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MATERIAIS CERÂMICOS E DE CRISTALARIA VERSUS SEGURANÇA ALIMENTAR

por Marisa Almeida; Anabela Amado; Regina

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Santos; Alice Oliveira

1. Introdução

Os materiais e objetos destinados a entrar em contacto com os alimentos (MC) são toda e qualquer superfície que esteja em contacto com os géneros alimentícios ou que a isso se destinem, compreendendo todos os tipos de embalagem, louça de mesa e de cozinha, tubagens, depósitos, mesas de trabalho e a maquinaria e equipamento para processar alimentos (DGAV). A nível europeu, o Regulamento (CE) n.º 1935/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de outubro, estabelece genericamente as regras relativas ao fabrico e à comercialização dos materiais e objetos destinados a entrar em contacto com géneros alimentícios, por forma a que estes materiais sejam seguros e não transfiram os seus compostos para os alimentos em quantidades não aceitáveis. A Diretiva n.º 84/500/CEE do Conselho, de 15 de outubro, alterada pela Diretiva n.º 2005/31/CE da Comissão, de 29 de abril, estabelece a regulamentação da migração de chumbo (Pb) e cádmio (Cd) a partir dos objetos cerâmicos que se destinam a entrar em contacto ou estão em contacto, em conformidade com a utilização a que se destinam, com os géneros alimentícios. Esta Diretiva foi transposta para Portugal pelo Decreto-Lei n.º 190/2007, de 11 de maio. A migração de metais pesados da louça cerâmica encontra-se associada, de forma genérica, a determinadas matérias-primas utilizadas no processo de fabrico e indispensáveis para a obtenção do produto final pretendido/ /exigido pelo cliente, sendo por isso indispensável o setor conhecer os seus materiais e se necessário adaptar-se aos requisitos nacionais e internacionais.

2. Enquadramento legislativo

O Regulamento (CE) n.º 1935/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de outubro, relativo aos materiais e objetos destinados a entrar em contacto com os alimentos, estabelece requisitos gerais para todos os materiais em contacto com alimentos. A migração eventual de chumbo e cádmio a partir dos objetos cerâmicos que, no estado de produtos acabados, se destinam a entrar em contacto ou estão em contacto em conformidade com a utilização a que se destinam, com os alimentos encontra-se estabelecida na Diretiva n.º 84/500/CEE, do Conselho, de 15 de Outubro. Esta diretiva é uma medida específica na aceção do artigo 5º do Regulamento (CE) n.º 1935/2004. Para os produtos de vidro não existe uma legislação europeia harmonizada para se poder fazer a avaliação da migração dos vários componentes, no entanto as empresas sempre que necessário utilizam os valores de referência da cerâmica. Aquela Diretiva foi entretanto alterada pela Diretiva 2005/31/CE, da Comissão, de 29 de abril, no que diz respeito à declaração de conformidade e aos critérios de desempenho do método analítico. O Decreto-Lei n.º 190/2007, de 11 de maio, transpõe para a ordem jurídica interna (de Portugal) a Diretiva n.º 2005/31/CE, consolidando a transposição da Diretiva n.º 84/500/CEE, relativamente a objetos cerâmicos destinados a entrar em contacto com os géneros alimentícios. Em 2011 foi colocada a possibilidade da revisão da Diretiva n.º 84/500/CEE pela Comissão Europeia numa reunião do grupo de trabalho “FoodContact Material”, tendo

a indústria tomado conhecimento desta iniciativa em junho de 2012, nomeadamente através do 1.º draft da revisão da diretiva e foi consultada sobre o impacto da imposição dos novos limites à libertação de metais de recipientes de cerâmica e de vidro em contacto com os alimentos, no contexto da segurança alimentar, com o intuito de a Comissão Europeia perceber o impacto que a redução dos limites poderia ter nos agentes económicos.

A atual legislação comunitária em vigor é apenas para os produtos de cerâmica e os limites máximos admissíveis são apenas para a libertação de chumbo e cádmio, no entanto, com a sua revisão prevê-se uma extensão aos produtos de vidro e a inclusão de limites de libertação de outros metais pesados considerados perigosos e relevantes nos produtos por existirem em muitas matérias-primas e aditivos, tais como: cobalto (Co), cobre (Cu), manganês (Mn), níquel (Ni), selénio (Se), alumínio (Al), arsénio (As), bário (Ba), ferro (Fe), estanho (Sn), antimónio (Sb), zinco (Zn), vanádio (V), titânio (Ti) e crómio (Cr). Atualmente, as quantidades de chumbo e de cádmio cedidas pelos objetos cerâmicos não devem ultrapassar os limites indicados na Diretiva n.º 84/500/CEE, os quais estão divididos em 3 categorias, conforme Quadro I e as respetivas definições apresentadas. A redução dos limites propostos para chumbo e cádmio na louça cerâmica é bastante significativa, na ordem de 400 vezes inferior para o chumbo e 60 vezes inferior para o cádmio, no caso da categoria 2 (conforme se pode verificar do Quadro II). A atualização dos limites destes metais na louça cerâmica foi considerada como prioritária, tornando-se o principal objetivo da revisão, por isso os únicos valores apresentados no 1º draft daquela revisão. No entanto, encontra-se em aberto a possibilidade de inclusão de limites de libertação de outros metais pesados considerados perigosos e relevantes na louça utilitária colorida, assim como a extensão aos artigos de vidro doméstico.

Verifica-se que aqueles limites propostos são 200 vezes mais exigentes do que os limites estabelecidos pela ISO 7086-2 (internacional) e 10 vezes mais do que os limites mais rigorosos, que são os limites definidos atualmente pela Californian Prop 65 autorizado pela Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos. Desta forma, com a mudança dos limites de libertação de metais, a indústria cerâmica e vidreira necessita de se adaptar para cumprir com as novas exigências legislativas europeias, podendo ser necessário substituir alguns materiais e/ou métodos de produção.

3. Estudos desenvolvidos

As alterações da legislação que se advinham afetam de forma significativa a indústria, implicando um esforço suplementar dos diversos agentes envolvidos, nomeadamente produtores, fornecedores de matérias-primas e laboratórios, que obriga à realização de estudos e de desenvolvimento de novas matérias-primas e processos. Neste sentido, têm sido desenvolvidos diversos estudos pela indústria e centros de pesquisa na Europa para avaliar o impacto da proposta da Comissão em produtos

Quadro I Limites de cedência dos metais, em vigor (Diretiva 84/500/CEE) Limites de cedência dos metais

Categoria Chumbo Cádmio Categoria 1 (Flatware) 0,8 mg/dm2 50,07 mg/dm2 Categoria 2 (Small holloware) 4,0 mg/l 0,3 mg/l Categoria 3 (Large holloware) 1,5 mg/l 0,1 mg/l Categoria 1 (Flatware): Objetos que não são suscetíveis de enchimento; objetos que se podem encher, nos quais a altura interna, medida entre o ponto mais baixo e o plano horizontal que passa pelo bordo superior é inferior ou igual a 25 mm.

Categoria 2 (Small holloware): Todos os outros objetos passíveis de enchimento.

Categoria 3 (Large holloware): Utensílios de cozinha; Embalagens e recipientes para armazenagem com capacidade superior a 3 litros. Quadro II Limites de cedência dos metais no 1º Draft da revisão da Diretiva 84/500/CEE

Limites de cedência dos metais

Categoria Chumbo Cádmio Categoria 1 (Flatware) 2,0 µg/dm2 1,0 µg/dm2 Categoria 2 (Small holloware) 10,0 µg/l 5,0 µg/l Categoria 3 (Large holloware) 3,8 µg/l 1,9 µg/l

cerâmicos e de vidro, nomeadamente os estudos realizados pelo Joint Research Centre (JRC), laboratório de referência da União Europeia, de amostras de produtos de cerâmica e de vidro de embalagem de vários países da União Europeia, donde têm surgido várias publicações nos últimos anos. Destes recentes estudos destacam-se algumas importantes conclusões, nomeadamente: • A realização de três testes sucessivos de extração em vez de apenas uma extração, os quais refletem melhor a migração de metais na utilização repetida de louça cerâmica/vidro em contacto com os alimentos; • O ácido acético a 4% a 22ºC continua a ser considerado o melhor simulador, representando melhor as condições de uso de um alimento em louça cerâmica e vidro.

Em Portugal, o Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro (CTCV) desenvolveu um estudo (no âmbito do projeto SIAC, promovido pela APICER e concretizado pelo CTCV), onde foi realizada uma campanha de análise dos produtos de louça utilitária existentes no mercado (porcelana, faiança e grés) e produtos de vidro doméstico, determinando os valores de libertação de metais pesados. Os resultados obtidos nesse estudo permitiram verificar que, relativamente à louça cerâmica portuguesa, várias amostras apresentam valores acima dos limites propostos (no 1º draft da revisão da diretiva) para o cádmio e o chumbo, sendo estes essencialmente produtos de porcelana e alguns de faiança (Oliveira et al, 2018). No entanto, as amostras analisadas cumprem, sem qualquer problema, a legislação em vigor. No caso dos produtos de vidro, apesar de ainda não existir nenhuma proposta de valores-limite para esta tipologia, verificaram-se alguns valores acima do limite de quantificação do equipamento, nomeadamente o chumbo, cádmio, cobalto e cobre, salientando-se que alguns destes valores de chumbo e cobre são bastante significativos, prevendo-se alguma dificuldade para o setor cumprir os limites de chumbo e cádmio, se forem iguais aos da cerâmica, apresentados no referido draft. Constata-se que a maioria dos valores de chumbo e cádmio que se encontram acima dos limites propostos no draft, estão associados à utilização de decorações, essencialmente obtidas por terceiro fogo. Enquanto nas cores sólidas a maioria dos valores são inferiores ao limite proposto ou encontram-se abaixo dos respetivos Limites de Quantificação.

Os valores obtidos acima dos limites propostos no draft, para o chumbo e cádmio, são maioritariamente de produtos cerâmicos com decoração de tipo on-glaze. As decorações deste tipo são normalmente cozidas a temperaturas mais baixas que as decorações do tipo in-glaze. Como nas decorações tipo on-glaze não há uma penetração da decoração no vidrado, a migração de metais da decoração aplicada para os alimentos é facilitada, explicando os resultados obtidos. Foi ainda desenvolvido outro estudo, também no âmbito do projeto SIAC, promovido pela APICER e concretizado pelo CTCV, onde foi aprofundado a principal causa detetada como fonte de libertação de metais na louça cerâmica, as matérias-primas associadas a tintas e corantes, decalques e vidrados (Oliveira et al, 2018). Ver mais informações detalhadas na Kéramica nº 353. Os resultados do estudo ditaram que será essencial que na revisão da legislação seja considerado a 3ª lixiviação, em detrimento da 1ª, na medida em que a quantificação de metais é significativamente reduzida (Oliveira et al, 2018). E as empresas deverão ter como boa prática a colocação de fundente, como camada protetora, encapsulando as tintas/ /corantes no entanto, sempre avaliado caso a caso, com os diferentes fundentes atualmente disponíveis pelas empresas fornecedoras.

4. Conclusões

Todos os materiais que sejam concebidos para estar em contacto com os géneros alimentícios têm de ser seguros e não transferirem os seus compostos para os alimentos em quantidades não aceitáveis existindo, por isso, limites específicos impostos para a libertação potencial de substâncias durante o contacto com os alimentos, para que os consumidores estejam dentro do possível menos expostos. Na louça cerâmica e do vidro a migração de metais pesados encontra-se associada, de forma genérica, a determinadas matérias-primas utilizadas no processo de fabrico, sendo necessário a indústria cerâmica e do vidro estarem atentas e preparadas para as regras europeias e nacionais em vigor.

Bibliografia

https://www.dgav.pt/alimentos/conteudo/generos-alimenticios/garantir-a-seguranca-dos-alimentos/materiais-em-contacto-com-generos-alimenticios/ A. Oliveira, R. Santos, M. Almeida, A. Amado, “Avaliação e melhoria do desempenho da cerâmica e cristalaria em segurança alimentar”, Revista KÉRAMICA, n.º 353, pg. 7-11, julho/agosto 2018

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