Aquaculture Brasil - 6ª Edição.

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E ED DIIÇ ÇÃ ÃO O

aquaculturebrasil.com

Maio/ Maio/ Junho Junho 2 20 01 17 7

ISSN 2525-3379 2525-3379 ISSN

ENGENHARIA GENÉTICA EM PROBIÓTICOS N AT I V O S :

Uma potencial aplicação no controle das viroses que afetam a carcinicultura 1

AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017


Alimentos iniciais Fri-Aqua, a melhor opção para sua produção.

Com ingredientes de alto nível, selecionados e inspecionados através de um rigoroso padrão de qualidade, o resultado não poderia ser outro: alimentos palatáveis, que asseguram excelentes taxas de crescimento e conversão alimentar, além de atender as exigências nutricionais de cada espécie.

Alimentos Iniciais

Fri-Aqua Inicial

Fri-Aqua Starter

Indicação (peso do peixe - g)

0,5 a 1,0

0,7 a 2,5

2,5 a 10,0

10,0 a 18,0

18 - 50

50 - 150

Tamanho (mm)

<800 µm

1,2

1,5

1,8

2-3

3-4

Proteína (mín - g/kg)

500

450

400

380

350

350

Extrato etéreo (mín - g/kg)

80

75

70

70

70

70

Fibra bruta (máx - g/kg)

45

40

40

50

50

50

Matéria mineral (máx - g/kg)

140

130

130

130

120

120

www.trouwnutrition.com.br

Fri-Aqua Alevinos I - 1,5 mm

Fri-Aqua Alevinos II 1,8 mm

Fri-Aqua Juvenil


AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017 A orientação do Médico Veterinário é fundamental para o correto uso dos medicamentos. MSD Saúde Animal é a unidade global de negócio de saúde animal da Merck & Co, Inc.

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Editorial “pegada” da organização do Aquaonline Brasil 2017, o I N aCongresso Brasileiro Online de Aquicultura, refleti um pouco sobre

a importância do conhecimento técnico e da informação de qualidade chegar até o setor produtivo. E é exatamente este assunto que desejo compartilhar com você, caro leitor: a informação chegar até a fazenda... Voltando 15 anos no tempo, aterrisso em agosto de 2002, pós SIMBRAQ/Goiânia (quem lembra deste congresso?), e encontro-me no meu primeiro trabalho, aos 21 anos. Estava na 8ª fase do curso de Engenharia de Aquicultura da UFSC e, junto ao amigo Felipe (hoje CEO da empresa Usare), meu primeiro sócio numa empresa de consultoria (a saudosa “AQUASSIST”), começamos a prestar assessoria técnica duas vezes por semana à Fazenda Beira Mar, onde produzíamos camarões marinhos em 17,6 hectares de viveiros às margens da Lagoa Mirim, região do Complexo Lagunar Sul de SC. A fazenda era uma das mais bem organizadas, gerenciadas e, consequentemente, produtivas de SC. Tínhamos um gerente administrativo, o Daniel, um gerente operacional, o Anderson, além de mim e do Felipe (os gerentes técnicos) e outros seis trabalhadores supercompetentes. Era um belo time! De propriedade de um grupo de médicos de Porto Alegre (RS), estava entre eles um de meus primeiros “gurus”, o Dr. Gérson M. Pereira. Todo mês aguardávamos ansiosos a chegada dos nossos “chefes” à fazenda. Durante dois ou três dias, além da apresentação de relatórios sobre a situação do cultivo e dos resultados parciais, conversávamos sobre o futuro, planejamentos diversos, os novos projetos, carreira, qualificação profissional e, por fim, eles nos ministravam aulas de MBA! O grupo de “médicosempreendedores-carcinicultores” cursava MBA na Fundação Getúlio Vargas, em Porto Alegre e, no mês seguinte, ministrava para nós os módulos que haviam aprendido. Eu, Felipe, Daniel e Anderson éramos “pseudo-alunos” (risos) de MBA da FGV! E para estes “médicos-empreendedores”, era aprendizado duplo, pois a melhor forma de aprender é ensinar! Em outra ocasião, isto já em 2004, o Gérson mandou eu e o Felipe para Porto Alegre fazer um curso de investimento em Bolsa de Valores, ministrado pela XP investimentos. Ele tinha muita preocupação com o futuro de sua equipe e sempre nos incentivou a ter educação financeira e também a buscar nossos próprios projetos/negócios. Às vezes a gente se perguntava: “Que patrão era esse! ”. Foram 3,5 anos inesquecíveis na Fazenda Beira Mar. É tanta história bacana para contar que não cabem neste editorial. Em 2005, lamentavelmente, o vírus da mancha branca acabou fechando a fazenda e dando um ponto final a essa história. Contudo, os ensinamentos e a “bagagem” aprendidos na Beira Mar estão vivos com a gente até hoje! Foi emocionante compartilhar esta história com você, amigo leitor da Revista Aquaculture Brasil. Nossa revista é feita com muito carinho e, pode ter certeza, a “chama” da Fazenda Beira Mar está mais do que acesa na cultura organizacional de nossa empresa.

Muito obrigado por viver esta história com a gente!

Giovanni Lemos de Mello Editor

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AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017


Fala Gringo! O MAIOR PORTAL DA AQUICULTURA BRASILEIRA!

P

edimos nossas sinceras desculpas a você leitor, mas o nosso “Gringo” pediu uma “aposentadoria” desta seção.

Obviamente que não aceitamos e não concederemos esta solicitação e, inclusive, queremos avisar que na próxima edição ele voltará em dose dupla! Afinal, como ficaremos sem a irreverência do Dr. Rodolfo Luís Petersen em nossas páginas? Contudo, como não conseguimos contato com esta “figura” especial, trazemos através de um registro fotográfico seu possível paradeiro atual, na Ilha do Mel, litoral paranaense. Agora também justiça seja feita! O Rodolfo é o grande idealizador do AQUAONLINE BRASIL 2017, o I Congresso Brasileiro Online de Aquicultura. Nos últimos meses o que nossa equipe tem feito é transformar sua ideia num evento inédito para a aquicultura brasileira.

Muito obrigado Rodolfo e que bons ventos lhe tragam de volta!!!!

EDITOR:

Giovanni Lemos de Mello redacao@aquaculturebrasil.com COLABORAÇÃO:

Jéssica Brol jessica@aquaculturebrasil.com GERENTE COMERCIAL:

Diego Molinari diego@aquaculturebrasil.com DIREÇÃO DE ARTE:

Taiane Lacerda taiane@aquaculturebrasil.com COLABORADORES DESTA EDIÇÃO: Alex Augusto Gonçalves, Alexandre Firmino Diógenes, André Moreau Alano, Boris Delaide, Carlos Eduardo Zacarkim, Daniel Carlos Ferreira Lanza, Darci Carlos Fornari, Felipe de Azevedo Silva Ribeiro, João Costa Filho, Juliana Gabriela Silva de Lima, Katt Regina Lapa, Luis Alejandro Vinatea Arana, Luis Fernando Marins, Marina Lapa Viana, Maurício Gustavo Coelho Emerenciano, Paulo César Falanghe Carneiro, Ricardo Pereira Ribeiro e Simon Goddek. Os artigos assinados e imagens são de responsabilidade dos autores. COLUNISTAS: Alex Augusto Gonçalves Andre Muniz Afonso André Camargo Artur Nishioka Rombenso Eduardo Gomes Sanches Fábio Rosa Sussel Luís Alejandro Vinatea Arana Marcelo Roberto Shei Maurício Gustavo Coelho Emerenciano Ricardo Vieira Rodrigues Roberto Bianchini Derner Rodolfo Luís Petersen Santiago Benites de Pádua As colunas assinadas e imagens são de responsabilidade dos autores.

QUER ANUNCIAR? publicidade@aquaculturebrasil.com QUER ASSINAR? aquaculturebrasil.com/assinatura assinatura@aquaculturebrasil.com QUER COMPRAR EDIÇÕES ANTERIORES? aquaculturebrasil.com/ediçõesanteriores NOSSA REVISTA É IMPRESSA NA:

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A revista AQUACULTURE BRASIL é uma publicação bimestral da EDITORA AQUACULTURE BRASIL LTDA ME. (ISSN 2525-3379). www.aquaculturebrasil.com

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Equipe Aquaculture Brasil AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017

A AQUACULTURE BRASIL não se responsabiliza pelo conteúdo dos anúncios de terceiros.

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Bem-vindo

D

uas semanas atrás participei como jurado em um congresso de pós-graduação de Ciências Marinhas. Como em todo congresso, tivemos estudos mais e menos interessantes, com melhores e piores apresentações. Os trabalhos relacionados à aquicultura, por exemplo, abrangeram qualidade de água no cultivo de macroalgas em escala piloto/ comercial, nutrição de peixes marinhos, populações de bactérias em laboratório de produção de organismos marinhos, impacto da liberação de juvenis produzidos em laboratório na população selvagem, expressão gênica referente ao estresse de organismos cultivados, entre outros temas. Algo que me faz refletir depois de qualquer congresso é a disparidade de qualidade no que se refere ao desempenho dos estudantes e ao nível de pesquisa. Meu intuito não é criticar, mas ressaltar que o grau de interesse, a dedicação e a seriedade dos estudantes e de seus professores/orientadores tem influência direta na educação e formação de novos profissionais e também nos projetos de pesquisa desenvolvidos. É muito importante darmos o nosso melhor em tudo o que nos propusermos a fazer, sermos críticos, um pouco perfeccionistas e trabalharmos com pessoas reconhecidas na área. Todo trabalho bem feito gera bons resultados e atrai oportunidades. E, nesse contexto, a prioridade é a qualidade e não a quantidade. Então, é importante desde cedo sabermos selecionar, integrar e nos relacionar com bons professores e profissionais para termos uma boa formação e consolidação de carreira. E como fazer isso? Hoje em dia é tudo muito fácil, basta buscar na internet o currículo, a experiência do profissional, etc. Mas se você não é muito familiarizado com as ferramentas online, simplesmente pergunte a um contato de confiança! Vale salientar que isso ocorre em todos os locais e níveis de educação e trabalho, e também em todas as áreas do conhecimento. Sempre existem as boas iniciativas mas também aquela que deixam a desejar. Então, certifique-se em que nível você está e mova-se adequadamente.

BEM-VINDO à realidade!

Artur Nishioka Rombenso Co-Editor

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AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017


Opinião Simplicidade e eficiência m meio a um turbilhão de emoções, vivenciando um conturbado período de profunda crise política e econômica no país, nasce a 6a edição da Aquaculture Brasil. Aí sim, quanta alegria! Uma revista dedicada exclusivamente a um dos setores do agrobusiness que mais cresce no mundo: a nossa querida aquicultura. Nossa magazine possui um foco especial baseado na inovação e no desenvolvimento aquícola. Mas curiosamente “inovar” não quer dizer “alta tecnologia”, tampouco desenvolvimento em “aumento expressivo de áreas de cultivo”. Talvez o real significado seja a busca por melhorias, evoluir, aprender com erros e acertos... ser mais eficiente! E muitas vezes são nos pequenos detalhes, por mais simples que sejam, que fazem toda a diferença. Neste sentido de ilustrar a simplicidade quero trazer dois episódios recentes que aconteceram na minha vida, tanto em âmbito “aquicultura” como “extra-aquicultura”.

E

O primeiro episódio ocorreu durante um feriado local que aproveitei para fazer uma pequena obra na minha casa juntamente com meu pedreiro de confiança. Apesar de gostar deste tema, como pedreiro sou “um ótimo zootecnista” (risos). Assim, ter uma mão-de-obra especializada é fundamental em qualquer situação. Com anos de experiência em obras este pedreiro curiosamente também já trabalhou em fazendas de camarão e peixes. De apelido “Sorriso” (já dá para imaginar o por quê? O cara é só alegria!) passamos um tarde de muita prosa, trabalho e aprendizado. Mas o que mais me chamava a atenção era sempre aquelas “valiosas dicas”. Dicas que faziam toda a diferença. Ganhávamos em tempo, muitas vezes em economia de material e eficiência. Ou seja, erámos mais eficazes. Já no âmbito “aquicultura” a experiência foi no Rio Grande do Sul com os colegas da EMATER-RS. Convidado para o Seminário de Piscicultura que ocorre anualmente na região de Lajeado, pude rever vários amigos e em especial João Sampaio, colega de mestrado de tempos de FURG, e mais de 19 anos de piscicultura gaúcha. No carro dirigindo de volta para minha casa pude refletir durante um par de horas em como a simplicidade pode fazer a diferença. A piscicultura gaúcha que perdura por anos e anos, mora numa simplicidade (com eficiência) de fazer inveja. Com uma especificidade única, é baseada em carpas (tolerantes ao frio) pois são poucos os meses quentes durante o ano. As tilápias, carro-chefe da piscicultura nacional, representam menos de 20% das espécies produzidas naquele estado. Além disso, a atividade é realizada em pequenas propriedades que realizam outras culturas como o gado de leite, suínos e aves, além do milho, soja, frutas, entre outros, e que usam insumos nela produzidos para cultivar o peixe a um custo muito reduzido. A mão-de-obra é escassa e muitas vezes apenas as pessoas com mais idade estão perdurando na atividade. Observando estas particularidades a EMATER-RS busca soluções simples e que sejam eficientes. Tamanho e dimensões dos viveiros que propiciem menor horas-máquina de construção e/ou um melhor conforto na hora de passar a rede na despesca (lembrando que muitas vezes são pessoas idosas que tem que ficar horas em contato com a água fria) são exemplos de pequenos detalhes que fazem total diferença. Com estas reflexões sobre simplicidade que desejo a todos uma ótima leitura!

Que sejamos todos simples e eficientes! Maurício Gustavo Coelho Emerenciano Co-Editor AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017

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SUMÁRIO

AQUACULTURE BRASIL

10 FOTO DO LEITOR 12 MÉTRICAS DA FANPAGE 14 Construção de viveiros para piscicultura comercial – Parte I: Demanda hídrica de um projeto 20 Mineralização de sólidos: reaproveitando nutrientes na aquaponia! 28 Carcinicultura indoor: um novo paradigma

»»p.14

34 A produção do pintado amazônico em Mato Grosso 42 ENGENHARIA GENÉTICA EM PROBIÓTICOS NATIVOS Uma potencial aplicação no controle das viroses que afetam a carcinicultura 48 Aeração em Aquicultura: parte I »»p.20

»»p.28

54 Existem vírus benéficos? 58 EFEITO DA SALINIDADE DA ÁGUA NA QUALIDADE FÍSICO-QUÍMICA E SENSORIAL DA CARNE DO BEIJUPIRÁ, Rachycentron canadum (LINNAEUS , 1766). 66 artigos para curtir e compartilhar 67 charGes 68 BIOTECNOLOGIA DE ALGAS

»»p.34

8

»»p.48

70 GREEN TECHNOLOGIES

AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017


»»p.84

»»p.88

71 empreendedorismo aquícola 72 nutrição 74 atualidades e tendências na aquicultura 76 aquicultura latino-americana 78 aquicultura de precisão »»p.42

79 RANICULTURA 80 piscicultura marinha 82 tecnologia do pescado 84 rECIRCULATING AQUACULTURE SYSTEMS 85 SANIDADE

»»p.54

86 DEFENDEU 88 ENTREVISTA - DRA. JANINE TAVARES BEZERRA DE MENEZES 93 NOVOS LIVROS 94 ELES FAZEM A DIFERENÇA 96 ESPÉCIES AQUÍCOLAS

»»p.58

98 PESCADO NO VAREJO - APRESENTANDO O PESCADO PARA O CONSUMIDOR FINAL

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FOTO DO LEITOR

Exemplar de rã-touro (Lithobates catesbeianus) (Cachoeira de Macacu, RJ) Autora: André Medeiros

Estágio final no núcleo de pesquisa PeixeGen - UEM (Floriano de Maringá, PR) Autora: Helena Rabattini Carvalho

Discente do IFAM realizando seleção de matriz de tambaqui (Presidente Figueiredo, AM) Autor: Paulo Adelino

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Cultivo da microalga Parachlorella kessleri no LCBA - UDESC (Laguna, SC). Autora: Thaís Agda Rodrigues

Piscicultura Princesa (Alto Paraguai, MT) Autor: Daniel Lagemann Fedrizzi

Litopenaeus vannamei (Paraipaba, CE) Autor: Augusto César Bernardo de Albuquerque

Envie suas fotos mostrando a aquicultura no seu dia-a-dia e participe desta seção.

redacao@aquaculturebrasil.com AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017

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Métricas Chegamos #seafood #Boston

72.010 Pessoas alcançadas 146 Comentários 544 Compartilhamentos 4075 Curtidas 168 Amei 75 Haha

.

Se a carne é fraca, nosso pescado é 100%!

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17.529 Pessoas alcançadas 40 Comentários 68 Compartilhamentos 792 Curtidas 11 Amei

Coluna Ranicultura: Será a especialização o caminho? .

www.facebook.com/ aquaculturebrasil

21390 Pessoas alcançadas 12 Comentários 21 Compartilhamentos 1332 Curtidas 23 Amei 06 Uau

25 de março

curta-nos no facebook:

19 de março

15.312 Pessoas alcançadas 20 Comentários 53 Compartilhamentos 718 Curtidas 18 Amei

17 de março

16 de março

Chegou a 4a edição


da Fanpage Coluna nutrição: organismos aquáticos exigem ácidos graxos e não lipídios

..

Curso online e ao vivo de bioflocos

18 de abril

19.567 Pessoas alcançadas 9 Comentários 43 Compartilhamentos 935 Curtidas 4 Amei

15.023 Pessoas alcançadas 20 Comentários 137 Compartilhamentos 280 Curtidas 08 Amei

29 de abril

14.189 Pessoas alcançadas 14 Comentários 54 Compartilhamentos 597 Curtidas 01 Amei

16.921 Pessoas alcançadas 16 Comentários 58 Compartilhamentos 737 Curtidas 22 Amei

Coluna Piscicultura Marinha - Produção de peixes ornamentais marinhos

AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017

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16 de abril

113.825 Pessoas alcançadas 33 Comentários 101 Compartilhamentos 450 Curtidas 22 Uau

06 de abril

29 de março

China, maior produtor da nossa pirapitinga?

Catálogo das espécies de peixes marinhos do Brasil

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Construção de viveiros para piscicultura comercial - Parte I: Demanda hídrica de um projeto Prof. Dr. Carlos Eduardo Zacarkim Programa de Pós-graduação em Aquicultura e Desenvolvimento Sustentável Coordenador do Curso de Engenharia de Aquicultura Universidade Federal do Paraná – UFPR/Setor Palotina zacarkim@ufpr.br

Vamos do princípio. Da mesma forma que na avicultura um galinheiro em nada se parece com um aviário, desconsiderando-se o fato de ambos possuírem galinhas, a mesma equivalência pode ser feita quando tratamos da piscicultura comercial intensiva. Açudes, poças d´água ou tanques construídos de qualquer forma, não são unidades de cultivo (viveiros) de piscicultura comercial excetuando-se, claro, a água e os peixes. Neste sentido, viveiros destinados ao cultivo intensivo de peixes devem atender as demandas específicas relativas ao tamanho, controle, prevenção de doenças, manejo e padronização necessários a obtenção da uniformidade dos lotes de peixes demandados pelas unidades de processamento de pescado (frigoríficos de pescado). Na piscicultura comercial intensiva (industrial), assim como na avicultura, os peixes devem ter uniformidade de peso, tamanho, sanidade e tempo de cultivo, independente da variedade do peixe ou espécie cultivada, que pode mudar de acordo com cada região. A ausência de tais critérios, não apenas irá prejudicar o planejamento na unidade de processamento, mas predominantemente, implicará em prejuízo ao produtor, uma vez que peixes fora de padronização irão render entre 20 a 50% a menos na venda do pescado ao frigorífico. Um exemplo disso é a relação comercial entre frigoríficos de pescado e produtores na região oeste do estado do Paraná, no cultivo e comercialização de tilápias. Para o comércio de

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um lote qualquer de peixes com uniformidade de tamanho, peso e sanidade, variando entre 800g a 900g, em valores comerciais de hoje, o entreposto de pescado pagará de R$ 4,10 a R$ 4,60 kg/ peixe, dependendo do frigorífico e a distância ao entreposto. Para o mesmo lote, caso este estivesse fora de um padrão aceitável demandado pelos abatedouros, com peixes variando entre 500g a 1kg, por exemplo, o lote seria avaliado facilmente entre os R$3,00 a R$ 3,60 kg/peixe, acarretando significativo prejuízo ao produtor. Parece bastante óbvio que a falta de uniformidade de um lote de peixes pode ter muitas origens, como alevinos defeituosos, linhagens ruins, peixes mal revertidos, incidência de doenças, falta de assistência técnica entre outros, mas excluídas situações adversas, de maneira geral a produção irá depender predominantemente do manejo adotado ao longo do cultivo. Neste sentido, o presente trabalho irá abordar alguns aspectos considerados relevantes a respeito da construção de viveiros para piscicultura comercial intensiva, no tocante ao facilitar o manejo da produção, reduzir custos de produção e na construção de empreendimentos para aperfeiçoar os ganhos e processos adotados. Entre os aspectos considerados relevantes, estão a demanda hídrica de projetos e os aspectos construtivos de viveiros comerciais, tais como layout, tamanho, forma, solo e os dispositivos de controle de vazão, manejo e despesca.

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© Jéssica Brol

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Demanda Hídrica do Projeto A demanda hídrica de um empreendimento solos são conjunto de partículas sólidas (minerais e aquícola será dada pela quantidade de água necessária orgânicas) e de espaços ou poros ocupados pelo ar e pela para o funcionamento pleno da unidade produtiva, in- água, onde a combinação de suas partículas e da prodependente do porte ou finalidade. Parece evidente que porção em que estas se encontram no material irá dar para um projeto de piscicultura comercial se necessita de ao profissional a classificação do solo existente no local, água, mas o que se observa bem como lhe fornecer inforem muitos casos, são promações importantes a resParece evidente que jetos mal executados, onde peito da permeabilidade de este aspecto elementar e funágua, granulometria, índice para um projeto de damental é desconsiderado de vazios, compactação, espiscicultura comercial na fase de planejamento do tabilidade, plasticidade entre empreendimento. se necessita de água, mas o que outros fatores caracteriza Em piscicultura se observa em muitos casos, são dos na mecânica dos solos. comercial não obstante as Tais informações, influenprojetos mal executados, onde perdas de água por infilciarão não somente na detração e evaporação da água, manda por água no projeto, este aspecto elementar e devem ser considerados a como também nos processos fundamental é renovação de água diária no relacionados a construção desconsiderado na fase de sistema, além de uma pospropriamente dita, como sível demanda pontual por movimentação de terra, emplanejamento do conta do manejo adotado polamento, compactação, inempreendimento. ao longo do cultivo, como clinação dos taludes, etc. por exemplo, redistribuição Desta forma, especificamente dos peixes nos viveiros para para demanda hídrica, um padronizar os lotes (repiques), operações de despesca, dos aspectos mais relevantes será a permeabilidade de controle de algas etc. água no solo, caracterizada pela propriedade que o solo Neste aspecto, o primeiro ponto a ser avaliado apresenta de permitir o escoamento da água através dele, pelo profissional é o tipo de solo da região onde será avaliado pelo coeficiente de permeabilidade (kp) e seu construído o empreendimento aquícola. Por definição, gradiente hidráulico, conforme a Lei de Darcy (1856).

Figura 1. Coeficiente de permeabilidade (kp), de acordo com a granulometria do solo. Fonte: Caputo, 2015.

Coeficiente de Permeabilidade Quanto maior a granulometria do solo, maior também será o índice de vazios, ou seja, espaços vazios entre partículas e, consequentemente, maior a possibilidade de a água transitar por estes espaços acarretando no aumento do fluxo de água deste solo, caracterizado pelo coeficiente de permeabilidade ou percolação (kp), conforme expresso na Figura 1. Desta forma, a permeabilidade será caracterizada pela quantidade máxima de água que pode infiltrar no solo, em um dado intervalo de tempo, sendo expressa geralmente em mm/s ou cm/s, também nominada de Velocidade de Básica de Infiltração (VIB), dependendo do método avaliado. Esta permeabilidade poderá ser avaliada pelo profissional por vários métodos, adotados conforme a disponibilidade e acesso a cada um deles. Entre os métodos mais adotados estão o da granulometria do solo (Fórmula de Hazen), do permeâmetro (Lei de Darcy) ou no próprio campo, por técnicas mais simples do tubo aberto e trincheira permeável.

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ARTIGO

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Figura 2. Evapotranspiração no Estado do Paraná, em dezembro de 2016. Fonte: IAPar, 2017.

Evapotranspiração Outro aspecto pertinente e que deve ser levado em conta no planejamento da demanda hídrica de um projeto é a evaporação de água diária ou evapotranspiração, dada na forma de (mm/dia), que irá variar de acordo com os meses do ano, temperatura, umidade do ar ou ação dos ventos, sendo obtidas em estações meteorológicas ou institutos de meteorologia de cada estado (Figura 2). Desta forma, o profissional poderá facilmente avaliar parte da demanda hídrica de um projeto, considerando as perdas de água por evaporação e infiltração por unidade de área, normatizando as unidades (deixando-as iguais), e multiplicando pela área produtiva conforme exemplo abaixo:

Exemplo prático Suponhamos que um produtor deseja construir uma unidade produtiva de pescado no oeste do estado do Paraná, com 1 hectare de lâmina d´água, onde o solo foi caracterizado como franco-argilo arenoso no teste de granulometria, ou seja, possui níveis intermediários de areia, silte e argila e a permeabilidade do solo foi avaliada pelo teste do permeâmetro em 0,0002cm/s (0,002mm/s ou 7,2mm/h). Além disso, na avaliação da evaporação da região para mês de dezembro (maior incidência de solar), foi estimada em 4,5mm/dia (0,083mm/h), expresso na Figura 2. Caso o corpo hídrico não atenda esta demanda, o engenheiro responsável deverá ou reduzir o porte do empreendimento ou entrar com medidas paliativas para reduzir a perda de agua por infiltração ou reposição de água, alterando também o manejo adotado. A Tabela 1 sintetiza alguns cálculos considerando as perdas de água por infiltração e evaporação, expressas em m3/h por hectare de lâmina d´água.

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ARTIGO

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Desta forma, para uma área de 1 hectare de lâmina d´água (10.000m2), teremos a demanda hídrica de 72,83m3/h ou 20,52 litros por segundo, considerando apenas perdas de água por infiltração e evaporação. Se considerarmos a reposição de água no exemplo acima em torno de 3% ao dia, para viveiros que possuem em média 2 metros de profundidade, teremos ainda, o acréscimo de 25m3/h ou 6,94 litros por segundo. Neste caso, a piscicultura demandaria de no mínimo 97,83m3/h ou 27,46 litros por segundo para manutenção de suas atividades. Em resumo, o corpo hídrico onde será realizada a captação de água para o empreendimento deverá ter vazão mínima de 146,74 m3/h que possibilite a construção desta piscicultura, desconsiderando-se o fato da captação de água estar limitada pelo uso já outorgado a outros produtores. Tabela 1. Demanda hídrica de água considerando perdas por infiltração e evaporação de água por hectare de lâmina d´água (m3/h).

Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos

Percolação

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Evaporação (mm/dia)

cm/h

mm/h

1,5

2

4

6

8

10

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0,5

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5,833

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Nos próximos artigos da série, o autor abordará as etapas seguintes do processo de construção de viveiros para o cultivo comercial de peixes, com destaque para a piscicultura de água doce. O conjunto de artigos sintetizará, nas páginas da Aquaculture Brasil, as experiências adquiridas pela região Oeste do Estado do Paraná, um dos principais polos da piscicultura em viveiros escavados no País.

Assuntos dos próximos artigos: Escolha do local; Tamanho e formato; Profundidade; Demarcação; Movimentação de terra e construção; Dispositivos hidráulicos; Despesca. Continue acompanhando a Revista Aquaculture Brasil e não perca esta série inédita de artigos na área de construção de viveiros para piscicultura.

© Carlos Eduardo Zacarkim

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Figura 1. Produção aquapônica no sistema “PAFF Box”, Universidade de Liège, Bélgica. Opção de tilápias, alfaces e manjericão mais sustentáveis ao consumidor europeu.(m3/h). © Boris Delaide

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Mineralizacão de sólidos:

reaproveitando nutrientes na aquaponia!

Maurício Gustavo Coelho Emerenciano, Zootecnista, PhD

Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Laboratório de Aquicultura (LAQ), campus Laguna-SC e Programa de Pós-Graduação em Zootecnia (UDESC), campus Chapecó-SC mauricio.emerenciano@udesc.br

Paulo César Falanghe Carneiro, Eng. Agrônomo, PhD

Embrapa Tabuleiros Costeiros, Aracaju-SE paulo.carneiro@embrapa.br

Marina Lapa Viana, Eng. Civil marina_lapa@hotmail.com

Que a aquaponia é um sistema alternativo de produção de alimentos, que integra o melhor da aquicultura com a hidroponia, isso todos já sabem! Mas o que poucos sabem é que os sólidos retirados do sistema e coletados em filtros mecânicos (Figuras 1 e 2) podem ser reciclados. Consequentemente uma série de nutrientes são recuperados e reintegrados ao sistema! Em outras palavras, o material coletado pode ser mineralizado garantindo ainda mais sustentabilidade ao sistema aquapônico. A aquaponia reduz o uso de água e facilita seu tratamento realizado muitas vezes de forma natural, pois sua diversa comunidade microbiana recicla substâncias orgânicas e inorgânicas

Katt Regina Lapa, Eng. Civil, PhD

Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Departamento de Aquicultura, Florianópolis-SC katt.lapa@ufsc.br

Boris Delaide, Msc.

Laboratório Integrado e Urbano de Patologias de Plantas, Gembloux Agro-Bio Tech, Universidade de Liège (ULg), Liège, Bélgica boris.delaide@ulg.ac.be

Simon Goddek, Msc.

Universidade de Wageningen (WUR), Wageningen, Holanda simon.goddek@wur.nl

da água, transformando em nutrientes absorvíveis para as plantas. No entanto, é importante salientar que apenas uma pequena fração dos nutrientes contidos nas rações são transformados ou aproveitados. Como exemplo, menos de 20% do fósforo e nitrogênio são realmente retidos em biomassa de peixes, pois muitas vezes os processos digestivos são pouco eficientes e ainda dependem da qualidade das matérias-primas usadas na fabricação das rações. Como resultado, muita sobra de nutrientes na água, mas de forma pouco biodisponível para as plantas. Neste sentido, por meio da mineralização agora é possível aumentar a disponibilidade desses nutrientes, aumentado a produção de hortaliças, frutas e até mesmo

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flores. Para entender todo esse processo é importante compreendermos alguns pontos-chave. O presente artigo aborda conceitos e métodos sobre o uso da mineralização como forma de aumentar ainda mais a reciclagem de nutrientes e redirecioná-los ao sistema. Além disso, traz diversos resultados de pesquisa realizados em centros de excelência no Brasil e fora dele. Tais resultados demonstraram que além do uso racional de efluentes (evitando seu descarte inadequado), é possível reutilizar os nutrientes neles contidos, aumentando a sustentabilidade desse fabuloso sistema que vem ganhando adeptos mundo afora.

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© Maurício Emerenciano

Figura 2. Detalhe de um filtro mecânico do tipo clarificador utilizado em um sistema de aquaponia na UDESC-Laguna para retirada do excesso de sólidos em suspensão.

Mas afinal, o que é a mineralizaCão? ´ A mineralização é basicamente a transformação da matéria orgânica em matéria inorgânica. Essa transformação ocorre por meio da ação de microrganismos aeróbios e anaeróbios, liberando nutrientes e minerais assimiláveis para outros organismos como plantas e demais microrganismos aquáticos. Nos cultivos aquícolas, este processo ocorre em certos dispositivos, principalmente quando retiramos os sólidos suspensos removidos da água, visando manter a sua qualidade. Na atual realidade aquícola é comum projetar mineralizadores para o cultivo de certas espécies, principalmente em sistemas de recirculação de água (RAS), com espécies de alto valor agregado. Estes mineralizadores são também chamados de biorreatores, capazes de operar em condições aeróbias (presença de oxigênio) ou anaeróbias (ausência de oxigênio) para finalidades distintas. Pela via aeróbia, a matéria orgânica (MO), medida comumente como Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) ou Demanda Química de Oxigênio (DQO), é consumida por microrganismos heterotróficos atuando também como agente importante na transformação do nitrogênio orgânico em nitrogênio mineralizado. Já pela via anaeróbia, a MO é consumida por microrganismos facultativos ou anaeróbios obrigatóri-

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os, pois não há oxigênio disponível no meio. Esse processo ocorre simplificadamente em duas etapas: na primeira ocorre a conversão da MO em ácidos e álcoois, e na segunda etapa essas substâncias são transformadas principalmente em amônia, metano e dióxido de carbono. Ambos os processos de mineralização produzem novas células microbianas. Cabe mencionar que a mineralização anaeróbia é muito mais lenta do que a aeróbia. No entanto, quando o fornecimento de oxigênio é um fator limitante nos mineralizadores, a depuração anaeróbia pode ter prevalência no objetivo de reduzir matéria orgânica dos sólidos retirados do sistema aquapônico.

Estes mineralizadores são também chamados de biorreatores, capazes de operar em condições aeróbias (presença de oxigênio) ou anaeróbias (ausência de oxigênio) para finalidades distintas.

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Quais os principais tipos de dispositivos mineralizadores? Os mineralizados são também chamados pela Engenharia Sanitária e Ambiental de Biorreatores. Atualmente conta-se com diversas tecnologias disponíveis no mercado, tanto de biorreatores aeróbios, anaeróbios ou híbridos, ou seja, que possuem as duas fases de decomposição da matéria orgânica em um único equipamento. Os tipos mais comuns são: © Boris Delaide

• Mineralização aeróbia: biodigestores aeróbios e lodos ativados convencionais; • Mineralização anaeróbia: biodigestores anaeróbios e os reatores tipo UASB (do inglês, upflow anaerobic sludge blanket); • Mineralizadores híbridos: biorreatores de múltiplas câmaras (compartimentos) com fases bem distintas de aerobiose e anaerobiose. Figura 3. Aquaponia no sistema PAFF Box (do inglês Plant and Fish Farming Box) da Universidade de Liège, Bélgica.

Pesquisas realizadas na Universidade de Liège, Bélgica No Laboratório Integrado e Urbano de Patologias de Plantas (IUPPL), da Faculdade de Gembloux, Universidade de Liège, na Bélgica, diferentes aspectos da aquaponia são focos de pesquisa. Um exemplo é o estudo aprofundado da microbiota presente no sistema, visando elucidar o efeito de proteção e de promoção de crescimento que os microrganismos provocam nas plantas. Adicionalmente, novas técnicas de identificação microbiana como a “Next Generation Sequencing technics” (“NGS” na sua sigla em inglês) estão sendo empregadas com sucesso para identificar o efeito da microbiota presente na água no crescimento das plantas. Recentemente um estudo comparativo do crescimento de alfaces em sistemas hidropônicos versus aquapônicos utilizou estas novas técnicas de identificação e auxiliou a explicar os resultados fitotécnicos e a sua relação com a comunidade microbiana (Delaide et al., 2016). Outro foco de pesquisa na Universidade de Liége é a melhora da reciclagem de nutrientes. Em estudo realizado em sistema de “PAFF Box” com tilápias, alfaces e manjericão (Figura 3) demonstrou que existe um excesso de perdas de nutrientes. Isso porque quando aplicado a técnica de “one loop” (ou circuito único fechado) estes nutrientes ficam retidos na forma de lodos nos sedimentadores (Delaide et al., artigo no prelo). Neste sentido, o potencial de técnicas que permitem isolar diferentes compartimentos da aquaponia (peixes, plantas e filtração) e promover a reutilização de nutrientes são temas recente de pesquisas. O uso dos chamados “Decoupled Aquaponics System” (Goddek et al., 2016; e recentemente discutido na coluna “Green Technologies” da edição no 2 da Revista Aquaculture Brasil) integrado com dispositivos de mineralização anaeróbia (como, por exemplo, reatores UASB) estão sendo alvo de pesquisas neste momento. Resultados preliminares apontam redução de 50% dos sólidos em suspensão e do carbono orgânico dissolvido, e que quando em excesso são nocivos as raízes das plantas. Além disso, foi observada melhora no reaproveitamento de nutrientes, promovido pela mineralização, na ordem de incríveis 40%. AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017

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Pesquisas realizadas na Universidade de Wagenigen, Holanda Na Universidade de Wageningen (WUR), na Holanda, centro de excelência mundial em Aplicando técnicas de aquicultura e também nas Ciências Agrárias, a dessalinização e destiaquaponia igualmente tem seu lugar de destaque. lação, os desafios atuO pioneirismo e foco atual das pesquisas são os sistemas “Decoupled” desenvolvidos por meio de ais concernem entre o controle e modelos matemáticos utilizando softwares como o balanço de massas de nutrientes, Anylogic, Python e MATLAB (Goddek et al., 2016; além de desenvolver experimenReyes Lastiri et al., 2016), e posteriormente testa- tos visando aumentar o grau de dos in situ. Conjuntamente com a Universidade de mineralização ou Liége, reatores anaeróbios têm sido desenhados, “remineralizações”. construídos e testados (Figura 4). Vale salientar que a Holanda é um dos berços do mundo no tratamento de efluentes com reatores anaeróbios. Aplicando técnicas de dessalinização e destilação, os desafios atuais concernem entre o controle e balanço de massas de nutrientes, além de desenvolver experimentos visando aumentar o grau de mineralização ou “remineralizações” (uma vez que o fluxo de água é contínuo, mas controlado nos diferentes compartimentos). Estudos dessa natureza são extremamente importantes uma vez que visam promover e garantir condições ambientais ótimas para peixes e plantas, integrados em um mesmo sistema. E este é um clássico desafio a ser resolvido na aquaponia. Para alcançar níveis ótimos de nutrientes para as plantas (que possuem exigências nutricionais altas) utilizando efluentes dos peixes (pobres em nutrientes) o desafio é imenso e a suplementação quase sempre necessária. Neste sentido, estudos recentes com dessalinização e tecnologias de mineralização anaeróbia apontaram a possibilidade de aumentar ainda mais a eficiência no uso dos nutrientes, melhorando seu balanço e promovendo melhores condições ambientais. Um exemplo esquemático dos sistemas “Decoupled” com mineralização anaeróbica pode ser observado na Figura 5. Baseado nestas abordagens, a produção de alimentos via aquaponia em regiões de clima inóspito ou com características físico-químicas de água diversas, pode se tornar uma opção viável. Por meio de colaborações técnico-científicas, recentemente a adoção destas técnicas já ocorre em lugares como a Namíbia, África (Goddek & Keesman, 2017). © Simon Goddek

© Simon Goddek

Figura 4. Conjunto de reatores anaeróbios utilizados em experimentos de mineralização no centro de pesquisa em aquicultura, Universidade de Wageningen, Holanda.

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Figura 5. Representação esquemática de sistema “Decoupled” empregando a tecnologia de dessalinização e mineralização para melhor aproveitamento de nutrientes (desenvolvido por Simon Goddek. Fonte: Goddek et al 2016). Em azul componente “peixes”, em verde componente “plantas”, em rosa componente “mineralização” com o uso de reatores anaeróbios e em marrom o dispositivo de dessalinização.

Pesquisas realizadas na Embrapa Seguindo as tendências mundiais, o Brasil iniciou recentemente pesquisas na área de mineralização de nutrientes, mas com foco na reciclagem aeróbia. Em colaboração com o Laboratório de Aquicultura (LAQ), da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) campus Laguna/SC, foi realizado um estudo preliminar na Embrapa Tabuleiros Costeiros com mineralização aeróbia (Figura 6). Neste estudo avaliou-se o efeito em estimular a comunidade aeróbia e heterotrófica, utilizando diferentes relações de carbono:nitrogênio (C:N) aplicadas no lodo residual coletado de cultivos aquapônicos de tambaquis. Este lodo (grande fonte de nitrogênio, fósforo e demais nutrientes) era formado principalmente de fezes, resíduos de ração e demais partículas em suspensão coletado diretamente dos clarificadores. Por meio de cálculos (Emerenciano, et al. 2017) dos nutrientes C:N presentes no lodo e na fonte de carbono utilizada (melaço de cana-de-açúcar) foi estimulado o crescimento microbiano utilizando relações de 13:1 (relação natural presente no lodo ou “controle”), 20:1 e 30:1. Após 31 dias avaliou-se as mudanças nas concentrações de certos nutrientes na porção sólida e líquida do lodo mineralizado. Como principais resultados foi observada oscilação do pH, queda nos níveis de oxigênio dissolvido e aumento na condutividade elétrica (nocivo as plantas) com o incremento na relação C:N. Amônia, nitrito, nitrato e alcalinidade tiveram flutuações maiores no tratamento 30:1. Além disso, na fração líquida (sobrenadante) as concentrações de certos nutrientes tiveram comportamentos bastantes diferenciados aos 14 dias e ao final do período experimental, e também de acordo com cada tratamento. Resultados ainda preliminares apontaram que nutrientes como Fe e K aumentaram suas concentrações nos primeiro 14 dias, apresentando queda logo após. Já outros nutrientes como P e Mn diminuíram (possivelmente devido ao consumo microbiano), enquanto que alguns aumentavam AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017

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© Paulo Carneiro

Figura 6. Imagens do experimento de mineralização aeróbia realizado na Embrapa Tabuleiros Costeiros em colaboração com a UDESC/ Laguna.

suas concentrações ao longo do tempo (Na e Cu). Foi observado que o incremento da fonte de carbono e presença da comunidade heterotrófica interferem drasticamente nos resultados, consumindo ou liberando determinados nutrientes e em determinados tempos. Aparentemente a simples aeração (sem uso de fontes externas de carbono) já contribui com a disponibilidade de certos nutrientes.

Perspectivas para o futuro A reflexão que é possível fazer com base no presente artigo é simples: mineralização aumenta ainda mais a sustentabilidade do sistema aquapônico. A aplicação dessas práticas certamente resultará em economia e diminuição de gastos com nutrientes exógenos (fertilizantes) e, principalmente, em redução de efluente e seu consequente impacto ambiental. Esperamos que isso aconteça em um futuro não muito distante, pois aumentará a eficiência do uso dos recursos na produção mais sustentável de alimentos como demonstrado em estudos preliminares (Delaide et al., 2016; Goddek & Vermeulen, 2017). Mas para tal é unânime a importância de mais pesquisas, principalmente sobre equipamentos, desenhos e layouts para elucidar as diferentes “caixas-pretas” do sistema aquapônico. É fundamental que órgãos de fomento a pesquisa se sensibilizem sobre a importância da aquaponia no contexto brasileiro, onde a escassez de água, de terras e custo por nutrientes estão cada vez mais presentes na nossa realidade. Além disso, políticas públicas devem ser criadas e adotadas, andando lado a lado com a realidade (e dificuldade) dos produtores. O recente projeto de lei federal PLS 162/2015, que ainda esta em tramitação, é um belo exemplo a ser seguido (mais informações sobre esse projeto de lei, coluna “Green Technologies” da 4a edição da Aquaculture Brasil). Para finalizar, o caminho ainda é longo para alcançarmos o sistema ideal ou o modelo ideal, pois as variáveis são muitas e os objetivos os mais diversos. No entanto, a aquaponia nas suas diferentes facetas atende em cheio o perfil do consumidor que cada vez mais busca por alimentos mais sustentáveis. Traduzindo: os horizontes e as oportunidades estão se ampliando cada vez mais. A revolução apenas esta começando! Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos

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© MCR Aquacultura

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Carcinicultura

indoor: um novo paradigma André Moreau Alano MCR Aquacultura mcraquacultura.com.br andre@mcraquacultura.com.br

novo paradigma está U msurgindo no cenário da car-

cinicultura mundial. Lugares onde outrora era inimaginável cultivar camarão, como na Letônia, país báltico onde as temperaturas chegam a 30 graus Celsius negativos, hoje surpreendem com cultivos sustentáveis e de alta produtividade. “Indoor Shrimp Production System - ISPS” é a nomenclatura que vem sendo utilizada para classificar este novo sistema de cultivo. Em português significa algo como “Cultivo de Camarão em Ambientes Fechados”. Para faAQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017

cilitar a incorporação do conceito aqui no Brasil, será adotado o termo “Carcinicultura Indoor - CI”. A ideia de que é inescusável dispor de grandes áreas e altas temperaturas para praticar a carcinicultura pode se tornar coisa do passado. Em 2017 já observamos a ocorrência, em diversos (e adversos) locais do mundo, de cultivos superintensivos em ambientes fechados, desde países mais ricos como o Japão, Espanha e Estados Unidos até nações de menor expressão econômica no contexto mundial como África do Sul, México e Mongólia.

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Perspectivas para o Brasil

Como cultivar?

No Brasil esses cultivos vêm surgindo discretamente. Ainda existem desafios a serem superados para que esta prática se torne habitual por aqui. O descaso do governo com a real potencialidade da aquicultura nacional, a carência de investimentos eficientes em ciência e tecnologia e a resistência por parte dos produtores em adotar métodos inovadores são algumas das barreiras para o processo de intensificação sustentável dos sistemas de carcinicultura no país.

A ciência por trás do atual sucesso da Carcinicultura Indoor se dá principalmente devido aos avanços em três linhas de pesquisa: Sistema de Recirculação de Água (RAS), Sistema de Cultivo com Bioflocos ou Mixotrófico (BFT) e Cultivo Livre de Patógenos Específicos (SPF). A conjunção prática desses novos saberes culmina em uma nova forma de pensar a carcinicultura. É importante salientar que num sistema de produção de camarão pode haver o emprego de duas ou três das técnicas descritas acima. Um cultivo BFT pode simultaneamente recircular a água e usar linhagens SPF ou não, ou seja, o uso de uma metodologia não exclui a aplicação simultânea de outra(s).

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SISTEMA DE RECIRCULAÇÃO DE ÁGUA A pressão sobre a indústria aquícola para mitigar os impactos ambientais é cada vez maior. O aprimoramento das técnicas de recirculação na aquicultura (em inglês RAS – Recirculating Aquaculture System) contribui para a diminuição significativa do volume de água necessário para abastecer e manter o cultivo, além de promover a recirculação dos nutrientes, o que assegura uma melhor qualidade físico-química dos efluentes. Os sistemas de recirculação variam de acordo com algumas características do cultivo, como o nível de intensificação, grau de infraestrutura e tipo de manejo, porém todos possuem a mesma finalidade: reaproveitar a água do cultivo reciclando nutrientes e reduzindo a quantidade de água utilizada na produção.

SISTEMA DE CULTIVO COM BIOFLOCOS (OU MIXOTRÓFICO) O cultivo com bioflocos (em inglês BFT – Biofloc Technology) aumenta a disponibilidade de alimento natural, reduzindo as taxas de conversão alimentar e aumentando a estabilidade do sistema. Os bioflocos são agregados de microorganismos (bactérias, fitoplâncton e zooplâncton) associados a partículas, colóides, polímeros orgânicos e células mortas. As bactérias heterotróficas utilizam o nitrogênio inorgânico e o carbono dissolvido presentes na água para produzir biomassa bacteriana. As bactérias autotróficas nitrificantes convertem a amônia em nitrito e posteriormente em nitrato (forma menos tóxica para os camarões), utilizando o CO2 como fonte de carbono. O resultado é uma melhora na qualidade da água e na nutrição dos camarões, pois os agregados microbianos servem como complemento na dieta desses animais no cultivo, diminuindo o nível de proteína bruta necessária na ração. Todo cultivo BFT é mixotrófico, que significa um cultivo autotrófico e heterotrófico simultaneamente. A empresa Blue Aqua International desenvolveu o sistema Mixotrophic SystemTM, que é uma tecnologia de produção desenvolvida e adaptada para as condições brasileiras, ajudando os produtores a melhorarem o manejo de sistemas intensivos da produção de camarões através do balanceamento de comunidades de fitoplâncton (microalgas) e de bactérias no cultivo.

CULTIVO LIVRE DE PATÓGENOS ESPECÍFICOS Um cultivo livre de patógenos específicos (em inglês SPF – Specific Pathogen Free) promove a redução do risco de enfermidades, o que incrementa significativamente os níveis de sobrevivência. A aquisição de pós-larvas não contaminadas aumenta consideravelmente as chances de sucesso do protocolo implantado no cultivo. Existem duas maneiras de se manter estoques de matrizes livres de doenças. A primeira é importando matrizes SPF de estoques já domesticados e a segunda é através da domesticação de estoques de matrizes locais testadas como livres de doenças. Pelo fato de as doenças serem uns dos principais problemas atuais dos cultivos de camarão, os avanços tecnológicos nessa área são extremamente importantes para o promissor futuro de uma carcinicultura intensiva sustentável.

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© trinidadexpress.com

Vantagens da carcinicultura indoor

A Carcinicultura Indoor maximiza a produção num contexto limitado de terra e água; possibilita o completo controle das variáveis físicas, químicas e biológicas do ambiente de cultivo; independe das condições climáticas naturais da região; possui relativa facilidade na obtenção de licenças ambientais, pois o impacto ambiental é baixo ou nulo; oportuniza o cultivo integrado com plantas halófitas (Ex.: Salicornia sp. ou Sarcocornia sp., ambas tolerantes à água salgada, e uma vez processadas podem ser consideradas como o “sal do futuro”); viabiliza o cultivo em regiões afastadas da costa, podendo ser implantada próxima a grandes mercados consumidores. Em suma, a principal vantagem é o fato de não ser necessário muita água nem grandes áreas para produzir em uma escala comercial considerável. As maiores dificuldades desse sistema são a necessidade de trabalhadores capacitados e treinados para administrar este tipo de cultivo e o custo relativamente alto de implantação. Considerações Finais

Atualmente cerca de 90% do camarão consumido no Japão é importado. Especialistas apontam que, num futuro próximo, todo o camarão consumido no país poderá ser advindo da CI. Devemos começar também a repensar a carcinicultura no nosso país. A carcinicultura indoor representa uma ameaça ao cultivo convencional? Ambos existirão em consonância? Ainda não temos essas respostas, no entanto podemos presumir que haverá uma reestruturação da indústria e do mercado do camarão no Brasil e no mundo decorrente da (r)evolução tecnológica desse setor. Um novo paradigma está surgindo no cenário da carcinicultura mundial e ainda nem todos o perceberam.

Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos

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A produção do pintado amazônico em Mato Grosso Darci Carlos Fornari

Bom Futuro Genética de Peixes Cuiabá/MT darci.peixegen@gmail.com

Ricardo Pereira Ribeiro Professor Associado Programa de Pós-Graduação em Zootecnia Departamento de Zootecnia – UEM rpribeiro@uem.br

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A expansão populacional e as pressões ambientais conduzem à necessidade, cada vez maior, de diversificação da oferta e aumento da produtividade de alimento. A demanda de alimento saudável é cada vez maior, o apelo dos médicos e nutricionistas indicam o consumo de pescado como forma de minimizar problemas de saúde. Em 2016 o consumo mundial de proteína de pescado ultrapassou os 18 kg per-capta/ ano. A expectativa é que este consumo atinja 19,5 kg per-capta/ano em 2030. A demanda crescente é sustentada pela produção aquícola, já que o extrativismo está estagnado desde década de 70. Os países com potencial para exploração da piscicultura são limitados pela disponibilidade de água com qualidade. O Brasil se prepara para assumir o posto de um importante produtor mundial pela grande vocação de produção, clima favorável, topografia adequada, água disponível, inúmeros barramentos de hidroelétricas, insumos para ração e o desenvolvimento de tecnologias para produção de peixes nativos. Entre as duas espécies de peixes nativos mais produzidos no Brasil estão o tambaqui (Colossoma macropomum) e os surubins do gênero Pseudoplatystoma. Estes bagres possuem características muito importantes quando se fala em produtos de alto valor agregado como, por exemplo, o filé sem espinha intramuscular e o excelente rendimento de carcaça, superior a 40%. Entretanto, outros índices zootécnicos como crescimento, conversão alimentar, exigên-

A alternativa encontrada pelo setor produtivo para reverter esses problemas foi a hibridação, ou seja, o cruzamento do cachara ( Pseudoplatystoma reticulatum ) com o jundiá amazônico ( Leiarius marmoratus ), resultando no pintado amazônico. Este nome mostrou-se muito adequado do ponto de vista de marketing visando a aceitação por parte do público. cia nutricional, resistência a doenças e ao manejo, e o treinamento alimentar comprometem a produção em escala das espécies puras, em especial o cachara e o pintado. A alternativa encontrada pelo setor produtivo para reverter esses problemas descritos acima foi a hibridação, ou seja, o cruzamento do cachara (Pseudoplatystoma reticulatum) com o jundiá amazônico (Leiarius marmoratus), resultando no pintado amazônico. Este nome mostrou-se muito adequado do ponto de vista de marketing visando a aceitação por parte do público. Principais características do pintado amazônico

O pintado amazônico é um peixe com excelentes índices zootécnicos, como: • Crescimento rápido; • Baixo canibalismo comparado às espécies “puras” cachara e pintado, bem como seus híbridos; • Bom rendimento de filé e ausência de espinhos intramusculares; • Resistência a densidades elevadas e ao manejo; • Menor exigência nutricional comparado aos demais cruzamentos similares.

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Em 2016, somente no município de Sorriso/MT foram produzidas 12.000 toneladas de pintado amazônico e a expectativa é chegar a 20.000 toneladas em 2020. O setor industrial está estruturado e aposAQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017


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ta em processar o pintado amazônico e concorrer com a tilápia na venda de filé sem espinha. Contudo, para que isto concretize-se, o foco deverá ser a pesquisa em melhoramento genético (das espécies parentais utilizadas no cruzamento – Macho de Pseudoplatystoma reticulatum x Fêmea de Leiarius marmoratus) e nutrição, além da produção de alevinos em grande escala para diminuir o custo e o desenvolvimento de novas tecnologias de produção. A estruturação de projetos eficientes, manejo adequado e gestão dos cultivos de pintado amazônico são detalhes que farão a diferença para o sucesso dos empreendimentos. Neste sentido, para se aumentar a produção de peixes, pode-se ampliar a extensão da área de produção ou a produção por área. Maximizar e melhorar a utilização da água, utilizar peixes com alto potencial genético, controlar o ambiente e promover os manejos eficazes são, igualmente, alternativas que devem ser priorizadas. Sistema de cultivo do pintado amazônico no Mato Grosso

O sistema mais utilizado na produção do pintado amazônico no O sistema mais Mato Grosso é o semi-intensivo, com produtividades que podem variar de 10 a 30 toneladas por hectare/ano. utilizado na pro A técnica consiste no cultivo do pintado amazônico em um amdução do pintado biente altamente controlado, normalmente praticado em viveiros escavaamazônico no dos. Nesse sistema, o produtor já se preocupa com adubação, renovação de água, dieta totalmente controlada e monitoramento diário da qualidade da Mato Grosso é o semi-inágua. O sistema empregado caracteriza-se por apresentar melhores renditensivo, com produtivimentos que o extensivo e permitir maior densidade (5.000 - 15.000 peixes/ dades que podem varihectare). ar de 10 a 30 O processo produtivo em sistema semi-intensivo vai do “peixamento” a despesca, baseado no fluxograma e nas biometrias para toneladas por adequação dos manejos de arraçoamento e controle de qualidade de água. hectare/ano. O peixamento é realizado com alevinos que receberão dieta adequada, em quantidade e qualidade. Todo processo envolve o acompanhamento diário da qualidade da água, mensurando-se o oxigênio dissolvido e a temperatura, adequação da quantidade de ração a cada semana até o final da engorda, e aferição semanal das características físicas e químicas da água (alcalinidade, pH, dureza, amônia, CO2, condutividade e transparência). Outros aspectos importantes dizem respeito a regulagem diária e limpeza de filtros da entrada e saída da água dos viveiros, além da observação e anotação diária do comportamento dos peixes durante o arraçoamento. AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017

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Densidades de cultivo

O número de peixes que poderá ser colocado nos viveiros dependerá de vários fatores como: • Fase ou ciclo de produção (viveiro de alevinagem ou de engorda); • Tamanho do viveiro; • Sistema de produção que será utilizado (monocultivo, policultivo ou consorciado); • Tempo em que se pretende concluir o cultivo; • Qualidade e quantidade de água disponível; • Tamanho do peixe estimado para o abate; • Disponibilidade de renovação de água; • Sistema de aeração artificial.

Em geral: Com uma renovação média de 10 litros/ha/segundo em viveiros de engorda sem aeração, a densidade indicada é de 1 peixe a cada 2m², considerando o peso de abate de 2 kg. Em viveiros com renovação 10 litros/ha/segundo e uso de aeradores (1 aerador de 2 HP para cada 5.000m²) a densidade indicada é de 1 peixe para cada m², ou seja, 2 kg de peixe para cada metro quadrado (considerando o peso de abate de 2 kg).

Controle de predadores

Além de peixes, jacarés e aves também costumam constituir-se em um problema para algumas pisciculturas. Aves como os biguás (mergulhão), martim-pescador, garças e socós conseguem capturar não só peixes pequenos como também peixes maiores. Muitas vezes, mesmo não conseguindo capturá-los, as aves causam ferimentos que podem levar os peixes à morte. O controle das aves predadoras é difícil, porque a legislação ambiental brasileira considera crime o abate de aves selvagens. Dessa forma, o meio mais prático de minimizar os efeitos da predação dessas aves sobre os peixes cultivados é espantando-as. Para isso, podem ser usados espantalhos, fogos de artifício ou qualquer mecanismo que produza barulho. Uma alternativa eficiente para controlar os predadores é a utilização de fios de nylon monofilamento (100 mm) transpassados de um lado a outro do viveiro e amarrados em um cabo de arame liso que circunda o viveiro (Figura 1). Desta forma, podese conviver com os pássaros predadores sem problemas. Outros métodos como o uso de telas recobrindo todos viveiros também podem ser utilizados, mas o custo de instalação e manutenção ainda é alto, comparado a uso de fios de nylon.

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Figura 1. Linhas de nylon como proteção antipássaros. AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017


Manejo de “canibais"

Além dos cuidados com os predadores, a fase inicial da criação do pintado amazônico é considerada crucial para o sucesso do cultivo, sendo necessário que todos os projetos de engorda de pintado amazônico tenham recria (pré-engorda). Os viveiros de recria obrigatoriamente necessitam ser bem dimensionados, indicando-se 10% da área total de engorda. O formato dos viveiros deve ser retangular e possuir monge (comporta), estrutura para melhorar o manejo de qualidade de água, além de proteção antipássaro, descrito anteriormente. O formato retangular além de facilitar o manejo

da qualidade de água favorece o manejo de classificação de canibais (são peixes que se destacam no crescimento inicial e possuem a característica de predar os peixes menores), que no caso do pintado amazônico é indispensável. Geralmente as pisciculturas de pintado amazônico recebem dos laboratórios alevinos de 8 a 10 cm, pesando em média 8 gramas. Nessa fase ainda pode ocorrer canibalismo, portanto, após 30 dias do recebimento, o lote de alevinos precisa ser classificado, retirando-se todos os canibais. Após 2 a 3 meses os juvenis devem estar com 100 a 150 gramas e estarão prontos para engorda.

Viveiros de engorda

Os viveiros escavados para exploração do pintado amazônico na engorda são, em geral, retangulares e podem variar de tamanho conEstas áreas forme a topografia e disponibilidade de água. Viveiros que variam de 2 a consistem de 5 hectares são os mais indicados, e o formato retangular facilita o manejo. barramentos anRecomenda-se viveiros de, no máximo, 100 metros de largura para facilitar a despesca e o manejo de arraçoamento (melhor distribuição da ração), tigos, construíalém do manejo da qualidade de água (formato retangular facilita o dire- dos na década de 80, e cionamento da água e da matéria orgânica para o monge). Outros modelos de viveiro são os barramentos de água. No Mato Grosso, muitas piscicultu- que hoje são explorados ras estão instaladas em ambientes impactados, ou seja, em áreas anterior- para produção do pintado mente degradadas para a construção de barragens. Estas áreas consistem amazônico. de barramentos antigos, construídos na década de 80, e que hoje são explorados para produção do pintado amazônico. A estruturação desses ambientes permite a produção de pintado amazônico com eficiência e com baixo impacto na qualidade da água, conforme descrito a seguir. Sistema semi-intensivo em barramentos (com monge auto-limpante)

O barramento consiste na estruturação de ambientes consolidados, caracterizando-se por barragens antigas construídas em pequenos riachos, as quais podem variar de tamanho (1 a 15 hectares) e aonde a produção pode chegar até 25 toneladas/ha/ciclo com uso de aeradores. A grande vantagem é o fato da topografia em formato de calha destinar toda a matéria orgânica produzida no sistema para o monge constantemente, não acumulando desta forma excessos no fundo do viveiro. Especificamente em barramentos para cultivo do pintado amazônico, o monge estruturado tem permitido a manutenção constante da qualidade da água, atendendo às condições propostas pela resolução CONAMA N°430/2011. Em geral, a água que sai dos monges possui característica físico-química melhor do que a água que entra no barramento. A qualidade do efluente do monge auto-limpante contém baixa concentração de resíduos sólidos. Isto acorre por dois principais motivos, o primeiro é que não existe acúmulo de matéria orgânica, tendo em vista que o formato em calha dos barramentos permite a condução constante dos sólidos gerados pelos peixes (Figura 2), da mesma forma que ocorre naturalmente nos córregos. Para promover esse efeito de condução dos sólidos na calha do barramen-

to, a vazão mínima de água deverá ser de 10 litros/ha/ segundo, proporcionando a constante derivação dos sólidos gerados, sempre diluídos, não ocorrendo acúmulo residual dentro do barramento. O segundo motivo dá-se pela estruturação do monge auto-limpante que permite manejar constantemente a qualidade de água, melhorando consequentemente os parâmetros físicos e químicos, principalmente o pH. De acordo com a Resolução CONAMA anteriormente citada, o pH do efluente deverá estar sempre entre 5 e 9. O barramento com monge estruturado permite melhorar o pH, mantendo-o sempre acima de 6 e no máximo 8, que é a faixa ideal para o bom cultivo dos peixes. Naturalmente, o pH da água que entra nos barramentos no Estado do Mato Grosso está abaixo de 5, inferior ao estipulado pelo CONAMA e também diferente dos principais rios da região que o pH é 7. Monge é uma estrutura de concreto e ferro armado com função de controlar o nível e escoamento da água em uma barragem ou em um viveiro de piscicultura (Figura 3). A estrutura obrigatoriamente localiza-se na porção mais funda, permitindo drenagem total da água.

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© Darci Carlos Fornari Figura 2. Imagem tridimensional do formato em calha dos barramentos de cultivo de peixes.

© Darci Carlos Fornari Figura 3. Imagem do corte com vista lateral de um barramento com monge estruturado.

A estrutura do monge é compartimentalizada (Figura 4) de forma a conduzir o fluxo da água pela porção inferior.

© Darci Carlos Fornari Figura 4. Imagens da compartimentalização do monge estruturado, que permite o controle do nivel e saida da água pelo fundo do viveiro.

Considerações Finais

• A produção do pintado amazônico no Mato Grosso busca atender o pré-requisito da sustentabilidade; • O sistema semi-intensivo é o sistema mais explorado para a produção do pintado amazônico; • As inovações dos sistemas de cultivo sempre estão relacionadas à melhoria e preservação da qualidade da água, pois a água faz parte do organismo do peixe e reflete diretamente no desempenho; • A grande maioria dos sistemas de barramentos consiste no aproveitamento de ambientes já degradados, melhorando a qualidade de água e eliminando problemas de degradação ambiental; • O monge auto-limpante em barramentos é uma estrutura que permite manter a qualidade de água constantemente do início ao fim do cultivo dos peixes. Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos

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ENGENHARIA GENÉTICA EM PROBIÓTICOS NATIVOS: Uma potencial aplicação no controle das viroses que afetam a carcinicultura MSc. João Costa Filho & Dr. Luis Fernando Marins Programa de Pós-Graduação em Aquicultura, Universidade Federal de Rio Grande - FURG. Rio Grande - RS. costafilhojoao@gmail.com / dqmluf@furg.br

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de organismos aquáticos tem apresentado um crescimento nos últimos anos, soO cultivo bretudo em relação ao camarão Litopenaeus

vannamei. No entanto, a ocorrência de enfermidades, principalmente de etiologia viral, tem afetado significativamente a produção mundial, especialmente na Ásia e América Latina. A ocorrência de doenças infecciosas e seus reflexos econômicos têm sido o principal desafio para a carcinicultura mundial. Especialmente no Brasil, duas principais viroses vêm promovendo constantes prejuízos: o Vírus da Síndrome da Mancha Branca (WSSV) e o Vírus da Mionecrose Infecciosa (IMNV). Desta forma, é necessário o desenvolvimento de pesquisas que promovam ações imediatas para diminuir os problemas sanitários observados na carcinicultura.

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Silenciamento gênico Os camarões possuem sistema imune inato com ausência de resposta adaptativa. Esse fato inviabiliza a tentativa de produção de vacinas para combater as enfermidades, principalmente de etiologia viral. Contudo, a descoberta do mecanismo de silenciamento gênico pós-transcricional ou RNA de interferência (RNAi) tem gerado uma nova perspectiva para o tratamento de doenças virais nos camarões. Essa tecnologia é uma ferramenta capaz de silenciar a expressão gênica e replicação viral, onde fitas duplas de RNA (dsRNA) conduzem a degradação do RNA mensageiro (RNAm) homólogo a mesma sequência. No camarão L. vannamei o mecanismo de RNAi já foi induzido com a injeção intramuscular de dsRNA relacionada com sequências específicas dos vírus da IMNV e WSSV, apresentando boas respostas na limitação da infecção viral e sobrevivência dos camarões, tornando o mecanismo RNAi um importante método de intervenção terapêutica aplicado a carcinicultura.

Engenharia genética no combate às enfermidades virais No entanto, a utilização dessa tecnologia em larga escala no cultivo dos camarões está limitada pela quantidade de moléculas de dsRNA a serem sintetizadas, o alto custo de produção, bem como a forma de aplicação, que seria por injeção individual nos camarões. Tem sido demonstrado que é possível a produção de dsRNA através da engenharia genética em bactérias como a Escherichia coli, porém a forma de aplicação no cultivo ainda necessita ser avaliada. Na literatura, já foi demonstrado que cepas probióticas de Bacillus recombinantes podem ser utilizadas via dieta como um “veículo vacinal” para camarões desafiados com agentes virais. Desta forma, a engenharia genética aplicada em Bacillus ou bactérias com potencial probiótico (Figura 1), pode representar uma importante ferramenta no tratamento de viroses que afetam a carcinicultura.

© João Costa Filho Figura 1. Microscopia eletrônica de varredura dos probióticos nativos do gênero Bacillus, isolados do trato intestinal de crustáceos e utilizados como modelo de estudo para aplicação da engenharia genética.

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Os avanços da FURG O grupo de pesquisa vinculado ao Laboratório de Biologia Molecular do Instituto de Ciências Biológicas da FURG, liderado pelo Prof. Dr. Luis Fernando Marins e o doutorando MSc. João Costa Filho (Figura 2), do Programa de Pós-Graduação em Aquicultura da FURG, vem desenvolvendo a engenharia genética em cepas nativas de Bacillus para produção de dsRNA que possam ativar o mecanismo do RNAi e combater viroses como o WSSV e o IMNV. Até o presente momento, esse trabalho conta com a parceria de grupos de pesquisa de três Universidades Federais: Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Universidade Federal de Pelotas (UFPel), bem como concessão de auxílio financeiro do CNPq no âmbito do Edital Universal 2014.

Figura 2. Principais pesquisadores relacionados com o trabalho de engenharia genética em Bacillus. Prof. Dr. Luis Fernando Marins (esquerda), líder do grupo de pesquisa vinculado ao Laboratório de Biologia Molecular do Instituto de Ciências Biológicas da FURG. MSc. João Costa Filho (direita), doutorando do Programa de Pós-Graduação em Aquicultura da FURG.

Com o andamento do trabalho foram obtidos alguns resultados que estão em processo de publicação. Foi realizada a engenharia genética de sete cepas nativas de Bacillus para expressão da proteína verde fluorescente - gfpmut1 (Figura 3) e utilização de umas dessas cepas fluorescentes via ração no cultivo experimental do camarão L. vannamei, avaliando sua permanência no trato intestinal e potencial probiótico. Nesse mesmo sentido, foi concluído o sequenciamento genômico de três cepas nativas de Bacillus sp., realizado na UFPel. Essa etapa é de fundamental importância para o conhecimento da diversidade molecular das cepas e criação de estratégias aplicáveis para as técnicas de engenharia genética. Além disso, foi aplicada engenharia genética na cepa nativa Bacillus #39 para promover a produção das dsRNA. Cabe ressaltar que o gene rnc, presente no genoma dos Bacillus, é responsável pela

produção da enzima ribonuclease III, que atua na degradação de dsRNA. Contudo, a cepa Bacillus #39 praticamente não apresentou degradação dessas moléculas, ou seja, existe uma baixa atividade dessa enzima. Adicionalmente, foi transformada para expressão episomal de dsRNA a cepa de Escherichia coli HT115 (possui o gene rnc deletado). Esses dois últimos modelos estão em fase de pré-testes na UFC, onde está sendo avaliada a capacidade de ativação do mecanismo RNAi no L. vannamei, pelas dsRNA produzidas. Posteriormente será realizado um novo experimento com desafio viral e avaliação da sobrevivência dos camarões. De modo geral, se for possível a obtenção de bons resultados de sobrevivência, poderemos confirmar que nosso grupo de pesquisa foi capaz de criar microrganismos recombinantes que produzem dsRNA e podem ser utilizados nos sistemas de cultivo dos camarões.

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© João Costa Filho Figura 3. Microscopia de epifluorescência com aumento de 1000 x em contraste com a luz branca e azul, para observação da expressão da proteína fluorescente verde - gfpmut1. As imagens A e A1 demonstram o Bacillus original como controle, sem expressão. Em B e B1 está demonstrado o Bacillus - gfpmut1 manipulado. Escala da barra de 10 µm, para todas as imagens.

Perspectivas futuras Dessa forma, estamos trabalhando na criação de um método viável de produção e fornecimento das dsRNA que possa ser aplicado no cultivo comercial do camarão. Esse fato pode representar um incremento tecnológico para a carcinicultura relacionado com o tratamento antiviral. Para complementar nosso trabalho criamos uma parceria de pesquisa no Institut für Industrielle Genetik - Universität Stuttgart (Alemanha), onde pretendemos no próximo ano (2018) utilizar a técnica CRISPR/Cas9 (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats) para edição genômica no B. subtilis. Esse trabalho terá como propósito a deleção do gene rnc e produção de dsRNA, para ativação do mecanismo do RNAi, utilizando uma recente e inovadora técnica de biologia molecular, complementando os resultados já obtidos. Pretendemos buscar aprofundamento teórico e conhecimento no exterior para, além da produção científica nesse período, uma provável aplicação futura em pesquisas que podem ser desenvolvidas no Brasil em parceria com outras Universidades. Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos

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A e ra ç ão em A q u i cultur a:

Parte I

Luis Alejandro Vinatea Arana

Programa de Pós-Graduação em Aquicultura, Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Florianópolis – SC. luis.vinatea@ufsc.br

diferenças fundamentais enE xistem tre os ambientes aquáticos naturais

damental assim? O alimento não deveria vir primeiro, haja vista que sua ausência e de cultivo. Enquanto nos primeiros os também pode ocasionar a perda total espaços são grandes, a biodiversidade da produção? A resposta está no tempo. enorme e a biomassa condicionada por Para destacar a centralidade do oxigênio fatores naturais, nos segundos os espaços dissolvido fazemos a seguinte analogia: são muito pequenos, a biodiversidade quantos dias um ser humano pode resistir extremamente sem alimento, simplificada e a água e ar? biomassa exacerOs humanos Dentre os parâmetros bada pelo fornecisão capazes que regem a qualidade de suportar mento de alimento e o controle várias seda água em dos parâmetros manas sem aquicultura destacam-se, da qualidade comida, alde água. Dentre por ordem de importância, o guns dias os parâmetros sem água, oxigênio dissolvido, a que regem a porém, poutemperatura, o nitrogênio qualidade da água cos minutos + em aquicultus e m amoniacal (N NH 4 ), ra destacam-se, oxigênio. o gás sulfídrico (H 2 S) e a por ordem de Com os importância, o organismos matéria orgânica, oxigênio dissolvide cultivo entre outros. do, a temperatura, esta analoo nitrogênio amogia é perniacal (N-NH4+), feitamente o gás sulfídrico vá lid a: (H2S) e a matéria orgânica, entre outros. quantos dias os nossos peixes, caO oxigênio dissolvido figura em primeiro marões e moluscos podem viver sem lugar devido a que sua ausência pode alimento? Quanto tempo sem oxigênio? provocar a perda total da produção. Mas, por que o oxigênio dissolvido é tão funAQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017

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Avanços tecnológicos na aeração/oxigenação da água

Quanto maior a biomassa, maior será a demanda de oxigênio por parte da unidade de cultivo. Nos primórdios da aquicultura, quando se praticavam densidades muito baixas e os alimentos balanceados ainda não tinham sido desenvolvidos, a capacidade de carga do sistema estava determinada pela quantidade de oxigênio que o fitoplâncton era capaz de produzir durante o dia. Igualmente, o sucesso do cultivo dependia da intensidade da queda do oxigênio durante a noite, queda ocasionada pela respiração do fitoplâncton e da matéria orgânica depositada no fundo. Entretanto, com o passar dos anos, foram desenvolvidos os sistemas intensivos, independentes da fotossíntese, onde o fornecimento do oxigênio passou a ser considerado o fator sine qua non (sem o qual não pode ser). Há várias formas de se fornecer oxigênio numa unidade de cultivo. A mais simples de todas, ainda

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praticada nos cultivos de baixa densidade, é a troca de água. Por sua vez, o método mais sofisticado consiste na aplicação de oxigênio líquido ou em alta pressão. No primeiro caso (oxigênio líquido) irão se precisar de equipamentos complementares tais como tanques criogênicos de estocagem (o oxigênio líquido ferve a -182,96 oC), colunas de gasificação e cones de saturação antes de difundir o oxigênio na coluna de água. No segundo caso (oxigênio em alta pressão), o oxigênio concentrado é diretamente aplicado na água por meio de pedras de aeração. O uso de oxigênio líquido ou de alta pressão é comum em cultivos com bioflocos microbianos (BFT) e em sistemas de recirculação (RAS). Se a troca de água é o método mais simples, e a aplicação de oxigênio puro o mais sofisticado, o mais estendido é, sem dúvida alguma, a aeração mecânica.

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Aeração e saturação do oxigênio dissolvido

A aeração mecânica define-se como a transferência do oxigênio atmosférico para a coluna de água através da interface líquido-ar potencializada pelo aumento da turbulência na superfície. É bom destacar que, ao contrário do que acontece com a fotossíntese e o uso de oxigênio puro, a aeração mecânica nunca será capaz de supersaturar a água de oxigênio. Na maioria dos casos, os aeradores mecânicos são ligados à noite para garantir que a saturação não caia abaixo de 50%, garantindo assim o bom desempenho dos animais que estão sendo cultivados. Por exemplo, se de acordo com a temperatura e a salinidade da água temos 7 mg SOTR e SAE: mais do que siglas, importantes conceitos!

Nos viveiros onde são usados aeradores mecânicos, o número de aparelhos está determinado por duas grandezas: a demanda total de oxigênio (DTO) e a eficiência do aerador. A DTO vem a ser a somatória da respiração da água, do fundo e dos animais. A eficiência dos aeradores consiste na quantidade de quilogramas de oxigênio que os aparelhos são capazes de transferir numa hora de funcionamento (kg O2/h), também conhecido como SOTR (Standard Oxygen Transference Rate). Dividindo o SOTR pelo consumo de energia obtemos o SAE (Standard Aerator Efficiency), o qual é expresso em termos de kg O2/kwh. A partir do preço de cada kwh de energia elétrica é possível calcular o custo de cada quilograma de oxigênio dividindo o preço desta energia pelo SAE do aerador. Por exemplo, se o preço do kwh de energia for de R$ 0,20 e o SAE 2,3 kg/kwh, o custo do kg de O2 seria R$ 0,086. Entretanto, se o SAE for menor (aerador de baixa

de O2/L, o 50% de saturação seria 3,5 mg/L, concentração que deve ser mantida como mínimo, sob risco de submeter os animais a longos períodos de estresse, com a consequente perda de crescimento e o aumento da conversão alimentar. É verdade que os organismos são perfeitamente capazes de suportar concentrações de oxigênio muito baixas (1 a 2 mg/L); mas, também é verdade que nestas concentrações os indivíduos sofrem uma queda dramática da sua capacidade imunológica, o que pode provocar a aparição de doenças infecciosas e, inclusive, epizootias em larga escala. É verdade que os organismos são perfeitamente capazes de suportar concentrações de oxigênio muito baixas (1 a 2 mg/L); mas, também é verdade que nestas concentrações os indivíduos sofrem uma queda dramática da sua capacidade imunológica, o que pode provocar a aparição de doenças infecciosas e, inclusive, epizootias em larga escala. eficiência), automaticamente o custo do kg de O2 será maior (calcule você mesmo o custo do quilograma de oxigênio considerando R$ 0,20 por kwh e um SAE de 1,2 kg/kwh). Na seguinte tabela pode ser constatado o número de aeradores por hectare e o custo do kg de O2 de vários aeradores em função do SAE.

Tabela 1. Número de aparelhos e de HP por hectare para cinco tipos de aeradores considerando uma salinidade de 35 ‰, uma demanda total de oxigênio de 12,5 kg/h e um preço do kwh de R$ 0,20.

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Conforme pode ser observado, os aeradores mais eficientes são o "E" e o "B", por possuírem o menor custo por quilograma de oxigênio transferido. É importante destacar que a quantidade de HP por hectare não representa adequadamente a capacidade instalada da aeração, pois a mesma depende diretamente do SAE do aparelho. Como regra, pode-se afirmar que quanto maior for o SAE, maior será a eficiência energética do aparelho e, por tanto, menor a conta de luz no final de mês, conforme pode ser verificado na Tabela 2.

Como regra, pode-se afirmar que quanto maior for o SAE, maior será a eficiência energética do aparelho e, por tanto, menor a conta de luz no final de mês.

Tipos de aeradores, salinidade e eficiência

O mercado dispõe de marcas de aeradores para todos os gostos e necessidades. Entretanto, os aeradores podem ser classificados em dois tipos: os que injetam ar na água e os que lançam água no ar. No primeiro tipo encontramos os sopradores acoplados a difusores, os injetores de ar tipo Venturi e as turbinas injetoras (propeller-aspirator-pump). No segundo tipo temos os aeradores de pás (paddle-weels) e os circuladores verticais (chafariz). Por causa da pressão hidrostática, que dificulta a difusão do oxigênio para dentro da água, os aeradores que injetam ar na água são ligeiramente menos eficientes daqueles que lançam água no ar. Entretanto isto não significa que os aeradores do primeiro tipo não devam ser usados. Estes aeradores são altamente recomendáveis em viveiros que possuem profundidades superiores a

Figura 1. Aerador circulador vertical (chafariz).

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dois metros, e quando se pretende provocar uma circulação tangencial no fundo do viveiro a fim de concentrar sedimentos num ponto específico (em viveiros revestidos com geomembrana). É conhecido também que os aeradores, independentemente de como transferem oxigênio na água, são mais eficientes em agua salgada do que em água doce, alcançando a sua máxima eficiência em 30 ‰ (Tabela 2). Isto tem explicação na tensão superficial, a qual é mais elevada quanto mais alta for a salinidade, fazendo com que as gotas de água ou borbulhas de ar sejam muito pequenas, dando como resultado uma área de intercâmbio gasoso consideravelmente maior. Não é de se estranhar que os cultivos realizados em água doce demandem mais aeradores do que os cultivos praticados em água salgada.

Figura 2. Aerador tipo “turbina injetora”.

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Tabela 2. SOTR e SAE de um aerador hipotético de 2 HP (1,48 kw) operando em diferentes salinidades (5 a 50 ‰), custo do kg de O2, número de aeradores por hectare e preço da energia elétrica por hectare/mês de um viveiro com demanda total de oxigênio de 12,5 kg/h, considerando 8 horas de funcionamento por noite e um preço de R$ 0,20 do kwh de energia elétrica.

A pressão atmosférica também possui a capacidade de afetar a eficiência dos aeradores. No nível do mar, com uma pressão de 760 mmHg (101,3 kPa), os aeradores terão seu máximo desempenho devido à maior solubilidade do oxigênio atmosférico. A medida que altitude aumenta, a solubilidade do oxigênio diminui e os aeradores se tornam menos eficientes. Em testes realizados a 2.000 m.s.n.m, com pressões de aproximadamente 598 mmHg (79,7 kPa), foi observado que os aeradores perdem quase 50% da sua eficiência quando comparados com testes realizados em nível do mar. Conclusões

Em resumo, o critério que deve nortear a escolha de um aerador, seja este de superfície ou de injeção, é o SAE (kg O2/kwh). Quanto maior o SAE, menor será o número de aeradores por hectare e, consequentemente, menor o gasto com energia elétrica. O melhor cenário para tirar o máximo proveito de um aerador seria no nível do mar e com salinidades entre 25 a 35 ‰. Já que o fitoplâncton e a matéria orgânica depositada no fundo são responsáveis por mais de 90% da demanda total de oxigênio durante a noite, e já que quanto mais alta for a respiração maior será o número de aeradores, transparências de agua entre 30 e 40 cm, assim como o uso de rações com alta digestibilidade, podem resultar numa economia de energia elétrica significativa.

Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017

Figura 3. Aerador de pás. ARTIGO

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© João Costa Filho

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Existem vírus benéficos? Juliana Gabriela Silva de Lima Estudante de doutorado Programa de PG em Bioquímica - UFRN Lab. de Biologia Mol. Aplicada LAPLIC/UFRN

Daniel Carlos Ferreira Lanza Professor Adjunto Departamento de Bioquímica – UFRN Lab. de Biologia Mol. Aplicada – LAPLIC/UFRN www.laplic.com.br danielclanza@gmail.com

Em cada mililitro da água superficial do oceano temos de 3,7 × 105 a 6,4 x 107 partículas virais (Wigington et al, 2016). Esses vírus têm sido associados à manutenção de processos importantes, incluindo a manutenção e geração da diversidade microbiana e das comunidades marinhas, sendo determinantes para os ciclos biogeoquímicos. Existe um grande número de espécies virais que não causa a morte de seus hospedeiros no ambiente natural, em muitos casos nem mesmo os sintomas da infecção são observados. Isso faz sentido levando-se em consideração que no ambiente natural dois hospedeiros não entram em contato direto com muita frequência. Nesse caso, quanto mais tempo um hospedeiro infectado sobreviver maior a possibilidade de encontrar outros e de transmitir o vírus, favorecendo a seleção de variantes virais que não causam a morte do hospedeiro.

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Figura 1. Em ambientes com menor densidade populacional (A) o contato direto entre os camarões é minimizado, e os camarões sadios nem sempre entram em contato com os camarões que morreram em detrimento de uma infecção viral. No ambiente de cultivo (B), onde os camarões estão estocados em maior densidade, a transmissão dos vírus em decorrência do canibalismo predomina, favorecendo a seleção de variantes virais que causam a morte rápida do hospedeiro. Em preto estão representados os camarões não infectados e em vermelho os mortos em decorrência de uma infecção, as linhas pontilhadas representam a área de dispersão viral.

Transmissibilidade e infecções virais No contexto do exemplo anterior, a hipó- ambientes. Quanto mais variantes existirem maior a tese mais plausível é que a capacidade de uma espécie possibilidade de que uma dessas variantes se adapte a de vírus prosperar no ambiente seja determinada pela um novo ambiente. sua transmissibilidade. Em outras palavras, os vírus As relações entre as diferentes espécies de vírus evoluem de forma a serem em um mesmo hospedeiro aintransmitidos mais eficienda são um tanto obscuras, mas Existe um grande temente para outros hosao que parece essas co-infecções número de espécies pedeiros. regulam a dinâmica da replivirais que não Outro poncação viral, podendo favorecer to curioso é o fato de que a sobrevivência do hospedeiro e causa a morte de seus dificilmente uma única a existência dos próprios vírus. espécie de vírus estará pre- hospedeiros no ambiente natural, Existe um número significativo sente em um hospedeiro em muitos casos nem mesmo os de trabalhos com vírus que inno ambiente natural. O fectam humanos e animais de sintomas da infecção são que geralmente ocorre são criação que demonstraram que observados. infecções múltiplas, onde infecções virais primárias interdiferentes populações de ferem impedindo ou diminuinvírus habitam um mesmo do a superinfecção causada por hospedeiro, sendo essas populações virais compostas um vírus secundário semelhante (Deterding et al., 2006; por diferentes espécies e/ou por variantes de uma mes- King et al., 2006, Awad et al, 2015). ma espécie. A variabilidade genética de uma espécie é fundamental para a dispersão do vírus em diferentes

Figura 2. Se os indivíduos no ambiente apresentam elevada carga viral existe a maior probabilidade do surgimento de variantes virais que se adaptem bem a novos ambientes favorecendo a dispersão do vírus.

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Interferência viral

© João Costa Filho

O fenômeno de interferência viral também acontece em vírus que infectam camarões. Uma das relações mais bem estudadas é a interferência que ocorre entre o Penaeus stylirostris densovirus - PstDNV (mais conhecido como infectious hypodermal and haematopoietic necrosis virus - IHHNV) e o white spot syndrome vírus - WSSV, esse último o causador da síndrome da mancha branca em camarões. Alguns trabalhos científicos têm demonstrado que uma pré-exposição ao PstDNV atenua o surgimento dos sintomas causados por uma infecção subsequente pelo WSSV em diferentes espécies de camarão (Tang et al, 2003; Bonnichon et al, 2006; Melena et al, 2006). No caso do WSSV, a interferência pode ocorrer até entre variantes da mesma espécie. Um estudo realizado por pesquisadores holandeses em 2005 demonstrou que um isolado do WSSV do ano de 1996 apresentava menor virulência que um isolado de 2001, e que isso poderia ser uma consequência da diferença de tamanho entre os genomas dos dois vírus. O vírus com o genoma menor se replicariam com maior facilidade (Marks et al, 2005). Esse e outros estudos levantaram a necessidade de se entender melhor sobre a variabilidade genética do WSSV, na expectativa de estabelecer uma relação entre o genótipo do vírus e as características de virulência. Atualmente já se sabe que existem variantes genotípicas do WSSV que podem ser identificadas por alguns marcadores moleculares. A determinação dessas variações já é utilizada em estudos epidemiológicos e permite rastrear a origem geográfica das variantes virais, mas ainda não existe uma relação clara entre os diferentes genótipos e a virulência.

Conclusões O que podemos concluir até aqui é que se a carga viral se mantém alta em um ambiente a dispersão dos vírus A baixa carga viral nos é favorecida, pois aumenta a probabilidade de surgirem varianimais (<10 3 antes virais diferentes que se adaptem aos novos ambientes. partículas virais) Uma vez que a presença do vírus foi detectada no ambiente, elimina-lo totalmente é quase impossível, principalmente diminui a possibilidade de considerando que WSSV é capaz de infectar pelo menos 20 dispersão para novos hospedeiros diferentes (Maeda et al, 2000; Hameed et al, 2003, Zhang et al, 2008, Haryadi et al, 2015). Uma vez detectado ambientes e de surtos o WSSV em uma região, a melhor alternativa poderia ser o agressivos da doença. desenvolvimento de práticas de manejo que favorecessem a seleção de variantes virais menos virulentas. Em algum nível isso já é feito, por exemplo, quando a densidade dos cultivos é reduzida. De fato, a manutenção das boas práticas de manejo (qualidade das PL’s, berçários, tratamento de água, equilíbrio iônico, calagem e fertilização, controle da alimentação, qualidade da ração etc..) é um fator preponderante no sucesso da produção, pois de uma forma geral esses procedimentos estabilizam o ambiente, favorecendo o sistema de defesa do camarão e a manutenção da carga viral baixa no sistema. A baixa carga viral nos animais (<103 partículas virais) diminui a possibilidade de dispersão para novos ambientes e de surtos agressivos da doença. Já sabemos que nem sempre os animais positivos para WSSV desenvolvem sintomas da doença, o nosso desafio agora é entender se entre os fatores que mediam esse fenômeno existe de algum tipo de “interferência benéfica”. A equipe do LAPLIC está trabalhando para isso. Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos

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© lib.noaa.gov

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EFEITO DA SALINIDADE DA ÁGUA NA QUALIDADE FÍSICO-QUÍMICA E SENSORIAL DA CARNE DO BEIJUPIRÁ, Rachycentron canadum (LINNAEUS, 1766).

Prof. Dr. Alex Augusto Gonçalves

Prof. Dr. Felipe de Azevedo Silva Ribeiro

Alexandre Firmino Diógenes

Chefe do Laboratório de Tecnologia e Controle de Qualidade do Pescado (LAPESC) Centro de Ciências Agrárias (CCA) Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) Mossoró, RN, Brasil alaugo@gmail.com

Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA) Mossoró, RN, Brasil felipe@ufersa.edu.br

Engenheiro de Pesca (UFERSA), Mestre em Aquicultura (CAUNESP) Doutorando na Faculdade de Ciências, Centro de Investigação Marinha e Ambiental Universidade do Porto (FCUP), Porto, Portugal. alexandre_diogenes@hotmail.com

O beijupirá, Rachycentron canadum (Linnaeus, 1766), apresenta-se como uma espécie promissora para a aquicultura devido à sua rápida taxa de crescimento e carne de alta qualidade. Esta espécie vem sendo cultivada em várias partes do mundo, sendo que em Taiwan (China) são cultivados comercialmente em tanques-rede em mar aberto. Entretanto, os elevados investimentos necessários para o cultivo do beijupirá em tanques-rede inviabilizam essa atividade para o pequeno pescador e para o cultivo familiar no Brasil limitando-a aos grandes investidores. Portanto, o cultivo da espécie em viveiros escavados pode ser uma alternativa a esses produtores. Apesar de viver em ambiente marinho, esta espécie apresenta a característica de ser eurihalina. Alguns trabalhos tem indicado a possibilidade de produção sem redução no desempenho em salinidades tão baixas quanto 15 g L-1. Esses mesmos estudos sugerem que salinidades abaixo deste limite estariam fora do limite de regulação

osmótica para a espécie, mas com uma alimentação mais adequada seria possível manter a espécie em salinidades em torno de 5 g L-1. Isso possibilitaria a produção comercial da espécie em viveiros escavados com águas interiores de baixas salinidades. Além de parâmetros zootécnicos, a salinidade da água de produção pode influenciar outras características como a qualidade da carne do animal produzido. Entre eles o acúmulo de gordura no animal e o consumo de energia se destacam. O consumo de energia está relacionado com a osmorregulação animal, a salinidade pode desempenhar um papel direto no crescimento dos peixes, afetando as taxas de consumo ou a capacidade de digerir e utilizar alimentos de forma mais eficiente. Essas características podem influenciar diretamente a qualidade do produto final. Entretanto, até o presente nenhum estudo avaliou o efeito de diferentes salinidades na qualidade físico-química e sensorial da carne do beijupirá.

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MATERIAIS E MÉTODOS Para determinar o efeito da salinidade da água de cultivo sobre os atributos da qualidade da carne do beijupirá foi realizado um cultivo experimental da espécie no Setor de Aquicultura da Universidade Federal Rural do Semiárido (UFERSA), Mossoró, RN. Os juvenis de beijupirás (Figura 1) foram adquiridos da Fazenda Aratuá (Camanor Produtos Marinhos Ltda., Guamaré, RN) e transportados em caixas térmicas, do tipo Transfish (Bernauer Aquacultura Ltda., Indaial, SC), de Guamaré até Mossoró. Após a aclimatação em tanque de alvenaria na salinidade 35 g L-1 por cinco dias, os peixes foram estocados nas unidades experimentais de cultivo. Foram utilizadas 24 caixas plásticas, circulares, com tampa e capacidade de 1 m3, dotadas de aeração com pedras porosas e filtro biológico. O Setor de Aquicultura dispõe de um poço artesiano com salinidade média de 4 g L-1. Para obtenção de águas com diferentes salinidades, água hipersalina (100 g L-1) proveniente de uma salina da região foi misturada à água do poço em diferentes proporções. O experimento teve a duração de 60 dias. Cada unidade experimental, com água na mesma salinidade do tanque de alvenaria, foi povoada com seis animais. Ao longo de 20 dias, houve uma alteração gradativa da salinidade dos tanques de cultivo, se adicionando água do poço artesiano (salinidade 4 g L-1) até obtenção das salinidades experimentais desejadas. O experimento contou com cinco tratamentos correspondentes às salinidades de 4 (água do poço), 7, 15, 25 e 35 g L-1. Para cada tratamento, foram usadas quatro repetições, totalizando 24 unidades experimentais. O manejo alimentar diário consistiu de duas alimentações, até a aparente saciedade, com uma dieta seca comercial para peixes marinhos contendo 48% de proteína bruta e 12% de lipídios (Nutrilis Marine, InVivo Nutrição e Saúde Animal Ltda., São Lourenço da Mata, Pernambuco). Semanalmente os tanques de cultivo foram sifonados para retirada de resíduos acumulados no fundo e 50% da água foi reposta com água na mesma salinidade. As variáveis físico-químicas da água (oxigênio dissolvido, temperatura, pH, turbidez, nitrogênio amoniacal [N-NH3, N-NH4] e salinidade) foram verificadas diariamente nos dois turnos da alimentação. Com exceção da salinidade, os demais parâmetros de qualidade de água se mantiveram dentro das amplitudes adequadas para o desenvolvimento da espécie. Após a despesca amostras dos músculos do beijupirá foram coletadas. Os peixes foram capturados com uma tarrafa, anestesiados com benzocaína a 50 mg L-1,

pesados e medidos. Os animais foram eviscerados, descabeçados, embalados a vácuo e congelados em freezer a -18°C até o momento das análises de composição físico-química realizadas no Laboratório de Bioquímica da UFERSA. Parte do músculo dos filés dos peixes foi coletada aleatoriamente, totalizando quatro amostras por tratamento. Foram determinados o pH, o percentual de umidade, proteína bruta, extrato etéreo e cinzas de acordo com metodologia oficial (AOAC, 2011). Para a análise sensorial, foi utilizado o teste da comparação múltipla ou teste de diferença do controle, para verificar a existência de diferença significativa (P < 0,05) entre as amostras e o padrão (controle, amostra de músculo do beijupirá cultivado na salinidade 35 g L-1) e estimar a amplitude dessa diferença. Juvenis de beijupirá das cinco salinidades de cultivo foram eviscerados, cortados em posta e lavados com água mineral, armazenados em isopor com bastante gelo em escamas. Posteriormente, as amostras foram grelhadas em grill elétrico, e servidas em pratos descartáveis a avaliadores não treinados para análise sensorial. Na análise sensorial, cada um dos 32 avaliadores recebeu uma amostra controle (identificada com a letra “C”) e as demais amostras (identificadas por códigos contendo três dígitos, incluindo uma amostra controle). O avaliador primeiramente recebeu a amostra controle, e depois comparou o sabor com as outras amostras. A avaliação foi acompanhada com o auxílio de uma cartilha, na qual apresentava uma escala com variação de 1 (extremamente melhor que o controle) a 9 (extremamente pior que o controle), nomeada de “Comparação Múltipla”. Paralelamente, os avaliadores (não treinados) responderam também a escala hedônica que constava de uma escala que variou de 1 (desgostei extremamente) a 9 (gostei extremamente). Este tipo de teste permitiu apurar a satisfação do consumidor com o produto testado. As notas obtidas foram mensuradas, resultando no percentual de preferência em função dos números dos avaliadores. O índice de aceitabilidade (IA) foi calculado considerando como 100% o máximo de pontuação alcançada pelas diferentes formulações testadas na pesquisa. O critério de decisão para este índice ser considerado aceitável é de no mínimo 70%. Portanto, para este cálculo, adotou-se a seguinte expressão matemática: IA (%) = (nota média obtida para o produto ÷ nota máxima dada ao produto) x 100.

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Figura 1. Juvenil de beijupirá, Rachycentron canadum, utilizado no experimento de salinidade.

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RESULTADOS As análises físico-químicas demonstraram que o filé do beijupirá apresenta em média 74,9 ± 0,87% de umidade e que os valores não diferem significativamente entre as salinidades de cultivo avaliadas (P > 0,05; Tabela 1). A água foi o componente em maior concentração encontrada nos filés de beijupirá. Segundo Gonçalves e Menegassi (2011) o músculo do pescado pode conter de 60 a 85% de umidade, constatando uma normalidade nos valores encontrados na espécie estudada. Valores dentro dessa normalidade também foram encontrados por Yeannes e Almandos (2003). Apesar da salinidade de cultivo não ter interferido na umidade da carne do beijupirá, outros fatores podem ser influentes, como as estações do ano. Luzia et al. (2003) obtiveram teores de umidade para a sardinha de 73,92% durante o verão e 72,05% no inverno e, para a corvina, 79,27% durante o verão e 77,80% no inverno, estando esses valores dentro da faixa referida para espécies marinhas. O teor de água no músculo do peixe cultivado tende a ser menor do que os de vida livre (Saeki e Kumagai, 1984) e parece refletir o seu melhor estado nutricional. Möhr (1986) também citou que a composição química varia bastante dependendo da origem do peixe. A matéria mineral média encontrada no músculo de beijupirá não diferiu significativamente (P > 0,05) entre as salinidades avaliadas. As amostras analisadas estiveram dentro da faixa de 1,0% a 2,0% de cinzas, que de acordo com Gonçalves e Menegassi (2011) está dentro do padrão do teor de cinzas para peixes marinhos. Resultados semelhantes também foram encontrados por Luzia et al. (2003). Os resultados de matéria mineral sugerem que em todos os tratamentos, a quantidade de elementos minerais no ambiente de cultivo, associada com aque-

les fornecidos por meio da ração comercial, pode-se assimilar à quantidade de material mineral encontrado no ambiente natural. Isso se deve à capacidade do peixe em adquirir esses compostos do ambiente e da alimentação. Esses minerais são componentes importantes da carne do peixe pelo seu valor nutritivo e por contribuir no sabor. Em todas as salinidades testadas, o teor de lipídio do músculo de beijupirá apresentou igualdade em todos os testes (P > 0,05). As concentrações de lipídios encontrados nos peixes podem variar bastante, podendo ser de 0,6 a 36% (Gonçalves e Menegassi, 2011). Essa variação pode ser decorrente do tipo de músculo corporal em uma mesma espécie, sexo, idade, época do ano, habitat e dieta entre outros fatores. Diferente dos valores de umidade, cinzas e lipídios, os teores de proteínas presentes no filé do beijupirá apresentaram resultados crescentes com aumento da salinidade da água (P < 0,05). De acordo com Gonçalves e Menegassi (2011) o valor de proteína de um peixe marinho é de aproximadamente 20%. No presente trabalho, foi encontrado um teor de proteína mais baixo (20,19%) na salinidade 4 g L-1, diferindo-o dos demais tratamentos. O teor de proteína total da carne de peixes cultivados e de vida livre é semelhante (Haard, 1992). No peixe Plecoglossus altivelis, o teor de proteína do músculo diminui um pouco do verão ao outono, sem diferenças significativas entre os peixes cultivados e silvestres (Hirano et al., 1980). O pH muscular variou de 6,27 (salinidade de 25 g L-1) a 6,49 (salinidade de 35 g L-1), apresentando diferenças significativas (P < 0,05). Apesar de ter havido diferenças entre as salinidades 7 e 25 g L-1 (P < 0,05) e as salinidades 7 e 35 g L-1 (P < 0,05), percebe-se que há pouca variação entre os resultados. O pH é um componente de fundamental importância, pois o mes-

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mo interfere na textura da carne do pescado. Os resultados da análise sensorial demonstraram que segundo os provadores, a salinidade de 7 g L-1 difere da salinidade de 35 g L-1 (amostra padrão), porém não há diferenças entre as salinidades 15 e 25 g L-1 com a salinidade de 35 g L-1 (P > 0,05). Esse teste nos leva a concluir que há resposta nos peixes cultivados em diferentes salinidades, pois os mesmos diferem quanto ao sabor quando comparado à amostra cultivada na salinidade ideal (35 g L-1). Nesse teste, não foi possível comparar a salinidade de 4 g L-1, pois o mesmo apresentava poucas amostras. Quanto aos resultados referentes à escala hedônica (Tabela 2), a maioria dos provadores optaram por “Desgostei ligeiramente” para as amostras correspondentes às salinidades de 4 e 7 g L-1 representados por 38 e 22% dos provadores, respectivamente. Já as amostras de peixes cultivados na salinidade de 15 g L-1 apresentaram os melhores resultados, com 28% dos julgadores optando por “Gostei regulamente”. As salinidades de 25 e 35 g L-1 foram classificadas como “Indiferentes” por 19 e 25%

dos julgadores, respectivamente. É possível ressaltar a preferência dos julgadores quanto a salinidade de 15 g L-1, pois contabilizando todas as notas de 6 (Gostei ligeiramente) à 9 (Gostei muitíssimo) verifica-se que essa salinidade representa 69% de aceitação dos consumidores, enquanto a salinidade de 4 g L-1 apresenta apenas 19%. O tratamento que resultou no melhor Índice de Aceitabilidade (IA) foi o da salinidade de 15 g L-1, esta obteve o IA superior a 70% (Tabela 3). Logo abaixo desse índice seguem as salinidades de 25 e 35 g L-1, que apresentaram o Índice de Aceitabilidade na média dos 60%, e as salinidades de 4 e 7 g/L, com IA em torno dos 50%. Analisando todos os resultados das análises sensoriais, pode-se verificar que os valores seguiram o mesmo padrão de resposta. Isto sugere que o beijupirá cultivado na salinidade de 15 g L-1 apresenta melhores resultados de aceitação pelo consumidor, mesmo não diferindo, quanto à preferência, das salinidades de 25 e 35 g L-1.

Tabela 1. Composição centesimal e pH do filé do beijupirá cultivado em diferentes salinidades de água. Os valores de umidade, cinzas, lipídios e proteínas são expressos em porcentagem na base seca (BS) e na base natural (BU). TRATAMENTOS S‰ 04 S‰ 07 S‰ 15 S‰ 25 S‰ 35

BS BU BS BU BS BU BS BU BS BU

Umidade 74,97±0,10ª 74,10±1,21ª 74,67±1,34ª 75,08±0,65ª 75,71±0,30a -

PARÂMETROS AVALIADOS Cinzas Lipídio total Proteína Bruta 5,97±0,11 8,75±0,86 80,56±0,61 1,49±0,03ª 2,26±0,14ª 20,19±0,14ª 5,49±0,18 8,67±1,06 81,34±0,63 1,42±0,05ª 2,25±0,28ª 21,07±0,16b 5,56±0,48 8,36±1,10 82,83±1,09 1,41±0,12ª 2,12±0,28ª 20,98±0,28 b 5,73±0,02 11,48±0,73 85,57±0,55 1,43±0,004ª 2,86±0,18ª 21,32±0,14 b 5,82±0,11 11,39±0,93 85,93±0,09 1,45±0,03ª 2,84±0,23ª 21,42±0,02 b

BS: Base seca; BU: Base úmida. Letras diferentes na mesma coluna indicam diferença significativa (p>0,05).

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pH 6,39±0,04ª 6,40±0,02ac 6,38±0,03a 6,27±0,03ab 6,49±0,04ab -


Tabela 2. Resultado da escala hedônica em resposta ao beijupirá cultivado em diferentes gradientes de salinidade da água de cultivo. Os valores são correspondentes ao número de provadores seguido por sua porcentagem.

Escala Hedônica 1. Desgostei Muitíssimo 2. Desgostei Muito 3. Desgostei Regularmente 4. Desgostei Ligeiramente 5. Indiferente 6. Gostei Ligeiramente 7. Gostei Regularmente 8. Gostei Muito 9. Gostei Muitíssimo

4 3 (19%) 2 (13%) 6 (38%) 2 (13%) 1 (6%) 2 (13%) -

Salinidades (g L-1) 7 15 25 3 (9%) 1 (3%) 4 (13%) 2 (6%) 1 (3%) 1 (3%) 4 (13%) 1 (3%) 5 (16%) 7 (22%) 3 (9%) 4 (13%) 3 (9%) 4 (13%) 6 (19%) 4 (13%) 5 (16%) 6 (19%) 6 (19%) 9 (28%) 3 (9%) 2 (6%) 8 (25%) 3 (9%) 1 (3%) -

35 1 (3%) 1 (3%) 3 (9%) 3 (9%) 8 (25%) 5 (16%) 6 (19%) 2 (6%) 3 (9%)

Tabela 3. Índice de Aceitabilidade (IA). Letras minúsculas diferem os tratamentos.

Salinidade (g L-1) 4 7 15 25 35

MÉDIA ± DP 4,12 ± 1,59b 4,78 ± 2,19ab 6,09 ± 1,86a 5,63 ± 2,11ab 5,59 ± 2,00ab

Índice de Aceitabilidade 58,93 53,13 76,17 62,50 62,15

CONCLUSÃO

Através do presente estudo foi possível concluir que a salinidade da água de 4 g L-1 interferiu na qualidade físico-química de beijupirás cultivados. Os beijupirás cultivados nas salinidades 15, 25 e 35 g L-1 apresentaram aceitação dos consumidores. No entanto, a salinidade de 15 g L-1 no cultivo do beijupirá proporcionou maior preferência pelos provadores. Devido à comprovação da eurihalinidade da espécie, da manutenção da composição físico-química e aceitação do consumidor, conclui-se que beijupirás podem ser cultivados em salinidades de 15, 25 e 35 g L-1 sem perda de qualidade.

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A gradecimentos Este trabalho foi desenvolvido no âmbito da Sub-Rede de Pesquisa Científica e Tecnológica “Nutrição, Sanidade e Valor do Beijupirá, Rachycentron canadum, Cultivado no Nordeste do Brasil” (Sub-Rede Beijupirá-Nutrição-Sanidade-Valor-NE), apoiado com recursos aprovados no Edital 036/2009 – Chamada 2, MCT/CNPq/ CT-AGRONEGÓCIO/MPA, Processo CNPq No. 559527/2009-8. Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/artigos

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A Arrttiiggooss

pa pAr raA c cu ur rttiir r ee c co om mpa pAr rttiillh haAr r

M manejo Anejo de de reprodutores reprodutores e

controle da reprodução de peixes marinhos da costa brasileira

O que falta para alavancar a piscicultura marinha no Brasil? Um dos gargalos, sem dúvidas, é a carência de informações acerca das etapas do processo produtivo de nossas principais espécies, em especial, no que tange a produção de formas jovens. Neste contexto, o artigo “Manejo de reprodutores e controle da reprodução de peixes marinhos da costa brasileira”, publicado recentemente na Revista Brasileira de Reprodução Animal (v. 41, p. 94-102, 2017), reúne um conjunto de relevantes informações sobre o conhecimento acumulado no Brasil nas últimas décadas, com destaque para cinco espécies: sardinha, tainha, robalo, garoupa e bijupirá. O trabalho é de autoria de renomados pesquisadores brasileiros, como o Dr. Vinícius Ronzani Cerqueira, professor titular da UFSC e especialista em piscicultura marinha, além de outros importantes pesquisadores nacionais e internacionais.

© Giovanni Lemos de Mello

Destaques: • Para a maioria das espécies são empregadas terapias hormonais para obtenção da desova, destacando-se o uso de análogo do LH-RH; • As cinco espécies têm elevada fecundidade, mas ovos e larvas são pequenos e frágeis, tornando a larvicultura um processo ainda custoso devido aos baixos índices de sobrevivência; • Apesar da necessidade de mais estudos, já se encontram à disposição do setor produtivo tecnologias que permitem a produção em escala comercial de diversos peixes marinhos nativos.

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M eta bo lismo das mi croa lgas Dr. Rober to Bia nchini Derner - rober to.derner@ufsc.br

Laboratório de Cultivo de Algas, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC.

dos demais organismos cultivados em D iferente aquicultura, o crescimento das microalgas é

medido, em geral, pelo número de células (densidade celular), assim, a unidade é a cultura – uma população contendo milhares e até milhões de células por mililitro. Mesmo podendo apresentar diferentes mecanismos reprodutivos (sexuado e assexuado), as microalgas quando em cultivo são induzidas a se reproduzirem por sucessivas divisões mitóticas (divisão binária ou múltipla), e assim a cultura cresce em número de células e biomassa.

laboratórios as culturas merecem muita atenção, visando alcançar elevada produtividade e a qualidade necessária (valor nutricional, por exemplo).

Reconhecidamente, as condições de cultivo, incluindo o meio de cultura, a iluminação e a temperatura, por exemplo, são fundamentais para que seja alcançada elevada densidade celular, bem como, para que a composição bioquímica da biomassa apresente os teores adequados de nutrientes que atendam às necessidades dos organismos que serão alimentados. Indiscutivelmente, a luz é o No ambiente natural, assim como nos cul- fator mais impactante nos cultivos autotróficos de tivos, o crescimento de uma população microalgal microalgas – cabe esclarecer que diversas espécies é resultado da inapresentam também o teração entre fametabolismo heterotores biológicos, trófico, mas poucos físicos e químicos. microalgicultores (terOs fatores biológimo inexistente no dicos estão relaciocionário) têm conhecinados às próprias mentos práticos sobre o taxas metabólicas desenvolvimento deste das espécies de tipo de cultivo. microalgas, bem como com a pos Em segundo lugar de sível influência de importância podemos outros organismos apontar a oferta de car(competidores ou bono (usualmente na predadores) sobre forma de CO2), uma vez o desenvolvimento que o percentual deste desta população. Figura 1. Fatores que influenciam o crescimento das microalgas. gás (nutriente para orQuanto aos fatores ganismos fotossintetifísicos, são conhezantes) na atmosfera cidos os efeitos da luz e da temperatura, enquanto (0,036%) não é suficiente para atender e permitir que os nutrientes (concentração e fórmula química) o rápido crescimento das microalgas nas culturas. e o pH podem ser considerados os principais fatores Assim, a injeção de CO2 nas culturas, além de auquímicos. Nos ambientes naturais quase nada pode mentar sua disponibilidade, também auxilia na ser feito visando alterar o crescimento das microal- manutenção (redução) do pH do meio, facilitando gas, ou seja, estas se desenvolvem sob influência dos a vida daquelas microalgas que têm afinidade por parâmetros ambientais naturais. Entretanto, nos valores entre 7,0 e 8,5.

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BIOTECNOLOGIA DE ALGAS

© Roberto Bianchini Derner

Na sequência poderíamos dizer que o nitrogênio é também muito importante para as microalgas, tanto em relação à concentração, quanto em relação à forma nitrogenada (nitrato, amônia etc.). Além do crescimento, este elemento é considerado aquele que causa maiores alterações na composição bioquímica da biomassa e, quando manejado adequadamente pode levar à potencialização do valor nutricional da biomassa de microalgas para uso na alimentação de larvas de camarões, de moluscos e de organismos forrageiros como rotíferos, artêmia, copépodes e Cladocera, comumente empregados na alimentação de larvas de peixes. Muitos outros fatores ambientais e aspectos devem ser considerados para o cultivo de microalgas, assim, este assunto será continuado nas próximas edições desta coluna. Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/colunas

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G r e e n Te c h n o l o g i e s As proteínas de origem animal na Aquaponia Dr. Maurício Gustavo Coelho Emerenciano - UDESC, Laguna, SC mauricioemerenciano@hotmail.com

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produção mais sustentável de alimentos “literalmente” esta cada vez mais na “boca do povo” e na mira dos investidores! Tanto em feiras, como nos supermercados ou em lojas especializadas, os alimen© Herman Merino tos ditos “mais ecológicos” vem ganhando espaço e a cada dia estão mais presentes no nosso cotidiano. A variedade é imensa: de uma hortaliça a uma fruta, de uma barra de cereal a um delicioso pote de geleia ou mel. No entanto, nos últimos anos as carnes também vem ganhando espaço. O leque só aumenta, fruto da grande demanda. Mas, e os peixes? Neste sentido a coluna “Green Technologies” desta edição destaca as principais espécies de organismos aquáticos produzidos na aquaponia e que geram proteína de origem animal da mais alta qualidade e de maneira muito ecológica.

e em menor escala, as carpas, bagres e peixes ornamentais também são produzidos nos sistemas aquapônicos.

São várias as espécies que apresentam potencial para a produção em sistemas aquapônicos, destaque especial para os de água doce como Figura 1. Ecoturismo com produção sustentável de alimentos: cultivo aquapônico de hortaliças as tilápias. Aliás, arrisco a com trutas na Fazenda Diaguitas, região de Coquimbo, Chile. dizer que é a espécie no mundo mais produzida neste sistema. Facilidade na obtenção de alevinos, rusticidade e amplo mercado são as vantagens Além disso, alguns crustáceos também vêm senque a tornam quase imbatível tanto em aquaponias mais do utilizados como é o caso da lagosta australiana (Cherax “caseiras” ou comerciais. No entanto, espécie marinhas sp.), camarões de água doce (Macrobrachium sp.) e do como pargos e linguados, ou eurihalinas como os roba- camarão-branco do Pacífico (L. vannamei). Seja marinha los, também são produzidos. Aliás, os cultivos marinhos ou de água doce, consumo ou ornamental, para escolher na aquaponia até ganharam um apelido, são chamados de uma espécie deve-se dar atenção a demanda de mercado “maraponics” (que vem de “mariculture”+ “aquaponics”). da região, características biológicas e adaptação climática Para cultivos marinhos uma atenção especial deve ser da espécie escolhida. Respeitar as exigências ambientais dada, utilizando plantas tolerantes às concentrações de das plantas e dos peixes é um dos pontos-chave dessa mosalinidade empregadas, como é o caso das Salicornia sp. dalidade de cultivo! Boas despescas e ótimas colheitas! e das Sacocornia sp., ambas comumente chamadas de “sal verde”. Adicionalmente, outros peixes como as trutas,

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Empreendedorismo Aquícola Te s o u r o d e e s c a m a s André Camargo Escama Forte andre@escamaforte.com.br

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desenvolvimento da aquicultura brasileira tem como segunda espécie mais importante o tambaqui, onde segundo a Peixe BR, Associação Brasileira de Piscicultura, produzimos em 2016 mais de 250 mil toneladas do grupo de peixes redondos, composto pelo tambaqui e seus híbridos. As expectativas de crescimento da produção dos redondos não param de crescer e podemos ter brevemente surpresas na composição dos números da piscicultura nacional. O estado de maior destaque na produção é Rondônia, seguido de Mato Grosso. É fundamental apontarmos que os redondos possuem características zootécnicas extremamente favoráveis à aquicultura, como ganho de peso diário, conversão alimentar e talvez o mais importante deles: aceita dietas de baixos níveis proteicos. As- © André Camargo sim, podemos dizer que temos hoje um grupo de espécies nativas do Brasil pronto para colaborar no abastecimento mundial de pescado, haja visto que nas maiores feiras mundiais de pescados como Seafood Boston e Bruxelas, já podemos encontrar empresas chinesas por exemplo, oferecendo “Red Bellied PACU” como um produto de baixo custo e alta aceitação no mercado de peixes inteiros congelados. O “Red Pacu” nada mais é do que a pirapitinga da Amazônia, que leva a China hoje a ser o maior produtor de peixes redondos do mundo. Sabendo do futuro da espécie, devemos ressal-

tar o gatilho deste desenvolvimento, ligado aos hábitos alimentares de uma das cidades mais cosmopolitas do Brasil: Manaus. Segundo o Instituto Pesquisa 365, a cidade de Manaus consome mais de 50 kg per capita ano e 61,83% deste pescado é tambaqui. Este número que por diversas vezes foi comparado a costumes asiáticos alavancou a piscicultura em Rondônia, Acre, Amazonas e todo o norte do Brasil, pois o tambaqui oriundo da pesca extrativa está cada vez mais escasso. Assim podemos revelar que o consumo da cidade brasileira que mais come peixe é abastecido por nossa aquicultura. P o r t a n t o mercado brasileiro e mundial, temos em mãos um dos grandes desafios da aquicultura brasileira, temos uma espécie de potenciais inacreditáveis que precisa de des envolvimento. Precisa de melhoramento genético, desenvolvimento de cortes especiais, mercado internacional entre outras demandas. Para que nossa aquicultura possa deixar de ser este eterno potencial, temos aqui um pilar, um ponto importante de foco. O processo de globalização traz ao Brasil mais uma chance de transformar o tambaqui na mandioca das águas e assim tornar um peixe genuinamente brasileiro numa proteína de alto valor nos pratos do mundo todo.

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NUTRIÇÃO

Modelo misto de alimentação Dr. Ar tur Nishioka Rombenso Laboratório de Nutrição, Instituto de Oceanografia, Universidade Autônoma de Baja California, Ensenada, México. artur.nishioka@uabc.edu.mx

Esse é meu 10˚ artigo, referente à coluna de Nutrição, publicado nas mídias da Aquaculture Brasil (site e revista). Nos artigos anteriores mencionei conceitos e pontos importantes em relação à qualidade nutricional e método de fabricação dos alimentos aquícolas. Hoje vou abordar um tema relacionado à alimentação dos organismos aquáticos: o modelo misto de alimentação.

cursores desse conceito é o Dr. Sena S. De Silva, que possui várias publicações e livros a respeito. Esse modelo é muito popular na Ásia, no cultivo de carpas e tilápias, e atualmente desperta a curiosidade de muitos pesquisadores.

Agora vou exemplificar como o modelo misto de alimentação pode ser utilizado e testado. O ideal Esse modelo consiste no é intercalar dietas ricas e poEsse modelo aprimoramento do processo de bres em proteína e/ou taxas busca maxialimentação, buscando maximide arraçoamento otimizadas mizar os lucros de zar os lucros de produção através e mais reduzidas até chegar a do aumento da eficiência alimenuma proporção adequada. Asprodução através do tar, redução da perda de alimento sim por exemplo, foram testaaumento da eficiêne otimização do custo operaciondos em juvenis de tilápia (40g), cia alimentar, redução al referente à ração. Basicamente, criados em viveiros em um da perda de alimento sistema semi-intensivo, nove existem duas formas de aplicação. A primeira consiste na utilização e otimização do custo tratamentos variando a aliintercalada de duas rações (A e operacional referente à mentação diária com duas dieB), uma com níveis mais altos de tas (A = 33% de proteína bruta ração. proteína (A = rica em proteína) e e B = 22% de proteína bruta): outra com níveis mais baixos de A, B, 1A/1B, 2A/2B, 3A/1B, proteína (B = pobre em proteína). 1A/3B, 3A/2B, 2A/3B e 3A/3B. A segunda forma consiste em variar a taxa de ar- O tratamento A significa alimentação apenas com raçoamento (quantidade de ração ofertada) diária a dieta A enquanto que o tratamento 1A/1B sigentre uma alimentação otimizada (O = taxa de ar- nifica alimentar um dia com a dieta A e um dia raçoamento otimizada) e outra mais reduzida (B = com a dieta B, e assim por diante. Resumindo os taxa de arraçoamento baixa). Esse modelo baseia-se principais resultados (Figura 1), não observou-se no conceito de que os organismos aquáticos não diferença significativa em ganho em peso, porém, têm as mesmas exigências e demandas nutricio- em termos de conversão alimentar aparente (CAA), nais todos os dias, ou seja, a exigência nutricional peixes alimentados apenas com a dieta B (menor não é linear, pode variar. O modelo busca entender conteúdo proteico) apresentaram um valor de CAA melhor esse contexto, otimizando a produção mais elevado em relação aos demais tratamentos. através do fornecimento adequado de ração con- Dessa forma, pode-se concluir que o modelo misto forme as exigências nutricionais, evitando a perda de alimentação em função de dietas com diferentes de nutrientes e gastos desnecessários. Um dos pre- níveis de proteína (A e B) tem potencial, porém sua

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utilização dependerá da logística requerida para esse tipo de alimentação, dos custos das dietas A e B, entre outros fatores individuais de cada produtor. Espero ter apresentado algo novo e útil, e também ter motivado estudantes e pesquisadores a utilizar esse conceito em seus projetos. Na próxima coluna continuarei nesse tema, abordando o modelo misto de alimentação em função da taxa de arraçoamento.

Figura 1. Ganho em peso e conversão alimentar aparente de juvenis de tilápia (40g) criados em viveiros e alimentados com dietas A (33% proteína bruta) e B (22% proteína bruta) a 2,3% da biomassa utilizando o modelo misto de alimentação (Patel e Yakupitiyage 2003).

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Criação de peixes em “caixas d’água”: Nova moda entre os iniciantes Fábio Rosa Sussel - Zootecnista, Dr.; Pesquisador científico da Apta - UPD Pirassununga, SP. sussel@apta.sp.gov.br

tem despertado F nacadaaquática vez mais interesse na soelizmente a produção de proteí-

trar bem o negócio e, acima de tudo, ter uma boa estratégia de escoamento da produção. É fácil? Não! Nem fácil e nem simples. Produção de peixes em sistemas de recirculação de água se configura na forma mais complexa

ciedade, especialmente daqueles que não são proprietários de terras e que mesmo assim vislumbram potencial econômico na criação de peixes. Acontece que estão interpretando de forma equivocada alguns sistemas novos que permitem a prática da aquicultura intensiva sem a necessidade de estarem na zona rural. Portanto, o objetivo deste artigo é elucidar algumas questões bem simples, mas que são fundamentais na tomada de decisão antes de investir na atividade. É possível? Sim, já temos pacote tecnológico estabele- © Giovanni Lemos de Mello cido sobre o assunto. de se produzir peixes. Extrema É viável? Viabilidade mente não recomendável para quem é a somatória de técnicas + nunca produziu peixes. empreendedorismo. Ou seja, não basta produzir de forma eficiente! Dá para produzir em caixas Também se faz necessário adminis-

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de 1.000 litros? Não! Comercialmente falando não. Engana-se quem começa a procurar informações sobre esta técnica de cultivo achando que conseguirá renda com poucas caixas de mil litros. Dá para usar água da rua? Sim, desde que antes de ir para os peixes esta água fique por pelo menos 24 horas em circulação para que o cloro seja volatilizado. Não se trata de um artigo do tipo perguntas e respostas, mas foi proposital começar respondendo aos principais questionamentos sobre esta modalidade de cultivo. Também foi colocado propositalmente no título “Caixas D’água” entre aspas por que esta não é a forma correta de designar o sistema. A forma correta seria: Criação de organismos aquáticos em Sistema de Recirculação de


ATUALIDADES & TENDÊNCIAS NA AQUICULTURA

Água. Conforme o ponto de vista, até pode parecer a mesma coisa. Mas dentro da ótica que muitas pessoas interessadas neste sistema de cultivo estão interpretando, não é. Quando se fala em caixas d’água logo se imagina um “sisteminha” com meia dúzia de caixas de mil litros, onde os interessados em iniciar neste sistema usam os índices de produtividade dos sistemas de recirculação de água. Logo, o “espaçoso” quintal de casa pode se transformar numa bela unidade produtora de peixes. Evite as certezas. Desconfie de si mesmo. Quando algo lhe parece muito óbvio, ou alguém já está fazendo ou muitos já tentaram e não deu certo.

Engana-se quem começa a procurar informações sobre esta técnica de cultivo achando que conseguirá renda com poucas caixas de mil litros.

Numa era globalizada, com acesso a todo tipo de informação, onde a competitividade em todos os segmentos comerciais é acirrada, não podemos acreditar ser possível produzir peixes de forma comercial em uma pequena área, com baixo investimento, pouca dedicação, pequena estrutura e sem ter conhecimento técnico sobre o assunto. Portanto, a primeira recomendação é: produções comerciais em sistemas de recirculação bem montados e bem conduzidos, são possíveis sim e viáveis. Enquanto que produções de peixes em “caixas d’água”, comercialmente falando, é ilusão. Inclusive, no quadro de colunistas da Aquaculture Brasil existem experts quando o assunto é criação intensiva em sistemas de recirculação de

água (RAS). Neste sentido, não me atreverei a explicar ou recomendar como deve ser uma criação comercial neste sistema. Mas faço questão de registrar o quanto acredito nesta técnica de cultivo; onde, num futuro bem próximo, vislumbro como sendo uma das formas mais eficientes zootecnicamente e mais sustentáveis ambientalmente de se produzir alimentos.

A abordagem deste artigo até pode ser extremamente básica para os leitores deste jovem e já reconhecido meio de comunicação do universo aqua. Acontece que tão importante quanto falarmos de tecnologias inovadoras é apresentarmos a realidade das atuais tecnologias disponíveis. Neste sentido, todos que se dedicaram a leitura deste, de alguma forma possuem a capacidade de formar opinião dentro do segmento. E aí é fundamental o entendimento que já não precisamos mais estimular a entrada de novos produtores de organismos aquáticos. O que precisamos é de AQUICULTORES!!! Ou seja, profissionais/empresários dispostos e produzirem com profissionalismo, seja lá qual for o sistema de produção.

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Aquicultura Latino-americana Probióticos e cultivos heterotróficos na América Latina Dr. Rodolfo Luís Petersen - Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pontal, PR. rodolfopetersen@hotmail.com problema de qualidade da água, seja na larV qualquer vicultura, seja na engorda, era RENOVAR. Renovar

inte anos atrás a grande alternativa para tentar resolver

também como medida preventiva. Nas larviculturas antibióticos eram rotina. Europeus e americanos iniciaram uma série de pesquisas visando a incorporação de bactérias na água de cultivo. Anos depois, em nosso território, os asiáticos, latino-americanos, os equatorianos, país que respira aquicultura 24 horas ao dia, começaram a fazer suas “alquimias” locais, nas fazendas e nos laboratórios. A ideia era isolar cepas locais mais eficientes que as industrializadas vindas do velho mundo. Um forte grupo liderado por profissionais como Fernando Huerta e Jorge Chávez Rigaíl divulgaram suas experiências e ótimos resultados assessorando empresas em toda América, aplicando o uso de probióticos e biorremediadores em grandes fazendas de engorda. O incêndio se alastrou por todo o continente e os probióticos – biorremediadores caseiros e industrializados tornaram-se moda. Atualmente o uso de bactérias benéficas é uma pratica bastante consolidada, porém, precisa-se saber usar. Alguns produtores, por falta de experiência técnica, não conseguem resultados imediatos e não conseguem incorporar a tecnologia nos custos de produção. Temos que lembrar o impacto desta tecnologia no controle de diversas viroses da carcinicultura, principalmente mancha branca, onde reduções consideráveis da troca de água levam a um menor estresse dos animais e à estabilidade ambiental. Não tenho nenhuma dúvida que se hoje, 2017, fosse empresário brasileiro de médio ou grande porte, investiria em boas assessorias e técnicos especializados nesta área. Não é questão de usar um produto como receita de

bolo. O certo é ter bons conhecimentos de microbiologia aquática e saber como avaliar seus usos e resultados. E os cultivos heterotróficos? Lembro que os primeiros cultivos heterotróficos que tive a oportunidade de ver no Brasil foi quando trabalhei numa grande empresa do setor no departamento de Genética e Reprodutores (empresa que sempre investiu em tecnologia e assessoria externa). Na época, 2003, juvenis de 15 gramas selecionados na fazenda eram engordados em condições de laboratório até o tamanho de reprodutor. Tudo bastante empírico, onde se colocava diariamente “caldo de lula” (feito das sobras dos cortes na preparação da dieta no setor de maturação) como fonte de nitrogênio e melaço como fonte de carboidratos. A densidade e tamanho dos flocos eram controlados visualmente com uma amostragem em béquer de um litro todas as manhãs. Nos anos 2000, vários pesquisadores brasileiros saíram a realizar seus pós-doutorados iniciando fortes linhas de pesquisa. Hoje, a estação de maricultura da FURG se tornou referência latina, oferecendo cursos aos produtores e participando ativamente de reuniões e congressos internacionais. O Dr. Tzachi Samocha, líder orientador de técnicos e pesquisadores brasileiros, tem difundido amplamente o cultivo heterotrófico em todo o continente. O sistema de cultivo intensivo heterotrófico está crescendo e seu potencial é enorme, mais ainda enfrenta desafios como: controle sanitário efetivo, qualidade da pós-larva local, assim como redução dos custos de implantação e de produção. O sistema de cultivo heterotrófico tem se espalhado pela América Latina toda, principalmente focando seu uso na fase de berçários ou produção de juvenis em sistemas multifásicos.

Hoje, a estação de maricultura da FURG se tornou referência latina.

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Aquicultura de Precisão A Precisão em pequenos volumes

Dr. Eduardo Gomes Sanches - Instituto de Pesca de São Paulo, Ubatuba, SP esanches@pesca.sp..gov.br

sabem que tenho P oucos um longo passado de

© Eduardo Gomes Sanches

aquarista. Na verdade meu futuro foi escrito em minha infância, naqueles dias de verão, em que pescava e trazia lambaris e barrigudinhos para casa para colocar em um pequeno aquário. Muito tempo se passou desde esta época. Hoje sou pesquisador científico de uma importante instituição de pesquisa, mas os “pequenos aquários” mudaram muito mais. Fico impressionado com a ciência por trás dos aquários plantados, dos aquários de corais e dos aquários temáticos. Sistemas de filtragem e de iluminação muito avançados, recriando com extrema semelhança os ambientes aquáticos. O resultado disto é uma profusão de relatos de reprodução de espécies raras e ameaçadas de extinção. Existem aquários que se utilizam de plantas de manguezal para “sequestrarem” nutrientes e manter a qualidade da água dentro dos elevados níveis de exigência de invertebrados marinhos. Estas pequenas recriações da natureza são de fato uma verdadeira aula de aquicultura de precisão. Sensores modificam a potência e a orientação da vazão das bombas, gerando correntes de água que mudam de direção, favorecendo a circulação de água em todas as áreas do aquário. Bóias associadas a válvulas solenóides ajustam a reposição de água e incorporam íons para a reposição. Reatores de cálcio e injetores de CO2, associados a sondas de monitoramento, ajustam o pH mantendo o equilíbrio do sistema. Um exemplo do auxílio deste sistema de precisão: se a sonda de ORP (potencial de óxido-redução) acusa redução nos valores é sinal de que existe 78

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muita matéria orgânica disponível ou de que um peixe morreu. Tudo isto enviando informações em tempo real para o celular do aquarista. A iluminação é dimensionada para simular o nascer e o por do sol e, pasmem, chegam a simular a luz da lua dentro de uma programação diferenciada. Os produtos destinados a prover a nutrição dos organismos mantidos em cativeiro são impressionantes. Diversificação é pouco para que tenhamos ideia do que é disponibilizado ao aquarista. O resultado disto são verdadeiros “displays” que proporcionam uma contemplação do ambiente aquático com toda sua complexidade. Tudo isto movimenta um setor econômico de milhões de dólares que gera milhares de empregos. E pensar que a algumas décadas atrás eram simples globos de vidro com peixinhos vermelhos dentro...

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A RANICULTUR

INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS NA CADEIA RANÍCOLA PARTE 1:

INOVAÇÕES EM INSTALAÇÕES E MANEJO REPRODUTIVO

Dr. Andre Muniz Afonso Universidade Federal do Paraná (UFPR), Palotina, PR. andremunizafonso@gmail.com “inovação” deriva do latim innovatio e, segunOdotermo Indriunas (2011), significa toda novidade implanta-

da pela empresa, por meio de pesquisas ou investimentos, que aumenta a eficiência do processo produtivo ou que implica em um novo ou aprimorado produto. No Brasil, em 2004, foi criada a Lei de Incentivo à Inovação (Lei n° 10.973) e em 2016 outra lei (Lei n° 13.243), mais abrangente, veio a substituí-la. Na cadeia ranícola, assim como em qualquer outra cadeia produtiva animal, as inovações significam barateamento dos custos de produção, melhorias diretas no manejo e no bem-estar dos animais e diversificação de produtos, com o objetivo de atingir diferentes nichos de mercado. Nesta primeira parte do tema, iremos explorar mais as melhorias voltadas ao processo produtivo em si, com destaque para a reprodução. No que tange ao Setor de Reprodução, as inovações que mais se destacaram foram: I – A criação de duas áreas distintas de manejo, uma denominada área de acasalamento, onde os casais são colocados após a seleção das características fenotípicas compatíveis com a reprodução, e a outra denominada área de mantença, representada por baias semelhantes àquelas do setor de engorda, onde machos e fêmeas são criados separadamente, de modo a recuperar seus escores corporais, preparando-se para um novo processo reprodutivo; II – A climatização e a criação de um ambiente favorável ao processo de reprodução, que deve ser realizado em ambas as áreas descritas anteriormente, de modo que os fatores bióticos e abióticos sejam controlados, mimetizando-se as características do período de primavera-verão; III – A utilização de uma metodologia de indução à reprodução, mais conhecida como reprodução ou fertilização artificial. Esse processo teve seu início com a aplicação de extrato bruto hipofisário (EBH) de rãs adultas nas rãs com características de aptidão à reprodução (Ribeiro Filho, 1994) e, posteriormente, evoluiu para a aplicação de hormônios sintéticos indutores de maturação gonadal e extrusão/espermiação, com destaque para o acetato de buserelina (BZL) (Figura 1), um análogo do GnRH de mamíferos (Alonso, 1997; Agostinho et al., 2000; Afonso, 2004; Tortelly Neto, 2006; Pereira, 2009). Mais recentemente, outros análogos do GnRH vêm sendo utilizados na indução à reprodução de rãs, inclusive com associação de fármacos inibidores de dopamina, como é o caso do “Amphiplex” (Trudeau et al., 2010).

Das inovações mencionadas, a técnica de reprodução artificial sempre chamou mais atenção do meio produtivo, principalmente por representar uma das formas de controle da reprodução em períodos de entressafra, pois sabe-se que nas épocas de outono e inverno, principalmente nas Regiões Sul e Sudeste brasileiras, há interrupção nesse processo (ver coluna “Criação de rãs nos meses de outono e inverno”, no portal www.aquaculturebrasil.com). Contudo, a climatização do ambiente faz-se necessária para que a aplicação de hormônios da reprodução tenha efeito fisiológico. O mais interessante é que isso permite que a reprodução natural também ocorra. Logo, pode surgir um questionamento: O processo de reprodução artificial é mesmo necessário? A resposta é: não! Ele é apenas uma das formas de controle e planejamento do processo de produção, uma vez que a reprodução marca o início de um sistema produtivo. Diante do exposto, pode-se concluir que as inovações referentes à reprodução de rãs trouxeram grandes benefícios ao desenvolvimento da ranicultura como um todo e a ciência busca sempre novas formas de aperfeiçoar esse processo, haja visto que somente há poucos anos a qualidade dos gametas vem recebendo maior interesse dos pesquisadores. Muito já foi feito, mas há muito mais a se fazer...

Saudações ranícolas!

© Andre Muniz Afonso

Figura 1. Aplicação de hormônio sintético em reprodutor de rã-touro.

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Piscicultura Marinha PRODUÇÃO DO NEON GOBIE Elacatinus figaro Dr. Ricardo Vieira Rodrigues - vr.ricardo@gmail.com Estação Marinha de Aquicultura (EMA), Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande, RS

últimas duas colunas publicadas nas edições Nasanteriores da Revista Aquaculture Brasil, abordei

o tema “Piscicultura Ornamental Marinha”. Nesta edição comentarei sobre a produção do neon gobie Elacatinus figaro. Essa espécie é endêmica do litoral brasileiro, com distribuição do Ceará até Santa Catarina. O neon gobie é uma espécie apreciada no mercado da aquariofilia pelo seu pequeno porte, destacada coloração e por ser uma espécie “limpadora” do aquário, uma vez que se alimenta de ectoparasitas de outros peixes. O seu potencial limpador foi inclusive confirmado, reduzindo a quantidade de monogenóides na garoupa (Souza et al., 2014), podendo ser uma espécie potencialmente utilizada controlando ectoparasitos na produção de peixes de corte. No início dos anos 2000, E. figaro foi uma das espécies de peixes ornamentais marinhos mais exportadas pelo mercado nacional e os exemplares eram oriundos exclusivamente da coleta do ambiente natural. Essa exploração dos estoques naturais levou a uma sobrepesca da espécie que, em 2004, foi incluída na lista de espécies ameaçadas de extinção. Portanto, desde de 2004 sua captura e comercialização é proibida pelo IBAMA (Instrução Normativa nº5 de 21 de maio 2004). Sendo assim, a aquicultura da espécie surge como alternativa para manutenção da sua oferta e comercialização no mercado ornamental.

Os primeiros estudos referentes a produção dessa espécie foram publicados por Meirelles et al. (2009) e Shei et al. (2010). Nesses dois estudos foi descrito a formação dos casais de reprodutores em laboratório e sua alimentação, dados de fecundidade, taxa de eclosão, desenvolvimento embrionário e larval, protocolos de larvicultura e crescimento larval. Alguns dos principais resultados estão sintetizados na Tabela 1 e mais informações podem ser adquiridas diretamente nas publicações. Esses primeiros resultados foram importantes para comprovar a possibilidade de produção dessa espécie. A partir desses estudos, uma série de outros trabalhos foram e estão sendo realizados com a espécie, visando otimizar sua produção. Dessa forma aspectos referentes à alimentação dos reprodutores e larvas, assim como o conhecimento básico da morfologia do trato digestório e sistema imunológico e utilização de hormônios para antecipar e sincronizar a metamorfose dessa espécie estão sendo abordados. Na minha opinião muitos estudos ainda são necessários para otimizar a nutrição dos reprodutores e a sobrevivência durante a larvicultura dessa espécie. Também é necessário avaliar as desovas dos peixes F1 (peixes produzidos a partir de reprodutores selvagens). Contudo está comprovada a possibilidade de produzir essa espécie em cativeiro, sem a necessidade de capturar exemplares no ambiente natural.

Tabela 1. Parâmetros reprodutivos do neon gobie Elacatinus figaro.

Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/colunas

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© Ricardo Vieira Rodrigues



LEGISLAÇÃO BRASILEIRA PARA PESCADO E PRODUTOS DA PESCA E AQUICULTURA: Prof. Dr. Alex Augusto Gonçalves Universidade Federal Rural do Semi Árido (UFERSA) Mossoró, RN alaugo@gmail.com A globalização e o aumento da comercialização de produtos da pesca e aquicultura vêm incrementando a competitividade entre as empresas, e em alguns momentos, incrementando o risco de fraude econômica. Para garantir a qualidade e identidade dos produtos da pesca e aquicultura, todos os países produtores, exportadores e importadores estão tendo que se adequar às legislações de cada país, ou seguindo as recomendações do Codex Alimentarius, ou em último caso, seguindo apenas as Boas Práticas de Fabricação, para garantir a qualidade de seus produtos. Os principais componentes da legislação sobre o pescado e os produtos da pesca e aquicultura são: a saúde do consumidor, a segurança dos produtos processados, e a sua influência sobre a comercialização desses produtos. Nesse sentido, abordaremos a seguir informações sobre a lei maior sobre alimentos (Codex Alimentarius) e os órgãos legisladores e fiscalizadores no Brasil. A Comissão do Codex Alimentarius (www.fao. org/fao-who-codexalimentarius) foi criada em 1963 pela Food and Agriculture Organization of United Nations (FAO – www.fao.org) e World Health Organization (WHO – www.who.int) para desenvolver normas alimentares, orientações e textos relacionados, tais como códigos de boas práticas no âmbito do Comitê Misto FAO/WHO no programa de padronização de alimentos. Os objetivos principais deste programa são proteger a saúde dos consumidores e assegurar práticas comerci-

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ais justas no comércio de alimentos, e ainda promover a coordenação de todos os trabalhos que envolvam as normas alimentares realizadas por organizações governamentais e não-governamentais. Podemos dizer que o Codex Alimentarius ou o código alimentar é o ponto de referência global para os consumidores, produtores e processadores de alimentos, agências nacionais de controle de alimentos e do comércio internacional de alimentos. Todos os países, como o Brasil, são signatários do Codex Alimentarius, e se baseiam em suas legislações, tanto na fiscalização, como na construção de legislação específica de seu país. No Brasil, o controle governamental da qualidade e inocuidade dos produtos da pesca e da aquicultura possui uma estrutura consistente. No âmbito federal a inspeção sanitária e industrial de pescado e derivados é uma obrigação estatutária do Ministério da Agricultura (www.agricultura.gov.br) desde 1933. Em 18 de dezembro de 1950 a atividade foi estabelecida pela Lei Nº 1.283, a qual foi regulamentada pelo Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA) por meio do Decreto Nº 30.691 de 29 de março de 1952. Em 1951 a atividade regida pelo RIISPOA passou a ser executada pela então Divisão (hoje, Departamento) de Inspeção de Produtos de Origem Animal (DIPOA). Hoje, 65 anos após a primeira publicação do RIISPOA, este regulamento foi revisado

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TECNOLOGIA DO PESCADO

e publicado no Decreto Nº 9.013, de 29 de março de 2017, sem ser submetido à consulta pública prévia à sua publicação, o que está gerando desconforto no âmbito empresarial (processadores e importadores). A Inspeção de Produtos de Origem Animal no âmbito do Ministério da Agricultura é da competência do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal – DIPOA, subordinado à Secretaria de Defesa Agropecuária – SDA. O DIPOA é composto pelo seu Gabinete e três Coordenações Gerais: Coordenação Geral de Inspeção, Coordenação Geral de Programas Especiais e Coordenação Geral de Controle e Avaliação. No website do Ministério da Agricultura encontra-se o Sistema de Consulta à Legislação SISLEGIS (www.agricultura.gov.br/legislacao-1) que disponibilizam o maior acervo em meio digital, recuperando textos legais atualizados, de forma fácil, rápida e confiável, trazendo ainda, por meio das consultas pelas árvores temáticas, facilidades para a recuperação da Legislação por Assuntos Indexados. Nela há ainda informação sobre o histórico (publicação, republicação, alteração e revogação) e a situação dos atos (vigente ou revogado), além do texto na íntegra de Leis Ordinárias, Decretos, Decretos-Lei, Medidas Provisórias, Instruções Normativas (Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade do Pescado e Produtos derivados), Portarias, Resoluções, Instruções de Serviço, e ainda, a consulta das Portarias em Consulta Pública e as Publicações do Diário Oficial da União (DOU). A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) do Ministério da Saúde (MS) tem a missão de promover a proteção da saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados. A ANVISA/MS disponibiliza em seu website as informações sobre o Sistema de Legislação em Vigilância Sanitária (http://portal.anvisa.gov.br/ legislacao#) e tem como ferramenta principal um banco de dados, com textos completos para pesquisa e consolidação das normas. Qualquer interessado pode

fazer pesquisa combinada de “Legislação por tipo de ato” em ordem de data. Lembramos que, o texto da legislação não substitui o publicado no Diário Oficial da União – DOU. O Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO http://inmetro.gov.br/) é uma autarquia federal, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que atua como Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (CONMETRO), colegiado interministerial, que é o órgão normativo do Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (SINMETRO), e em sintonia com o Instituto Nacional de Pesos e Medidas (INPM). No âmbito de sua ampla missão institucional, o INMETRO objetiva fortalecer as empresas nacionais, aumentando sua produtividade por meio da adoção de mecanismos destinados à melhoria da qualidade de produtos e serviços. Sua missão é prover confiança à sociedade brasileira nas medições e nos produtos, através da metrologia e da avaliação da conformidade, promovendo a harmonização das relações de consumo, a inovação e a competitividade do País. O INMETRO/MDIC disponibiliza em seu website (http://inmetro.gov.br/legislacao) as informações sobre regulamentação técnica referente suas atividades (Regulamentos Técnicos Metrológicos e de Avaliação da Conformidade publicados no Diário Oficial da União), favorecendo o incremento do comércio nacional e internacional através de uma visão panorâmica das atividades regulamentadas no âmbito da metrologia e avaliação da conformidade. Por fim, vale a pena estar atento aos website de todos os órgãos legisladores e fazer uma boa pesquisa e leitura das legislações vigentes a fim de conhecer a qualidade e identidade do pescado e dos produtos da pesca e aquicultura, e caso encontrem não conformidades dos produtos com a legislação vigente, denunciem aos órgãos fiscalizadores a fim de combatermos a fraude econômica.

Consulte as referências bibliográficas em www.aquaculturebrasil.com/colunas AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017

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Recirculating Aquaculture Systems

Protein Skimmers Dr. Marcelo Shei - Altamar Equipamentos e Sistemas Aquáticos. Santos, SP. shei@altamar.com.br www.altamar.com.br Protein Skimmers ou fracionadores de proteínas, O ssão equipamentos utilizados em sistemas de recirculação, ou semifechados, capazes de remover uma

grande gama de compostos orgânicos da água. Fazem parte dessa lista a amônia, proteínas e aminoácidos dos alimentos, muco dos peixes, fezes, dióxido de carbono, compostos complexos resultantes da decomposição de alimentos, microalgas, fenóis, bactérias e outros. Esses componentes, partículas que possuem entre 5 e 30 micrômetros, que dificilmente seriam removidos por outros métodos, acabam se acumulando no sistema e acabam por gerar odores, aumentar a demanda bioquímica de oxigênio (DBO) no sistema ou efluente, irritam as brânquias dos animais cultivados, a quantidade de sólidos suspensos, turbidez entre outros. Nesses dispositivos, a água a ser tratada passa por uma câmara de contato vertical e é bombardeada com uma grande quantidade de bolhas. Devido a carga elétrica, as moléculas de proteínas possuem uma região hidrofílica e outra hidrofóbica. Com o constante choque das bolhas com a água, uma interface é criada, onde o lado hidrofóbico dessas partículas se prende às bolhas na câmara de contato. Com o tempo de contato, essas bolhas ficam saturadas e formam uma espuma que se move para a parte superior da câmara e assim é removida da água. A sua utilização é comum em sistemas de água salgada, pois quanto maior a salinidade e o pH, maior

© Marcelo Shei

© Rodolfo Luís Petersen

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© Marcelo Shei

a sua eficiência. Contudo, apesar de menor eficiência, os protein skimmers também podem ser utilizados em sistemas de água doce, principalmente os que possuem alta densidade de estocagem. A utilização do gás ozônio pode otimizar esse processo, se tornando também um local para desinfecção de água contra patógenos em condições controladas. Na seleção desses equipamentos, devem ser consideradas a espécie, a densidade de estocagem, a vazão e volume do sistema, o método de produção e o tempo de retenção. Eles precisam ser fabricados com materiais inertes, preferencialmente com o menor consumo elétrico e ser de fácil manutenção. Apesar dos Protein Skimmers somente se popularizarem nas últimas décadas no exterior e ainda mais recentemente no Brasil, esse é um processo natural e que ocorre nas praias quando ondas quebram e as bolhas formam espuma e concentram essas partículas na areia. Pode parecer moderno, mas estamos somente observando e aprendendo o que a natureza já faz a muito tempo. A empresa Altamar possui uma linha específica de Protein Skimmers comerciais e industriais. Desenvolvidos e fabricados no Brasil, possuem sistema de limpeza automático, resistentes a ozônio e de fácil operação. Confira!

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SANIDADE

Ictiofitiríase:

desafio tradicional em peixes nativos a patógeno emergente para a tilapicultura

A

i c t i of it i r í as e, Dr. Santiago Benites de Pádua ou doença dos AQUIVET Saúde Aquática, São pontos brancos, José do Rio Preto, SP. é uma doença para-

e fungos, especialmente saprolegniose, que se trata de outro patógeno com maior expressividade em períodos de inverno. O principal grupo de risco para esta doença são animais jovens, que incluem larvas, alevinos e juvenis. Desta forma, quanto maior o tamanho do peixe, mais tolerante ele se torna à infecção por este ciliado. No entanto, animais estocados em altas densidades como reserva pós-inverno, bem como submetidos ao manejo durante período de baixas temperaturas da água, propiciam condições que favorecem a ocorrência desta doença em peixes até mesmo maior de 100 g de peso médio, como observado no oeste do Paraná. As intervenções terapêuticas contra a ictiofitiríase são limitadas, uma vez que nenhum medicamento alopático conhecido consegue penetrar o epitélio dos animais e matar as formas parasitárias. Atualmente a forma mais eficiente para controle da infecção pelo ictio é a partir de uso de desinfetantes que eliminam as fases de vida no ambiente aquático, principalmente os terontes e trofontes maduros recém eliminados para o ambiente. utro lado, os tomontes são formas de resistência, na qual produtos como cloramina-T, formaldeído, permanganato de potássio, sulfato de cobre, entre outros, não conseguem eliminá-los. Entre as estratégias para minimizar o impacto pela ictiofitiríase existe o emprego de vazio sanitário nos viveiros e eliminação de possíveis reservatórios ambientais, com limpeza e desinfecção do ambiente de criação. Em casos de surtos agudos, é bastante importante realizar o uso de terapia de suporte com sal na água e antibiótico na ração, para conter as infecções oportunistas por bactérias.

sitária causada pelo protozoário ciliado Ichthyophthirius multifiliis, popularmente conhecido como “ictio”. Este patógeno é um velho conhecido de aquariofilistas e criadores de espécies de peixes nativos, especialmente de produtores de alevinos. Embora este patógeno não apresente especificidade parasitária, era notável sua maior incidência em espécies como o pintado, jundiá e peixes redondos. Da mesma forma, peixes nativos comuns em pisciculturas como o lambari, carás (corrós), enguias (muçum), entre outros, são conhecidos reservatórios desta doença. Contudo, recentemente nos deparamos com surtos sequenciais de ictiofitiríase em criações de tilápia no oeste do Paraná, bem como no sul de Mato Grosso do Sul, no oeste de São Paulo e triângulo mineiro. Com a ocorrência destes casos de surtos de mortalidades se acende um alerta para um hospedeiro que, até então, apresentava notável tolerância à infecção, e que agora sucumbe em susceptibilidade similar às espécies nativas. A infecção pelo ictio tradicionalmente ocorre em períodos de oscilações da temperatura da água, especialmente associada ao outono e inverno, já que são frequentes as mudanças climáticas repentinas com a chegada de frentes frias. O ciclo de vida deste parasito é trifásico, composto por terontes, que é a forma infectante; trofonte que é a forma parasitária; e tomonte que forma cistos de resistência no ambiente aquático. O tempo necessário para concluir todas as fases do ciclo de © Santiago de Pádua vida é dependente da temperatura da água, encontrando uma faixa ótima entre 15 a 23º C, quando conclui seu ciclo em menos de uma semana. A patologia da doença se deve ao processo de perfuração do tegumento que é realizado pelo teronte, bem como pelo processo inflamatório intenso que se estabelece com o desenvolvimento dos trofontes sob o epitélio do hospedeiro. Com isso, ocorre hiperplasia epitelial, com acúmulo de exsudato inflamatório que, juntamente com o parasito, formam inúmeros pontos brancos na pele, córnea, nadadeiras e brânquias do animal infectado (Figura 1). Geralmente a mortalidade dos peixes ocorre somente após a maturação dos trofontes, que por sua vez rompe novamente o epitélio do peixe para ganhar o ambiente aquático, deixando dessa for- Figura 1. Alevinos de tilápia exibindo inúmeros pontos branma inúmeras úlceras cutâneas que são portas de entracos pelo corpo causado pela infecção por Ichthyophthirius da para infecção oportunista por bactérias ambientais multifiliis. No detalhe da imagem, o parasito ciliado observado em microscopia óptica (canto inferior esquerdo).

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DEFENDEU!

Novidades em teses e dissertações

Em algum lugar do Brasil, um acadêmico de pós-graduação contribui com novas informações para nossa aquicultura.

Acadêmico: Felipe Pereira de Almeida Cohen Orientador: Prof. Dr. Wagner Cotroni Valenti Coorientador: Prof. Dr. Ricardo Jorge Guerra Calado

Programa: Programa de Pós-graduação em Aquicultura da UNESP – CAUNESP, Jaboticabal, SP.

Título da tese: © Felipe Cohen

“Aquicultura, conservação e comercialização de cavalos-marinhos no cenário internacional”.

O cenário atual mostra os cavalos-marinhos com um mercado pouco conhecido e pesquisas focando somente em sistemas de aquicultura complexos que não atendem a necessidade de produção de animais secos. Além disso, o transporte de animais vivos é feito sem nenhuma base científica, com custos e riscos elevados e não há um método para conhecer a origem dos animais vendidos para a aquariofilia. Portanto, para promover a conservação desses animais e atender às necessidades humanas de forma mais sustentável, é fundamental conhecer melhor o mercado, desenvolver cultivos de baixo custo, otimizar o transporte e criar métodos de rastreabilidade.

Objetivo:

Estudar o mercado, a produção e a comercialização de cavalos-marinhos com foco no atendimento da demanda mundial de forma mais sustentável e na conservação desses animais.

A Tese foi dividida em cinco artigos: •O 86

© Suzana M. Ramineli

cultivo integrado do camarão - da - amazônia com o tambaqui é tecnica AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017


© Felipe Cohen

Artigo 1. Apresenta um panorama da pesquisa mundial

no século XXI sobre cavalos-marinhos. Observou-se que os campos de pesquisa fundamentais para subsidiar decisões governamentais e que abordam as questões que afetam a produção, o comércio e a manutenção das populações naturais de cavalos-marinhos não vem sendo cobertos adequadamente. Cinco áreas foram identificadas como prioritárias para o avanço do conhecimento científico, atendendo à demanda e a conservação dos cavalos-marinhos.

Artigo 2. Discute a comercialização e o mercado; mostra

que o mercado é pouco conhecido e que as regulamentações internacionais para comércio de cavalos-marinhos estão sendo ineficientes na conservação.

Artigo 3. Apresenta as principais oportunidades e limitações de se cultivar cavalos-marinhos em estuários em

manguezal como alternativa para produção de baixo custo. Observou-se que essa prática é bastante promissora, podendo aproveitar a disponibilidade local de reprodutores, água, espaço, alimento natural, mão de obra e gerar renda adicional para comunidades locais de forma mais sustentável. Alterações ambientais bruscas, predadores, obstrução das redes e escapes são as principais limitações.

Artigo 4. Visa otimizar o transporte de animais vivos. Observou-se que Hippocampus reidi pode ser transportado em sacolas plásticas contendo 300 mL de água, com salinidade 15, com adição de substrato pequeno e preenchido com ar comprimido como uma opção barata e segura até 48 horas em temperaturas próximas de 21° C.

Artigo 5. Analisa o uso de comunidades bacterianas no muco dos cavalos-marinhos como uma ferramenta para rastrear a origem dos animais vivos; foi demonstrado que esse método tem potencial, mas precisa ainda de mais pesquisas para ser implementado.

C onclusões O trabalho permitiu conhecer as principais áreas carentes de pesquisa científica para o desenvolvimento de métodos de produção e comercialização sustentáveis de cavalos marinhos, bem como sua conservação. Com base nessas informações, avançou-se na elucidação de

alguns desses “gaps” mais importantes e demonstrou-se diversas áreas essenciais para as pesquisas futuras com vistas a gerar o conhecimento científico necessário para atender a demanda do mercado mundial e conservar as populações naturais desses peixes.

A gradecimentos :

• Laboratório de Aquicultura Sustentável - FINEP 87

AQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017 © Nicator


E N T R E V I S TA

© Biofish

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Dra. Janine Tava r e s B e z e r r a de Menezes

Nossa participação na Seafood Expo North America, a “Feira de Boston”, em março deste ano, nos rendeu uma rica troca de experiências com profissionais de todo o mundo, a l é m d e u m v a s t o c o n t e ú d o q u e a o s p o u c o s e s t a m o s d i s p o n i b i l i z a n d o p a r a v o c ê l e i t o r.

D u r a n t e o e v e n t o , e n t r e v i s t a m o s a D r a . J a n i n e Ta v a r e s B e z e r r a d e M e n e z e s , D i r e t o r a de Marketing e Comércio Exterior da Biofish, que muito gentilmente conversou com o nosso coeditor Artur Rombenso.

Janine é Administradora de Empresas com Pós-graduação em Comércio Exterior e Marketing Internacional pela UAB – Universidad Autonoma de Barcelona, na Espanha. É doutora em Ciências Empresariais – Investigação e Técnicas de Mercados Internacionais pela UB – Universidad de Barcelona, Espanha. Na Biofish, responde pelo planejamento estratégico, marketing, relações comerciais e parcerias da empresa.

AQUACULTURE BRASIL: Janine, para iniciar, conte-nos um pouco sobre a história da Biofish.

feiçoando e aprimorando os projetos de uma maneira cada vez mais sustentável. Hoje nós concebemos projetos com recirculação e sem desperdício de água, sem desmatar absolutamente nada e, pelo contrário, a aquicultura acaba devolvendo vida para a floresta em áreas que já eram desmatadas e eutrofizadas.

Janine: A Biofish tem 20 anos e foi uma ideia visionária de um dos fundadores que se formou em Engenharia de Pesca e vislumbrou que a região Norte do Brasil tinha favoráveis condições para o cultivo de pescado de água doce. Na ocasião, o conceito AQUACULTURE BRASIL: de fazendas de produção de peixe na Qual a área de atuação da Biofish? Amazônia era até uma coisa “absurA Biofish tem 20 da” para a população, pois a abundânJanine: Nós trabalhamos em toda a anos e foi uma cia de pescado era muito grande e você ideia visionária de um cadeia produtiva, desde lá do “inipegava peixe no tapa, literalmente. É dos fundadores que se ciozinho” da pesquisa e da produção engraçado, porque isso acabou se tor- formou em Engenharia da larva, pós-larva e do alevino. Nós, nando o afinco, trabalho e determi- de Pesca e vislumbrou por exemplo, produzimos oito esnação da empresa, mostrando que era que a região Norte do pécies amazônicas em laboratório. uma excelente oportunidade no agro- Brasil tinha favoráveis Agora nossos alevinos são de genétinegócio. Hoje em Rondônia, aonde a condições para o cultica pura, nossas matrizes são animais Biofish está instalada, nós já participa- vo de pescado de água selvagens da natureza. Além de toda mos da implementação de quase 300 a linha de alevinos, atuamos em endoce. projetos. A empresa vem absorvendo genharia, serviços ambientais, impleknow-how ao longo desse tempo de mentação e construção das fazendas forma muito expressiva. A prova disde produção. so são os nossos próprios projetos de aquicultura na Amazônia. Se você compara um projeto instalado pela AQUACULTURE BRASIL: Biofish a 15, 10, 8 e 5 anos atrás, eles já são diferentes Vocês também são produtores? dos instalados nos últimos 2 anos. Fomos nos aper- Janine: Sim, inclusive produzimos em escala comerAQUACULTURE BRASIL - MAIO/JUNHO 2017

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cial: tambaqui, pintado da Amazônia e pirarucu. Sendo o tambaqui o carro-chefe com a maior produção em volume. Nós temos entendido de forma muito clara que o mercado internacional aprecia as três espécies. O pirarucu é um importante ator, principalmente em relação ao mercado internacional pois ele tem carne branca e de altíssima qualidade, processamento fácil. Já o tambaqui tem aquela questão do processamento mais lento devido à sua espinha em forma de “Y”. Mas é um peixe muito apreciado, principalmente por suas costelinhas que nenhum outro peixe tem. Nosso entendimento do peixe da Amazônia é muito mais amplo, com grandes oportunidades para o mercado internacional. Temos que trabalhar com inteligência de mercado e ter um posicionamento muito sério para o peixe nativo da Amazônia do Brasil, porque a demanda por pescado no mundo é muito maior do que a oferta. E dentro desse contexto, nós temos entendido que somente a Amazônia, área restrita a um pedaço do Brasil, na região norte, um pouquinho da Bolívia, do Peru e da Colômbia, será capaz de produzir essas espécies para o mundo. Esse peixe sai com qualidade ali, dentro do bioma dele. Este é mais um ponto relevante quando falamos que tem que se aproveitar isso para que se entenda que esse peixe do Brasil é um produto gourmet, é um produto premium para os mercados exteriores. Nossa visão é que temos um pescado que deve ser negociado para a exportação no mesmo patamar que a gente trata o salmão e o bacalhau no Brasil. Se todas as empresas do segmento de peixes nativos do Brasil tiverem esse entendimento do diferencial deste produto, sem falar de que é um produto exótico, é sustentável (você está preservando a floresta), os países ricos do mundo pagarão por esse diferencial. Temos que tratar esse pescado, essas espécies, como um super produto do agronegócio do Brasil. Esse é o nosso entendimento e assim a gente espera que seja trabalhado com essa inteligência de mercado e com esse posicionamento de produto para segmento A e B nos países ricos do mundo.

AQUACULTURE BRASIL: Como é visto o peixe nativo do Brasil que é exportado? Provavelmente já fizeram algumas provas, como está esse mercado? Janine: Teste de provas nós já fizemos em outras ocasiões, especialmente aqui no mercado norte-americano, e as repostas foram muito positivas. Com relação a exportação, a nossa empresa começa agora, porque a responsabilidade na exportação consiste sobretudo em continuidade de fornecimento. Começar uma exportação confiando que diversos produtores descentralizados vão lhe trazer o produto com aquele padrão e com aquela qualidade é algo bastante arriscado. Nós nos preocupamos em ter uma produção com volume considerável e própria para então buscar esses nichos de mercado. Estes segmentos consistem nos melhores hotéis, restaurantes, supermercados que atendem esse público de classe A e B. O ideal é focar em alguns mercados do mundo, especificamente até aonde consigamos atender de forma permanente, e aí a medida que a demanda for crescendo aumentamos a produção. Essa é grande vantagem da região amazônica: você não tem muito essa limitação de quanto produzir, porque a região está muito apta para produzir e se o mercado demanda, a produção cresce. Nós temos um pensamento muito positivo que essa demanda, uma vez que seja dado o start ela será permanente, porque nós sabemos que o produto tem muita qualidade e o sabor do peixe agrada.

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AQUACULTURE BRASIL: Então você acredita que o mercado internacional uma vez aberto e estabelecido será mais forte que o nacional?

O ideal é focar em alguns mercados do mundo, especificamente até aonde consigamos atender de forma permanente, e aí a medida que a demanda for crescendo aumentamos a produção.

Janine: Eu acho que o mercado externo, especialmente quando a gente trata de mercados principalmente como os países Asiáticos, América do Norte e países da União Europeia, o consumo de peixes é muito superior ao do Brasil. Assim eu te diria que muito provavelmente o consumo pode vir a ser maior do que o próprio mercado doméstico devido ao hábito alimentar dessa população, o brasileiro consome pouco peixe! Por outro lado, o que a gente também vê com bons olhos, na verdade se a indústria se estruturar mais e se existir uma oferta de produtos diferenciados no supermercado, uma maior oferta, eu acredito que o brasileiro venha a consumir mais peixes também. O pescado tem que se tornar uma coisa mais prática do supermercado para a mesa, então a gente vê esse consumo baixo de peixe no Brasil como uma janela de oportunidades, a gente entende que tem muito a crescer. Por exemplo, se hoje se consome seus 11 kg/habitante/ano e a União Europeia consome 19-20 kg/ habitante/ano a gente vê isso como uma janela tem que ser ocupada, o brasileiro tem que começar a consumir pelo menos o dobro do que se consome hoje. AQUACULTURE BRASIL: Até o momento como está o congresso? Muita procura e oportunidade? Esse foi o primeiro evento da Biofish? Janine: Nós participamos da feira Seafood em Bruxelas desde 2007, que é a maior do mundo. Essa aqui dos Estados Unidos tem 51 países expondo e 112 países visitantes/compradores. Notei que o contato da feira Seafood Boston foi mais efetivo para o Brasil do que os contados em Bruxelas, apesar de que lá o volume de pessoas e empresas é muito maior. Isso, talvez ocorra pela existência de intercâmbio comercial muito forte do Brasil e as Américas aos longos dos tempos. Muitas empresas estão habituadas a comprar alimentos do Brasil e vice-versa. O approach é como se fosse um hábito comprar do Brasil, e o Brasil vender para cá. AQUACULTURE BRASIL: Vocês possuem um modelo de projeto de produção participativa bastante interessante, você poderia nos apresentar melhor esse conceito? Janine: Depois de quase dez anos de andança pelo mundo trabalhando e estuando o potencial desse produto da Amazônia brasileira para o mundo, nós vislumbramos o tamanho do mercado que a gente tinha para abraçar. Com muita convicção que nós temos, que o pescado da Amazônia virá a ser um produto extremamente apreciado em mercados externos, nós decidimos direcionar esforços e trabalho para nos tornamos também produtores de peixes. Assim, há três anos a Biofish começou com modelos de projeto de produção participativa, aonde a gente aceita um investidor (sócio capitalista) em conjunto com a Biofish para implementar novas plantas de produção. Nós fazemos toda a gestão, damos todo o know-how, tocamos todo o projeto, e os nossos sócios rebem todos os benefícios da atividade. Dessa maneira a gente consegue implementar uma nova fazenda de produção com uma média de três a quatro meses. Esse é nosso enfoque para aumentar a produção e começar a exportar para os mercados importantes, consolidando a posição do peixe amazônico. AQUACULTURE BRASIL: Quantas fazendas, frutos desse modelo de projeto, já estão em andamento? Janine: Hoje nós estamos indo para a décima fazenda de produção de peixe. Como os projetos são feitos em etapas, a produção varia. Por exemplo, uma fazenda nasce com módulos entre 50 e 100 hectares de lâmina de produção, mas dependendo da propriedade tem potencial de ampliação de 200, 330 até 2.000 hectares de lâmina de água de produção. O fator determinante da produção é a demanda de mercado, a qual poderá duplicar, triplicar, quadruplicar a produção desse primeiro módulo. © Biofish

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E N T R E V I S TA AQUACULTURE BRASIL: O interessante é que tudo isso passa pelo sistema de qualidade de vocês. Correto? Janine: O projeto é nosso, a implementação é nossa, e o modelo de engenharia de produção só a Biofish tem. Enquanto os projetos tradicionais têm uma despesca e meia a cada dois anos, nosso projeto de produção em célula tem quatro despescas por ano por célula para espécies como o tambaqui e o pintado da Amazônia. Nós só implementamos esse modelo de projeto de células para plantas aonde a Biofish é sócia na produção, porque a gente tem que ter um controle muito grande da qualidade do alevino e manejo de produção. AQUACULTURE BRASIL: E qual o perfil dos investidores? Janine: A maioria são brasileiros, pessoas que tem capital parado e que querem diversificar investindo em outra atividade. Curiosamente, muitos empresários são da área da saúde. Mas identificamos os perfis dos empreendedores e nós da Biofish entramos com investimentos e respondemos com 50% da parceria. AQUACULTURE BRASIL: E a parte operacional? Janine: Nós fazemos tudo, toda a gestão é nossa. AQUACULTURE BRASIL: Em planos futuros quais serão os planos de ação da Biofish? Quais as áreas que ela pretende focar nos próximos dez anos? © Biofish

Janine: Nosso plano de ação é exatamente fazer um trabalho cada vez mais sério, para tentar realmente fazer uso desse posicionamento para o mercado internacional do peixe nativo do Brasil. Visamos colocar ele como um pescado premium e gourmet nos mercados externos e paralelo a isso, de acordo com a demanda que vem a surgir com esse trabalho, crescer cada vez mais o setor produtivo. E ainda paralelo a isso também tentar trabalhar cada vez mais com novos produtos, agregando um maior valor ao pescado para poder atingir esses mercados exigentes em termos de beneficiamento. AQUACULTURE BRASIL: Você poderia por favor mandar uma mensagem para as pessoas que ainda não conhecem e não provaram os peixes nativos do Brasil, e falar o que eles estão perdendo? Janine: Eu diria uma palavra, eu acho que é um produto imperdível, seria muito bom que fizesse parte da mesa no cotidiano de todo mundo. Porque é um produto de qualidade produzido com responsabilidade ambiental, possui valores nutricionais superiores a muitas espécies, e fomenta muito a atividade econômica no Brasil. Acredito que o brasileiro não poderia perder a oportunidade de consumir essa delicia da Amazônia todos os dias.

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NOVOS LIVROS Rotifers – Aquaculture, Ecology, Gerontology, and Ecotoxicology Editores: Atsushi Hagiwara & Tatsuki Yoshinaga Editora: Springer Singapore Idioma: Inglês - 190 páginas Lançamento: Fevereiro de 2017

Um guia referencial moderno, tanto para a aquicultura quanto para as ciências básicas sobre os Brachionus, desde a taxonomia até a genômica. Trata-se do primeiro livro em língua inglesa que fornece informações extensas sobre as técnicas de cultivo de rotíferos, relatadas anteriormente apenas em japonês. O trabalho apresenta exemplos típicos no âmbito da ciência pesqueira japonesa, mesclando conceitos básicos e suas aplicações, oferecendo aos leitores internacionais informações valiosas que explicam o porquê do Japão assumir um papel pioneiro na tecnologia de cultivo de alimento vivo.

Aquaculture Microbiology and Biotechnology, Volume Two Editores: Didier Montet & Ramesh C. Ray Editora: CRC Press Idioma: Inglês - 306 páginas Lançamento: Junho de 2017

As indústrias beneficiadoras de pescado geram enormes quantidades de resíduos, na forma de vísceras, escamas, água residual, etc. A aplicação de microrganismos e biotecnologia contribui significativamente para solucionar muitos desses problemas associados ao gerenciamento de resíduos. Este livro aborda estratégias para o controle de infecções bacterianas em produtos de origem aquícola. A publicação abrange a deterioração de peixes frescos, microrganismos e frutos do mar processados, segurança microbiológica e qualidade de peixes e camarões processados, além da detecção molecular de bactérias patogênicas transmitidas a partir dos frutos do mar.

Bioinformatics in Aquaculture: Principles and Methods Editores: Zhanjiang John Liu Editora: Wiley-Blackwell Idioma: Inglês - 592 páginas Lançamento: Abril de 2017

Esta publicação apresenta as revisões mais atualizadas sobre as tecnologias de sequenciamento

da próxima geração, suas aplicações na aquicultura, além dos princípios e metodologias para a análise de grandes conjuntos de dados genômicos e transcriptômicos, a partir de métodos bioinformáticos, algoritmos e bancos de dados. O livro é único em fornecer orientação para os melhores pacotes de software bioinformáticos, fornecendo exemplos detalhados de uso destes softwares e linhas de comando no contexto das experimentações atuais.

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Eles fazem a diferença! primeira vez nas edições da Revista Aquaculture Brasil o P ela nosso homenageado não é alguém que trabalhe no Brasil. En-

tretanto, ele é brasileiríssimo, além de muito admirado, em especial, pelos profissionais e estudantes que trabalham na área de piscicultura marinha. Com muita honra apresentamos o Ph.D. Daniel Benetti, oceanógrafo, professor e Diretor de Aquicultura na University of Miami´s Rosenstiel School of Marine and Atmospheric Science.

“Cresci pescando e mergulhando e sempre adorei peixes. Quando descobri que poderia dedicar-me a criar peixes como carreira profissional, imediatamente sabia que este era meu destino. E estava certo. Nunca olhei para trás. Ate hoje trabalho duro, as vezes 10 horas por dia, inclusive fins de semana e feriados se necessário, mas ao mesmo tempo nunca senti que o que faço é realmente “trabalho”. É mais que um prazer. Se ganhasse na loteria, pagaria para fazer o que faço, e pagaria a cada um de meus alunos para sentar na classe e escutar o que tenho a dizer (risos)”.

Como iniciou sua trajetória internacional? “Quando me graduei em Rio Grande, entrei para a Marinha e trabalhei com o Almirante Paulo Moreira da Silva, um homem brilhante, no Projeto Cabo Frio do Instituto de Pesquisas da Marinha, como encarregado do setor de peixes, trabalhando com tainhas, garoupas e pampos. Foram anos de experiências extraordinárias, trabalhando com poucos recursos e conseguindo resultados animadores com meus colegas, sobretudo o hoje Doutor Eduardo Barros Fagundes Netto. Com ele, desovamos e cultivamos larvas de tainhas pela primeira vez na America Latina. A seguir, em 1985/1986, fiz mestrado em Aquicultura e Manejo Pesqueiro em Stirling, na Escócia, e regressei ao Brasil, onde segui trabalhando na Marinha. Nos anos seguintes, o objetivo do programa modificou e a aquicultura perdeu o foco. Se quisesse continuar progredindo em minha carreira acadêmica e de pesquisa, eu teria que sair e fazer um doutorado no exterior. A Universidade de Miami, por trabalhar com espécies e ambiente tropicais, era a melhor opção. Cursei o doutorado orientado pelo Dr. Edwin Iversen, que era professor de aquicultura na Instituição.

Se ganhasse na loteria, pagaria para fazer o que faço, e pagaria a cada um de meus alunos para sentar na classe e escutar o que tenho a dizer (risos).

E com isso veio o convite para trabalhar na Universidade de Miami? Não sei, e até hoje me pergunto. Mas não foi um “convite”. Tive que “ralar” muito para conseguir a posição. Para começar, muito trabalho, dedicação e humildade. Foi uma luta, uma conquista por um posto muito disputado por vários candidatos, a maioria norte-americanos. Fui estudante, técnico, limpador de tanques, e fiz de tudo que ninguém mais queria fazer nas horas e dias mais difíceis. Talvez por isso os peixes cooperaram comigo... Com meus colegas, desovamos e criamos várias espécies de peixes marinhos, algumas pela primeira vez em aquicultura. Publicamos bastante, muita aula, e tudo mais. Posso afirmar que, acima de tudo, trabalhar duro, dando o melhor que pudermos de forma diligente é o mínimo que podemos fazer.

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Quais suas principais realizações? Difícil precisar. Desovar tainhas em Arraial do Cabo foi um passo importante que até hoje nos enche de orgulho; trabalhar com salmões e trutas na Escócia foi uma experiência muito interessante; aqui em Miami, ainda quando estudante de pós-graduação, desovamos várias espécies de pargos, garoupas, e outros peixes de recifes de coral, bem como robalos, red fish e sea trout; depois, no Havaí, trabalhando com dourados; no Equador com seriola e linguados; depois na Flórida com pargos e bijupirá e linguados, atuns – enfim, tudo isto me enche de alegria e orgulho. Alguns projetos comerciais exitosos como cultivo de pargos na Martec, em Costa Rica e principalmente de bijupirás com a Open Blue Sea Farms são iniciativas que nos enchem de satisfação por serem aplicações exitosas de tecnologias que implementamos a nível comercial. Mas quando penso nisto tudo, sinceramente, não penso em mim, mas nos peixes. Não sei como traduzir para expressar corretamente o sentimento mas em inglês eu diria que “it’s not about us; it’s all about the fish”.

Uma mensagem final para os leitores da Aquaculture Brasil. “Trabalhem duro, com diligência e respeito pela profissão e pelos peixes. Nunca encarem seu trabalho no campo de aquicultura como atividade rotineira. Procurem aprimorar-se sempre. A humildade é muito importante. No momento em que pensamos que sabemos e baixamos a guarda, inicia a queda profissional e pessoal. Sempre pensem no que podem fazer para inovar e melhorar as operações, os métodos e tecnologias que usamos e desenvolvemos e aproveitem a carreira maravilhosa que escolheram. Desta forma, ainda que deverão trabalhar duro toda sua vida, vocês nunca vão sentir que estão trabalhando, pois será sempre com prazer e alegria. Assim tem sido para mim até hoje. Na nossa profissão não existe dia chato, e o único dia fácil foi ontem”.

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© Andre Muniz Afonso

Rã-touro americana Bullfrog

A rã-touro-americana (Lithobates catesbeianus) é um anfíbio anuro, da família das rãs verdadeiras (Ranidae), de hábitos semiaquáticos, nativa do Canadá e dos Estados Unidos da América e amplamente utilizada por diversos países como animal padrão para o desenvolvimento da ranicultura. O primeiro país a introduzir a espécie em seu território foi Cuba em 1916, seguido do Japão em 1928 e do Brasil em 1935 (Rio de Janeiro). Seu coaxar, principalmente aquele emitido pelos machos na defesa do território ou na atração de fêmeas para o acasalamento, lembra o mugido de um touro, o que deu origem ao seu nome popular. Com fácil adaptação aos mais diversos biomas brasileiros, a espécie, rapidamente se estabeleceu em diversas regiões do país, como Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Além da carne - conhecida por suas propriedades nutricio-

nais, como: riqueza em proteínas (presença de todos os aminoácidos essenciais de forma equilibrada), baixa concentração de gorduras (hipocalórica), baixa capacidade de produzir alergias alimentares (hipoalergenicidade), alta digestibilidade e riqueza em minerais (3x mais Cálcio que o leite) – seus coprodutos possuem bom aproveitamento industrial, com destaque para a pele, que pode ser transformada num couro macio e resistente, e as vísceras, como o corpo adiposo, usado pelas indústrias farmacêutica e cosmética na confecção de óleos, cremes entre outros.

© Andre Muniz Afonso

Classe: Amphibia Ordem: Anura Família: Ranidae Gênero: Lithobates Espécie: Lithobates catesbeianus

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Ciclo de produção

PREÇO DE MERCADO Rã abatida R$ 40,00/kg Preço de mercado R$ 75,00/kg

FAIXA IDEAL DE t°C NA ENGORDA Idem reprodução.

Reprodução

DIMORFISMO

Machos adultos possuem o diâmetro dos tímpanos de duas a três vezes maior que o dos olhos (característica perceptível a partir dos 80g de peso), apresentam o papo amarelo-esverdeado e pregueado, calo nupcial no dedo (artelho) mais interno das mãos e o canto característico da espécie. As fêmeas têm papo branco e liso, não apresentam canto de acasalamento e nem calo nupcial, além disso, seus tímpanos têm o mesmo diâmetro dos olhos.

SISTEMAS DE PRODUÇÃO

Maturidade sexual (no Brasil): 4 a 6 meses (150 -200g). Temperatura da água: 21 – 25°C Temperatura do ar: 25 – 29°C Para efeitos de planejamento, admite-se que uma desova tenha entre 5.000 a 10.000 ovos de rãs, mas sabe-se que uma fêmea, em primeiro estágio de maturação, pode, facilmente, ultrapassar os 20.000 ovos. Contando-se a estação reprodutiva completa (primavera-verão) pode-se chegar a um total de 80.000 ovos obtidos de uma única fêmea. Controlando-se temperatura, umidade e fotoperíodo nas baias de mantença e acasalamento é possível aumentar o período reprodutivo, uma vez que nos meses de outono e inverno para algumas regiões do Brasil há uma queda de temperatura e de luminosidade e, consequentemente, uma baixa no metabolismo destes animais. Há ainda a possibilidade de obtenção artificial de ovos, por meio da reprodução induzida.

Alagados ou Inundados:

-Baias horizontais de diversos materiais, como cimento armado, alvenaria, lona plástica, fibra, entre outros; -Baias verticais ou sobrepostas; Obs: Densidade de 100 (imagos) a 80 (rãs) animais por m². Semissecos:

-Anfigranja; -Confinamento; -Tanque ilha; Obs: Densidade de 100 (imagos) a 50 (rãs) animais por m².

VOLUME NACIONAL PRODUZIDO

205 t/ano (IBGE 2006) – recentemente posicionado como o segundo maior produtor mundial, atrás apenas de Taiwan. No entanto, a FAO não tem recebido os dados de outros países produtores, como alguns asiáticos, que, sabidamente, possuem volume comercial que ultrapassa a produção brasileira. Consulte as referências bibliográfica em: www.aquaculturebrasil.com/especies

Alimentação Comercialmente ainda não existem rações específicas para rãs, pois ainda que existam muitas pesquisas em nutrição, não se definiu uma tabela de exigências nutricionais para suas mais diversas fases de desenvolvimento. Dessa forma, os produtores são orientados a utilizar rações comerciais para peixes onívoros nas fases larvais da rã (girinos), principalmente da forma de pó, e rações comerciais para peixes carnívoros (destacando-se as rações para trutas) para as rãs jovens (imagos), rãs em engorda e reprodutores, na forma extrusada.

ENTRAVES E DESAFIOS

-Inexistência de uma ração específica; -Preconceito pelo produto e falta de diversificação de produtos no mercado; -Disponibilidade de imagos em períodos de baixa temperatura.

CARACTERÍSTICAS POSITIVAS -Bom preço de venda; -Demanda de mercado; -Espécie rústica.

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P e s c a d o no Va r e j o apresentando o

o

pescado

consumidor

para

final

Convidamos o nosso colunista e especialista em Tecnologia do Pescado, o Prof. Dr. Alex Augusto Gonçalves, da UFERSA, para nos apresentar algumas formas de como o pescado com valor agregado é comercializado fora do Brasil. A ideia é mostrar tendências, novos conceitos em embalagens e quem sabe inspirar as empresas brasileiras, além de dar água na boca ao consumidor final.

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Arames Belgo: uma marca da Belgo Bekaert Arames

AQUACULTURE BRASIL - MARÇO/ABRIL 2017



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