vol. 1, n° 2, ano: 2013

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Samuel Rodrigues do Nascimento Maria do Socorro Pereira Lima Luciana Faria Angélica Rodrigues Lima Deuslene Teodoro Rego Eliane Martins de Freitas

Maria Nélia S. Gomes Veramar Gomes Martins Mariana Magri Rodrigues Anna Behatriz Azevedo Aishá kanda

vol.1, n°2, ano:2013


http://www.apublicada.com/

vol.1, n°2, ano:2013 ISSN 2317-580X EXPEDIENTE Edição Conselho Editorial

Projeto Gráfico Capa Endereço

Contato

Sainy Coelho Veloso Santiago Régis Dra. Fernanda Pereira da Cunha (EMAC/UFG) Dr. Marcelo Mari (IDA/UnB) Dra. Luciene Dias (FACOMB/UFG) Dra. Sainy C. B. Veloso (FAV/UFG) Dra. Eloísa Pereira Barroso (UnB) Santiago Régis Santiago Régis sob foto de Luciana Faria FAV/UFG Câmpus Samambaia (Câmpus II) Prédio da Reitoria CEP: 74001-970 Caixa Postal: 131 - Goiânia - Goiás apublicada@gmail.com


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EDITORIAL Eis aqui mais uma edição de nossa revista. Somos tão surpreendidos quanto vocês, a cada nova edição, pois não sabemos ao certo o que iremos receber, já que optamos por não delimitar temas para 2013. O que nos provocou uma grande emoção e curiosidade quanto aos textos e ensaios visuais inscritos para publicação. Todavia o acaso também tem suas confluências. Nesta edição percebemos a predominância da cultura popular. Os artigos abordam, em sua maioria, a arte brasileira em sua diversidade, a análise de artistas consagrados e a criação artística. Esperamos que bebam desta fonte e se deliciem. foto de LUCIANA FARIA

Feliz Final de Ano! Sainy Veloso, Santiago Régis


SUMÁRIO

ARTIGO

ESTÉTICA MANGUEBEAT

Samuel Rodrigues do Nascimento ARTIGO

ARTESANATO COMO MODO DE EXPRESSÃO E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES EM

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COMUNIDADES KALUNGAS

Maria do Socorro Pereira Lima ENSAIO VISUAL

CONCEIÇÃO

ARTIGO

ARTE BRASILEIRA

Luciana Faria

Uma relação [a]temporal entre a obra: Retirantes, de Cândido Portinari e a fotografia: Região do Lago Faguibine, de Sebastião Salgado.

Mariana Magri Rodrigues Angélica Rodrigues

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ARTIGO

QUESTÕES DE GÊNERO E ETNICO-RACIAIS A PARTIR DA LEITURA DA TELA

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A NEGRA DE TARSILA DO AMARAL

Deuslene Teodoro Rego Eliane Martins de Freitas ARTIGO

A IDÉIA ESCONDIDA EM “AS MENINAS”

Maria Nélia S. Gomes ENSAIO VISUAL

EU PERFORMER COSPLAY

ARTIGO

PENSAMENTO E COMUNICAÇÃO

Veramar Gomes Martins

Um ensaio de visualidades e interdisciplinaridades

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Mariana Magri Rodrigues ESPAÇO

QUARTO DE UM SONHO INSTANTE DE UM SUICIDA I

Anna Behatriz Aishá Kanda

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Samuel Rodrigues do Nascimento1

ESTÉTICA MANGUEBEAT

Resumo O tema a ser abordado nesse projeto é a estética manguebeat, onde pretendo identificar as diversas influências que ajudaram Chico Science, Fred Zero Quatro e Renato L. a escrevem o manifesto mangue e explorarem esses referencias em suas letras, roupas e atitudes. Desde a influência do livro Homens e caranguejos, de Josué de Castro até os elementos sociais que o mangue tem para a cidade de Recife, assim como as manifestações culturais regionais como a ciranda e o maracatu, até o rock, hip hop e música eletrônica. Acredito que essa pesquisa também será importante para difusão desse movimento que tem grande importância na cena local de Pernambuco, expandindo-se para outras vertentes, como a moda e as artes visuais e que é pouco propagado e conhecido pelo resto do país.

Palavras-chave Estética, mangue, manifestações culturais.

1 Artista plástico, professor de Artes Visuais e pes-

quisador do Centro de estudo e pesquisa Ciranda da Arte, junto à Secretaria de Educação do estado de Goiás. Formado em Artes Visuais, licenciatura pela Universidade Federal de Goiás. E-mail: samrodrigues@hotmail.com

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ARTIGO

Manguebeat, batida do mangue. A cena mangue surgiu em meados 1991, criado por um grupo de jovens da periferia de Recife, que pretendiam criar um núcleo de produção de idéias pop, misturando ritmos regionais como a embolada, a ciranda, o maracatu, com o rock, hip-hop, música eletrônica, entre outros. A ideia do mangue e do seu habitante mor, o caranguejo, que fazem parte do cenário da cidade de Recife, foram formuladas por Chico Science, da banda Chico Science e Nação Zumbi e de Fred 04, do Mundo Livre S/A, juntamente com Renato L. entre outros. Uma cidade que tem sua própria cena, com sua própria linguagem, seu próprio visual, seu próprio conceito, conceito inicial que faz analogia entre a diversidade dos mangues, diversidade ecológica, de espécies com a diversidade da cultura regional e universal. Essa mistura de ideias deriva de vários elementos que se relacionam com a cidade de Recife e o mangue, daí vem o manifesto, gírias, visual e imagens sintéticas como “parabólica na lama”, que representa a parabólica “incrustada na lama” captando o cenário pop mundial, e os “caranguejos de cérebro”, expressão que dá título ao manifesto mangue. A metáfora que tem referência no, Homens e caranguejos, de Josué de Castro, onde a vida dos habitantes das margens do mangue da cidade de Recife é comparada com a vida de um caranguejo. Além da poética do mangue, que é utilizada não somente nas letras, como na estética visual, até as performances que os integrantes fazem nos palcos, as letras tratam desde amor, diversão e tecnologia, a desigualdade social, fome, caos, entre outros.

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Figura. 01 MARACATU ATÔMICO Chico Science & Nação Zumbi

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Caranguejos com cérebro O Manifesto mangue – Caranguejos com cérebro foi redigido por Fred 04 e Renato L. em 1991. Dividido em três partes, o escrito trata primeiramente do aspecto geográfico da cidade do Recife, erguida as beiras do rio Capibaribe, sobre um enorme manguezal. Há uma analogia entre a fertilidade e biodiversidade do mangue e a diversidade e pluralidade das manifestações culturais presentes na cidade do Recife, aspectos até então marginalizados. Os autores se apropriam dos aspectos naturais e culturais da cidade para criar uma identidade que valorize a cidade, resgate o valor das tradicionais manifestações de cultura popular, mas que também esteja antenada com a cultura pop mundial. Segue o texto distribuído à imprensa em 1991:

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Manifesto mangue Caranguejos com cérebro Mangue, o conceito Estuário. Parte terminal de rio ou lagoa. Porção de rio com água salobra. Em suas margens se encontram manguezais, comunidades de plantas tropicais ou subtropicais inundadas pelos movimentos das marés. Pela troca de matéria orgânica entre a água doce e a água salgada, os mangues estão entre os ecossistemas mais produtivos do mundo. Estima-se que duas mil espécies de micro-organismos e animais vertebrados e invertebrados estejam associados à vegetação do mangue. Os estuários fornecem áreas de desova e criação para dois terços da produ-

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ção anual de pescados do mundo inteiro. Pelo menos oitenta espécies, comercialmente importantes, dependem dos alagadiços costeiros. Não é por acaso que os mangues são considerados um elo básico da cadeia alimentar marinha. Apesar das muriçocas, mosquitos, inimigos das donas de casa, para os cientistas os mangues são tidos como símbolo de fertilidade, diversidade e riqueza. Manguetown, a cidade A planície costeira onde a cidade do Recife foi fundada é cortada por seis rios. Após a expulsão dos holandeses, no século XVII, a (ex) cidade “maurícia” passou a crescer desordenadamente às custas do aterramento indiscriminado e da destruição dos seus manguezais. Em contrapartida, o desvairio irresistível de uma cínica noção de “progresso”, que elevou a cidade ao posto de “metrópole” do nordeste, não tardou a revelar seu fragilidade. Bastaram pequenas mudanças nos “ventos” da história, para que os primeiros sinais de esclerose econômica se manifestassem, no início dos anos 60. Nos últimos trinta anos, a síndrome de estagnação, aliada à permanência do mito da “metrópole” só tem levado ao agravamento acelerado do quadro de miséria e caos urbano. O Recife detém hoje o maior índice de desemprego do país. Mais de metade dos seus habitantes moram em favelas e alagados. Segundo um instituto de estudos populacionais de Washington, é hoje a quarta pior cidade do mundo para se viver. Mangue, a cena Emergência! Um choque rápido ou o Recife morre de infarto! Não é preciso ser médico para saber que a maneira mais simples de parar o coração de um sujeito é obstruindo as suas veias. O modo mais rápido, também, de infartar e esvaziar a alma de uma cidade como o Recife é matar os seus rios e aterrar os seus estuários. O que fazer para não afundar na depressão crônica que paralisa os cidadãos? Como devolver o ânimo, deslobo-

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tomizar e recarregar as baterias da cidade? Simples! Basta injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife.

Figura. 02 Chico Science & Nação Zumbi

Em meados de 91, começou a ser gerado e articulado em vários pontos da cidade um núcleo de pesquisa e produção de idéias pop. O objetivo era engendrar um “circuito energético”, capaz de conectar as boas vibrações dos mangues com a rede mundial de circulação de conceitos pop. Imagem símbolo: uma antena parabólica enfiada na lama. Os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em quadrinhos, tv interativa, antipsiquiatria, Bezerra da Silva, Hip-Hop, midiota, artismo, música de rua, John Coltrane, acaso, sexo não virtual, conflitos étnicos e todos os avanços da química aplicada ao terreno da alteração e expansão da consciência. A “cena” mangue não se restringe a uma batida única, a proposta é justamente uma fertilidade de ritmos, que explodiu em uma diversidade de bandas na cidade de forma harmoniosa, pois todos se consideram caranguejos sapiens.

Homens e caranguejos Josué de Castro, médico, professor, cientista, geógrafo, sociólogo, autor pernambucano, nascido em Recife em 1908, estabeleceu

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relações de comportamento entre o homem e o caranguejo. Publicou Geografia da fome, 1939 e Geopolítica da fome, 1951. A fome, que faz o paralelo com a vida no mangue é abordada de forma pioneira. O seu único romance, Homens e caranguejos, 1967, tem observações ligadas aos estudos de Josué com relação ao problema da desnutrição. O nome e as temáticas de Josué sobre a fome e o ecossistema de Recife aparecem em várias passagens das bandas e influenciou o ideário do manifesto mangue. A relação do homem, o caranguejo e a fome, formam o ciclo do caranguejo num cenário real da cidade de Recife na época. Se a terra foi feita para o homem, com tudo para bem servi-lo, o mangue foi feito especialmente para o caranguejo. Tudo aí é, foi, ou está para ser, caranguejo, inclusive a lama e o homem que vive nela. (...) O caranguejo nasce nela, vive dela, cresce comendo lama, engordando com as porcarias dela fabricando com a lama a carninha branca de suas patas e a geléia esverdeada de suas vísceras pegajosas. Por outro lado, o povo vive de pegar caranguejo, chupar-lhe as patas, comer e lamber os seus cascos até que fiquem limpos como um copo e com sua carne feita de lama, fazer a carne do seu corpo e a do corpo dos seus filhos. São duzentos mil indivíduos, duzentos mil cidadãos feitos de carne de caranguejo. O que o organismo rejeita volta como detrito para a lama para virar caranguejo outra vez. Nesta aparente placidez do charco desenrola-se, trágico e silencioso, o ciclo do caranguejo. O ciclo da fome devorando os homens e caranguejos, todos atolados na lama. (CASTRO, 2010, p. 26-27). A identificação com a figura do caranguejo foi apropriada por Chico Science para ilustrar aquele que habita a cidade de Recife. Science vê essa condição fértil do ecossistema como algo altamente positivo e vital para a noção de cultura híbrida, chamando as pessoas que aderiram à cena de mangueboy e manguegirl. As mazelas sociais que castigavam Recife transformaram-se em letras e fortaleceram a estética mangue.

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Manifestações culturais A diversidade desse ecossistema reflete-se também na sonoridade, a antena incrustada na lama, representa a valorização da cultura local antenando-se com a cultura mundial. Os ritmos regionais passaram a fazer parte, não só os ritmos, como as roupas e danças fazem parte da estética mangue. Do maracatu, além dos elementos sonoros, há a influência da dança e da caracterização de seus personagens. Do maracatu rural são utilizados vestimentas e instrumentos que representam o caboclo de lança, personagem folclórico desta tradicional manifestação de cultura popular, e que é representado por Chico Science e Nação Zumbi em seus shows. Outras importantes manifestações de cultura utilizadas como referencial para a construção da “cena” mangue são o maracatu nação, o coco de roda, ciranda, a embolada, o forró, entre outros numa simbiose perfeita com ritmos como o rock, hip-hop, música eletrônica, reggae, fazendo um som experimental, onde a criatividade e a originalidade não têm limites. Esse movimento tornou possível o resgate de manifestações populares pouco propagadas na cidade do Recife. Algumas das manifestações citadas acima, são tradicionalmente ligadas à zona rural do estado, tendo tido pouca visibilidade na cena cultural da capital. A mescla de sons e ritmos possibilitou que jovens, e principalmente jovens socialmente marginalizados, pudessem ter conhecimento de sua própria cultura, mas também que pudessem produzir a partir de suas vivências e cotidiano uma arte própria e singular. Em consonância com a tendência mundial da arte urbana, envolvida com o cotidiano, que expõe e critica a desigualdade social, a fome, a falta de espaços de diversão para os jovens, as drogas, o sexo, e muitas outras questões atuais como a tecnologia, o cinema e modos de expansão da consciência, o “movimento” mangue traz aos jovens a possibilidade de resistência frente ao mundo caótico no qual vivemos. Expressão disso é o disco Da Lama ao Caos, que faz referência ao mangue e a cidade, e aos habitantes dessa metrópole “incrustada na lama”. ARTIGO

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Considerações finais Essa pesquisa possibilitou uma experiência de re-conhecimento de minhas raízes, enquanto indivíduo que reconhece e valoriza as diversas formas de manifestações culturais presentes em nossa sociedade. Através deste estudo pude analisar e discutir a organização e importância do movimento Manguebeat para o cenário cultural brasileiro. Acredito que essa pesquisa também será importante para difusão desse movimento que tem grande importância na cena local de Pernambuco, expandindo-se para outras vertentes, como a moda e as artes visuais e que é pouco propagado e conhecido pelo resto do país.

Referências CASTRO, Josué. Homens e caranguejos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. CASTRO, Josué. Geografia da fome: o dilema brasileiro: pão ou aço. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. MELO NETO, João Cabral de. O rio. Morte e vida Severina e outros poemas para vozes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. TELES, José. Do frevo ao manguebeat. São Paulo: Ed.34, 2000. Ocupação <Disponível em: http://www.itaucultural.org.br/ocupacao. Acesso em: 31/08/12>. Josué de Castro - Cidadão do Mundo <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=Ob92n3OGtaA. Acesso em: 09/11/12>. Chico Science - Movimento Manguebeat [Documentário Completo] <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=E-H_sDlXWWw. Acesso em: 12/11/12>. O Mundo é Uma Cabeça - Chico Science e o Mangue Beat [Documentário Completo] <Disponível em: http://www. youtube.com/watch?v=RLuDsN-ptTQ. Acesso em: 13/11/12>. MANGUEBEAT: Uma evolução (PARTE 1) <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=cX-0iEgH6Sc. Acesso em: 12/12/12>. Mosaicos - A arte de Chico Science [Documentário Completo] <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=RJl0MXLq8dg. Acesso em: 28/01/12>. Especial Chico Science Mangue Star [Documentário Completo] <Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=lkJKHldbCiM. Acesso em: 15/02/12>.

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Maria do Socorro Pereira Lima1

ARTESANATO COMO MODO DE EXPRESSÃO E CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES EM COMUNIDADES KALUNGAS Resumo

Introdução

A atividade artesanal ainda persiste enquanto expressão, em diferentes culturas, apesar dos processos industriais de produção e o hibridismo cultural sofrido ao longo da história. Tomamos a experiência do projeto Girau de Saberes no território Kalunga na região de Cavalcante Goiás e o exemplo da comunidade das Paneleiras de Goiabeiras como referência a esse estudo que pretende compreender como se processa o reavivamento ou a manutenção da memória cultural, através da prática artesanal.

A atividade artesanal ainda persiste enquanto expressão, em diferentes culturas, independente de conceitos e questões do que é arte ou não, apesar dos processos industriais de produção por que passamos ao longo da história. Seria essa atividade um resquício de resistência a essa automação e dominação tecnológica que “aparenta” uma total falta de identidade cultural? Ou seria a questão do prazer em construir algo com as próprias mãos, capaz de exprimir o que nenhuma tecnologia poderia?

Palavras-chave Artesanato, identidade, povo kalunga.

1 Graduanda em Artes Visuais - Licenciatura pela Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal de Goiás

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O presente estudo tem raízes em pesquisas anteriores e trabalhos por mim realizados em disciplinas do primeiro e segundo períodos, e também de um resumo apresentado no SEREX/2012 advindo de um projeto de extensão de que participei por dois anos. Foram estudos sobre o artesanato, a história do brinquedo e o seu feitio; os toy arts representando a arte urbana contemporânea. Diante deste universo tão grande que nos propõe o ensino da arte e seus vislumbres, houve momentos em que me foi possível experienciar uma prática viável para o Ensino de Arte dialogando com as questões acima postas. Para essa experiência escolhi o brincar e a construção do brinquedo como possibilidade de contato com o universo artístico. No transcurso da pesquisa teórica e experiências práticas surgiram várias questões de interesse, entre elas a questão da cultura e do hibridismo cultural marcante na atualidade. No momento estou inician-

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do uma participação em outro projeto de extensão, em que o objetivo principal é o reavivamento cultural de uma comunidade, através das práticas artesanais. É o Projeto Girau de Saberes em comunidades Kalunga, no interior de Goiás. O projeto tem como objetivo promover a troca de saberes através da promoção da cultura dos mestres e dos ofícios, num intercâmbio entre gerações com práticas que envolvam identidade cultural, valor agregado, design, artesanato, geração de renda, autogestão e trabalho cooperativo. Identificar as possibilidades da utilização do artesanato como meio de revitalização cultural; analisar as comunidades brasileiras, Paneleiras de Vitória onde o fazer artesanal mantém ou trabalha no reavivamento da memória cultural, através dessa prática e produzir um arcabouço teórico que sirva de base referencial para o ensino da arte são os objetivos desse estudo. A investigação será direcionada para as possibilidades do artesanato, como modo de expressão dos costumes, crenças e festas (arte popular) na construção de identidades, através de pesquisa teórica e aplicada, com intenção de dialogar com as diferentes proposições. Quanto à abordagem, a pesquisa qualitativa é a escolha adequada a esse estudo. A observação e a pesquisa-ação deverão ser realizadas a partir de oficinas de artesanato ministradas por mim, nas comunidades Kalungas da região de Cavalcante Goiás, sob a supervisão da professora Maria Tereza Gomes da Silva, coordenadora do projeto Girau de Saberes. A pesquisa-ação, segundo David Tripp (2005) é um processo de pesquisa natural que se desenvolveu de maneira diferente para aplicações diversas. No caso deste estudo, a modalidade de pesquisa-ação aqui tratada é a pesquisa participante definida por Tripp como “toda tentativa continuada, sistemática e empiricamente fundamentada de aprimorar a prática” (p. 451).

Entrevistas, registros fotográficos, levantamento bibliográfico e o estudo de caso das comunidade Paneleiras de Vitória também farão parte do material que servirá de instrumento para o referido estudo.

História do povo Kalunga O povo Kalunga é remanescente dos povos escravizados que fugiam da escravidão em direção, preferencialmente, ao centro do país. Segundo a Secretaria de Educação Fundamental – SEF MEC (2001, p.16) para entendermos a história desse povo, devemos remontar ao início da história da Brasil. Logo após o descobrimento, os portugueses, inspirados nos espanhóis que colonizaram outra parte da América e que enriqueciam com metais retirados de suas colônias, começaram a explorar o interior brasileiro em busca dessas riquezas. A tarefa não era fácil e no trajeto iam se apropriando das terras e escravizando os povos indígenas. O tráfico dos africanos, que já ocorria em outras partes do mundo, para o Brasil começou devido aos incentivos fiscais concedidos pelo rei de Portugal aos portugueses, donos de grandes navios, que já traficavam os africanos e também ao incômodo que a escravidão indígena causava aos padres jesuítas que tinham a missão de convertê-los à religião do colonizador. “Já não era mais vantagem explorar os negros da terra quando se podia ir buscar os negros da África” (MEC, 2001, p.17). E, dessa forma, começa a história do povo Kalunga.

Serão oficinas de apoio aos mestres artesãos, com o intuito de aperfeiçoar e orientar o trabalho, já realizado nas comunidades, onde será observado todo o processo para esse estudo. A pesquisa exploratória e descritiva será utilizada visando os objetivos.

Os primeiros africanos escravizados que chegaram ao Brasil vieram de várias regiões da África. Eram como os índios do Brasil, pertenciam a vários povos diferentes, com idiomas, crenças e costumes diversificados. Muitos desses povos pertenciam a civilizações desenvolvidas, reinados luxuosos com culturas avançadas (MEC, 2001, p.17). “Os artesãos sabiam trabalhar os metais como ninguém e em sua arte as esculturas de ferro e de madeira entalhada eram maravilhosas” (MEC, 2001, p.17). Mesmo assim, para os brancos europeus, os africanos, como os índios, eram considerados inferiores. Muitos deles morriam na captura, ou nos chamados navios negreiros por doenças e maus tratos. Recebiam o batismo da religião dos

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portugueses no navio ou quando embarcavam. Depois eram enviados para trabalhar nos grandes engenhos, onde executavam todo o trabalho pesado na lavoura, criação de gados e trabalhos domésticos. A riqueza do Brasil do século XVII foi construída pelo trabalho escravo desse povo. Apesar disso, eram muito mal tratados, moravam em senzalas, amontoados como animais e sofriam castigos severos. Quando aportavam no Brasil, as famílias eram separadas e juntavam povos de localidades e idiomas diferentes para dificultar a comunicação e a fuga. A revolta era grande e mesmo com todo cuidado e vigilância dos senhores escravagistas, as fugas eram constantes. Muitos eram capturados pelos capitães do mato (negros que trabalhavam para o senhor de escravos com a missão de capturar os escravos fujões). Quando eram capturados sofriam castigos ainda mais severos. Então começaram a fugir para cada vez mais longe, criando as comunidades chamadas quilombos. Para Paulo Corrêa Barbosa, em Minas de quilombos (2008), os critérios nacionais adotados no Brasil para que um território seja considerado quilombo deveria ter reunidos, no mínimo, cinco escravos fugidos. Ainda segundo o autor, na África, Kilombo era o nome dado a uma sociedade de guerreiros. Quilombos, mocambos ou calhambo, palavra que teria origem na língua Banto e representaria fortaleza ou acampamento, foram de grande importância para a história da população escravizada, da própria história do país e, sobretudo, constituíramse como importantes núcleos de resistência negra humana e cultural. (BARBOSA, 2008, p.13). Ao longo do tempo, ainda segundo Barbosa, os quilombos sofreram modificações em sua estrutura e formação. A luta para o reconhecimento das comunidades remanescentes de quilombos tem sido intensa nas últimas décadas por diversos segmentos da sociedade civil, movimentos sociais, órgãos governamentais e não governamentais. Muitas são as comunidades reconhecidas ou por reconhecer espalhadas pelo Brasil, entre elas a comunidade Kalunga na região da Chapada do Veadeiros em Goiás. No caderno de atividades do MEC a chapada é descrita como

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(...) um mar de serras e morros cheios de buritis que se estendem até onde a vista alcança. O território Kalunga é cercado delas. Serra do Mendes, do Mocambo, Morro da Mangabeira, Serra do Bom Jardim, da Areia, de São Pedro, Moleque, Boa Vista, Contenda, Bom Despacho, Serra do Maquine, Serra da Ursa. São encostas íngremes, cheias de pedra. Os caminhozinhos estreitos fazem curvas e sobem cada vez mais, quase perdidos no meio do mato. Depois, do outro lado, os paredões de pedra caem quase a pique nas terras baixas dos vales, como muralhas impossíveis de ultrapassar (MEC, 2001, p.23). A região turística que compreende a Chapada dos Veadeiros é visitada por turistas de todo o país e de outros países que vêm atrás das belezas naturais, mas especialmente para conhecer esse povo rico em histórias e tradições. Conforme SEF-MEC a área foi reconhecida pelo governo do Estado de Goiás em 1991, como sítio histórico que abriga o Patrimônio Cultural Kalunga. A origem do nome Kalunga tem a ver com o modo que foi formado o povo da região, desde a vinda dos escravizados fugitivos das minas de Boa Vista, dos alforriados que vinham atrás de condições de sobrevivência, até os índios que viviam na região e, foram, aos poucos, se miscigenando com os negros. Daí o nome Kalunga, conforme nos esclarece SEF-MEC: (...) escrito com c, calunga é uma palavra de muitos sentidos, que se incorporou à língua do povo brasileiro. Quer dizer coisa pequena e insignificante, como o ratinho camundongo que no Nordeste do Brasil se chama calunga ou então catita. E quer dizer também pessoa ilustre, importante. E também é o nome que se dá à boneca que sai nos cortejos dos reis negros dos Maracatus de Pernambuco. E ainda significa a morte, o inferno, o oceano, o senhor, conforme se diz nos livros. Mas, na terra do povo Kalunga, calunga é mesmo o nome de uma plantinha (simaba ferruginea) e do lugar onde ela cresce, perto de um córrego que também tem esse mesmo nome (MEC, 2001, p.31). Para o povo Kalunga a palavra tomou o significado de resistência, sobrevivência, uni-

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dade, realeza, por se tratar de uma plantinha que resiste às intempéries. Segundo a SEF-MEC: “Ela é a marca da realeza africana sustentada pela força dos ancestrais. Por isso ela é símbolo da dignidade do negro e da grandeza do povo Kalunga” (2001, p.31). A interação que o povo Kalunga tem, ainda hoje, com a natureza, teve que ser aprendida, desde o começo da ocupação. A necessidade de sobrevivência naquele meio levou -os a aprender a usar o que a natureza lhes oferecia, tanto para o sustento, como para a moradia. As madeiras para as embarcações, móveis e utensílios, o barro para as taipas das moradias, vasos e panelas. Também aprenderam a observar as estações para o plantio. Segundo a SEF-MEC: Precisaram entender que as cheias do Rio Paraná causam grandes inundações, destruindo as casas e os currais, mas também podem trazer benefícios, porque adubam a terra para o plantio. Foi assim que aprenderam a cuidar da roça de mandioca, com que se faz a farinha depois de escorrer no tapiti a massa da raiz ralada. Aprenderam a cuidar do roçado de feijão, de milho, de abóbora, do cultivo do arroz que cresce na vargem, do pomar de frutas e da horta de verduras plantada no terreiro da casa. E, aprendendo a distinguir as terras boas para o plantio do algodão, puderam fiar o fio com suas fibras, para tecer no tear o pano de suas roupas ou as cobertas de suas camas (MEC, 2001, p.33). Aprenderam também a conhecer os animais da região, caçavam e pescavam, além de criarem gado e galinha para o sustento. Como cita a SEF-MEC: “É claro que muitas dessas coisas aqueles negros quilombolas ou os escravos libertos que chegaram ao território Kalunga já sabiam. Porque era isso o que tinham feito a vida toda (...)” (MEC, 2001, p.35). Só que agora trabalhavam para si mesmo e não para o senhor de escravos. Com o tempo passaram a reconhecer as plantas da região e sua utilidade. Muitas são medicinais e até mesmo as crianças conhecem suas propriedades. É um povo que respeita o espaço em que vive, assim como a experiência dos mais velhos e suas histórias que passam de geração a geração e que foram construindo a identidade desse povo (MEC, 2001, p.41). ISSN 2317-580X

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Artesanato e suas origens O povo Kalunga vive entre os municípios de Cavalcante, Monte Alegre, Arraias e Terezinha de Goiás com população de mais de 4.000 habitantes. Segundo Elyeser Szturm a comunidade vivia até os anos 80 com contatos apenas esporádicos com os municípios da região. Era um território praticamente intocado. A primeira expedição de estudos empreendida na região foi liderada pela antropóloga Mari Baiochi, da Universidade Federal de Goiás, através do projeto de pesquisa Kalunga. Povo da Terra. De 1991 a 1996 o projeto resultou em grandes conquistas para os Kalungas, como o primeiro reconhecimento oficial por parte do governo e direito à posse da terra (SZTURM, 2005, p.39). O isolamento em que viveram todo esse tempo contribuiu para que preservassem seus costumes, sua culinária, o artesanato e o modo de vida sem muitas alterações. Mas com a recente inserção de outras culturas, nesse meio, o que esperarmos para o futuro? Seria essa inserção a primeira a interferir na cultura desse povo? Se pensarmos no percurso histórico que forma essa cultura não poderíamos inferir que, na verdade, essa cultura já era o resultado de outras inserções? Com o intuito de dialogar com essas questões lançaremos mão das ideias de Néstor Garcia Canclini acerca do hibridismo cultural. Conforme o artigo Hibridismo e Curriculo: ambivalências e possibilidades de Maria do Carmo de Matos e Edil Vasconcellos de Paiva, Canclini foi quem propôs a ideia das culturas híbridas “para pensar a modernidade latino-americana, sob o argumento de que esta havia produzido uma modernidade sui-generis, caracterizada pela mistura de culturas [...]” (MATOS E PAIVA, 2007, p.186). Para Canclini: Os países latino-americanos são atualmente resultado da sedimentação, justaposição e entrecruzamento de tradições indígenas (sobretudo nas áreas mesoamericana e andina), do hispanismo colonial católico e das ações políticas educativas e comunicacionais modernas (CANCLINI, 2008, p.73). Já no Brasil, além dessa tradição indígena e culturas europeias, há também uma grande interferência da cultura africana. Vicente

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Salles em Historial geral da arte no Brasil, ao falar sobre o artesanato, objeto desse estudo, aponta: O artesanato brasileiro resulta, basicamente, da convergência de vertentes europeias, indígenas e negro-africanas. Ao se particularizar, na mesma obra, as contribuições dos indígenas e dos negros, somos tentados a simplificar o esquema da abordagem dos conteúdos da nossa cultura material, seguindo o rumo das vertentes europeias. Nada autoriza a simplificação. Sabemos que, ao submeter o índio e o negro, na tentativa de organizar uma sociedade dependente, o europeu impôs o seu modelo de cultura. Mas, ao impor-se, não pôde o modelo manter-se íntegro e sofreu, no curso do tempo, mudanças qualitativas consideráveis. O retorno às origens europeias é, portanto, esforço que limita a visão do conjunto e só produz resultados práticos nos estudos comparativos, podendo, eventualmente funcionar como referencial das mudanças aqui verificadas. (1983, p.1037). Três séculos no período colonial, para o autor, define “a heterogenia e a geografia da ocupação do espaço físico brasileiro (SALLES, 1983, p.1040)”, consolidando o domínio europeu. Porém, os valores das culturas de negros e indígenas, em um processo confrontante, se misturam e reelaboram a cultura da nação. O artesanato, como processo criativo, tem um papel importante na formação da nossa cultura. A escravidão ultrapassa o período colonial, porém “índios e negros são forçados a aprender as técnicas artesanais dos europeus, indistintamente”. Os que possuíam habilidades tornavam-se mestres de ofícios dando origem ao legado “em pintura, culinária, vestimentas e adornos pessoais, instrumentos de trabalho e utensílios domésticos em geral”. Mas o europeu não via na importância dessa produção nada além do valor mercadológico. O europeu considerava o trabalho manual uma arte menor que tinha seu valor apenas como um modo de produção de suas necessidades, função atribuída aos escravos como na Grécia e Roma antigas (SALLES, 1983, 1040-1041).

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Com o surgimento do poder econômico e a decadência econômica das corporações e com a era das revoluções industriais, surge a necessidade de “recrutar mão de obra e especializá-la em determinados ofícios”. Entra em cena o “missionário, cujas escolas espalhadas por todo o Brasil, não tinham apenas uma intenção de formação missionária: foram escolas de catequese e de artes e ofícios” (SALLES, 1983, p.1042). O sistema colonial não favoreceu a organização de corporações, mesmo assim existiam em toda a parte oficiais e mestres das consideradas artes mecânicas que gozavam de certo prestígio. Eram tratados como artistas e, seguindo o modelo europeu, podiam se desenvolver na profissão, passando de aprendiz a oficial, definido por Salles como: [...] o artista que tinha obtido perfeita preparação técnica no seu ofício. Mestre, aquele que podia empreitar ou conduzir trabalhos. Nas cidades coloniais encontravamse artesãos livres, mas a grande maioria de aprendizes e oficiais era escrava: propriedade de um mestre europeu ou de senhores necessitados de especialistas para suas fazendas e engenhos, que os entregavam, criança ainda, ao mestre artesão a fim de formá-lo oficial. Qualquer ofício valorizava o escravo, permitindo-lhe ascender socialmente (1983, p.1046). Para o autor, esse modelo se mantém, ainda hoje, quase intacto. A classe proletária, da época, era formada por esses artistas. O meio de vida bastante precário nivelava libertos e escravos, mestiços, pretos, brancos e índios, na mesma condição. Havia ofícios que, por seu caráter deprimente, apenas aos escravos era dado executar: coveiros, carrascos, carregadores de excrementos humanos etc (SALLES, 1983, p. 1046). O trabalho artesanal era disperso e atendia aos interesses de senhores de escravos e grandes propriedades rurais, juntando-se a isso, o rebaixamento do artesanato como arte menor atrapalhava a formação de corporações: “Esses costumes perduraram durante todo o período colonial” [...] e para Salles “O estudo sistemático do artesanato não tem longa tradição no Brasil” (1983, p.1047-50). No século XIX, surgem organiza-

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ções protetoras do artesanato e do pequeno comércio. No Brasil começa a circular uma literatura, de caráter didático e informativa ligada à arte popular. Folcloristas europeus, no final do século XIX, “aceitaram interação das objetivações materiais e não materiais, partindo da França, o movimento para o estudo sistemático do artesanato” (p.1050). A partir daí, vários esforços foram expendidos, no Brasil e no mundo, na tentativa de conceituar e regularizar o artesanato como função econômica ou arte popular. O autor ainda explica: A tarefa de organização do artesanato supõe, na verdade, a intervenção no processo de criação popular. Sua inserção num contexto de mercado, de alcance monetário, discrimina parte considerável da produção artesanal de consumo fechado, para uso doméstico, ou apenas entreaberto, para consumo da região onde se expande. A questão do artesanato torna-se assim cada vez mais controvertida. Alguns empolgados pelas perspectivas do processo (ou o seu mito) do automatismo, raciocinam como se o artesanato estivesse fadado a desaparecer da face da terra. Outros querem deixá-lo inteiramente livre, ou entregue à própria sorte, certos de que assim permanecerá puro, considerando prejudicial qualquer intervenção (1983, p.1054). A convivência dos povos que formaram nossa nação trouxe trocas recíprocas, nos hábitos e costumes, construindo essa diversidade de culturas. O cuidado para que interferências de outras culturas possam prejudicar, ou mesmo, exterminar outra cultura pode ser excesso. Se pensarmos em todo esse percurso histórico do artesanato e tudo que envolve a cultura, perceberemos que, apesar de todas as interferências sofridas, muitas delas persistem e se transformam. A esse respeito Salles aponta: É certo, porém que as coisas não acontecem de forma tão rígida e o artesanato popular, como de resto qualquer outra atividade humana, não é um fenômeno imobilizado no tempo e no espaço. Para suprir os perigos latentes num tipo de intervenção são necessários diagnósticos prévios visando detectar suas diversificadas manifestações em situação contextual (1983, p.1054).

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Já para Canclini (2008), essa mistura ou hibridismo, como ele denomina, é um fato inquestionável, desde que se inicia a história das civilizações. Para ele o momento em que o estudo da hibridação se estende a diversos processos culturais é na década final do século XX: “poder-se-ia dizer que existem antecedentes desde que começaram os intercâmbios entre as sociedades”. O autor afirma que na América Latina a modernidade ainda não chegou, mas que essa não é a questão principal já que em tempos pós-modernos as filosofias “desacreditam os movimentos culturais que prometem utopias e auspiciam o progresso” (2008, p. 17-18).

Estudo de caso: as Paneleiras de Goiabeiras Esse estudo é direcionado ao trabalho desenvolvido nas comunidades Kalungas da região de Cavalcante em Goiás pelo Projeto Girau de Saberes. Projeto de extensão da Universidade Federal de Goiás que tem como objetivo promover a troca de saberes através da promoção da cultura dos mestres e dos ofícios, num intercâmbio entre gerações com práticas que envolvam identidade cultural, valor agregado, design, artesanato, geração de renda, autogestão e trabalho cooperativo. O projeto visa, com essas ações, fomentar, dentre outras atividades culturais, o artesanato, com a clara intenção de resguardar os valores de identidade desse povo. Como exemplo de comunidades que vivenciam essa prática podemos citar a comunidade de As Paneleiras de Goiabeiras, formada por mulheres que fabricam panelas de barro no bairro de Goiabeiras, em Vitória, capital do Estado do Espírito Santo. As paneleiras, em sua maioria mulheres, produzem panelas, potes, travessas, bules, caldeirões, etc., de diversas formas e tamanhos em barro. O processo de fabricação é praticamente o mesmo empregado pelos índios, na época do descobrimento. O processo é transmitido de mãe para filhas, há várias gerações, permitindo que a identidade cultural dessa atividade se mantenha com poucas variações (WANDECK, 1996).

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Organizadas numa espécie de cooperativa, as paneleiras produzem e comercializam suas peças e mantêm suas famílias com a renda advinda delas. A associação é um dos pontos turísticos da cidade. O barro, principal matéria-prima das panelas é extraído na própria região em jazidas do Vale do Mulembá. A queima das panelas é feita de maneira ecologicamente correta, sem agredir o ambiente. Às panelas são acrescentadas um composto denominado tanino que dá resistência maior ao fogo para o utensílio. O composto é existente na árvore do manguevermelho, rhizophora mangle. O processo da queima, feito em fogueiras, é bem primitivo, como os índios faziam. Essa atividade foi aprovada pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) em 21 de novembro de 2002. Está Inscrito no livro de Registros dos saberes e declarado patrimônio Cultural do País (WANDECK, 1996).

Inspirados em projetos como esse, espalhados pelo Brasil, Girau de Saberes tenta implementar ações como em outras comunidades, que além de reavivarem o artesanato e outros costumes, conseguem se organizar, gerar renda e reconquistar sua identidade e valor, através desse fazer.

Inquietações É sempre um desafio tentar compreender o processo formador de identidades, especialmente se pensarmos no percurso histórico do nosso povo formado por tanta diversidade. Os discursos hierarquizantes da arte não têm mais sentido na atualidade. A pesquisa sobre esse rico universo do artesanato, da arte popular e do hibridismo cultural, se configura em um fascinante campo de estudos cujos caminhos pretendo trilhar.

Referências ALVES, Rubem. O senso comum e a ciência. In Filosofia da Ciência: Introdução ao jogo e suas regras. São Paulo, Loyola, 2000. BARBOSA, Paulo Corrêa. Minas de Quilombo. Brasília MEC/SECAD, 2008. CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 2008. 4. ed. MATOS, Maria do Carmo de e PAIVA, Edil Vasconcelos. Hibridismo e currículo: ambivalências e possibilidades. Disponível em: www.curriculosemfronteiras.org/vol7iss2articles/matos-paiva.pdf. Acesso em: 06 de fevereiro de 2013. RODRIGUES, William Costa. Metodologia Científica. Paracambi, FAETEC/IST, 2007. SALLES, Vicente. Em: ZANINI, Walter, org. História geral da arte no Brasil. São Paulo, Instituto Walter Moreira Sales, 1983. 2v., il. SEF-MEC, Secretaria da Educação Fundamental. Uma história do povo kalunga. Brasília, SEF, 2001. SZTURM, Elyeser, Visões Kalungas. Em: MARTINS, Alice, COSTA, Luis e MONTEIRO, Rosana. (Orgs.). Cultura visual e a pesquisa em artes. Goiânia: ANPAP, 205. 2v. TRIPP, David, Pesquisa-ação: uma investigação metodológica. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/%0D/ep/ v31n3/a09v31n3.pdf. Acesso em: 12 de fevereiro de 2013. WANDECK, Arte popular - panela de barro paneleiras de Goiabeiras. Disponível em: http://www.ceramicanorio.com/ artepopular/paneleirasgoiabeiras/paneleiras.htm. Acesso em: 10 de fevereiro de 2013.

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Conceição Luciana Faria Designer no escritório Zebrabold e estudante de Artes Visuais da UFG. Minha relação com a fotografia surgiu nas aulas de fotografia do curso de Artes Visuais em que tive acesso a muitos fotógrafos e artistas que me inspiraram muito com suas produções. Comecei a fotografar com câmera digital, mas logo descobri o universo analógico que tanto me encanta. Em minhas fotos, sempre busco experimentar e brincar com a composição, com o tempo de exposição e a velocidade e com as opções que o aparelho fotográfico dispõe, seja digital ou analógico.

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No momento em que a fotografia digital torna-se parte do cotidiano das pessoas, a designer/fotógrafa Luciana Faria, segue o caminho inverso. Voltando-se ao registro analógico de imagens, de maneira quase artesanal e com uma criteriosa escolha de equipamentos e filmes de distintas sensibilidades. Este retorno às técnicas tradicionais, a auxilia no registro de imagens repletas de significados, muitas vezes sobrepostos, saltando aos olhos que não pretendem registrar um instante datado, mas imagens de um tempo não definido, onde a cor dominante nestas fotografias nos remete a uma imagem de um passado retido na memória. Destacam-se neste conjunto, os trabalhos obtidos pela sobreposição de imagens, obtidas por múltiplas exposições do filme fotográfico, onde os espaços da cidade de Salvador são representados como um registro de nossa memória: fluida, sobreposta e fugidia. Claudio Goya

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Mariana Magri Rodrigues1

Angélica Rodrigues2

ARTE BRASILEIRA Uma relação [a]temporal entre a obra: Retirantes, de Cândido Portinari e a fotografia: Região do Lago Faguibine, de Sebastião Salgado. Resumo

Assentamento

Este trabalho propõe uma análise de similares visuais das obras “Os retirantes”, do artista plástico Cândido Portinari e “Região do Lago Faguibine”, do fotógrafo Sebastião Salgado. Para este comparativo, nos atemos às temáticas como principal meio de pesquisa. Serão relevantes os fatores históricos ao qual cada obra está inserida, se atendo para o meio sociocultural e econômico. A partir deste contexto de atuação da vivência dos artistas nos atemos á estética visual. Integrando pontos que se convergem e analisando pontos que se divergem nas narrativas abordadas em cada imagem, faremos uma breve análise de composição, não deixando de lado as “entrelinhas” e sensibilidades de seus personagens.

Palavras-chave Retirantes, estética, sociocultural, pintura, fotografia.

1 Cursando Artes Visuais Licenciatura na Universi-

dade Federal de Goiás em Goiânia. Formada em Fotografia Básica e Profissionalizante na Canopus Escola de Fotografia em Goiânia.

Quando eu morrer, que me enterrem na beira do chapadão -- contente com minha terra cansado de tanta guerra crescido de coração Tôo Zanza daqui Zanza pra acolá Fim de feira, periferia afora A cidade não mora mais em mim Francisco, Serafim Vamos embora Ver o capim Ver o baobá Vamos ver a campina quando flora A piracema, rios contravim Binho, Bel, Bia, Quim Vamos embora Quando eu morrer Cansado de guerra Morro de bem Com a minha terra: Cana, caqui Inhame, abóbora Onde só vento se semeava outrora Amplidão, nação, sertão sem fim Ó Manuel, Miguilim Vamos embora. (Chico Buarque/ Ano1997 Livro Terra – Sebastião Salgado)

E-mail: marianinha.magri@gmail.com Link: Olhares.com/marianamagri

2 Graduada em Artes Visuais Licenciatura na Universidade Federal de Goiás em Goiânia.

E-mail: art.angelicarodrigues@gmail.com

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Introdução: Portinari e Salgado Os retirantes vêm vindos com trouxas e embrulhos. Vêm das terras secas e escuras, pedregulhos. Doloridas com fagulhas de carvão aceso. (PORTINARI, Cândido, 1944) Através do material de pesquisa acima exposto material, nos propomos á análise visual e de contextualização histórica do relacionamentode duas obras específicas de dois importantes artistas para os estudos da história da arte. O primeiro representa o período correspondente á arte moderna do século 20, e o segundo, se insere em um contexto mais contemporâneo da arte, atuando ainda em nosso meio artístico. Cândido Portinari, o modernista utiliza a pintura como meio de expressão para sua obra, e Sebastião Salgado, contemporâneose expressa profissionalmenteem seu trabalho artístico pela linguagem da fotografia. As obras que iremos analisar são: Uma fotografia de 1985 de Sebastião Salgado feita na Região do Lago Faguibine em Mali África. (Ver figura 1). E a pintura: Os retirantes, 1944 de Portinari, Óleo s/ Tela. (Ver figura 2). Estabelecemos um paralelo entre essas duas obras a fim de discutir a estética da imagem, as questões sociais, políticas e também as relações do próprio artista com sua obra, sua expressão por meio da relação interna-externa. É importante notar que é distinto o tempo e a época em que foram feitos esses dois trabalhos. No entanto quando se olha pela questão temática vemos que este distanciamento de tempo não implica necessariamente no conteúdo das obras e nas questões classificatórias de passado, presente e futuro, mas o que fica evidente são problemas sociais que se repetem aos olhos de todos desde há muito tempo. Ao olhar desses artistas principalmente, pois vivenciaram dessas experiências como um choque visual sobre realidade humana. Carregaram para suas obras, e fizeram delas criticas e denuncias de um modo mais amplo e global.

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Fúnebre são os Retirantes Ambos os trabalhos discutem a mobilidade humana, por uma vertente da busca de uma vida melhor, ou mais precisamente da busca pela sobrevivência, continuidade da vida. Questões sutis, e que sempre fizeram parte de uma identidade de parte do percurso do desenvolvimento histórico da humanidade. Em Os Retirantes, Portinari expõe o sofrimento dos migrantes, em uma contextualização que hora se expõe meio nômade, uma habitação inexistente. É representada por uma família, (a base preponderante e inicialde formação de um grupo social). Essas pessoas são caracterizadas pela desnutrição com seus corpos magérrimos, esqueléticos, barrigas d´agua e pés descalços, que se integram “harmonicamente” com expressões de sofrimento,desilusão, fome e miséria. Podemos dialogar esta contextualização da pobreza humana com foco na Cultura Brasileira, sendo Portinari um artista brasileiro e que se expressa em suas telas pelos problemas sociais deste país. Historicamente, Retirantes narra-nos a respeito de uma questão social representativa de uma grande seca que ocorreu no Nordeste brasileiro no período de governo de Getúlio Vargas. Um problema demográfico em um país que passava por mudanças na economia e sofria abalos da Segunda Guerra Mundial. Uma das soluções governamentais para este problema “imediato” da seca fora a migração dessas famílias que se tornam quase nômades para outros setores do país. Houve um êxodo para o estado do Amazonas para a extração da borracha e para os centros urbanos que começam a ser muito valorizados pelo governo. Portinari se expande para esse Brasil que vive políticas de desigualdades sociais e problemas sérios da seca e fome em um período de mudanças econômicas. Esse repertório de vivências traz ao artista cada vez mais questionamentos políticos, acaba então se envolvendo e se candidatando dois anos depois da produção da tela para deputado

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Figura. 01 REGIÃO DO LAGO FAGUIBINE, MALI AFRICA (1983). Sebastião Salgado Fotografia, da Serie SAHEL.

federal, viajando pelo país e procurando sérios problemas de pobreza. Os retirantes se tornam um símbolo representativo daqueles que tentavam fugir dos problemas de desigualdade social, da seca, da desnutrição e uma série de outros tantos desafiosque afligem o nordeste brasileiro ainda hoje. Por uma análise estética-visual, vemosnovepersonagens que se apresentam próximos uns dos outros, como uma família. É possível que identifiquemosuma ideia de ciclo e continuidade. Uma vez que vemos personagens que vão desde o idoso até criança de colo. Essa representação das fases de vida humana nos mostra como este percurso difícil deste tipo de vida, caminha com gerações , se discutindo a perspectiva, ou no caso, a falta dela em relação ao futuro. (Ver recorte na fig. 3).

Achamos importante ressaltar, sobre alguns pontos que mais nos chamaram a atenção na estética e nos personagens representados. O clima, a atmosfera visual da obra é pesada e densa, temos a sensação de um cansaço que às vezes nos leva a interpretar a morte como algo mais leve que a vida, ou uma das únicas possibilidades mais prováveis de mudança. No que diz respeito aos personagens, as crianças só não se confundem com os adultos por uma questão de altura, pois são marcadas pelo mesmo sacrifício, pelo mesmo sol, trabalho, condições e andanças. Suas expressões faciais se apresentam envelhecidas. O bebê, que está nos braços de uma das mulheres, por exemplo, tem a textura da pele confundida com a do velho, por estarem próximas e serem praticamente iguais.

A obra possui traços expressionistas e uma influência muito grande do cubismo de Picasso, principalmente dirigido da obra também politizada Guernica (1937).

Temos de ressaltar a presença característica de força da mulher na imagem. Comportase como quem guia e “segura” este percurso familiar, representante da união dos componentes. Percebe-se que a mulher representada na lateral esquerda do observador, recebe uma luz diagonal que segue até seu

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Figura. 02 RETIRANTES (1944) Cândido Portinari Óleo s/ Tela. 190 x 180 cm Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand.

rosto que enfatiza sua força física maior do que a do homem velho que está junto á ela. Tem sua fase mais determinada que as dos homens. É importante visualizarmos que em uma das crianças há claramente a representação de um abdômen bem avantajado e inchado que representa uma situação precária de saneamento básico no nordeste brasileiro. Questão que neste período gerou uma quantidade muito grande de pessoas com esquistossomose e de mortalidade infantil. Parece fim de tarde, ou será um começo de um dia? Não se sabe ao certo sobre o tempo, o tempo é contado quando vem a fome, é contado também pela resistência ou persistência do corpo que ainda se mantém de pé. As cores principais da obra sempre se fixam em uma gradienteentre o magenta, o amarelo ocre e o marrom, fazendo uma relação com a coloração que Portinari dirige á esta região e á terra seca do nordeste.

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Percebemos claramente que a textura e a cor do rosto dos personagens se assemelha muito a do chão, da terra.No céu,tons de azul escuro quase escondem os abutres a espera de mais comida. E fica evidente na cena que uma das aves se mantém a altura do cajado que o personagem mais velho segura formando uma imagem de foice. Esta situação pode simbolizar de certa forma o encontro com a morte. Há então, uma questão que se cruza entre o profano e o sagrado. O profano na valorização e espera da morte e o sagrado enfatizado pela presença e união da família em uma situação de vida quase nômade. A obra Retirantes tem uma influência cultural muito grande na obra do escritor Graciliano Ramos, Vidas Secas. Baseada na pesquisa e construção de uma análise artística e de denúncia política social da pobreza nordestina. Uma interação entre a arte visual e escrita.

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Figura. 03 Recorte da imagem: RETIRANTES (1944) Cândido Portinari Óleo s/ Tela. 190 x 180 cm Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand.

África e o Nordeste brasileiro – possíveis integrações visuais Somos todos um povo. Provavelmente um só homem. (SALGADO, Sebastião, 1983) Sebastião Salgado começou a fotografar nos anos 80. Percebemos em suas imagens um forte apelo por características sociais e mais integradas ás classes desabrigadas pela economia. No Brasil possui um trabalho amplo característicodos movimentos sem terra - quando ainda o movimento sem terra resistia -, movimento original, por ser difícil aglutinar o povo do campo. A imagem fotográfica de Sebastião Salgado (Fig.1) nos remete, de maneira associativa, à fome do nordeste brasileiro dos Retirantes, de Portinari, e se apresenta como figurativa de um contexto de vivência na região de Sahel na África, ainda na década de 80. Figura também uma grande seca, que ocorreu nesta região trazendo como característica principal a fome e o êxodo. A mobilidade e a falta de moradia dos desabrigados, mais uma vez, diante de fatores climáticos que se reverberam na economia desestruturada e desigual, grupos sociais se apresentam em situações de vivência semelhante á nômades.

uma forma possível de sobrevivência. Esta contextualização governamental e social de características que são ocultas e ignoradas pela sociedade econômica despertam na sensibilidade visual do fotógrafo o interesse de identificação da África no Brasil, assim como do Brasil na África.Sebastião Salgado é o olhar que capta a alma dos deserdados da terra. E nos entrega, a partir desse olhar, a grandeza das pessoas na desgraça; a altivez diante do sofrimento. O que nos faz perceber que esses fatores de desigualdade social se apresentam como atemporais e não-locais. O mesmo problema retratado por Portinari no Brasil na década de 40, é visto na fotografia de Sebastião, na África na década de 80. Na imagem fotográfica, há uma profundidade estética. Percebemos que a imagem se comporta quase que aérea, com um fundo infinito, na qual a luz branca envolve diretamente todo o contexto não possibilitando que definamos muito bem o solo, o chão, do céu. Criando um contexto de infinito e falta de perspectiva, um contexto que também pode ser visto como uma analogia a condição dos personagens reais, que se comportam em uma caminhada constante. Figura. 04 Região do deserto do Saara e uma linha fértil no Sul africano – África

Esta região da África se situa entre o deserto do Saara e uma linha fértil no Sul africano (ver figura 4). Marcada por muitas guerras locais e grandes problemas de miséria extrema que faz com que a população magérrima migre constantemente em busca de

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A linha do horizonte se perde facilmente nesta tela branca acinzentada (Ver figura 5). Faz com que foquemos claramente no acontecimento vivido pelos personagens e dá a forte ênfase ao êxodo. De um caminho sem rumo, e uma chegada que não tem destino nenhum. Existe uma trajetória vertical de caminho, onde na frente da linha guiam o percurso, crianças um pouco mais velhas, e com o foco principal da imagem, na lateral direita, temos a mãe segurando as crianças mais novas. As cores que se apresentam nos personagens, tons escuros, sombreados, quase negros, tratam uma visualidade quase fúnebre quando integrada aos braços secos, aos ossos que se evidenciam, e ao véu da mãe que voa com o vento. Os pés descalços são assim como nos Retirantes, uma marca das condições e dos acontecimentos narrados pelos artistas por seus protagonistas reais ou criados. A imagem feminina na obra é muito forte assim como na de Portinari. Talvez mais ainda, pois percebemos que não existe uma presença masculina adulta na fotografia, o que torna a mulher a escultora desta ação de transição de terra e seguradora da continuidade desta família.

As crianças também facilmente demonstram seus abdomens avantajados e inchados marcantes de uma situação crítica de saúde onde o saneamento básico não existe. O que torna a mortalidade um fator comum ao enfrentamento cotidiano desses habitantes que repetem na África problemas miseráveis de qualidade de vida. Presente, passado e futuro se mesclam e se confundem nesta pesquisa. Fazendo com que pensemos nas conexões e possibilidades de vivências expressa por diferentes artistas. Muitas divergências são em partes semelhanças de valores internos e características de enfrentamento da vida. É possível que ao olhar uma obra de arte dialoguemos com um universo de diferentes fatores sociais e emocionais ao mesmo tempo em que dialoguemos com a nossa presença neste olhar. Com os caracteres da obra que dizem parte de nós, seja de nosso conhecimento, de nossa história de vida, de nossa trajetória. Memórias são vertentes de acesso a formulação de um novo conhecimento. Trajetórias são nossos percursos interativos e ora conclusivos. Nem sempre nosso tempo é presente, mesmo que estejamos atuando no agora, o pensamento tem vivências também, e faz delas interpretações. Retirantes neste caso são da África e Sehel se encontra no dorso nordestino brasileiro.

Referências ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: Tradução Denise Bottmann e Frederico Carotti. 2ª Edição, São Paulo: Companhia das Letras, 1992. HARRES, Hilda Hober. História da Arte Brasileira; textos e exercícios. 2 ed. Porto Alegre, Sagra, 1981. POMAR, Wladimir. Era Vargas – A modernização Conservadora; editora Ática – Paradidáticos, 1998. ROSSI, M. H. W. A compreensão do desenvolvimento estético. In PILLAR, A. D. (org.) A educação do olhar no ensino das artes. Porto Alegre: Mediação, 2006. <http://www.amazonasimages.com/>. Acesso em 09 de março de 2013. José Saramago, Chico Buarque e Sebastião Salgado no Jô < Disponível em http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=U5IKp320Kxk>. Acesso em 09 de março de 2013. OS RETIRANTES: CÂNDIDO PORTINARI <Disponível em http://estudosavancadosinterdisciplinares.blogspot.com. br/2012/09/os-retirantes-candido-portinari.html>. Acesso em10 de março de 2013.

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Deuslene Teodoro Rego1

Eliane Martins de Freitas2

QUESTÕES DE GÊNERO E ETNICORACIAIS A PARTIR DA LEITURA DA TELA A NEGRA DE TARSILA DO AMARAL Resumo

Introdução

Este artigo tem como objetivo discutir a construção da imagem feminina nas obras de Tarsila do Amaral (1886-19730), mais precisamente a tela intitulada A negra (1923). Buscamos compreender, a partir da representação da mulher negra feita por Tarsila, as questões étnico-raciais e de gênero presentes na sociedade brasileira nas primeiras décadas do século XX. Procuramos tratar a tela de Tarsila do Amaral tanto como expressão da criação artística da pintora, quanto como expressão de uma dada cultura e de determinados traços de uma época. Paralelamente, buscamos discutir a contribuição que podemos dar ao ensino da disciplina “Arte” introduzindo aspectos da cultura brasileira.

Palavras–chave Arte, Ensino, Gênero, Etnia, Tarsila do Amaral.

1 Aluna do curso de Licenciatura em Artes Visuais, da Faculdade de Artes Visuais – FAV, da Universidade Federal de Goiás – UFG. E-mail: deuslenerego@bol.com.br.

2 Professora do Departamento de História e

Ciências Sociais/CAC/UFG; doutora em História pela UNESP. Pesquisadora do grupo de pesquisa DIALOGUS - Estudos Interdisciplinares em Gênero, Cultura e Trabalho. Professora do Curso de Especialização em Gênero e Diversidade na Escola. UFG - Campus Catalão

Se me perguntasse qual o filão original com que o Brasil contribuiu para este novo renascimento que indica a renovação da própria vida, eu apontaria a arte de Tarsila. Ela criou a pintura pau brasil (Oswald de Andrade, Ponta de lança, 3 ed. 1972). Neste texto buscamos analisar uma obra de arte, A negra (1923) de Tarsila do Amaral, e paralelamente discutir a contribuição que podemos dar ao ensino da disciplina “Arte” introduzindo nesta disciplina aspectos da cultura brasileira. Buscamos, de um lado, compreender a partir da representação da mulher negra feita por Tarsila as questões étnico raciais e de gênero presentes na sociedade brasileira nas primeiras décadas do século XX. E de outro, contribuir com uma visão crítica da sociedade em que vivemos, que mesmo nos dias atuais mantém um sistema de dominação, alienação nas questões étnicas e de gênero. O Brasil é um país rico em diversidade cultural, traz na sua gênese a mistura de raças que ao longo do tempo os historiadores denominaram como a “fábula” das três raças, quais sejam, brancos, negros e índios. Tais grupos étnicos constituíram a base da cultura brasileira. Daí a importância do currículo escolar abordar as questões étnico-raciais. A disciplina de Artes apresenta-se como uma importante aliada nesse processo por possibilitar a compreensão, para além dos aspectos da criação artística em si, determinados traços de uma época.

E-mail: li.freitas2009@gmail.com.

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Neste sentido, a escolha da obra A negra3 (1923) deu-se em função de tratar-se de uma artista brasileira emblemática, Tarsila do Amaral. Como também, por acreditarmos que essa obra representa de forma exemplar as questões relativas às relações de gênero e também étnico-raciais. Tarsila, segundo sua biógrafa Aracy Abreu Amaral (2003), nasceu em Capivari no interior do Estado de São Paulo na Fazenda São Bernardo, em primeiro de setembro de 1886. Por ser de família rica, desde criança conheceu a Europa e fez cursos de desenhos livres na França na Académie Julian. O circuito de Tarsila com seus estudos e suas obras era Brasil e Europa. Tarsila, de acordo com Amaral (2003), sempre esteve entre opostos: “À doçura da tranqüilidade da sede próxima ao terreiro, à curiosidade pelo atual. Entre a fazenda patriarcal e a casa de São Paulo” (AMARAL, 2003, p. 12). Foi, portanto, no contexto histórico do modernismo que Tarsila desponta como artista brasileira, com uma temática genuinamente nacional. A obra A Negra transformou-se numa espécie de quadro manifesto. Tarsila do Amaral tornou-se assim a grande musa do Movimento Modernista no Brasil e dos movimentos derivados do modernismo junto com Mário de Andrade, um dos principais líderes do Movimento Modernista e idealizador da Semana de Arte Moderna de 1922.

I – Estudos de gênero e as questões étnico-raciais Nos vários movimentos de reivindicações femininas, surgiu o conceito de gênero. A partir da luta das mulheres contra as desigualdades fez-se notar o movimento feminista ainda no século XIX. Essa luta consistia na garantia do direito à participação política via voto, bem como na denúncia da falta de

3 Tarsila do Amaral pintou a tela A Negra durante

sua estadia na Europa em 1923. A pintura foi uma encomenda feita por Blaise Cenderas para ilustrar a capa de um de seus livros de poemas. A tela mede 100 x 81,3 cm e se encontra hoje no acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.

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espaço das mulheres nas questões políticas, científicas, literárias e etc. O feminismo na luta pelos seus direitos deuse o nome “onda”, que teve o feminismo de primeira “onda” no final do século XIX na luta pelo direito da mulher votar e ser votada, ter direito ao trabalho remunerado, propriedade, estudo, herança. O feminismo de segunda “onda“ a luta era para ser dona de seu próprio corpo e contra o patriarcado que subordinavam as mulheres. Esta segunda “onda” surge depois da Segunda Guerra Mundial, influenciada por texto como O segundo sexo, de Simone de Bouvoire (1949). No meio acadêmico de acordo com Brito (s/d): O movimento feminista dos anos 70, ao lado de suas várias reivindicações e denúncias levantou também a questão do "desaparecimento" das mulheres no âmbito da história, dominada pelo pensamento masculino. E um ponto básico na pesquisa desenvolvida pelas feministas o chamado resgate da memória feminina - fazer uma história das mulheres pelas próprias mulheres - especificidade que marca uma especial identificação com o objeto. O momento era propicio, pois, o debate intelectual da época tratava principalmente dos "excluídos" da história, que se tornaram privilegiados "objetos" de estudo, incluindo-se aí mulheres, ao lado dos loucos, prisioneiros, bandidos, doentes, operários, etc. A perspectiva vigente era dar voz a estes grupos silenciados pela opressão que vivenciavam e que, no caso das mulheres, era ressaltada como a causa da sua situação subordinada (BRITO, s/d, p. 23). A partir dos anos 1980, as feministas estadunidenses adotaram o termo gênero defendendo o caráter social das distinções baseadas no sexo, rejeitando o determinismo biológico que durante muito tempo justificou as desigualdades e assimetrias entre homens e mulheres. Nessa construção de gênero surgiram formas de contextualizar a maneira de ser homem e de ser mulher, independente do sexo anatômico e sim dependendo de cada contexto social em que o comportamento

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feminino e masculino nas várias relações sociais de família, de trabalho, de lazer, dentre outras esferas são construídas a partir da cultura e não das diferenças biológicas de sexos. A cultura nesse contexto é o embrião que constrói a partir das diferenças de sexos o conceito de gênero. “Em síntese, é a cultura que constrói o gênero, simbolizando as atividades como masculinas e femininas” (GDE, 2009, p. 25). Outra estudiosa sobre o assunto Joan Scott que fez sua definição de gênero a partir das relações sociais configurada com as diferenças percebidas entre os sexos internalizadas no interior de relações de poder, em que ela coloca o conceito de gênero, “gênero é a organização social da diferença sexual” (PEDRO, 2005, p. 89). Para Joan Scott as diferenças entre os sexos são constituídas no interior das relações de poder. “Gênero significa o saber a respeito das diferenças sexuais, a concepção de saber, seguindo Michael Foucault; com o significado de compreensão produzida pelas culturas e sociedades sobre as relações humanas, no caso, relações entre homem e mulher” (SCOTT, 1995, p.12). Esta autora ao retratar sobre gênero configurado no movimento feminista, ela propunha analisar acerca de como os gêneros masculino e feminino são constituídos, a saber, “como as hierarquias de gênero são construídas, legitimadas, contestadas e mantidas” (PEDRO, 2005 p. 87). Para Louro (1997), gênero precisa ser considerado tanto como uma categoria de análise, quanto como uma das formas que relações de opressão assumem numa sociedade capitalista, racista e colonialista. A oposição binária dos pares contém e reprime o “outro” homem/mulher, público/privado, cultura/natureza emoção/razão. O relacional tenciona investigar os pares, na tentativa de rejeitar qualquer atribuição de naturalidade que lhes possa ser atribuído. Nesta perspectiva, o caráter fixo e permanente dessa dualidade é rejeitado.

formas de dominação de uma parte sobre a outra. Até nas leis jurídicas as mulheres sofreram injustiças. No final do século XIX as mulheres que sofriam crimes sexuais (defloramento ou estupro) eram consideradas responsáveis por esses atos cometidos pelos homens. A mulher pobre que era violentada sexualmente era taxada de mulher vulgar que ia para bailes e espaços de lazer considerados pela sociedade lugares para mulheres mundanas e sem índole. O homem que violentava a mulher sexualmente não era considerado culpado, culpada era a moça que estava num papel desviante, se expondo aos homens freqüentando lugares públicos, a mulher normal aquela nos espaços privados de família e igreja. O homem se defendia perante as leis instituídas, e sobre a mulher que não seguisse os padrões morais da sociedade, de família, religião era taxada de pervertida. Nesses aspectos é possível imaginar as condições que viviam as mulheres negras, em situações bem piores que as mulheres brancas, pois, além de serem negras, pobres e com a cultura de seu povo, com ritmos africanos como a capoeira, o candoblé, etc., eram mal vistas na sociedade, portanto, a mulher negra discriminada por sua cor e sua herança cultural considerada abominável. A Defesa, ao questionar o comportamento da vítima, os lugares que freqüentava e as companhias com quem andavam, a referência aos “bailes de ponta de rua” e ao fato de a moça ser “habituada a ir a pagodes” segue a linha da criminologia, que buscava policiar esses espaços de lazer por entendê-los como espaços nos quais se criam condições para a emergência de práticas devassas e pervertidas. Portanto, uma moça de respeito, uma “moça honesta”, não poderia freqüentá-los. (FREITAS, p.10)

Outro aspecto importante é que a dominação de gênero não pode ser entendida apenas como dominação binária macho-fêmea, mas como uma complexa estrutura estratificada por gênero, raça, classe e outras

Para trabalharmos sobre as desigualdades raciais comecemos do conceito de etnocentrismo, termo usado para distinguir ou qualificar no sentido próprio de cada cultura as diferenças de seu povo, de seus costumes, seus alimentos, como do de vestirem, de relacionarem, a religião, a arte, a língua, etc.,

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considerando estes aspectos naturais de sua gente. Portanto, o etnocentrismo, é a valorização de um povo com seu próprio povo, é a identidade de um povo no seu modo de vida, independe de outros grupos sociais. O conceito de etnocentrismo sofreu variações no decorrer da história da humanidade. Antes era tido como se cada povo tivesse sua particularidade com suas diferenças, e que isto era geral com todos os povos. Mas com o desenvolvimento intelectual e científico nos séculos XV ao XVII ao explicar diferenças biológicas e anatômicas de raças, configurando a “idéia que a humanidade estava irremediavelmente dividida em tipos raciais” (GDE, p.170, 2009), e o que diferenciava essas culturas era a idéia de certas raças serem mais fortes do que outras, ou mais inteligentes que outras, etc., neste contexto surge o racismo. O racismo é configurado num momento histórico da humanidade na invasão dos continentes americanos pelos europeus em que ficou estampada a superioridade de umas culturas sobre outras. Nesse transcorrer surge o racismo que até então não existia, porque antes não havia discriminação pela cor da pele, mas discriminação baseada em fatores religiosos, políticos, nacionalidade e na linguagem. Como a questão de gênero é fortemente imbricada na sociedade assim também as questões étnico-raciais. Gênero tem sua origem histórica, como também o racismo. Com isso, mesmo com as lutas feministas a mulher negra não era reconhecida com sua identidade étnico-racial que sofria muito mais comparando com a mulher branca. A questão de gênero nesse sentido, pela luta da mulher (negra) inserida nas questões de classe e etnias raciais, gerou insatisfação das mulheres negras nesse quadro, “para Stolcke a teoria feminista concebia as mulheres como categoria social indiferenciada” (Aguiar, p. 86, s/d). É visível como a mulher negra enfrenta mais dificuldades, mesmo dentro da luta feminista. Os obstáculos da mulher negra são maiores do que os da mulher branca, “a mulher negra no Brasil é discriminada duas vezes:

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por ser mulher e por ser negra” (Aguiar, p. 86, s/d). A relação de gênero, no entanto, generalizou a mulher sem considerar suas particularidades étnico-raciais e de classe que são focos embrionários da discriminação tripla de cor, classe e gênero que sofre a mulher negra. É [...] “necessário abordar a maneira como o gênero, classe e raça se cruzam para criar não apenas fatores comuns, mas também diferenças nas experiências das mulheres” (AGUIAR, p. 86, s/d). As diferenças de classe são fatores concomitantes nas questões de gênero que a princípio não eram consideradas. Gênero para alguns estudiosos era analisado de forma linear na História das Mulheres, não considerando os aspectos sócio-econômicos em que as mulheres pobres não se enquadravam no modelo de gênero construído que estabelecia para mulher a vida privada em função do lar. As mulheres pobres o oposto, além de seu trabalho doméstico, o trabalho mal remunerado fora de casa. E, deste modo, limita a mulher ao espaço do privado, onde o cuidado com a casa e dos filhos com o foco central de sua ação. No entanto, sabe-se que mulheres pobres sempre trabalharam fora (nas fábricas indústrias, nas casas burguesas como domésticas, etc). (FREITAS, p. 4, GDE). O conceito de gênero é amplo, não se relaciona somente com os estudos da História das Mulheres. É vinculado fortemente a fatores sociais, históricos, econômicos, biológicos, etc., envolvendo ambos os sexos, feminino e masculino na sua historicidade. Não se pode considerar gênero no singular somente com os estudos das mulheres e elementos que supõem o sexo biológico, mas que, vai além dessas interpretações focalizando a mulher e o homem mutuamente em todas relações sociais. “Neste sentido, falar de gênero é também falar no plural, tendo em vista a diversidade de nossas culturas e situações. Falar de gênero é afirmar a pluralidade” (FREITAS, p. 5, GDE) Muitas hierarquias estabelecidas na sociedade foram construídas a partir de diferenças de classes sociais como também outras

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desigualdades que necessariamente não dependem de diferenças de classe. Assuntos sobre gênero e etnias-raças devem focalizar questões de classe social, pois muitas mulheres além de serem negras são pobres que moram em favelas, com emprego subalterno e chefes de família, que dificulta melhores oportunidades no campo de trabalho.

II – A Negra: discutindo gênero e relações etnico-raciais Tarsila pintou a tela A Negra quando estudava em Paris. A obra representa o ambiente tipicamente tropical brasileiro com a folha de bananeira que entrelaça com a negra brasileira. De acordo com Amaral: “Tarsila interpõe a folha de bananeira presente em A Negra, desta vez mais naturalista, sem a preocupação da estilização geometrizante” (AMARAL, 2003, p. 251). Na tela a pintora apresenta uma “figura sentada com dois robustos toros de pernas cruzadas, uma arroba de seio pesando sobre o braço, lábios enormes, pendentes, cabeça proporcionalmente pequena” (p. 249). Para vários/as estudiosos/as da história da arte, Tarsila, em A Negra, revela a cientificidade e a epistemologia masculinas da época, que defendiam, tanto nas ciências naturais e quanto nas ciências humanas, serem os homens naturalmente superiores às mulheres. Em sua obra Tarsila transcende as representações de gênero, portanto de feminilidade, de sua época, ela não coloca na obra A Negra, status, glamour, sensualidade, preguiça comumente utilizados para representar as mulheres. Ela simplesmente busca representar uma mulher negra na sua “essência”, independente dos padrões culturais da época.

Nas relações sociais, na década de1920, a construção do gênero feminino se estruturava de modo que o que a mulher era dependia da família em que nascia ou com quem que casasse (PUGLIESE, 2011, p. 2,).

A partir da interpretação da tela A Negra podemos compreender o lugar destinado às mulheres nas primeiras décadas do século XX. Conforme Pugliese:

A produção artística nos permite, assim, analisar as representações e estereótipos de gênero e étnico-raciais da época. Tarsila em A Negra retrata a questão de gênero destacando o feminino e ultrapassando o paradígma da mulher depender do sexo masculino.

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Figura. 01 A NEGRA (1923) Tarsila do Amaral Óleo sobre tela, 100x 81,3 cm.

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O tema da identidade nacional ou regional está implícito nas obras de Tarsila. A busca por uma identidade nacional fundamentada em novas bases coincidiu com o surgimento dos movimentos modernistas dos anos 1920 no Brasil. Escritores e artistas plásticos se inspiraram nos movimentos de vanguardas europeus da época, no entanto, a busca por uma identidade nacional resultou num processo de releitura daquilo que se produzia na Europa. Esta obra de Tarsila A Negra sai dos padrões culturais elitistas que via a negra como uma mulher que trabalhava no engenho, que era mãe de leite ou que fugia aos padrões de beleza europeus. De acordo com Pugliese, Tarsila descentraliza a arte americanista que pinta as escravas na obra Engenho de Mandioca de Modesto Brocos em 1892 ou de Candido Portinari (1903-1962) que retrata em umas de suas obras a negra na lavoura sob o sol. A Negra para Tarsila “se dá igualmente no plano formal, uma vez que Tarsila modifica os dados da composição americanista”, (PUGLIESE, p. 3). Tarsila é uma precursora da arte Moderna no gênero feminino que contextualiza a mulher negra fora dos padrões hierárquicos machistas e racistas. Conforme Pugliese: Talvez A Negra seja uma resposta moderna ao torvelinho de questões colocadas em seu meio, em vários registros simultâneos: ao se afastar da iconografia tradicional da mulher, as temáticas como o retrato, a pintura de costumes, a questão social como conflito entre classes, a indianista, a mitológica, a alegórica, a religiosa, Tarsila causa um deslocamento, pois altera os lugares da mulher na sociedade, (PUGLIESE, 2011, p. 4). A obra de Tarsila do Amaral descentraliza o foco que era dado às mulheres negras da época, aquela negra submissa e voltada para o trabalho grosseiro mesmo com a abolição da escravatura. Pode-se dizer que a tela A Negra demonstre a mulher contextualizada na sua etnia e raça negra na sua essência sem colocações estereotipadas. Tarsila transcende a negra mulher ao representá-la intocável aos preceitos de inferioridade e exclusão.

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Tarsila por ser uma mulher intelectual, expressou liberdade em sua tela, num momento em que a cientificidade e vasto conhecimento eram específicos aos homens que inculcou a superioridade “naturalizada” do homem sobre a mulher. A partir das interpretações da tela A Negra, buscamos analisar o posicionamento assumido pelas mulheres da época em relação a função exercida pela arte. O tema da identidade nacional ou regional está implícita nas obras de Tarsila.

III - A arte como intervenção nas desigualdades étnico-raciais nas escolas a partir da leitura da tela A Negra de Tarsila do Amaral Conforme dito anteriormente, um dos objetivos deste trabalho é discutir a contribuição que podemos dar ao ensino da disciplina “Arte” introduzindo na mesma aspectos da cultura brasileira. Buscaremos a partir da análise realizada acima sobre a representação da mulher negra feita por Tarsila apontar algumas possibilidades de trabalho com a tela em sala de aula. Nossa intenção é contribuir com uma visão crítica da sociedade em que vivemos que mesmo nos dias atuais mantém um sistema de dominação, alienação nas questões étnicas e de gênero. O ensino de Arte está muitas vezes distanciado da realidade da maioria dos estudantes, e não contribui muito com a educação no seu sentido amplo. No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB n 9.394/96) estabeleceu em seu artigo 26, parágrafo 2º que: “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”. O que existe de ensino de arte nas escolas brasileiras não é suficiente para que as crianças tenham uma verdadeira compreensão histórica e estética. Vários pesquisadores têm explicitado esse problema. Segundo

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Azevedo (2000), um valor ressaltado pela Arte/Educação Modernista era a democratização da obra de arte, orientada na concepção de que todas as crianças, em potencial, seriam capazes de produzir e de expressarse por meio da arte, até mesmo crianças com necessidades especiais. No entanto, apesar da LDB, dos PCNs, no ensino de arte existe certo espontaneísmo e um distanciamento com as outras disciplinas que deveriam se complementar numa interdisciplinaridade, tais como, História, História da arte e Literatura. A metodologia no ensino da arte tem sido desde sempre uma metodologia que não desperta o interesse dos alunos, a realidade das escolas brasileiras tem mostrado esse fato de maneira cada vez mais clara. Não só a arte que sofre esse distanciamento. A História da Cultura Afro-Brasileira nos PCNs na LDB, no parágrafo 10.639 de 9 de janeiro de 2003, que inclui no currículo essas ações políticas mas que não provocou inserções significativas nos ambientes escolares. É difícil esse segmento interagir e ser debatido nas escolas, a própria formação de professoras/es não os prepararam com o conhecimento sobre temas étnico-raciais e de gênero. Como sabemos a formação educacional no Brasil centrado no currículo eurocêntrico, masculinizado com raça branca e cristã. “Existem casos de educadores que reproduzem estereótipo e agem de maneira preconceituosa no cotidiano escolar” (GONÇALVES, p. 6. s/d). Diante do exposto uma proposta crítica de ensino de arte a partir da tela A Negra, de Tarsila do Amaral, consistiria em abordar questões históricas de gênero e etnias e a cultura de nossos ancestrais contribuindo principalmente para a valorização das mulheres negras imbuídas no nosso seio social e cultural. A escola é uma ferramenta para isso. As escolas ainda guardam paradigmas dominantes que privilegiam alguns alunos/ as e marginalizam outros/as com padrões sociais que discriminam cor, raça, gênero e classe social desrespeitando as diferenças.

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nas escolas ignoram discussões sobre esses temas, valorizam a ordem social aceitando como natural as diferenças sociais e os “déficit” individuais. Reforçam a superioridade da cultura hegemônica. (GONÇALVES, p. 3, GDE). Assim podemos trabalhar sobre cultura nas escolas com datas comemorativas, por exemplo, o dia do Descobrimento do Brasil, o dia do Índio, o dia da Consciência Negra, etc., pelo viés da arte para disseminar a nossa história, a nossa cultura e as nossas diferenças. Mas isso não basta. Através de pesquisas e estudos sobre a arte e as culturas brasileiras podemos com o ensino de Arte articular uma educação reflexiva com educandas/os no intuito de conscientizá-los que entender as diferenças raciais, significa considerá-las no mesmo patamar. Que todas as pessoas devem respeitar umas as outras. No contexto histórico brasileiro no qual situa a diversidade étnico-racial e de gênero, a mulher negra sofre mais ainda as questões de preconceitos de sexo e de raça. Se a mulher não tinha os mesmos direitos que os homens ao trabalho, a liberdade, as suas próprias decisões, imagine a negra dentro do quadro histórico brasileiro desde a época da escravidão. Dados estatísticos comprovam como a mulher negra brasileira, por exemplo, no trabalho, tem menos renda que as brancas. As mulheres são pessoas de referencia em 63,4% das famílias pretas e pardas, contra 56,5% de famílias brancas “chefiadas” por mulheres. Por outro lado, a renda das mulheres negras equivale a apenas 45% da renda das mulheres brancas. (GDE, 2009, p. 180). As mulheres brancas e negras não podiam votar, estudar e nem tão pouco construir uma carreira. Sofriam agressões físicas, psicológicas (infelizmente, fatos como esses acontecem nos dias atuais). A vida da mulher era limitada. Estudar, trabalhar fora de casa, era exclusividade masculina. O papel da mulher era reduzido aos cuidados com a casa, o marido e os filhos, “na divisão sexual do trabalho, o homem está ligado ao mundo público do trabalho e a mulher ao mun-

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Considerações Finais do privado a casa, o lar, os filhos” (GROSSI, 2004.). As mulheres eram submissas aos homens e não tinham os mesmos direitos que eles. Não podiam exercer o votar, estudar e, nem tão pouco, construir uma carreira. As desigualdades sociais fruto do não respeito, surge a luta pelos seus direitos, surgem os conflitos e a violência. Portanto, cabe a escola a formação das crianças e jovens com uma educação de respeito perante os outros, com negros, mulheres, homossexuais, etc., cada um deve conhecer seu espaço e o espaço do outro, estar atentos com a diversidade cultural através da Arte, mobilizando-os para serem cidadãos/cidadãs críticos e construtivos em uma sociedade em que todos possam ter os mesmos direitos à educação, saúde, trabalho, etc. A produção de arte se torna uma manifestação humana. É um impulso de criatividade, de sentimento, alegria, responsabilidade, fraternidade, evolução, espontaneidade de culturas, que transitam o tempo todo em nossas vidas. Neste contexto, as esferas públicas e as esferas privadas foram padronizadas na sociedade. Nas esferas públicas, cabem aos homens o trabalho remunerado, autonomia em suas escolhas e autoritário em suas decisões, etc. Cabe a mulher na esfera privada, o dever de cuidar de casa, marido e filhos. Contudo, há outras diferenças, pois, “se boa parte das hierarquias se constroem a partir da classe, existem outras diferenças que são geradoras de desigualdade que necessariamente não derivam da posição de classe” (AGUIAR, p. 86. s/d). A submissão da mulher na sociedade foi construída. Mesmo assim elas interferiram e ajudaram em decisões que eram “exclusivas dos homens mas a concepção que se tem é de que a mulher naturalmente são providas do trabalho doméstico” (AGUIAR, p. 86. s/d). As mulheres tiveram um papel importante no movimento operário, mas continuaram oprimidas com o trabalho do lar.

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Ressaltando nesse artigo o estudo das questões de gênero e étnico-raciais através da tela de Tarsila do Amaral, a importância de se pensar o ensino de arte não apenas como fazer artístico, mas também como reflexão crítica da história de nosso país conduzida pelo eurocentrismo, que desrespeitou e dizimou diferenças étnico-raciais e gênero com a supremacia masculina branca dominante. As relações étnico-raciais e de gênero devem ser cristalizadas no ambiente escolar para o conhecimento das diferentes culturas que nos cercam, e o acesso desses grupos que tem os mesmo direitos de conhecimento educacional como garantia para a formação de uma cidadania plena que converta os males existentes em nossa sociedade atual, enraizada de violências físicas e simbólicas devido às diferenças culturais de negros, mulheres, pobres, que são base de formação de nosso país. A tela A Negra de Tarsila deu visibilidade às desigualdades sociais e a história de etnias/ raças e gênero, permitindo aos educandos, não importando a classe social, etnias, raças, sexo, estejam atentos/as, a saber, de que forma nossa sociedade foi construída que opera injustiças nos dias atuais. Educadora/or tem a responsabilidade de reverter esse quadro de discriminação na escola, e não deixá-la passiva diante de tantas injustiças cometidas pelo poder dominante que nos faz de “parasitas” sem tomar nenhuma atitude às situações que confrontamos diariamente nas escolas, nas ruas, etc, com atitudes preconceituosas e racistas que instigam violência e ódio ocasionando inquietações sociais em toda a sociedade. Por isso, lutas e conflitos étnico-raciais e de gêneros são resultantes de um processo histórico injustos com as raças negras e com as mulheres que não tiveram o mesmo acesso que o homem branco. Vivenciamos diariamente atitudes preconceituosas nas escolas, nas famílias, enfim, em todos os lugares da sociedade com frases que estigmatizam negros e mulheres inferiores aos homens brancos, como “preto quando não suja na entrada suja na saída” ou “mulher,

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motorista de fogão”. Atitudes assim menosprezam integralmente esses indivíduos, a não ser que os mesmos tenham consciência das suas riquezas que não foram respeitadas para desmascarar a ideologia dominante e opressora. E a escola é responsável por conscientizar os educandos/as da importância e do respeito às diferenças culturais. Professoras/es devem estarem atentos/as a maneira como os descendentes afro-brasileiros e mulheres são representados nos currículos e livros didáticos. A arte pode ser utilizada como via para desestabilizar formas preconceituosas e discriminatórias na realidade escolar. Abrindo caminho para a aceitação da diversidade cultural, por levar a/o educanda/o a reconhecer o outro na sua individualidade e diferenças como a si mesma/o.

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Maria Nélia S. Gomes1

A IDEIA ESCONDIDA EM “AS MENINAS” Resumo Recorro a grande obra “As Meninas” de Diego Velásquez para refletir sobre seu intrínseco jogo representacional. A partir da filosofia de Descartes procuramos desvelar o que se oculta na obra de Velázquez. O artista ao pintar a princesa, nos induz a um jogo contínuo de representações em torno do que se esconde e do que se mostra, de quem vê e quem é visto, sugerindo ao espectador uma participação dinâmica, uma troca constante e infinita entre ele e a obra. Para responder as problemáticas propostas neste trabalho utilizo-me de uma pesquisa teórica com suporte nos livros e autores, tais como: BECKET (1997), DESCARTES (1999), FOUCAULT (2000), FERRY (2007), GOMBRICH (1999), LIVIO (2008), entre outros. Esperamos com este estudo aproximar teoricamente a filosofia de Descartes à obra de Velázques; entender o vazio como elemento principal, discutir o jogo representacional e interpretar a idéia da invisibilidade de elementos alicerçados no método racional de Descartes, “O Discurso do Método”.

Palavras-chave Representação visual, filosofia, invisibilidade. 1 Graduanda do quarto período em Artes Plásticas –

Bacharelado, pela Universidade Federal de Goiás. Faculdade de Artes Visuais – FAV. Graduada em Matemática – Bacharelado, pelo Instituto de Matemática e Física da Universidade Federal de Goiás. 1995. Pós-graduada em Filosofia da Arte pelo Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás – IFITEG – UEG. 2009. E-mail: neliarte21@hotmail.com

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“Talvez haja, neste quadro de Velásquez, como que a representação da representação clássica e a definição do espaço que ela abre. Com efeito, ela intenta representar-se a si mesma em todos os seus elementos, com suas imagens, os olhares aos quais ela oferece, os gestos que a fazem nascer. Mas aí, nessa dispersão que ele reúne e exibe em conjunto, por todas as partes um vazio essencial é imperiosamente indicado: o desaparecimento necessário daquilo que a funda – daquele a quem ela se assemelha e daquele a cujos olhos ela não passa de semelhança”. (FOUCALT, 2000, p. 20)

I – AS MENINAS Originalmente chamada “A Família Real de Filipe IV” e conhecida mundialmente como “As Meninas” esta obra representa a maturidade do estilo de Velázquez, o ápice do seu esplendor. (JANSON, 2010). Aparentemente a obra apresenta uma cena do cotidiano na corte real, mas por trás desta aparente simplicidade uma série de perplexidades a envolve e se revelam tornando “As Meninas” uma das obras mais complexas de todos os tempos da História da Arte. Talvez, a intenção do artista seria levar o espectador a interagir continuamente em seu jogo representacional. Antônio Palomino, o primeiro a analisar As Meninas, escreveu “... o nome de Velázquez passará de século em século, na pintura da bela e excelente Margarida à sombra de quem a sua imagem foi imortalizada”. (JANSON, 2010, p.708). Graças a Palomino, hoje conhecemos a identidade de cada um dos personagens, como se segue na figura 2.

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1 - Infanta Margarida; 2 - Isabel de Velasco, em atitude de reverência; 3 - Maria Augustina Sarnmiento, a outra menina; 4 - Maria Bárbola, a anã; 5 - Nicolasito Pertusato, junto ao robusto cachorro, 6 - Marcela de Ulloa, encarregada de cuidar e vigiar as donselas; 7 - Personagem ao lada de Marcela, o único não identificado; 8 -José Nieto, camareiro da rainha; 9 - Diego Velázquez, o pintor em seu auto retrato; 10 e 11 - Felipe IV e sua esposa Mariana de Áustria, refletidos no espelho; e no primeiro plano o cachorro, um mastín espanhol.

Figura. 02 Esquema de análise de AS MENINAS de Diego Velázquez

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Figura. 01 AS MENINAS (1656) Diego Velázquez Óleo sobre tela 318 x 276 cm

Figura. 03 Diálogo entre obra e espectador . AS MENINAS, Velásquez

II – DESCARTES Nesta composição as formas e proporções se repetem harmonicamente planejadas, os personagens são dispostos em trios: como o trio principal formado por Velázquez, Augustina e a Infanta Margarida; o outro composto por Maria Bárbola, Izabel e Nicolasito; e por fim um terceiro trio secundário onde aparecem o camareiro José Nieto, Marcela e o personagem ao seu lado. Esta disposição tripla dá à obra um aspecto de seqüência improvisada, capturada instantaneamente como um flash. Na parte inferior do quadro a disposição dinâmica dos personagens se contrasta com a parte superior a qual se encontra envolta em uma silenciosa penumbra. A ordem e o equilíbrio composicional de “As Meninas” se revelam na forma em que o pintor dispôs o seu maior foco de luz, onde consequentemente se encontram o ponto de fuga e a proporção áurea, assunto que veremos adiante. Porém a parte mais intrigante desta composição talvez seja o jogo de representações que Velazquez apresenta quando pinta a si mesmo na grande tela, a tela interna a pintar e o reflexo dos soberanos, obrigando, com sua genialidade, o espectador a questionar e interagir diretamente com a obra.

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Rene Descartes filósofo e matemático Francês nasce em 1596, em La Haye, na região de Touraine, França, período em que a cultura ocidental se encontra marcado por grandes transformações tanto social, econômica, política como filosófica e religiosa. (Descartes, 1999). Preocupado com as dificuldades pelas quais passavam o saber medieval, Descartes se inspirou em uma filosofia que fosse útil à vida das pessoas, propondo um método, um caminho a ser seguido, segundo o qual fosse possível conduzir à razão, partindo da possibilidade do bom uso da razão e do bom senso, com a capacidade de distinguir o verdadeiro do falso na natureza, (Descartes, 1999), provocando assim uma ruptura com o mundo antigo. Descartes o verdadeiro fundador da filosofia moderna, cria simultaneamente com seu novo método, não só uma ruptura com o mundo antigo, mas também um novo ponto de partida na história do pensamento. (História da Filosofia, 1999). Com o humanismo moderno, o homem, o sujeito pensante passa a ser o centro do universo e não mais o cosmos, nem a divindade. Ao se tornar o sujeito, o “eu que pensa” e o mundo o seu objeto, ele pensa a si próprio e passa a reordenar e reorganizar o mundo

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à sua maneira, agindo como possuidores e senhores da natureza. É a nova doutrina de Descartes se contrapondo à sabedoria medieval e anunciando um novo conceito de razão: a razão e o bom senso, estruturada em três idéias fundamentais: a subjetividade, a dúvida e a liberdade de pensamento. (FERRY, 2007) A subjetividade – passado unicamente no espírito do sujeito humano, com a certeza de que esteja absolutamente seguro, ou seja, é a certeza do estado de consciência subjetiva do sujeito, que vai se tornar o novo critério da verdade. A dúvida – duvidar de tudo sem distinção, na totalidade das idéias prontas, a rejeição de todas as crenças e preconceitos herdados do mundo antigo, criando uma nova natureza fundada na consciência individual e não mais na tradição da certeza do sujeito em sua relação consigo mesmo.

A liberdade de pensamento – o espírito crítico rejeitando todos os argumentos de autoridade, todas as crenças impostas como verdades absolutas sem o direito de discutir e questionar. Com a radical dúvida de Descartes ele simplesmente inventa o espírito crítico, a liberdade de pensamento, surgindo daí a filosofia moderna.

Figura. 05 Augustina Sarmiento e Infanta Margarida – AS MENINAS (detalhe) Velázquez, 1656.

[...] por desejar então dedicar-me apenas à pesquisa da verdade, achei que deveria agir exatamente ao contrário, e rejeitar como totalmente falso tudo aquilo em que pudesse supor a menor dúvida, com o intuito de ver se, depois disso, não restaria algo em meu crédito que fosse completamente incontestável. (DESCARTES, 1999, p 61).

III – Diego Velázquez o pintor dos pintores

Figura. 04 O Pintor – AS MENINAS (detalhe) Velázquez, 1656.

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Pertencente ao mesmo período de Descartes, Diego de Silva Velázquez, o grande gênio da pintura barroca espanhola, nasceu em Sevilha, em 06 de junho de 1599 e morreu em Madrid em 06 de agosto de 1660. A precocidade de seu talento o levou ainda muito jovem, a ser reconhecido pelo seu mestre, o pintor sevilhano Francisco Pacheco, como um talento de rara grandeza, e assim o descreveu no livro A Arte da Pintura: “movido por sua virtude, limpeza e boas maneiras e pela esperança de seu natural e grande talento”. (Col. Grandes Mestres da Pintura, 2007).

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Embora tenha sofrido certa influência de Caravaggio na solidez das formas e no domínio da luz, Velázquez se faz incomparável, um dos nomes máximos da pintura, o qual desenvolveu uma visão da realidade humana com sensibilidade e imaginação, que pouco ou quase nada deve a influências externas. (BECKETT, 1997). Aos 24 anos de idade, Velázquez já era o pintor do rei Felipe IV, cujos retratos causavam grande admiração em toda a corte. De personalidade irrequieta, inovadora e ambiciosa por glória e ascensão social suas conquistas, tanto no plano pessoal como artístico e social são frutos de uma educação rígida e disciplinada em Sevilha. Durante seis anos absorveu de seu mestre Francisco Pacheco todas as novidades produzidas por poetas, músicos, pintores, filósofos e teólogos da cidade. Este ambiente agitado e repleto de conhecimento proporciona ao jovem pintor uma vasta e sólida cultura, que poucos anos mais tarde viria a refletir em sua respeitável biblioteca, repleta de obras de todos os campos do saber. A presença de alguns livros de caráter iconoclasta e emblemático, segundo alguns estudiosos, dentre eles J. A. Emmens, nos incita a ver sua obra como um enigma, cuja solução depende do significado dos elementos apresentados, atribuindo aos objetos e personagens a uma interpretação subjetiva.

Figura. 06 Os Anões – AS MENINAS (detalhe) Velázquez, 1656.

J. A. Emmens e Santiago Sebastian buscam dar uma explicação ao conjunto da obra à partir de interpretações alegóricas de seus componentes. Assim a anã Maria Bórbola significa a inveja, a ambição, pois trás nas mãos uma bolsa de moedas, simbolizando a cobiça; o anão Nicolasito molestando o cachorro significa o mal, a loucura cujo significado está representado na vestimenta vermelha e preta e também símbolo da fidelidade representada pelo cachorro, um alerta para os perigos3. Além dos livros iconológicos Velázquez também dispunha de livros sobre astronomia, cosmografia e lunetas para contemplar o céu, surgindo daí muitos comentários a respeito da simbologia astrológica de “As Meninas”. Segundo especulações, dizem que

Figura. 07 Simbologia da Constelação Coronae – AS MENINAS (detalhe) Velázquez, 1656.

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3 Em www.foroxerbar.com. Acesso em 29/10/2011).

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unindo com uma linha imaginária as cabeças ou corações das cinco figuras principais obtém-se o desenho da Constelação Coronae, cuja estrela central se chama Margarida Coronae, como a Infanta Margarida que também assume a mesma posição na grande tela. Poucas obras de Velázquez abordam temáticas religiosas, preferindo ressaltar mais o seu lado humano e social. Ele desenvolveu uma técnica que pode ser chamada “o quadro dentro do quadro”, onde o tema religioso convive com o palco real mediante um quadro, um espelho ou uma janela que encerra a cena sagrada no fundo da composição principal. (Col. Grandes Mestres da Pintura, 2007, p. 17). Nos últimos anos Velázquez pintou algumas de suas principais obras, destacando sua maturidade e a transposição de uma inquietação pictórica para a tela, numa atitude própria do artista nesta fase. A captura momentânea de ambientes, cores, formas, movimentos e pinceladas rápidas em um curtíssimo espaço de tempo, como um reflexo instantâneo, fez de Velázquez um precursor do Impressionismo. As obras desta fase marcam o ápice de sua carreira artística, onde se destaca “As Meninas”, a obra mais elogiada, discutida e comentada de toda a História da Pintura. Extremamente complexa e de grandes proporções; nela o artista mostra-se a si mesmo e aplica técnicas e recursos desenvolvidos ao longo de sua trajetória, captando fugazmente toda a cena. (Col. Grandes Mestres da Pintura, 2007)

IV – A filosofia de Descartes e o jogo representacional de Velázquez A idéia de um jogo representacional velazquiana, se encaixa perfeitamente à doutrina das idéias inatas de Descartes, que segundo ele, razão e bom senso é a capacidade de julgar e distinguir o verdadeiro do falso, o essencial do acidental. Igual a todos os homens, por natureza, esta capacidade de julgar e distinguir diverge apenas na maneira em que cada um conduz seus pensamentos,

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não havendo nenhum mais racional que o outro, apenas os seus pensamentos são guiados por rumos diferentes sem considerar as mesmas coisas. É o pensamento e o ser que pensa separando assim a objetividade da subjetividade. [...] é improvável que todos se enganem a esse respeito; mas isso é antes uma prova de que o poder de julgar de forma correta e discernir entre o verdadeiro e o falso, que é justamente o que é denominado bom senso ou razão, é igual a todos os homens; e, assim sendo, de que a diversidade de nossas opiniões não se origina do fato de serem alguns mais racionais que outros, mas apenas de dirigirmos nossos pensamentos por caminhos diferentes e não considerarmos as mesmas coisas. (Descartes, 1999, p. 35) Seguindo a filosofia de Descartes em “As Meninas”, Velázquez oculta em sua obra a própria idéia da representação, sugerindo o vazio como o elemento principal do quadro, quando na realidade, os soberanos e os espectadores são claramente evidenciados como uma invisibilidade necessária.

Figura. 08 O Espelho – AS MENINAS (detalhe) Velázquez, 1656.

Ele expôs na grande tela uma representação de modo intrínseco e sutil em torno do invisível. Trata-se do ponto que extravasa a grande tela, dando espaço ao expectador para assumir o lugar dos soberanos, mostrando claramente o que se encontra ausente: o rei e a rainha. É a representação visual da própria representação, isto é, é a representação de si mesma. Representação que consegue interagir o espaço do espectador com o espaço representado. Assim Foucault descreve esta invisibilidade: O pintor olha, o rosto ligeiramente virado e a cabeça inclinada para o ombro. Fixa um ponto invisível, mas que nós, espectadores, podemos facilmente determinar, pois que esse ponto somos nós mesmos: nosso corpo, nosso rosto, nossos olhos. O espetáculo que ele observa é, portanto duas vezes invisível: uma vez que não é representado no espaço do quadro e uma vez que se situa precisamente nesse ponto cego, nesse esconderijo essencial onde nosso olhar se furta a nós mesmos no momento em que olhamos. (Foucault, 2000, p.4)

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O espelho a refletir os soberanos, e o expectador, que ao mesmo tempo é modelo e expectador, nos dá uma dimensão reflexiva da obra e ao mesmo tempo transitiva, quando o pintor se envolve duplamente, pois vemos o que ele pintou, mas não vemos o que o pintor da grande tela pinta no quadro interno.

Figura. 10 A Tela Interna – AS MENINAS Velázquez, 1656.

É o falso e o verdadeiro, a obscuridade e a transparência, ao mesmo tempo em que se mostra, também se esconde, é o velamento e o desvelamento da representação. Apesar de todas as pistas fornecidas por Velázquez, como o reflexo do espelho, a tela que está por iniciar, o olhar penetrante de cada personagem, a duplicidade do pintor e o espantoso jogo de luz e sombra, juntamente com a perspectiva tão perfeita que de imediato nos remete ao ponto principal da tela, o ponto de fuga, isto é, o ponto para onde convergem as linhas que descrevem a profundidade na pintura, e também, onde coincidentemente se encontra o ponto áureo, mesmo assim, encontramos em sua obra a idéia de ausência de elementos, a qual pode ser complementada com racionalidade e bom senso, com a imaginação de quem a observa. É neste sentido que comparamos a pintura de Velázquez com a filosofia de Descartes, pois nela encontramos a capacidade de distinguir e julgar, cada detalhe, por vias diferentes do pensamento e com racionalidade este ocultamento. Ver o desconhecido como termo ignorado, mas que através de uma cadeia de razões seja conduzido ao conhecido. É o ser pensante separando a subjetividade da objetividade. É a alternância entre as essências e as idéias internas do pensamento, cuja realidade é puramente subjetiva para as essências das próprias coisas e seres, numa realidade objetiva. Portanto, é por meio de uma cadeia de razões que, partindo do desconhecido, podemos chegar ao verdadeiro e sermos conduzidos ao conhecido, correlacionando com a idéia inata da filosofia cartesiana.

Figura. 09 As Meninas – AS MENINAS (detalhe) Velázquez, 1656.

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V – Influências matemáticas na arte e na filosofia: perspectiva, razão áurea, e razão. A perspectiva é uma técnica da Arte Renascentista descoberta por Brunelleschi, que permite ao artista reproduzir mudanças visuais de linhas e formas que ocorrem no espaço tridimensional. As linhas paralelas parecem convergir para um ponto no horizonte, (nível dos olhos do observador) cujas formas parecem diminuírem à medida que a distância entre o objeto e o observador aumenta, dando ao desenho maior realismo. (EDWARDS, 2001).

guns estudiosos, a Razão Áurea é uma curiosa e intrigante relação matemática, a mais importante e prazerosa proporção estética que existe. Euclides, o fundador da geometria, assim a definiu a mais de dois mil anos: “Diz-se que uma linha reta é cortada na razão externa e média quando, assim como a linha toda está para o maior segmento, o maior segmento

Figura. 11 Perspectiva e Ponto de Fuga

Velázquez demonstrou entre outras ciências, grande interesse pela matemática, geometria e arquitetura. Evidências que encontramos em “As Meninas” apresentando uma composição perfeita, a distribuição ordenada dos espaços conferindo à obra proximidade e realismo, e uma notável sensação de profundidade. A perspectiva empregada neste ambiente é tão perfeita que de imediato o olhar do espectador é remetido ao fundo da tela, num ponto estratégico, que é a região de maior interesse visual: o Ponto de Fuga. Razão Áurea um misterioso número que tem fascinado não só os matemáticos, mas os artistas, os biólogos, os arquitetos, os músicos, os historiadores, os psicólogos e até os místicos debatendo a sua onipresença, pois o encontramos em toda parte: nas plantas, em nosso corpo e até nas galáxias.

Figura. 12 José Nieto, o Camareiro e Isabel de Velasco AS MENINAS (detalhe) Velázquez, 1656.

Na matemática existem números tão especiais e onipresentes que jamais deixarão de nos surpreender. O mais famoso deles é o Pi (π = 3,14....), razão entre a circunferência de qualquer círculo e seu diâmetro. Porém um outro número o Fi (φ = 1,6180339887....), menos conhecido é em muitos aspectos muito mais surpreendente e fascinante. Conhecido desde a antiguidade, o Fi recebeu no século XIX o nome de: “Número Áureo”, “Razão Áurea”, “Secção Áurea” e até mesmo de “Proporção Divina”. Segundo al-

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está para o menor.” (LIVIO, 2008) Na singeleza desta divisão, nesta linha aparentemente inocente encontramos conseqüências que vão de uma folha à estrutura de galáxias e da matemática às artes, nos fornecendo um maravilhoso sentimento de espanto e perplexidade. Albert Einsten, famoso físico (1879-1955), disse: A melhor coisa que podemos vivenciar é o mistério. Ele é a emoção fundamental que está no berço da ciência e da arte verdadeira. Aquele que não o conhece e não mais se maravilha, não sente mais o deslumbramento, vale o mesmo que um morto, que uma vela apagada. (LÍVIO, 2008, p. 14)

A Razão Áurea foi usada em muitas obras para que elas alcançassem a “efetividade visual” ou auditiva (no caso da música), e a proporção é uma das propriedades que contribuem para esta efetividade. A História da Arte mostra que na busca evasiva pelos cânones da proporção perfeita, a Razão Áurea provou ser a mais duradoura, por conferir qualidades estéticas agradáveis. Por pura audácia ou mera coincidência Diego Velázquez empregou a Razão Áurea na mesma região do ponto de fuga, na porta onde se encontra o camareiro. Os dois focos de luz, um entre a porta e a escada, e o outro atrás da escada confere ao ambiente a sensação de amplitude, mais profundidade. Estes três elementos associados: foco de luz, ponto de fuga e razão áurea conduz o olhar do espectador imediatamente a este ponto, ressaltando a ousadia do pintor e seu grande conhecimento pictórico.

Figura. 13 AS MENINAS – azul: Razão Áurea.

Vários são os termos empregados para explicar a Razão. Razão é definida como referencial de orientação em todos os campos onde o homem possa indagar ou investigar, isto é, é uma “faculdade” inerente ao homem distinguindo-o dos animais. (ABBAGNANO, 2007). Também como argumento ou prova e no sentido matemático. Na filosofia Razão pode ser o fundamento ou razão de ser, visto que razão de ser é uma coisa ou essência necessária, as vezes expressa pela própria substância. (ABBAGNANO, 2007) Descartes usou a matemática como ciência das relações, estreitamente ligada à lógica ou parte dela. Recuperou o conceito clássico de “Razão”, identificando razão e bom senso e com base no bom senso ele formula a problemática do seu novo método, “A capacidade de bem julgar e de distinguir o falso do verdadeiro que por natureza é igual a todos os homens.” (DESCARTES, 1999, p. 35). Portanto as nossas desigualdades de opiniões não surgem do fato de uns serem mais racionais do que outros, mas pelo fato de que cada ser pode e deve conduzir seus pensamentos por rumos diferentes sem considerar as mesmas coisas. O importante, segundo Descartes é aplicar corretamente a razão e o bom senso.

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Considerações Finais Concluindo nossa pesquisa, buscamos traçar, em linhas gerais, um breve relato sobre tão vasto tema, um paralelo entre a Filosofia de Descartes, e a obra de Velázquez, “As Meninas”, alicerçados na razão, onde um jogo complexo de representações nos induz a enveredar pela Doutrina de Descartes, buscando a verdade através do bom senso. Acreditamos que a idéia de um jogo representacional se encaixa à esta doutrina, pois através dela e usando a imaginação com lógica, podemos diferenciar o falso do verdadeiro dentro da obra. Agindo assim, como um ser pensante, separamos a subjetividade da objetividade que a obra apresenta. Velásquez em sua grande tela, segue a Filosofia de Descartes ocultando a própria idéia da representação, trazendo como elemento principal o vazio, mostrando com clareza a invisibilidade necessária, o real e o irreal. É a sutileza de uma representação complexa entorno do invisível, pois não sabemos diferenciar quem olha e quem é visto. A invisibilidade dos soberanos, refletida no espelho, nos dá uma dimensão reflexiva da obra e ao mesmo tempo uma transitiva, pois sabemos o que o pintor pintou, porém não sabemos o que ele pinta na tela interna. Seria os soberanos ? Ou Velásquez em seu jogo quis empregar uma relação mútua e contínua entre a obra e o espectador? O pintor joga com o falso e o verdadeiro, com a obscuridade e a transparência, ao mesmo tempo em que ele mostra, também esconde, é o velamento e o desvelamento sucessivo da representação. As pistas fornecidas por Velásquez não são suficientes para desvendarmos os mistérios que a obra encobre, por isso nos valemos do pensamento filosófico de Descartes, completando a ausência com a nossa imaginação, fazendo uso do bom senso e da razão.

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A perspectiva, a razão áurea e a propocionalidade empregadas harmonicamente, demonstram o seu grande interesse pela matemática, onde percebemos que o maior ponto visual da tela, foi explorado simultaneamente pelo artista com as tres técnicas. Não satisfeito com a grandeza da obra, Velásquez, talvez para causar impacto ou mistério, ou mesmo para perpetuar sua imagem, representa-se a si mesmo dentro da própria tela. Astúcia, audácia, genialidade ou mero acaso? Não sabemos. Só sabemos que de todas as formas que analisarmos “As Meninas” sempre retornaremos ao ponto de partida, como num ciclo vicioso. O que ele pintava na tela interna? Como é possível retratar-se a si mesmo num ambiente do qual faz parte? Quanto tempo durou para realizar uma obra tão intrínseca e demorada para um gesto tão instantâneo e preciso? O camareiro na escada, teria aparecido repentinamente naquele instante captado por Vellázquez? Que pintor é esse que em pleno século XVII capturava imagens tal qual uma máquina fotográfica? Podemos analisar de todas as formas, imaginarmos muitas situações, mas os mistérios sobre “As Meninas” continuarão, pois só o prórprio Velásquez poderia nos informar com precisão os enigmas que envolvem a mais complexa obra da História da Arte.

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Referências ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007. BECKETT, Wendy. História da Pintura. São Paulo: Ática, 1997. DESCARTES, René. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. EDWARDS, Bety. Desenhando com o lado direito do Cérebro. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001. FERRY, Luc. Aprender a Viver – Filosofia para Novos Tempos. Rio de Janeiro: Objetivo, 2007. FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas, Cap. I “As Meninas”. São Paulo: Martins Fontes, 2000 (CD). GOMBRICH, E. H. A História da Arte. Rio de Janeiro: LTC, 1999. LÍVIO, Mário. Razão Áurea: a história do Fi, um número surpreendente. Rio de Janeiro: Record, 2008. Coleção Grandes Mestres da Pintura. Diego Velázquez. São Paulo: Editora Sol, 2007. História da Filosofia. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. As Meninas de Velázques: Disponível em: http://www.foroxerbar.com/viewtopic.php?t=3779) Acesso em 20/10/2011. Lãs Meninas: Disponível em: <http://es.wikipédia.org/wiki/Las_Meninas> Acesso em 29/10/2011 e 06/11/2011 Velázquez. Disponível em: <http://www.aloj.us.es/galba/monográficos> Acesso em 13/11/2011. - 19:20. Velázquez. Disponível em: <http://www.museupicasso.bcn.cat/meninas/presentacio_es.htm> Acesso em: 13/11/2011. - 19:10 História del Arte: Las Meninas, Velazquez Disponível em: <http://verdadyverdades.blogspot.com/2011/02/las-meninas-velazquez.html> Acesso em 13/11/2011 – 19:00

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Eu Perform Cosplay Veramar Gomes Martins Graduada em Artes Visuais - Artes Plásticas na Universidade Federal de Goiás. No curso iniciou suas pesquisas sobre a Linguagem dos Quadrinhos Japoneses, elaborando conexões com a linguagem das artes, a Performance. Atualmente cursando Licenciatura em Artes Visuais. Suas pesquisas envolvem a questão da Narrativa Transmídia, juntamente com a Linguagem das HQ’s. E-mail: ciarvera@gmail.com

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mer y Linguagem Artística: Performance Duração da performance: 11 horas. Ano: 2010 Registro: Fotografia

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O corpo vivo, na performance, é elemento plástico; sua presença interfere no espaço, onde se estabelece trocas entre a ação do corpo e o olho do receptor. O corpo torna-se receptáculo e propagador do que se passa na mente e na alma do performer, o performer, por sua vez, recria identidades no meio em que estabelece um vínculo, sendo reinterpretado por aqueles que por ele passam. Deixando para trás impressões, o anjo de asas, a atriz de filme pornô, o cosplay de anime, a boneca Barbie... EuPerformerCosplay.

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Mariana Magri Rodrigues1

Pensamento e Comunicação Um ensaio de visualidades e interdisciplinaridades Resumo Este ensaio tem por objetivo uma prévia do percurso de pensamento e de reflexões a respeito das imensas possibilidades que temos de interpretação dos fatos e acontecimentos que nos perpassam diante do cotidiano. Com o foco na interpretação de imagens, e na capacidade de construir sentido e conhecimento através das maneiras de ver e das memórias arquivadas em nossa mente. O pensamento é o eixo primordial desta reflexão e das perspectivas de comunicação que nos trarão á convivência com o mundo e os objetos visuais.

Palavras-chave Reflexões, mente, visualidades, interdisciplinaridade, comunicação.

1 cursando Artes Visuais Licenciatura na Universi-

dade Federal de Goiás em Goiânia. Formada em Fotografia Básica e Profissionalizante na Canopus Escola de Fotografia em Goiânia. E-mail: marianinha.magri@gmail.com Link: Olhares.com/marianamagri

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A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se aniquila, tudo se transforma”. (ROHDEN, Humberto, 1976). Essa natureza de existência primária e unificadora de vida apresenta-se a nós como manifestação de possibilidades para “creações” - no caso, afirmado por Rohden, como manifestação da essência em forma de existência. A transformação de um estado aparente de matéria em outro, se dá pela energia que colocamos e mecanismos “tecnológicos” (considerando o próprio descobrimento do fogo como tecnologia) que manuseamos e acrescemos á esta matéria inicial. Uma vez que neste caso, sua essência é a mesma, advém da energia potencial, (GOSWAMI, Amit, 2010), permitindo que haja transformações, modificações, não necessariamente perda dessa essência no espaço. Acontece quando Lavoisier afirma que nada se perde. Assim também acontece com nosso cotidiano e com a maneira como manuseamos energias potenciais nas relações humanas e profissionais adquirindo transformações e produzindo conhecimentos. Em cada átomo molecular de nosso organismo, foi observado pela neurociência, (CESAR, Milton, 2011), que existe uma permanência de espaço vazio. Este espaço é manifesto de energia potencial, a mesma que encontramos no espaço cósmico. Este espaço é de vivências dos elétrons. Permite que nossos elétrons estejam circundando de acordo com a manifestação que damos á eles. Essa forma de atuação advém de nossos pensamentos e sentimentos, da essência de nossas ações, indicando “moradia” a um determinado elétron, fazendo com que, esta seja sua realidade. Pensando que esses átomos, se expandem em uma diversidade

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Figura. 01 CONSTELANDO (2012) Mariana Magri, Giz Pastel e Fotografia

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imensa em nosso cérebro, teremos a produção de visualidades de acordo com a localidade que demos aos elétrons. Essa localidade representa atualmente nossa forma de ver o mundo, e essa visualidade a maneira como produzimos e reservamos na memória nossas crenças, e vivências em sociedade. Quando vivenciamos uma ação, desde nossa infância, o cérebro está adquirindo conhecimento dessa ação, e sem que percebamos está reservando-a em um campo de pensamento como manifestação de conhecimento. Algum tempo depois, vamos vivenciando novas experiências e essas antigas ações que se tornaram memórias passam a influenciar na maneira como observamos e agimos nas novas. É um complexo de teias e interligações, fazendo com que sejamos um ser complexo e que respectivamente age de acordo com cadeias de ações respectivamente. Agravante, a memória, registrada na parte cerebral denominada hipocampo, é um campo cerebral precioso, pois a partir de sua existência é possível que percebamos o motivo de atuais vivências. O conhecimento são as sinapses em constante criação em nosso cérebro e a memória é a capacidade de acessar/localizar estas sinapses. O hipocampo por sua vez, (ver figura 2), se encontra no sistema límbico, uma estrutura cerebral considerada responsável por nossas sensações que influem em nossas ações. Esse registro de memória na essência de seu átomo está mantido, pois em nosso inconsciente mantivemos um pensamento criativo a ela e fixamos nosso elétron manifesto em um determinado lugar. Quando percebemo -la e nos interessamos por sua manifestação, podemos aceitá-la, porém dando uma nova manifestação a este elétron, ou seja, um novo pensamento a esta memória. Uma nova possibilidade que produz uma nova maneira de vermos as situações que vivenciamos ao nosso redor. Neste caso, não fazemos com que esta memória se perca (na natureza nada se perde), e sim damos a ela uma transformação, que seria uma nova forma de interpretá-la. Essa nova forma pode ser a aceitação e o conhecimento da maneira como vivemos e reagimos ás situações que foram fixadas e anexadas nesse pen-

Figura. 02 SISTEMA LÍMBICO Estruturas principais

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samento memorial. E consequentemente a percepção de que este pensamento pode estar influenciando e determinando muito do que pensamos, agimos e muito ainda do que temos como crenças e visões de mundo hoje. “O homem não enxerga as coisas como elas são, mas sim, como ele é”, (ROHDEN, Humberto, 1976). Como é possível que olhemos para uma tela de uma obra de arte como a apresentada na figura 03, e identifiquemos que nela existe uma “Santa Ceia”, uma ceia com a presença de um homem identificado como Jesus, se não conhecemos um pouco da história manifesta do Cristianismo? Essa história esta atuante em nossa memória, pois desde crianças ouvimos e vivenciamos situações que nos presenciam a contextos como este. “Enxergamos”, esta obra de acordo, como somos, ou seja, de acordo com nosso repertório e bagagem de conhecimento de mundo. É neste mesmo contexto de observações, que faz a pesquisadora dos estudos da Cultura Visual em arte e educação, Marilda Oliveira de Oliveira (2009) afirmar que ao olharmos uma obra de arte, devemos fazer a seguinte pergunta: “O que esta imagem diz de mim?”. Quando nos propomos a esta forma de análise das visualidades que se manifestam ao nosso redor, percebemos cada vez mais, que a maneira como construímos nosso pensamento diante dos fatores sociais que nos circundam, influencia diretamente na nossa comunicação com esses fatores. E ainda, determina a produtividade e transformação que daremos a uma maneira de ver. As visualidades não são apenas manifestações externas, de uma determinada cultura em determinado tempo social e histórico. Elas se interligam aos questionamentos internos e individuais que constroem em nós narrativas de interpretação. Manifestam-se em um contexto paralelo, interdisciplinar entre a regionalidade física externa a nós, e a regionalidade interior de produção e reserva de pensamentos, sentimentos e memórias.

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Os artefatos visuais passam a valer pelo que representam em seu observador e não mais apenas por sua essência produtiva ou material. Este observador vivencia sua experiência com estes artefatos de acordo com sua contextualização histórica, e com o posicionamento das crenças vividas, que determinaram reservas de conhecimento nas moléculas cerebrais. Figura. 3

Padrões culturais estabelecidos historicamente podem ser seguidos ou não, e há estudos que relacionam a predisposição para seguir a ética com determinada região cerebral, o que implica em uma relação mais complexa entre o indivíduo e a sociedade em que vive. (PORTELA, Michele e etc, 2012).

A ÚLTIMA CEIA (1495-1497) Leonardo da Vinci, 460 cm × 880 cm

Essas crenças, não necessariamente são produto restrito do termo que já se torna pejorativo, mas aderem toda uma constelação de fatores que determinam nossa visão de mundo como constante em determinadas interpretações. Por exemplo, muitas vezes nos comunicando com uma pessoa, e esta, nos diz algo que parece incômodo ou desconhecido e errôneo. A isso, costumamos reagir de maneira determinada, pode ser agressiva, ou com medo, ou até mesmo indiferente. Esta reação, se constante em situações parecidas, não as percebermos, acontecem de acordo com a nossa maneira de ver, e a maneira como somos em manifestações sociais. Está de acordo com algumas crenças que nos influenciam desde nossa formação infantil. Se nos propomos a observar esta situação, e tentar uma reação diferente, nós mudamos nossa forma de agir, e mexemos um pouco em nossas cren-

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ças. Podemos então nos comunicar de maneira diferenciada e permitir até mesmo que novos conhecimentos se manifestem na tela de nossa memória. Essa mudança na maneira de pensarmos algumas situações de vivências alcança várias áreas do conhecimento, cada uma com seu tempo histórico determinado. Por muito tempo, as artes visuais, conhecidas como Belas Artes, se valerem de artefatos de produção artística e estética que eram determinantes. Por muito tempo foi considerado um fazer superior e restrito a poucos que tivessem dom da criação. Hoje, percebemos uma nova contextualização das experiências estéticas e com o posicionamento indagativo focado no objeto como produtor de significado. Assim, encontramos um novo contexto de vivência das artes. Tendendo a possibilitar que novos e diversos materiais possam ser usados como artefatos artísticos e que seus significados não sejam mais restritos á valores estéticos e sociais, mas também a valores de produtos culturais, psíquicos e relativos à bagagem de cada indivíduo. Porém, essa mudança de paradigmas e de fatores de crenças, não acontece por acaso. Ele se manifesta em um novo contexto da história de nossa humanidade. Que hoje se apresenta pela globalização, pela diversidade de produção, pela crescente indústria de mercado visual, seja na publicidade; no design de produtos, de interiores, gráfico; na mídia, na tecnologia. A vivência com todos esses novos contextos criam em nossas mentes novos repertórios, logo, novas maneiras de vermos o mundo e de manifestarmos ações, modificando e recriando nossas existências. “O encontro com teu centro, resolve os problemas das tuas periferias”. (ROHDEN, Humberto, 1976, p. 51). Esse “centro” de Rohden, nós podemos observar atualmente pela semelhança que damos á denominação: “consciência plena”. Podemos pensar nesta terminologia em estarmos em um estado de percepção das situações e permanências ao nosso redor. Com o pensamento em um tempo presente, atual, na manifestação de ações cotidianas. Encontrar este centro é um exercício de observação interior, de percepção de como

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se dão nossas manifestações, e como conseguimos em momentos comuns estarmos com um foco de pensamento cerebral concentrado no córtex frontal de nosso cérebro. Esta região é onde se manifesta nossa concentração, nossa percepção mais clara. Mantendo esse exercício de presença, e de enfrentamento de um ambiente interior que é manifesto de sentimentos, pensamentos e crenças individuais. Unificamos conhecimentos e integramos relações externas á nós. Isso pode facilitar nossa comunicação, não somente restrita ao que nos agrada ou circula, mas também á uma abertura á diversidade, ao novo, ao que nos é também alheio. E acaba como uma teia de relações interferindo na nossa nova visualidade, na maneira como poderemos ver de diferentes formas e com menos julgamento, porém com mais reflexão as manifestações de mundo. Diante dessas poucas advertências que trouxemos até agora, de uma grande diversidade e aprofundamento da neurociência, o objetivo é que pensemos melhor na interatividade e na interdisciplinaridade que existe nas relações e manifestações humanas. Neste caso, a filosofia, como campo de pesquisa, de busca mais integral do conhecimento, se interage com a medicina que nos ensina a conhecer um pouco mais do funcionamento de nosso organismo e de suas atuações. Integram-se a psicologia e a física quântica com artefatos de reflexão do pensamento e de nossas reações. As visualidades como campo das artes que produzem manifestações de conhecimento, produtos de memórias e integrações culturais. Abarca muitas outras áreas não citadas quando visualizadas de uma maneira mais integral como influência e construção de conhecimento se complementam nos possibilitando uma visão de ser mais integral. O que se reverbera em uma forma de comunicação que se coloca também como integral. Essa trilha de abordagens que se manifestam como interdisciplinares, uma vez que o objeto de estudos é o próprio do ser humano em suas convivências cotidianas, dá ainda uma vertente mais valiosa para os nossos pensamentos. Eles são de certa forma o presente, passado e futuro do que somos hoje. Através da observação desses campos,

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percebemos nossas atuações e intenções, a aplicabilidade que damos aos contextos. Quando falamos ou agimos, mesmo que não percebamos, antes, nossos pensamentos já tinham se manifestado de alguma forma em relação ao contexto determinante. As possibilidades que temos quando nos comunicamos envolvem esses pensamentos que já atuam em nossas mentes.

Visualidades, Pensamento e Comunicação A representação visual foi produzida através de uma técnica virtual e mista, onde primeiramente fez- se o castelo e os habitantes das nuvens com giz pastel foram então fotografados. Depois recortados virtualmente em um determinado softwer de imagens e integrados a uma fotografia de fundo também já trabalhada.

Esta foi uma análise visual rápida de quem a produziu. Porém, para que fosse feita, todo esse contexto das cores, dos níveis e de percepção aqui falados, deveriam assim estar gravados na mente deste visualizador. Seus pensamentos quando visualizaram a imagem, buscaram repertórios de vida e do cotidiano, buscaram bagagens de memória e construíram um raciocínio lógico das composições e formas artísticas junto aos elementos que produzem significado para si. Enquanto se produzia no pensamento esse contexto de interpretação, também o cérebro recebia informações emocionais que poderiam de acordo com as crenças arquivadas deste observador, gerar também diversas sensações. Isso torna a comunicação com uma visualidade muito relativa à determinada construção cultural que temos e a valores que damos ao que escolhemos como verdades em nossa vida.

Essa técnica artística historicamente advém de uma contextualização da diversidade e da globalização da arte. Cada vez mais integra elementos, mistura técnicas e permite novos materiais de trabalho. Mas além das medidas tecnológicas, da presença da fotografia, da colagem e montagem, têm outros elementos mais importantes na visualização da imagem que sua estética e técnica artística. São os elementos de composição do contexto da imagem. São estes, os objetos capazes de produzirem significados para quem a criou, e ainda produzem para cada indivíduo que se comunica com ela, outros diversos valores e interpretações. Quando essa imagem foi elaborada teve a intenção de representar um contexto de níveis de consciência, onde os elementos que circulam nas nuvens representariam uma energia manifesta pela frequência azul. Ao observarmos esses elementos e seus posicionamentos do alto, no céu observando a casa, podemos ter a sensação de que eles não fazem parte da realidade desta casa. Há uma leve aparência de movimento nas nuvens e vegetação em contraposição da estabilidade da casa, que não se mostra tão firme, pois, apresenta também cores na vibração azul e formas um pouco arredondadas.

Este mesmo observador, como uma maneira educativa e reflexiva de produzir conhecimento além, poderia ainda, após sua análise da obra, pensar o porquê, ou de onde vem este repertório de interpretações que deu origem a imagem. Seria o exercício citado anteriormente: “O que essas imagens dizem de mim”? (OLIVEIRA, Marilda, 2009). Este indivíduo passa a tecer relações de narrativas verbais a partir de representações visuais fazendo uma conjuntura de teias que lhes formulam caminhos possíveis. Percebe-se através desta busca de conhecimento de si, pela observação do que está fora, que existem possibilidades e novas maneiras de vermos uma mesma coisa. Para isso, é preciso antes, que conheçamos a maneira de perceber em nossas visualidades atuais. Torna-se um exercício interior de pensamento quando travamos este diálogo interior com a maneira com a qual dialogamos com o externo. Aqueles mesmos elétrons que circundavam dentro do átomo e habitavam um determinado lugar de acordo com nossas determinadas escolhas mentais, citado anteriormente, pode ter novas habitações dentro de seus mesmos átomos, de acordo com esses novos pensamentos reflexivos que damos a ele. E é possível que passemos, à medida que nos habituamos ao exercício de reflexão, nos comunicarmos com mais possibilidades de ações, pois teremos um maior repertório de vivências mentais. Po-

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Figura. 04 SOLARES (2012) Mariana Magri, Giz Pastel e Fotografia

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demos trabalhar com nossas subjetividades ampliando a maneira como tratamos com nossas objetividades. Uma forma de linguagem dinâmica e rica que podemos encontrar de nos comunicarmos, com esse paralelo interno e externo de construção de conhecimento, pode vir a ser a produção narrativa de um contexto que nos é familiar. Quando produzimos algum artefato cultural, seja ele, visual, escrita, de expressão apenas da fala, entre outros, estamos auto-alimentando nosso conhecimento, e redescobrindo maneiras de expressá-lo. Podemos dizer que narrar é contar algo sobre o mundo, sobre a existência, sobre o outro ou sobre si mesmo. É uma maneira de descrever cenários, reinventar a vida, recriar histórias, mas, sobretudo, de recontar eventos, realidades, conflitos, problemas, dúvidas e sentimentos que revelam diferentes versões e perspectivas dos seres humanos. (MARTINS, 2009) Pela narrativa, esse modo de ser que nossa subjetividade representa, atua de maneira a materializar repertórios e eventos que pode por vez, reorganizar experiências e vivências em sua própria maneira de pensar sobre elas. E pode nos auxiliar a compreendermos melhor nossas experiências. Mente, corpo, pensamentos e sentimentos podem ser abordados pela maneira que contamos e lhe damos com nossas próprias histórias pessoais. Quando se integram, representam com maior propriedade o que pode vir a representar a nossa individualidade manifesta no coletivo cotidiano.

Referências

GOSWAMI, Amit.“O Ativista Quântico”, 1ª edição. Tradução: Marcello Borges, São Paulo. Editora Aleph 2010. MARTINS, Raimundo. Narrativas Visuais: Imagens, Visualidades e Experiência Educativa, apud - VIS – Revista de Programa de Pós-graduação em Arte. Brasília, editora Brasil, v. 8, n.1 janeiro/junho de 2009. OLIVEIRA, Marilda de Oliveira. Estudos da Cultura Visual no campo da formação em artes visuais, apud - VIS – Revista de Programa de Pós-graduação em Arte. Brasília, editora Brasil, v. 8, n.1 janeiro/junho de 2009. PORTELA, Michelle e etc. Neurociências: na trilha de uma abordagem interdisciplinar, 2012 – Revista online CONCIÊNCIA – Revista Eletrônica de Jornalismo Científico. ROHDEN, Humberto. De alma para alma. Martin Claret Editores Ltda. São Paulo, 1976. VIS – Revista de Programa de Pós-graduação em Arte. Brasília, editora Brasil, v. 8, n.1 janeiro/junho de 2009.

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quarto de um sonho – instante de um suicida I A série quarto de um sonho trata de questões que envolvem ações e estados do jogo entre a vontade de se esvair e a condição / condicionamento da presença, de estar presente. É o primeiro trabalho que compõe esta Série que está em processo. É uma proposta que está sendo desenvolvida pela artista plástica e bailarina Anna Behatriz Azevêdo, tendo como eixos de construção o projeto ‘Diário de um suicida’ (Série de desenhos em processo) e o solo também em construção ‘Quarto de um sonho’, neste sentido, esta proposta dá abertura para o desenvolvimento em diversas linguagens e construção de parcerias, assim a artista plástica Aishá Kanda entra para criar e articular idéias nesta série trazendo também suas experiências em performance. Por Anna Behatriz / corealização de Aishá Kanda Ano: 2013 Duração: 2 min 06seg (para ser visto em loop)

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Anna Behatriz Azevêdo

Aishá kanda

É graduada em Artes Visuais pela Faculdade de Artes Visuais (FAV) da Universidade Federal de Goiás (UFG), iniciou sua produção artística em 2005, em performance, videoarte, desenho e dança. Hoje é professora substituta nesta mesma instituição e professora formadora na FAV/EAD.

Artista plástica licenciada em Artes Visuais, membro integrante do Grupo EmpreZa desde 2008. Atua com investigações em fotografia, vídeo e performance arte, buscando limites/alegorias do corpo como experiência artística e poética. Participou de exposições e festivais nacionais, sendo selecionada/ premiada em salões, concursos e festivais de artes visuais e audiovisuais em várias regiões do Brasil, como: Rumos Artes Visuais Itaú Cultural 20082009 (SP, 2009), Segunda Manifestação Internacional de Performance – MIP2 (BH, 2009), 9ª Goiânia Mostra Curtas [Mostra Goiás] - Melhor Direção. (GO, 2009), Caos e Efeito: Contra-pensamento Selvagem (SP, 2011), Salão Arte Pará – Grande Prêmio (PA, 2012), entre outros.

Integrou de 2005 a 2010 do Nômades Grupo de Dança, tendo participado como bailarina. Participou do videodança “RUA 57, N 60, CENTRO” como bailarina, realizado pelo Grupo Porquá? e Vida Seca em 2011. Apresentou performances entre os anos de 2006 a 2013. Expôs videoartes, videoinstalações, videoperformances entre os anos 2005 a 2013 e exposições nos espaços: Galeria da FAV, Galeria Frei Confaloni, Atelier Labiríntimos, Galeria Potrich, Cine Ouro. Realizou 3 exposições individuais cujo título é Intermitência (uma das vezes a exposição foi patrocinada pela Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Goiânia) cujos trabalhos são videoartes e videoinstalações, nos seguintes espaços: Galeria Potrich (2010), Galeria do Sesc de Palmas/To (2012) e Galeria de Arte Sesc MA (2013). Participou do 1° Salão de Arte do Centro Oeste com o trabalho “Ser preciso no assento”, sendo este premiado. Desenvolve o trabalho em dança “Ao caírem as abas” com o Grupo Mogno como intérprete criadora. Ministrou a oficina “Ao caírem as abas” no evento Desenha!, realizado na Faculdade de Artes Visuais da UFG em 2012; as oficinas ‘Preparação para espaço canto’ no II Convergência, realizado no SESC de Palmas em 2013; e ’Encantoamento: preparação para quinas e cantos’ no projeto Conversas Labirínticas, Atelier Labiríntimos.

veja o vídeo na seção espaço: http://www.apublicada.com/2013/12/vol-1-n-2-ano-2013.html

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