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Investigação

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UMA AGENDA CIRCULAR PARA O CENTRO DE PORTUGAL

por Alexandra Rodrigues, Diretora de Serviços de Desenvolvimento Regional da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), Ana Pires, técnica superior da CCDRC e Teresa Jorge, Chefe de Divisão de Cooperação e Promoção da CCDRC

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A economia circular é um conceito amplo e transversal que parte de uma visão sistémica dos processos produtivos, na qual se evita o uso excessivo dos recursos ao reintegrar os produtos em final de vida num novo ciclo produtivo, usando fontes de energia renováveis e encarando os resíduos como potencial matéria-prima. Enquanto alternativa à Economia Linear, a Economia Circular aposta no prolongamento, pelo máximo tempo possível, do tempo de vida do produto e na recirculação dos materiais. A concretização eficaz deste modelo pressupõe um conjunto de estratégias que integram novos comportamentos e práticas, não só dos produtores, mas também dos consumidores. As políticas atuais mostram que a economia circular é um tema prioritário, estando em curso uma abordagem multinível com planos europeus, nacionais, regionais e locais. No plano europeu, destaca-se o lançamento do Pacto Ecológico Europeu em 2019 e de todo um conjunto de programas e pacotes financeiros alinhados com os mesmos objetivos para uma maior sustentabilidade ambiental. Em Portugal, o Plano Nacional para a Economia Circular (PAEC), promovido pelo então Ministério do Ambiente e aprovado em dezembro de 2017, é paradigmático desta profunda necessidade de mudança para alcançar um modelo económico sustentável. É de realçar que o PAEC previu, desde o início, uma abordagem territorial, abrindo espaço para cada região trabalhar uma agenda regional (de economia circular) – de forma articulada com o plano nacional – considerando as suas próprias especificidades, num processo de governação participada, assente em análise regional e identificando os setores de transição prioritários para cada território.

Governação

Do ponto de vista da Região Centro, este trabalho foi compreendido considerando como central a ideia de sustentabilidade no seu sentido mais amplo, na qual a economia circular é um eixo fundamental, a par do crescimento verde – concorrendo para uma economia verde –, e em articulação com o desenvolvimento humano e territorial. Desta forma, a Agenda Regional de Economia Circular do Centro (Agenda Regional) é um referencial estratégico desenhado de forma participada e coletiva (adotando o modelo de governação existente da Estratégia Regional de Especialização Inteligente – RIS3) e pensado para os desafios da região Centro. No âmbito da RIS3, que identifica a transição para a economia circular como um desafio central para a região, a Agenda Regional é a agenda transformadora da base produtiva da região.

Análise Regional

Tendo em conta as especificidades da região Centro, procedeu-se à análise do metabolismo económico regional – um trabalho complexo – mas que permite uma compreensão dos fluxos, consumos de materiais e resíduos que a “máquina produtiva” da re-

gião origina. O trabalho, feito em colaboração com a Universidade de Chalmers (Suécia), recorre a dados de 2013 e permite uma perspetiva “fotográfica” dos fluxos de materiais deste ano. Nesta análise destacam-se os minerais não metálicos no consumo, nas exportações, nas importações e na própria extração doméstica – sinalizando a importância que esta fileira tem para a região. Adicionalmente, quando identificamos os setores mais produtivos e os setores mais consumidores na região encontramos o fabrico de materiais de construção e as atividades especializadas de construção, respetivamente. Relativamente aos setores geradores de resíduos na região, o fabrico de minerais não-metálicos surge nesta lista em terceiro lugar. No seguimento deste trabalho e continuando a colaboração com a Universidade de Chalmers, avançou-se para um estudo do potencial de simbiose industrial considerando a relevância deste tipo de análises para o desenho de políticas sustentadas e de instrumentos adequados às necessidades do território. Apesar do estudo incidir sobre esquemas potenciais de simbioses industriais na área dos resíduos de madeira, fileira importante para a região, o objetivo da análise assenta também na testagem da sua metodologia para que se possa replicar noutros setores, nomeadamente a da indústria da cerâmica e da construção, pela relevância que este setor tem na região Centro.

Setores de transição

A cerâmica é um dos setores relevantes para a região – a análise regional demonstra-o claramente. Neste contexto, e tendo como base reuniões promovidas no âmbito de um projeto europeu apoiado pelo Horizonte 2020 (SCREEN), o setor da cerâmica apresenta um conjunto relevante de informações respeitantes às barreiras e soluções potenciadoras de circularidade. Segundo dados do CTCV (2018), os estudos efetuados e a prática existente no setor mostram a capacidade da indústria cerâmica para inovar no processo de fabrico e valorizar resíduos/subprodutos da própria e de outras indústrias, promovendo estratégias de economia circular e simbioses industriais. Há também vários exemplos de soluções de circularidade em estudo ou em prática pelas empresas portuguesas do setor, nomeadamente nas estratégias de ecodesign, simbioses industriais, prolongamento da extensão do ciclo de vida, ecoeficiência e valorização de resíduos e subprodutos. Por outro lado, e de acordo com o relatório produzido pelo CTCV, a indústria cerâmica é um consumidor intensivo de energia, especialmente na fase de produção, devido ao recurso a máquinas térmicas, tendo nesta fase o gás natural como principal fonte de energia primária. Também os resíduos produzidos constituem um aspeto ambiental relevante na indústria cerâmica. Importa, por isso, continuar a trabalhar e a investir de forma contínua com vista ao alcance de uma tecnologia mais sustentável e com menor impacto ambiental que se traduza na redução, não só do consumo energético do setor, como no uso intensivo do gás natural, assim como na diminuição e/ou (re)circulação dos resíduos produzidos, entre outras medidas. Perante todos estes desafios patentes ao longo da cadeia de valor da cerâmica, mas comuns, também, a muitos dos setores industriais que encontramos na região Centro, a transição da região para uma economia mais circular implica um esforço considerável por parte dos agentes políticos em colaboração estreita com o tecido empresarial e todos os demais atores que poderão contribuir para um crescente desenvolvimento económico sustentável dos territórios.

Um compromisso regional

A agenda regional para a economia circular surge, precisamente, para nortear este caminho incontornável, a percorrer coletivamente e de forma colaborativa, com vista ao alcance de uma transição circular, fomentando projetos e iniciativas inovadores e inclusivos com efeitos criativos e regenerativos. Embora esta seja uma corrida de fundo, compreendemos que é igualmente importante ter resultados de curto prazo, com elevado poder de demonstração, aquilo a que chamámos quick wins. Entre estes, destaca-se o Pacto Institucional para a Valorização da Economia Circular da Região Centro (Pacto), que surge em dezembro de 2019 como desafio lançado aos agentes regionais para assumirem o compromisso de desenvolverem ações que visam a promoção de práticas circulares. Por seu lado, a CCDRC assumiu como compromisso, proporcionar as melhores condições possíveis de divulgação e de comunicação do que de mais original e inovador se faz na região em termos de economia circular e, nesta perspetiva, efetuou uma parceria com a TSF para visibilizar as ações propostas pelos subscritores do Pacto.

De destacar que o Pacto foi assinado por 86 entidades de diversas tipologias (municípios, comunidades intermunicipais, associações empresariais e setoriais – incluindo o CTCV –, entidades do ensino superior, entre outras), propondo mais de 240 ações assentes em estratégias variadas como o combate ao desperdício e consumo responsável, a valorização dos circuitos curtos, as compras circulares, os novos modelos de negócio e desmaterialização, o ecodesign e eco-conceção, a produção de conhecimento, a reutilização, reparação e remanufactura, a valorização dos subprodutos e resíduos, as simbioses industriais ou as ações de capacitação, sensibilização e de disseminação, só para citar alguns exemplos. São diversas as ações que focam o tema da construção sustentável, entre as quais se destacam a criação de um laboratório de Ecodesign, Sustentabilidade e Inovação, a sensibilização e capacitação de empresas na gestão dos RCD, estudos de metabolismo, fomento da valorização energética e/ou recuperação de recursos naturais a partir de lamas na produção de novos materiais, sensibilização setorial para as avaliações de ciclos de vida de produto e ferramentas de eco-inovação e eco-design ou a promoção da utilização de materiais recicláveis nas empreitadas e outras intervenções de construção. Para além do Pacto, a Agenda Regional contempla ainda outros projetos que estão em curso e que têm um efeito demonstrador enquanto casos de sucesso, assumindo uma clara via de promoção para uma transição mais circular. Em jeito de conclusão, importa sublinhar que a crise pandémica que vivemos atualmente realçou a urgência para a necessidade de uma maior sustentabilidade e colocou em questão os nossos modos de vida, a forma como viajamos, como consumimos – o que consumimos. A economia circular oferece oportunidades valiosas para mitigar e reverter a pressão crescente sobre os recursos cada vez mais finitos do nosso planeta. Neste sentido, e para que a transição circular seja uma realidade cada vez mais tangível, é fundamental contar com a atuação e atividade dos diversos agentes, promovendo lógicas colaborativas que são absolutamente centrais neste processo.

Nota: as informações e detalhes sobre os projetos referidos e outras iniciativas desenvolvidas no âmbito da Agenda Regional de Economia Circular do Centro podem ser consultadas em http://agendacircular.ccdrc.pt/

O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL É UMA RESPONSABILIDADE DE TODOS NÓS

por Teresa Ponce de Leão, Presidente LNEG (Laboratório Nacional de Energia e Geologia)

O crescimento sustentável constitui um dos principais objectivos da União Europeia (UE) e das Nações Unidas. Perante a escassez global de recursos naturais, reduzir a pressão sobre os recursos tornou-se prioritário. A definição da Agenda 2030, um marco histórico de 2015, comporta 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) segundo as dimensões, sociedade, economia e ambiente, promovendo a paz, a justiça e instituições eficazes e responsáveis. Os ODS representam uma visão comum para a Humanidade, um contrato entre os líderes mundiais e os povos. Outro marco a referir é o Acordo de Paris com o objectivo da descarbonização das economias mundiais, estabelecendo, no longo prazo, o limite do aumento da temperatura média global abaixo dos 2 graus centígrados, acima dos níveis pré-industriais conforme o Relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (2019). Estes dois marcos conjugados com uma nova comissão europeia e o efeito COVID-19, assim como alterações de peso na política mundial, vieram trazer às políticas europeias e do mundo uma nova clarividência no que à necessidade de descarbonização diz respeito. O Pacto Ecológico Europeu, alicerçado no Plano de Acção para a Economia Circular, é o roteiro europeu para o crescimento sustentável. Esta iniciativa legislativa e as iniciativas complementares, de caráter obrigatório ou facultativo, serão concretizadas por forma a reforçar a coerência com os atuais instrumentos de regulamentação dos produtos nas diferentes fases do ciclo de vida. A Comissão pretende que os princípios da sustentabilidade dos produtos venham a orientar a evolução das políticas e das iniciativas legislativas em geral estando em estudo a introdução de requisitos obrigatórios para aumentar a sustentabilidade, não só dos produtos como também dos serviços e a introdução de requisitos relacionados com aspetos ambientais e sociais ao longo das cadeias de valor, incluindo no âmbito das regras da Organização Mundial do Comércio. A título de exemplo, o facto de garantir a acessibilidade de determinados produtos e serviços não só contribui para a inclusão social como pode também ter a vantagem de aumentar a durabilidade e a reutilização dos produtos.

Produtos sustentáveis

Considera-se que a fase da conceção dos produtos é determinate e responsável por um impacto ambiental de cerca de 80 %. Faltam regras e incentivos que induzam a aposta na circularidade dos produtos, para que se altere o padrão próprio da economia linear: «extrair, fabricar, utilizar e deitar fora». A energia, sector incontornável para a descarbonização, deu forma a uma abordagem sistémica e integrada o que implica o funcionamento e planeamento do sistema energético como um todo, através da articulação dos múltiplos vectores energéticos como a eletricidade, o gás e o calor, de múltiplas infraestruturas, e diversos sectores de consumo, principalmente indústria, edifícios e transportes, respeitando as regras para a descarbonização. Do ponto de vista do sistema, é importante otimizar a utilização de recursos e materiais para as tecnologias de energias renováveis. Devem ser concebidos para a durabilidade, reutilização e refabricação, em vez de os comprometerem a encontrar vias de gestão e de recuperação de resíduos sub-óptimas. Trata-se de uma gestão eficaz dos seis pilares que presidem à gestão integrada de sistemas onde os princípios consagrados na Directiva da Concepção Ecológica estão presentes no pilar, Economia Circular que tem vindo a ganhar destaque na descarbonização e na gestão inteligente dos sistemas. É uma ferramenta que contribui com novas soluções para os desafios globais do desenvolvimento sustentável. Ao abordar as causas fundamentais do desperdício e da poluição, a economia circular tem como objetivo primordial manter os produtos e materiais em uso e regenerar os sistemas naturais. É definido como um sistema regenerativo no qual a entrada de recursos e resíduos, as emissões e as fugas de energia são minimizados pela gestão optimizada dos ciclos de material e energia. Isto pode ser conseguido através de design dos processos e dos materiais garantindo a durabilidade, a manutenção, a reparação, a reutilização, a refabricação, a remodelação e a reciclagem. As tecnologias de energia renovável, como as turbinas eólicas, os painéis solares e as baterias eléctricas, são fundamentais para combater as alterações climáticas e contribuir para o futuro da energia com baixo teor de carbono. No entanto, a circularidade da transição energética limpa deve ser parte do processo no abastecimento de materiais para infraestruturas de energias renováveis, na circularidade nos processos de fabrico e na sua durabilidade e eventual eliminação ou reutilização no final da vida útil.

Capacitação de consumidores e adquirentes públicos

No tema da capacitação, uma das acções centrais prende-se com garantir que a informação seja clara e simples. A participação será incentivada defendendo o consumidor através um conjunto de indicadores acessíveis no momento da aquisição de qualquer produto, em particular: A vida útil; a disponibilidade de serviços de reparação; a disponibilidade de peças sobressalentes; a disponibilidade de manuais de reparação. Será igualmente importante proteger os consumidores contra o branqueamento ecológico e a obsolescência prematura, estabelecendo requisitos mínimos para os rótulos/logótipos de sustentabilidade e os instrumentos de informação. Os Estados, conscientes que o poder de compra das autoridades públicas representa 14 % do PIB da UE, aperceberam-se que actuar pelo exemplo seria essencial e impulsionador da procura de produtos sustentáveis. Para tirar partido deste potencial, a vão ser definidos critérios e metas mínimas obrigatórias em matéria de contratação pública ecológica na legislação setorial e introduzidos requisitos de comunicação obrigatória e de monitorização.

Processos produtivos e circularidade

A circularidade nos processos produtivos constitui um aspeto essencial da transformação da indústria em direção à neutralidade climática e à competitividade a longo prazo, podendo gerar reduções substanciais de custos ao longo das cadeias de valor e dos processos produtivos, criar valor acrescentado e abrir oportunidades económicas. Em sinergia com os objetivos estabelecidos na estratégia industrial, são necessárias medidas de incentivo com vista a uma maior circularidade na indústria através de: • Inclusão de práticas de economia circular nos próximos documentos de referência sobre as melhores técnicas disponíveis; • Promoção da simbiose industrial através de um sistema de certificação e de comunicação de informações liderado pela indústria; • Apoio do setor de base biológica através da execução do plano de ação para a bioeconomia; • Promoção da utilização de tecnologias digitais para a gestão de informação e mapeamento de recursos; • Adopção um sistema europeu de verificação como uma marca de certificação da UE.

A nova estratégia para as PME promove a colaboração industrial circular entre as PME, através de atividades de formação, da consultoria da Enterprise Europe Network sobre a colaboração entre grupos de empresas e da transferência de conhecimentos do Centro Europeu de Conhecimento em Eficiência de Recursos.

A circularidade no LNEG

O LNEG desde os anos 2000 que se tem vindo a capacitar e a investir em projectos com vista à economia circular. Mais recentemente criámos uma Unidade de Economia de Recursos que visa avaliar de forma rigorosa e sistemática o adequado uso dos nossos recursos numa perspectiva económica, ambiental e de circularidade. Para ilustrar, referimos: • Projeto (Des)Construir – gestão dos resíduos da demolição e construção • Definição de guias de auditoria de pré-demolição, desenvolvimento de um modelo de passaporte de materiais e modelação matemática da otimização de transporte e gestão de resíduos de construção • Projeto KATCH-e – Desenvolvimento de ma-

teriais e ferramentas para formação de designers, orientado para o setor da construção e mobiliário • Sinndesign (concluído) – Desenvolvimento de materiais e ferramentas de formação para a sustentabilidade para três setores relacionados com o "cluster Habitat"- Mobiliário, têxteis e materiais de construção. • Projeto LCIP (concluído) – auxiliou as PME a reduzir os impactes ambientais dos seus produtos e serviços ao longo de todo o seu ciclo de vida, em três setores de atividade: construção, gestão de resíduos e equipamentos para energias renováveis.

O LNEG é associado do Cluster Habitat Sustentável e do Laboratório Colaborativo de Economia Circular (que tem como um dos setores de intervenção o setor da construção). Coordenamos o projecto CIRCO Hub Portugal que se desenvolve no âmbito de um Protocolo de Colaboração Técnica e Financeira entre o Fundo Ambiental, o LNEG, o IAPMEI e a APA e consiste na implementação em Portugal do programa holandês CIRCO.NL (Creating Business through Circular Design). Aqui contribuiremos para a reutilização dos materiais garantindo o seu valor. Ao nível dos recursos minerais, desenvolvemos conhecimento com vista à salvaguarda e gestão sustentada destes recursos e disponibilizamos um instrumento para os industriais do setor e para o Ordenamento do Território. O LNEG sempre esteve e estará ao lado do sector empresarial fornecendo ferramentas de gestão eficiente da Economia Circular. O DS é uma responsabilidade de todos nós.

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