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Arquitetura

SOLUÇÕES GLOBAIS COM SABERES LOCAIS

por Pedro Ressano Garcia, arquitecto

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A marca Architecture made in Portugal tem força, está saudável e recomenda-se. No nosso atelier, em Portugal, estamos interessados no futuro e em conhecer como pensam as futuras gerações. Privilegiamos uma abordagem contemporânea e ecológica, alinhada pela perspectiva da biofilia.

Atualmente, as cidades enfrentam enormes custos para fazer face às alterações climáticas. Segundo os dados disponíveis, os três principais efeitos (o efeito de ilha de calor urbano, as inundações e as cheias) podem ser combatidos com a mesma estratégia: o efeito esponja. As autarquias, investidores público-privados e os particulares melhorarão a sua resiliência e terão menos custos (mitigação) ao implementar soluções de adaptação a novos padrões climáticos, ao mesmo tempo que apoiam e mobilizam a sociedade civil para comportamentos mais sustentáveis, pessoais ou em redes comunitárias. A concretização do conceito da cidade esponja permitirá absorver inundações e marés, estabilizar a temperatura, para combater o efeito de ilha de calor urbano, e garantir menores consumos energéticos. O investimento na vegetação, em espaços públicos permeáveis, e a sua aplicação nas fachadas e coberturas dos edifícios, combinado com a aplicação do isolamento térmico com cortiça (sendo Portugal o 1º produtor mundial desta matéria-prima), a utilização de águas cinzentas para rega a custo zero, e a micro-produção de energia, permitirão ao país promover estratégias de Construção Sustentável/ Economia Circular. Atualmente há legislação desatualizada e, por conseguinte, serviços municipais que travam esta oportunidade. O governo é responsável por atualizar procedimentos de maneira a viabilizar a convergência entre o conceito e a sua implementação. Portugal tem ótimas condições para implementar, otimizar e exportar conhecimento sobre as melhores práticas de adaptação, resiliência e descarbonização. A liderança a nível europeu permitirá angariar fundos comunitários suplementares e vender a outros países este know-how. Desde o início de 2019 que tenho feito a coordenação de um projeto de investigação H2020 (sos climate waterfront 823901), na Universidade Lusófona, que desenvolve soluções para as cidades ribeirinhas face às alterações climáticas, centrado em cinco casos de estudo: Estocolmo, Roma, Gdansk, Tessalónica e Lisboa. A subida do nível do mar, marés altas, tempestades e inundações aumentam a vulnerabilidade dos territórios ribeirinhos urbanos. As transformações necessárias enfrentam anos de discussões e/ou ações judiciais envolvendo perdas e custos significativos, antes que as cidades adaptem efetivamente as frentes ribeirinhas às mudanças climáticas. A resiliência é transformadora e, em cada transformação, tenta criar uma cidade mais forte e melhorada. O efeito das mudanças climáticas está a aumentar a um ritmo sem precedentes que exige adaptação e transformação de territórios vulneráveis. Esses problemas afetam não apenas o meio ambiente e a economia local, mas também todos os cidadãos ou mesmo os turistas. Soluções duradouras, estratégias eficientes e imaginativas criam cidades mais resilientes, apoiam uma orla urbana sustentável e melhoram comunidades saudáveis, – esses fatores são essenciais para sustentar a vida na frente ribeirinha. A costa portuguesa, se seguir a tendência de outros países, tenderá para aquilo que o Eric Van Hooydonk escreveu no seu livro Soft Values of Seaports e que reúne um consenso junto de outros autores sobre a valorização de soft edges, as linhas de costa que não procuram controlar a natureza mas dialogar e negociar com as suas forças. A solução soft edge dá prova de ser mais eficaz, mais resiliente e menos dispendiosa. O diálogo e a

negociação implicam um conhecimento dos parâmetros climáticos e uma previsão das suas alterações. O S.O.S .Climate Waterfront visa melhorar estruturas sustentáveis que favoreçam a descoberta de novas soluções e estratégias que possam combater a vulnerabilidade da frente ribeirinha urbana. O projeto beneficia de condições especiais porque é financiado diretamente pela Agência Europeia de Investigação, ou seja, tem autonomia financeira relativemente ao poder local. Um dos maiores problemas tem sido a falta de autonomia do pensamento inovador face às opções do poder local. Para promover uma visão abrangente ouvimos especialistas locais, representantes municipais, agentes económicos e académicos internacionais que trabalham juntos na procura das melhores soluções. O conceito de desenvolvimento humano mais amplo é transversal a todas as ações de pesquisa do nosso projeto de acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. S.O.S. Climate Waterfront vai além da dimensão económica, passando a refletir sobre características culturais, políticas, ambientais e sociais que influenciam a qualidade de vida humana no contexto da transformação climática. O principal objetivo é expandir o campo de possibilidades para que o ambiente urbano possa adaptar-se, transformar-se, e criar oportunidades na promoção da economia circular. Entre os nossos parceiros europeus partilhamos informação sobre experiências urbanas que desenvolvem o quarteirão ideal, uma solução que conjuga sustentabilidade ambiental e social. Registamos um conflito entre a geração dos mais velhos e dos mais novos. A modernidade valorizou a capacidade da civilização dominar a natureza, a tecnologia garantiu a sua aparente eficácia e contagiou a cultura dominante. Há uma grande percentagem de decisores que acredita na modernidade e na consequente capacidade de controlar a natureza. No século XXI há uma crescente tendência para questionar esse controle, há cada vez mais personalidades que duvidam da sua eficácia e despertam os mais jovens para a fragilidade desse domínio. A perceção de que o homem não domina a natureza tem crescido exponencialmente entre os jovens adultos que começam a desconfiar dos mais velhos, pela maneira como devoram os recursos naturais, o ritmo a que se perde biodiversidade e o estado em que lhes entregam o planeta.

Edifício em ferro e cortiça, sala de pequeno almoço, Companhia das Culturas, 2017, Fig.1 - Castro Marim, Ressano Garcia Arquitectos

A valorização de bens comuns, tal como a qualidade do ar, começa a estar na agenda da comunidade. Registamos melhorias ao nível do ambiente construído, dos materiais, do comportamento térmico dos edifícios e da mobilidade urbana sempre que adoptam uma filosofia actual de redução da pegada ecológica e diminuição do consumo energético. As manifestações de jovens europeus (Fridays for future) têm tido um crescente impacto. Na minha opinião, é surpreendente ainda não ter havido uma manifestação específica contra a implementação do aeroporto no Montijo, com massivas emissões de CO2 sobre um estuário que voltou a ter golfinhos e algas integrados num sistema ecológico que regenera o ar que respirado na Área Metropolitana de Lisboa. A continuada usurpação dos recursos naturais e a tomada de decisões que negligenciam as futuras gerações assumem expressões diferenciadas sem valorizar os bens comuns da comunidade. Actualmente, temos tecnologia para proceder a grandes transformações no território ribeirinho, construir em altura e subterrâneos, reconduzir águas, controlar o nível freático, as tempestades e as marés extremas. Porém, os eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes e o aumento exponencial do ritmo de catástrofes demonstram que as previsões de cenários futuras são tímidas. Alguns projectos colocam as comunidades numa situação precária. O ambiente edificado é danificado, e não resiste porque não está adaptado. Tem pouca resiliência. Partilhamos ainda que, no nosso projeto de investigação, estamos a recolher dados relacionados com registos históricos e geográficos de frentes ribeirinhas específicas que são utilizados para construir padrões de desenvolvimento, alimentar algoritmos e integrar o suporte de inteligência artificial para projetar possíveis cenários futuros. As soluções para as mudanças climáticas só podem ter sucesso em garantir uma cidade resiliente se também envolverem os cidadãos interessados nos desafios e soluções das mudanças climáticas e promovendo possíveis mudanças nos estilos de vida. No atelier, procuramos dar resposta à construção sustentável / economia circular desenhando projetos de pegada leve. A leveza influencia a escolha dos materiais, a geometria e a orientação solar dos projetos. Nos nossos edifícios optamos por utilizar estratégias passivas e de baixo consumo para alcançar conforto térmico. É inaceitável as emissões de CO2 que alguns edifícios produzem ao depender exclusivamente de meios mecânicos para controlar a temperatura ambiente. No século XX o gosto dominante valorizou grandes envidraçados, muita luz e espaços rasgados pela transparência com o exterior. No século XXI emergem soluções inteligentes de baixo consumo energético, equilíbrio térmico passivo e materiais ecológicos. As coberturas verdes, terraços ajardinados, fachadas verdes e o revestimento integral de edifícios com isolamento térmico são algumas soluções que deverão ser integradas nos futuros planos municipais e que neste momento enfrentam um bloqueio por parte das instituições responsáveis regidas por legislação desatualizada. A contemporaneidade assiste a uma nova estética, uma nova sensibilidade para a arquitectura, onde surgem estruturas não lineares, geradoras de sensações de equilíbrio precário, complexo, aleatório, valorizando geometrias sobrepostas e ambientes de mutação flexível como no projecto para a Central Eléctrica Ecológica, de Ressano Garcia Arquitectos que recebeu a Menção Honrosa no Concurso Internacional em Taiwan.

Menção Honrosa no concurso internacional da Central Elétrica Ecológica em Taiwan, 2018, Ress Fig.2 - ano Garcia Arquitectos

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