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Livro de artista Pedro Kastelijns Julia PanadĂŠs Fabiana Queiroga Carolina Figueroa Jader de Melo

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vol.2, n°2, ano:2014 ISSN 2317-580X EXPEdiENtE Edição

Conselho Editorial

Projeto Gráfic o Capa Endereço

Contato

Sainy Coelho Veloso Santiago Régis Daniela Marques Dra. Fernanda Pereira da Cunha (EMAC/UFG) Dr. Marcelo Mari (IDA/UnB) Dra. Luciene Dias (FACOMB/UFG) Dra. Sainy C. B. Veloso (FAV/UFG) Dra. Eloísa Pereira Barroso (UnB) Santiago Régis Santiago Régis sob foto de Fabiana Queiroga FAV/UFG Câmpus Samambaia (Câmpus II) Prédio da Reitoria CEP: 74001-970 Caixa Postal: 131 - Goiânia - Goiás apublicada@gmail.com


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Editorial Antes de chegar num resultado final, se é que podemos chegar num resultado final, aliás, antes de chegar num resultado, apenas resultado, o artista passa por vários processos, experimentações, anotações, intenções, divagações sobre interesses e pontos de vistas. “Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma” era o que dizia Lavoisier há 200 anos atrás. Mesmo sendo um conceito físico-químico, a Lei de Lavoisier, ou a Lei de conservação das massas, aplicada à arte se mostra bastante oportuna.

Livros de FABIANA QUEIROGA

Qual profissional que trabalha com criação não possui um livro, um caderno ou até um bloquinho para relatar suas ideias? Algumas vezes chamado de livro, outras vezes chamado de caderno, também de sketchbooks e até mesmo de blocos, o fato é que muitos artistas encontram neste espaço paginado, livre de controles, um lugar para armazenar o material bruto que é uma ideia. E se há os livros que servem de banco de dados, há também os livros que servem como projetos, como resultados. Não há padrão para o registro das informações catalogadas num Livro de Artista. Podem acontecer das mais variadas formas possíveis: desenhos, pinturas, fotografias, colagens, recortes, anotações, bordados... O que vale mesmo é a intenção, o conteúdo armazenado e a ideia associada. Muitas vezes esses registros acontecem paralelamente as anotações cotidianas. Junto aos números de telefone ou da lista de compras. É da vida que surgem interesses que outrora se manifestarão em projetos, em resultados. É lá no livro que o artista encontra maneira de rever, reviver, repensar nos diversos signos que foram coletados durante o processo da busca por um determinado interesse e assim formular opiniões, buscar sínteses, traçar linhas, desenvolver percursos. Faremos, assim, um ode ao Livro de Artista. Esta edição dialoga sobre algumas instâncias proporcionadas por ele. Santiago Régis, Sainy Veloso



SumĂĄrio

Amostra

Pedro Kastelijns

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entrevista

Julia PanadĂŠs

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Amostra

Fabiana Queiroga

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relato

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Pedro Kastelijns AmostrA

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Nasceu em Ponta Grossa, Paraná. Atualmente mora em Goiânia, Goiás. Assinando como ‘Kastelijns’ tem atuado como ilustrador, alimentando sua página online com suas aquarelas e desenhos, marcados fortemente pela originalidade do seu traço e do toque artesanal de seus trabalhos. Suas ilustrações já ilustraram trabalhos das bandas alternativas e goianas Boogarins e Luziluzia, além de ter seu próprio projeto de músicas lo-fi, que também leva seu nome, ‘Kastelijns’. Recentemente, começou com Beatriz Perini o projeto U*R*S*A, que é um zine de ilustrações exclusivas de ambos, tendo a primeira publicação no Vaca Amarela 2014. Site: kastelijns.tumblr.com / kastelijns.bandcamp.com E-mail: kastelijns@hotmail.com

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Julia Panadés entrevista Julia Panadés desenha e escreve diariamente, experimentando relações entre a imagem e o texto. Lecionou oficinas de arte para crianças e jovens entre 2000 e 2009. Desde 2008 é professora de desenho e criação em cursos universitários. Doutoranda em Estudos Literários na FALE, UFMG, é mestra em Artes Visuais pela EBA, UFMG e graduada em Artes Plásticas pela Escola Guignard, UEMG. Colabora com a Cia Suspensa como artista convidada desde 2009 e é co-autora do espetáculo Enquanto Tecemos, 2011, e da performance Ela Vestida, 2012. Publicou o livreto Poemia Contagiosa, 2012. Neste mesmo ano foi artista residente no Frans Masereel Centrum, na Bélgica, onde publicou dois livropoemas da série Palavra Habitada. Site: www.juliapanades.net E-mail: juliapanades@gmail.com

É recorrente, no seu trabalho, a produção de livros. E nestes livros você trabalha com imagens e textos. Juntos, estes dois elementos tendem a ser narrativos. Como você dialoga com a narrativa? Há intensão de uso? Ou prefere abster-se dela? Tenho tendência ao livro. E isso pode ter vindo do meu vício por carregar, manter, usar e fazer cadernos de desenho e anotação. Faço isso há quinze anos, desde quando comecei a minha formação na Escola Guignard. Tenho sempre três ou mais cadernos em uso. É um modo um tanto caótico e espalhado, mas me organiza, porque consigo reter as coisas, e ter uma atenção mais aberta ao que passa. Volto ao que escrevi, ao que desenhei, e me sirvo dos fragmentos, dos lampejos, das instâncias que são muitas vezes elaborações convergentes, que se tocam, e me mostram um contínuo de formas e formulações que vou fazendo meio distraidamente. Tem relação com os pulsos da vida — ­­isso de ir tomando notas do que surte, salvando pequenas pérolas, coisas repetitivas e sem muita importância, no acumulo, no cúmulo ganham relevo, uma hora nascem prontas numa frase. E é desse quase imperceptível do processo que faço esse elogio ao caderno. Em alguns deles eu desenho de um lado e escrevo de outro, atendendo demandas específicas de escrita ou desenho que muitas vezes me tomam separadamente, ou porque alguém encomendou. Faço esboços, muitas tentativas. Se estou lendo um livro,

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sempre estou lendo um livro, vou tomando notas dos trechos, quase um fichamento das marcas de leitura. Ou então começo um caderno sem me importar com essa divisão, mas trabalho nele para a criação de um livropoema, por exemplo. Um caso assim, na maioria das vezes há o poema que move o encontro com as imagens. Numa deriva experimental de combinações. Então a coisa funciona como um ateliê ambulante, passo um mês ou mais com aquele volume para cima e para baixo, e carrego um conjunto de materiais, determinadas cores, ferramentas, como um bico de pena, grafite, lápis de cor, porque quero trabalhar daquele modo específico. E os esboços começam a se aproximar das frases, compondo figuras, variando até chegar ao ponto de dizer — é isso. Um livropoema é uma casa para o poema habitar. Vou usando imagem e texto sobre um caderno para experimentar esse cabimento, pensar o formato, as cores, a textura da imagem, os elementos de composição. Daí vem a série Palavra Habitada. Tenho cadernos, para essa série, que são mais ricos e interessantes do que o livro feito a partir dele. Isso me ensina o valor abrangente do processo, quando tudo ainda pode e nada está determinado. Vou chegando aos termos quando quero publicar. E não sou tão boa em terminar e fazer circular o trabalho feito quanto sou boa no processo especulativo das possibilidades. O bom é que os restos continuam se movendo de caderno em caderno.

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Fotos de Pablo Lobato Ao lado temos algumas capas dos livros produzidos por Julia Panadés

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Você perguntou da narrativa. Eu gosto das entrelinhas, coloco a minha pergunta entre o texto e a imagem, e me divirto ali. As entrelinhas são delicadas, possuem amplitudes que não se impõem. Para criar nas entrelinhas costumo evitar a tendência de oferecer ao texto uma imagem correspondente, e evito parear uma imagem com um texto que coincidiria facilmente com ela, como legenda. Assim, muitas vezes, vou me aproximando de uma sondagem especulativa — para onde vamos na pergunta desse encontro? É interessante considerar a junção de desenho e palavra, porque é algo, por exemplo, usado e banalizado pela publicidade, de um modo bastante previsível e mais ou menos óbvio enquanto estratégia de condução para te fazer comprar uma ideia. Uma aproximação não óbvia é muitas vezes simples, pequena, mas não é intencionada na eloquência ou eficácia ou persuasão, mas tencionada pela suspensão dos sentidos habituais, ou pela variação no modo de usar. O inesperado é coisa que só se encontra experimentando. É parecido com compor com comida, uma combinação de dois sabores distintos é surpreendente. Mesmo se conhecemos cada elemento separadamente. Também costumo retomar imagens ou textos já usados em outros momentos, vou flexionando de outras maneiras para ver como funciona. E funciona. Frases e desenhos são muito flexíveis. Gosto dos fragmentos. Mais dos gravetos partidos do que da copa da árvore cheia. Nesse espírito fica mais leve mover a regência, a condução — se a ênfase está na flutuação de uma palavra ou figura que persistem.

“Tudo é questão de linha”, já dizia Gilles Deleuze. Você inclusive o cita como um dos teóricos que ajudou na formulação de sua poética. A linha que aparece em seu trabalho ora como costura, ora como bordado pode ser dita como metalinguagem à linha do desenho? A linha é literalmente uma matéria de composição, antes de qualquer aproximação teórica. Há uma coisa filosófica no desenho que me fascina, um modo de ver, de pensar. Eu uso a linha e a agulha para escrever palavras, frases, ou para desenhar figuras. Me organizo na linha, me desorganizo, me reorganizo. Já bordei selvagem, torto, sem risco. Com o tempo e a prática criei tipografias que são constantes com se existissem mesmo daquele modo. O desenho das letras é uma fissura que eu cultivo. E isso também é um uso da linha, bastante sóbrio, aliás.

enquanto espero Um dos Livropoemas da série Palavra Habiata (2012)

Acho que me arrisco mais no texto do que no desenho, talvez porque eu seja mais bem formada na arte da imagem, e meu desejo de realização, como é subversivo, tende a fugir para a escrita. O bom comportamento da imagem é corrompido pela intrusão do texto. O silêncio de uma forma também provoca a solenidade de uma sentença e, risonha, a forma faz graça. De todo modo é por atrito entre desenho e palavra que eu chego ao composto.

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Me encanta pensar nos filamentos microscópicos que compõem uma linha de costura. Que a linha, em sua continuidade linear, é um conjunto de filamentos retorcidos. Na costura e no bordado, a superfície é atravessada lentamente e sem pressa. A permanência no trajeto da linha acontece pela repetição do mesmo gesto, furar, puxar a agulha, tencionar a superfície sobrepondo marcas ao tecido, ao papel. Eu gosto de bordar papel também. Papel de aquarela, como é grosso, parece couro. Mas há os frágeis, artesanais e irregulares, os de arroz, que são finíssimos. É lento e delicado o trabalho de bordar palavras. E o meu modo de fazer produz um avesso ilegível muito interessante.

O inesperado é coisa que só se encontra experimentando

Há também outra coisa boa que vem da lentidão artesanal do trabalho, a marca do tempo que as mãos emprestam, a expressividade silenciosa, impregnada na pele de uma superfície, no acabamento meio torto, meio preciso, meio incerto, empenhado. Sabe quando a gente olha uma folha comida por um inseto, um casulo, um ninho? A gente olha sem pressa porque quer acompanhar o trajeto, mesmo que ele já tenha sido feito. Há o traço do feito, podemos ler o modo daquela trajetória em desenho. Gosto das marcas, acho que é isso que me atrai na coisa com a linha, os modos da trajetória, o transitório e a permanência. É como se o tempo empenhado na composição daquela coisa ganhasse um espaço de sustentação. Então detenho-me diante de sua densidade de coisa. Eu me sustento na feitura das coisas. Sustento meu ímpeto na feitura lenta das coisas. “Tudo é questão de linha” – essa citação de Deleuze aparece na minha dissertação de mestrado que tem esse nome insólito “Desenho Corpo Porque Vivo”. E eu estava, na época, interessada nos termos: linha de contorno, linha de corte, de ruptura, linha criadora. Foi simultâneo, eu lia muito e escrevia e fracassava e tentava escrever. A coisa teórica era totalmente nova para mim, eu me arriscava também nos poemas, nos desenhos, que surgiam com força. Me alimentei muito dessa filosofia para me aproximar, por uma análise em termos de linhas, das imagens e dos textos que coloquei em questão. E ao mesmo tempo eu estava desenvolvendo esses primeiros desenhos com costura. A palavra começou a aparecer como imagem nessa época, pela materialidade da letra. Foi como sair do armário, como se diz, mas com as palavras nas mãos: escrever que eu podia escrever foi uma descoberta — embora eu já soubesse. Trabalhei com Ana Mendieta e Clarice Lispector, fazendo uma leitura em termos de linha para pensar o desenho no corpo da obra, ou “os desenho de um corpo em obra”, como formulei. Dediquei o estudo à série Silhuetas e ao texto A paixão segundo G.H.. Claro que isso tudo atravessou meu modo de compor o que você chama de minha “poética”. Estudar os métodos e os meios dos outros é fascinante, porque é muito singular. Analisar as linhas de força nas composições foi uma aventura,

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eu não sabia bem para onde ia, mas fui com Deleuze. Fiz uma escrita da experiência, de me deixar afetar pelas coisas e escrever nessa condição. A paixão segundo G.H. eu li muitas vezes, até chegar à sensação vertiginosa daquilo se tornar uma travessia minha. É um modo de formular com as coisas, escrevendo nesse atrito. Acompanhar as linhas de composição é entrar num universo muito íntimo e ao mesmo tempo disponível, os modos de leitura também são inventivos. Só entendi depois que eu terminei de escrever: onde estava a convergência de modos entre os meus “objetos” de estudo? Elas tinham em comum a composição por dissolução, o avanço pelo recuo. E ainda estou trabalhando com esses termos na minha tese de doutorado, agora com Louise Bourgeois e novamente com Clarice.

intenção literária? Eu escrevo, se isso derivar numa inserção mais institucionalizada vai ser pela sorte do tempo, porque não é meu objetivo. Claro que quero publicar, mas me ocupo muito mais em escrever, vou acumulando textos. Estou com um possível livro de ensaios. São escritos dos últimos sete anos, é possível que eu publique logo isso, mesmo porque são textos de oferta, feitos por ocasião de aulas, palestras, cursos. Então há um destino público neles. Atualmente escrevo um livro, são poemas feitos em dissolução de autoria com Maraíza Labanca; também ofereço imagens para as entrelinhas de quem escreve e me encomenda desenhos, capas para livros; estou redigindo minha tese de doutorado, e nisso escrevo todos os dias. Assim, há uma regência da palavra, uma atração, uma tensão que se move, e me

lareira Outro Livropoema da série Palavra Habiata (2012)

A poesia e a palavra permeia toda a sua produção. Como é a sua relação com a literatura? Há intenção literária em algum momento quando você escreve? Há uma tensão literária. Eu estou escrevendo tese, um capítulo tal. E deslizo para o poema o tempo todo, depois preciso voltar e decompor, recompor, abrir a formulação inicial até que eu mesma entenda o que estou elaborando com a clareza de quem precisa se fazer entender. Porque uma tese não é um livro de poemas, embora o poema seja um animal camaleônico. Gosto muito de ler, leio mais filosofia do que literatura, tenho mais filosofia do que literatura na minha biblioteca. Tenho o hábito de ler sempre as mesmas coisas, sou muito fiel aos bons encontros. Sei trechos grandes de cor, muitas frases. Começo a incorporar as formulações. Acho que a experiência em sala de aula contrubui para isso. Passei meses com Ana Cristina Cesar na cabeceira, por exemplo. Uso frases que são dela, não quando escrevo, mas quando falo. E comecei a escrever para ela, com ela. Muitas vezes um poema meu parte do encontro com uma palavra, como aconteceu com “Amortecedor”. Amor tece dor, amortece dor, amortece, a morte cedo, amortece, amor tece, dor, amortece... E fiz desenhos, fiz uma performance, fiz uma escultura em tecido, fiz um vídeo. Tudo porque de uma palavra surtiu essa deriva. Você pergunta se há

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movimento nela, mais do que uma intenção por funcionar em contexto determinado. A tendência ao livro não é exatamente um desejo de literatura. Gosto do livro também, e em grande medida, como objeto de arte que se pode ter, tocar, manipular, levar junto, possuir, multiplicar, vender, comprar, dar de presente, colecionar. E gosto da palavra funcionando como imagem, gosto muito da coisa artesanal, única, uma a uma. Mas também gosto da coisa gráfica e impressa, que se pode comprar na livraria, pela internet.

O desenho das letras é uma fissura que eu cultivo

Muitas exposições de Livros de Artistas apresentam os livros expostos em caixas transparentes. Esta ação pode ter a finalidade de proteção do exemplar que muitas vezes é raro ou por se tratar de um exemplar único e feito manualmente. Mesmo que a proteção seja importante para a durabilidade da obra, infelizmente este método tira o gesto do folhear, gesto inerente ao livro físico de papel paginado. Dentro da caixa, o livro é mostrado por partes, aberto em uma ou duas páginas. Há assim uma interferência no tempo do livro, no tempo do folhear, na sequência das páginas. Qual a sua opinião sobre este assunto? É justamente por isso que os processos de cópia e reprodução são interessantes. Mesmo para que possamos ver as imagens de perto, ainda que por outros meios, na tela do computador, impressas como fac-símiles. Atualmente temos muitos recursos, alguns deles baratos e bem disponíveis. Outros caros e inacreditáveis, tamanha precisão e qualidade de impressão. Mas isso, o uso desses recursos, depende do livro em questão. Parece um despropósito colocar um livro que foi feito para ser manipulado em um aquário de vidro. Mas nada se conserva materialmente se for muito manipulado e exposto, a coisa vai oxidando, engordurando, mofando, se desintegrando. Cumprindo sua sina de coisa no mundo. Mas há o valor material, os colecionadores, os conservadores, o acervo, as instituições, os herdeiros, etc. Então precisamos pôr no aquário e mumificar a coisa. Ou reproduzir, disseminar, liberar a coisa para que ela cumpra seu destino de publicação. Nesse sentido os meios digitais são uma maravilha. Livro de artista é como a Lola, a andorinha, personagem do Laerte, ela acha que pode tudo. E tudo é muito mais que qualquer coisa. Se podemos pensar nessa espécie poten-

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te de livro como uma categoria sem gênero, podemos pensar nos termos de sua amplitude imensa, do mais fino e raro ao mais banal e múltiplo. Quando comecei a querer que os meus livros fossem múltiplos e não únicos, quando comecei a desejar as mãos dos outros sem luvas, comecei a conceber contando com esse desejo de multiplicação, imaginando quais meios, técnicas e processos poderiam favorecer uma tiragem mais próxima da matriz, como favorecer o numeroso a partir do único inicial que só eu possuo. Tenho muitos projetos começados, todos salvos nos cadernos, são meus “talvez livros”. E também me divirto pensando essas questões coletivamente, em sala de aula, ateliês coletivos e oficinas de livro que costumo propor. Como é para você, expor os seus livros no espaço da galeria?

Como você pensa na relação tátil entre o expectador e o seu livro? Penso que a reprodução impressa pode ser muito boa para o desejo tátil de quem quer ver com as mãos.

Quando comecei a querer que os meus livros fossem múltiplos e não únicos, quando comecei a desejar as mãos dos outros sem luvas, comecei a conceber contando com esse desejo de multiplicação

Não exponho com muita frequência, e talvez por isso não tive tantas oportunidades de mostrar meus livros únicos, para dizer como é. Penso que “como expor” depende muito de como são os livros. E os meus são variados. Quando as folhas são soltas, ou a encadernação é sanfonada, por exemplo, é possível fazer uma montagem mais generosa. A encadernação determina muito o limite desse “como”. Já mostrei um volume impresso em serigrafia, sem proteção de vidro, montado direto mesmo. Já mostrei o Poemia Contagiosa preso por um fio de nylon sobre uma mesinha. A mesinha tinha um nicho com exemplares iguais e disponíveis para serem levados. Fiz 3.000 cópias desse livro, que não podia ser vendido, justamente para experimentar o contraponto do que é dado de graça, na abundância. A realização desse livro foi uma consequência da minha frustração de possuir sozinha um exemplar único e meu que eu mesma fiz. A alegria de se espalhar — isso foi ótimo. Já fiz três vídeos com a colaboração do Pablo Lobato que são videopoemas. Penso que são como livros de um único poema. Porque um vídeo é aquela sequência de imagens que você não percebe os intervalos, e a continuidade flui. Mas há o tempo real do desenho gravado — o gesto das minhas mãos escrevendo/desenhando as letras do poema, essa duração documental rege a composição vídeos.

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Já que estamos falando de espaços expositivos e de livros. Não é de hoje o livro digital causa discussões no meio editorial. Muitos artistas vêm utilizando o espaço da internet como forma de viabilizar sua produção. Há aqueles que produzem obras próprias para internet. Pensando nestes dois aspectos você tem interesse em produzir livros digitais fazendo uso do espaço da web? Se sim, como você pensa no formato do livro no meio digital?

Poemia Contagiosa (2012)

Eu não penso muito nessa questão como uma desvantagem, ao contrário. Uso a plataforma issuu para disponibilizar meus livros digitais. E há um link no meu site que abre no issuu o arquivo em pdf. Normalmente digitalizo o que foi feito artesanalmente e gero a versão para a rede. Não me sinto ameaçada com essa fluidez do digital, disponibilizo meus livros para download, inclusive. Gosto das coisas disponíveis. Faço muita pesquisa de imagem e texto, principalmente quando

preparo um curso. O site do MOMA com a obra gráfica e os livros da Louise Bourgeois, por exemplo, é uma maravilha, ela doou uma imensidão de trabalhos para o museu e agora esse tudo vem sendo digitalizado! No site do IMS para Clarice Lispector estão facsímiles de cadernos de notas que ela manteve quando era muito jovem. E também há ebooks para download gratuito do Roberto Correa dos Santos, isso é uma vantagem dos nossos tempos. Uso muito o Scribd para pesquisar textos mais raros, vou baixando as coisas e me sirvo delas. Fico feliz quando sei que alguma gente pode também procurar e encontrar meus livros, salvar num arquivo digital. As coisas mudam muito quando recebemos pelo que criamos, quando somos financiados para criar alguma coisa, seja para a internet ou para qualquer outro meio. É uma reposta que o mundo parece dar, que legitima o nosso empenho, dizendo — siga. Eu já recebi bolsa, atualmente vivo de bolsa, e já fiz residência, tudo isso com recurso público, viabilizando uma continuidade no meu processo de amor ao livro, porque pude experimentar modos que custam dinheiro. Meu ímpeto é de graça, tenho inclinação pela partilha, mas vender, receber de volta pelo uso comum do que colocamos no mundo faz um sentido lindo. Gosto quando chegam encomendas. Um desenho para um espaço, para uma pessoa, para um projeto, para uma revista. Muitos ilustradores, artistas que também trabalham imagem e texto no livro, consideram o exemplar do livro impresso como sua obra original, ou seja, a finalidade da produção leva em conta a reprodução do livros. Você possui trabalhos como "Poemia Contagiosa" (2012) que foi um livro reproduzido numa quantia determinada de exemplares; e trabalhos como “Livro Bordado 1 (ou) atrás da porta” (2010) que é um trabalho minucioso e delicado em papel, aquarela e bordado, sendo ele único exemplar. Como é para você o fator da reprodução de seus livros? Acho que já respondi isso...

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Artistas como Augusto de Campos e Julio Plaza, autores do livro “Poemóbiles” (1974), fizeram uso do mercado editorial, disseminando seus exemplares e participando de aspectos de editoração e livrarias. Como você pensa na circulação seus livros? Algum deles já participou do mercado editorial? Quando publiquei o Poemia Contagiosa em 2012 me registrei na Biblioteca Nacional como editora autora porque queria um livro dentro da norma, com ISBN e uma tiragem ampla. Fiz o registro desse livro como não comercial, porque uma Poemia Contagiosa precisaria ser gratuita, pensei. Essa era a minha ideia para justificar uma tiragem numerosa. A circulação aconteceu muito a partir da mostra SIMBIO, que ficou quase um mês no Palácio das Artes, foi quando lancei esse livro. As pessoas levavam. Quando acabou a mostra fiquei com a sobra e segui distribuindo afetivamente, e ainda tenho alguns tantos. Depois fiz livros de pequena tiragem, em serigrafia. Não sou muito boa nas estratégias de distribuição, e não tenho vínculo com galeria ou editora. Fiz algumas doações para colecionadores e instituições que trabalham com livro de artista, foi uma contrapartida pelo financiamento público do projeto. Sobre o universo editorial: cultivo parcerias com gente que também ama livro, palavra e desenho. Com a editora Cas’a’screver, por exemplo, venho trabalhando, e pretendo continuar, na criação de imagens para compor as publicações impressas. Com a Lavoura Ambulante Edições, que imprime livros de artista de modo independente, fiz pequenas tiragens fac-símiles de livropoemas meus. Eles vendem em feiras de livro de artista, que é um mercado paralelo ao das editoras. Tudo isso em 2014. Foi um ano promissor de alianças em páginas impressas. Tenho projetos para livros com palavra e imagem, mas não posso falar muito deles porque senão estraga o movente da coisa. Mas não tenho pressa, porque amo mais hoje. E desenhar demora, escrever demora, livro demora.

Sequência de páginas do livro Bordado 1 (ou) atrás da porta (2010)

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Meu ímpeto é de graça, tenho inclinação pela partilha, mas vender, receber de volta pelo uso comum do que colocamos no mundo faz um sentido lindo

Há também outra coisa boa que vem da lentidão artesanal do trabalho, a marca do tempo que as mãos emprestam, a expressividade silenciosa, impregnada na pele de uma superfície, no acabamento meio torto, meio preciso, meio incerto, empenhado

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Fabiana Queiroga Amostra É especializada em Arte Contemporânea. Possui formação em Design Gráfico pela Federal de Goiás e Pós-Graduada em Fashion Design pelo Instituto Europeu di Design. Participou do curso de Cool Hunter pelo IED de Milão. Há oito anos atua em Goiânia com Design de Superfície, foi também precursora do movimento Toy Art em Goiás e ministrou vários worksohops de Toy Art e ilustração de moda na PUC-GO e UFG. Site: www.fabq.com.br E-mail: fabqmm@gmail.com

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Carolina Figueroa relato Carolina Figueroa Gómez é bacharel em Artes Plásticas da UFG e especializada em Pintura pela PUC do Chile. Realizou diferentes exposições coletivas de pintura em Santiago, Chile, e em Goiânia, Brasil. Participa de grupos de estudos de pesquisas visuais, nas áreas de Performances Culturais e Estética Relacional. Participou da conferência “Arte Público Activisita en Chile y Brasil en la década de los 70”, publicando artigo nos anais do III Seminário Internacional de Arte Público de América Latina, realizado em Santiago do Chile, em 2013. Em Santiago do Chile, participou da equipe de avaliação de projetos culturais da corporação e editorial AYUN, do Departamento Cultural do Colégio de Professores do Chile. Em dezembro do 2014 graças ao convite de um professor da FAV, participou da sua primeira residência artística “Estado de Deriva em residência móvil”. E em seu último ano de graduação, foi monitora de Pintura. Atualmente faz parte da equipe organizadora do projeto, em andamento, “Artes e Atos Goianos” financiado pela Secult Goiás. E-mail: carofiguer@hotmail.com

Quando eles começaram a aparecer não quis saber porquê estavam ali. Não me importei em entender, inicialmente, o que eles traziam como informação, só sei que me fixei naquele assunto-cachorro.

Foi estranho. Mesmo tendo simpatia por aquele bicho, nunca gostei de tê-lo por perto, de sentir seu hálito. Sinto uma incômoda sensação quando um cachorro pula em mim. Nesses momentos, para falar a verdade, só os quero longe.

As imagens desta seção pertencem ao acervo pessoal da artista. São estudos, rascunhos, registos rápidos em blocos e cadernos. Parte de uma pesquisa quando desdenvolvia a série Perros (2014)

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Eles nasceram de um acaso. Eu entendo, seja qual for o ponto de vista, o acaso nunca existe como tal. No começo foram chegando lentamente, mas depois era preciso conter as imagens, fragmentar, dividir, escolher, selecionar qual devia sair do imaginário e se construir dentro de uma tela. E porquê a pintura?, não me pergunto isso, não é meu problema, eu simplesmente pinto. Deparo-me com "A cidade e os cachorros" de Mario Vargas LLosa, o qual mostra como dentro de um sistema hierárquico se estruturam as relações entre os humanos. E assim, Me detive, questionei, transportei, desenhei, escrevi e pintei. E entendi essa forma.

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Todos somos dóceis sob determinadas circunstâncias, todos obedecemos a alguém ou algo em algum nível, todos toleramos que nos digam nosso lugar, onde ficar, quando calar, a hora do passeio. A guia que usamos significa até onde podemos ir. É um limite, pois não temos liberdade absoluta. Há uma liberdade virtual que nos faz crer que temos algum tipo de controle, pelo qual podemos fazer escolhas. Porém, mínimas. Nesses momentos a guia do cão é tirada e o deixamos ser feliz correndo com euforia pelo parque, brincando, indo de um lado para outro e ele parece tão satisfeito.

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O cachorro é domesticado da mesma maneira que cada um de nós somos. Em nossa cultura vários círculos são formados através das relações sociais. Recai sobre nós poderes, domínios e controles dirigidos por um dominante a quem obedecemos como se fosse nosso amo. Há regras e mecanismos que funcionam como motivação ao mesmo tempo que impõe limites. Há castigos para os desobedientes. Há incentivos para cumprir as regras, podendo ganhar algum prêmio: ração, algum presente, um carinho rápido, coleira nova, um colar, estrelas no uniforme, etc. Isso tudo se aprende, é a doma do cachorro, é a doma do homem.

E assim aprendemos a ficar calados quando algum superior quer nos fazer escutar o que ele dizer. Mantemos nosso lugar, compreendemos quem manda, quem tem o controle. Uns dos diálogos dentro do romance de LLosa diz assim: — Ou comes ou te comem, não há mais remédio. E eu não gosto que me comam. — Mas você não briga muito — diz o Escravo —. Contudo não te incomodam.. — Eu me faço de surdo, quero dizer de bobo.1

As ferramentas de controle são mecanismos de ação. Se o cão latir demais, ou ficar bravo, precisa entender que seu amo prefere-o calado, para isso focinheira. E se o cachorro quiser ir além do lugar que seu amo lhe impõe só é preciso apertar o enforcador. Não precisa feri-lo, é só apertar e se entende a ameaça. O poder precisa cultivar o medo.

E com isso só se confirma, porque no nosso mundo há cachorros novos e cachorros velhos. Esses últimos mais sábios, quero dizer, que aprenderam a desenvolver estratégias para se movimentarem dentro do sistema. Porém, não há autonomia e todos agimos dentro do marco que o poder determinar. Não importar o nível que se coloque, de uma ou outra maneira, todos obedecemos ao fenômeno "amor ao amo".

1 Tradução da artista.

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As pinturas acrílicas contidas nesta página e na página ao lado, fazem parte da série Perros (2014), resultado do processo que acompanhamos no relato de Carolina Figueroa

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Jader de melo AmostrA

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Mora em Goiânia é Ilustrador e Designer Gráfico formado pela Universidade Federal de Goiás (2008). Sua experiência profissional em boa parte de iniciou em agências de publicidade, departamento de arte de jornal e desenvolvendo trabalhos freelances. Atualmente trabalha na Fundação Rádio e Televisão Educativa e Cultural, a TV UFG, como Designer Gráfico e Ilustrador. Também trabalha como freelancer para as áreas de ilustração, editorial, publicitária, identidade visual e produção gráfica. Ultimamente tem focado sua produção em ilustração de livros infantis e desenvolvendo trabalhos autorais e produtos customizados, como a série chamada Rabisco Enlatado, onde desenvolve ilustrações em latas de sardinhas e atum. Site: www.jaderdemelo.com E-mail: hanisted@gmail.com

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