício parcial ou totalmente coberto com vegetação plantada num meio de cultivo (substrato) sobre uma membrana à prova de água. O conceito foi projetado e desenvolvido para promover o crescimento de várias formas de plantas no topo de edifícios e, assim, promover benefícios estéticos, ambientais e económicos. No século XIX, os engenheiros escandinavos começaram a usar casca de bétula e grama nos telhados para garantir o isolamento térmico em climas húmidos e frios. As atuais coberturas verdes ainda podem ser

construídas de acordo com o conceito da técnica ancestral, mas os avanços tecnológicos tornam-nas muito mais eficientes, práticas e benéficas do que as suas homólogas ancestrais. A crescente preocupação com o meio ambiente que começou na década de 1970, especialmente nas áreas urbanas da Alemanha, introduziu oportunidades para o pensamento, política e tecnologias ambientais progressistas que levaram à adoção pela Alemanha, em 1982, das primeiras regras profissionais de coberturas verdes. A necessidade de uma maior diversidade funcional conduziu à definição de diferentes tipologias de coberturas verdes, classificadas como intensivas, semiextensivas e extensivas, tendo em conta critérios como profundidade, tipo de substrato para a camada de crescimento (e, portanto, carga adicional), tipo de plantas e requisitos para a sua manutenção. De forma breve, as coberturas verdes intensivas são semelhantes aos antigos jardins de cobertura, onde as plantas são mantidas de forma individual, como se estivessem instaladas num jardim na base do edifício. A profundidade do perfil de solo é de, pelo menos, 15 cm, utilizando-se, atualmente substratos mais leves, de modo a minimizar a carga sobre a estrutura do edifício. São coberturas preparadas para ter acesso, mas, usualmente executadas como paisagem para serem observadas do interior do edifício. As coberturas ajardinadas extensivas não são executadas para uso humano regular, e muitas vezes nem sequer estão visíveis. As plantas são tratadas em massa, sendo as operações de manutenção executadas por toda a área. Em qualquer caso, este tipo de cobertura é usado para reduzir a manutenção ao mínimo. A profundidade do perfil de solo varia entre 2 e 15 cm reduzindo de forma considerável o acréscimo de carga que este tipo de cobertura implica no edifício. Finalmente, no conceito de coberturas verdes semiextensivas, respeita-se o princípio de menor input ecológico, são utilizados perfis de substrato leves entre 10 a 20 cm que permitem uma vasta escolha de espécies e demonstra-se que as coberturas extensivas podem ser visitáveis e utilizáveis, desde que projetadas para tal. As coberturas verdes multicamadas comuns incluem cinco camadas: uma membrana impermeável e resistente às raízes, uma camada de drenagem, uma filtrante, um substrato de crescimento (médio) e vegetação no topo. Estudos prévios relataram que as propriedades dos substratos das coberturas verdes têm uma grande influência na capacidade de retenção de água, bem como na sua purificação. Os substratos das coberturas verdes devem ser leves para atender às restrições de peso das estruturas dos edifícios, fornecer boa drenagem para canalizar o excesso de água do telhado, ter baixo conteúdo orgânico para evitar a decomposição e colapso da camada de crescimento e devem ser capazes de garantir um crescimento eficiente das plantas. Normalmente, os substratos das coberturas verdes compreendem uma única camada composta por uma mistura de matéria orgânica (por exemplo, húmus amadurecido e estabilizado, turfa, entre outros) e matéria inorgânica (por exemplo, perlite, tijolos triturados, rochas vulcânicas e argila expandida). Geralmente, o substrato tem que desempenhar o papel de solo para o crescimento das plantas fornecendo humidade, nutrientes e suporte físico. Apesar de várias pesquisas terem sido conduzidas sobre novos materiais de substrato, as suas propriedades biológicas e influência no crescimento da vegetação, os efeitos dos componentes individuais do substrato (por exemplo, o seu conteúdo mineral, tipo de matéria orgânica, de aditivos artificiais, ou proporções de mistura) sobre o crescimento e desempenho fisiológico da vegetação são pouco conhecidos. Os componentes orgânicos e inorgânicos dos substratos podem ser substituídos por materiais reciclados, por exemplo, composto, lamas de ETAR, resíduos de tijolos e telhas, resíduos de papel, material calcário e também resíduos industriais como areias de fundição, escórias, refratários de fundição e lamas. No entanto, estudos anteriores focaram nos efeitos no crescimento das plantas, mas não na qualidade da

água drenada. Os substratos mostraram influenciar a qualidade da água que os atravessa e, portanto, a utilização de materiais reciclados deve considerar não apenas os seus efeitos nas plantas, mas também na qualidade do lixiviado. Assim, idealmente, é expectável que um substrato beneficie o crescimento da planta e, simultaneamente, produza poucos contaminantes. O objetivo do projeto EGR foi produzir substratos para coberturas verdes, utilizando resíduos industriais em substituição de componentes orgânicos e inorgânicos e avaliar os seus efeitos no crescimento das plantas e na qualidade do lixiviado. Simultaneamente, foi observada a biocenose eucariótica da rizosfera, tendo sido identificados e quantificados os organismos eucarióticos nos substratos, bem como avaliada a sua relação com o crescimento das plantas e a qualidade da água. Os substratos utilizados foram produzidos com quantidades definidas de resíduos industriais, em substituição dos componentes normalmente utilizados, como rocha vulcânica ou argila expandida e turfa. Os resíduos industriais foram identificados e posteriormente selecionados em diversos tipos de indústrias, como o setor cerâmico e as fundições. Os substratos orgânicos habituais foram substituídos por um composto proveniente de resíduos sólidos urbanos. O sistema desenvolvido assenta num processo de transformação e valorização dos resíduos de diferentes setores económicos e sua reutilização como recursos de forma transversal, resultando na obtenção de produtos de valor acrescentado e eco-eficientes. A utilização destas matérias-primas alternativas permitirá reduzir substancialmente o custo dos substratos, o que conduzirá à diminuição do custo final das coberturas verdes. As melhorias ambientais, associadas à diminuição dos custos de produção e instalação, poderão tornar a utilização de coberturas verdes num processo generalizado, no contexto das infraestruturas verdes das cidades, promovendo uma melhor qualidade ambiental dos espaços urbanos. Até ao momento, embora preliminares, os resultados são promissores, abrindo caminho para uma nova via na construção sustentável em alinhamento com os conceitos de economia circular e os princípios de hierarquia de gestão de resíduos.

This article is from: