A importância da Selecção

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D Genética

ANotasimportância da selecção para criadores I Por: Carla Cruz, Bióloga, Mestre em Produção Animal e Doutoranda em Ciência Animal • Fotos: Shutterstock

Criar animais aparentemente não tem nada de difícil, certo? Afinal, é só juntar um macho e uma fêmea na altura apropriada e deixar a natureza seguir o seu curso, correcto? No entanto, quando se pretende fazer um trabalho sério, com objectivos definidos e procurando beneficiar a raça a longo prazo, é necessário definir o que se pretende alcançar e saber quais as melhores formas de o conseguir.

A

pesar da criação de forma empírica permitir alcançar bons resultados ao longo da vida do criador (afinal, a maioria das raças foi assim estabelecida), uma boa base teórica e prática permite alcançar mais rápida e facilmente os resultados pretendidos, procurando minimizar qualquer impacto negativo e mantendo os animais e a população nas melhores condições possíveis.

Definição de objectivos

Antes de decidirmos enveredar pela criação de animais, devemos primeiro decidir qual o nosso objectivo, porque razão pretendemos criar e melhorar uma determinada raça. Isto poderá parecer uma questão de somenos importância, mas é de facto um dos factores fundamentais. Se não há objectivos, porquê criar? E como criar? Nas espécies pecuárias, normalmente, os objectivos de criação são objectivos e quantificáveis. O intuito será obter, por exemplo, uma maior produção de leite, um determinado teor de gordura, uma determinada quantidade de ovos, um determinado peso ao abate, etc. Já na criação de animais de companhia, os critérios são tipicamente subjectivos e dificilmente quantificáveis. A nível morfológico, o estalão da raça fornece uma indicação geral, mas passível de diferentes inter32 Cães&Companhia

pretações por diferentes pessoas; a nível de carácter, as características pretendidas irão variar consoante o fim a que o animal se destine – companhia, trabalho, que tipo de trabalho, etc. A quantidade de objectivos de selecção irá influenciar o sucesso a médio e longo prazo. Quanto maior for o número de objectivos que se trabalhe simultaneamente, mais difícil será encontrar animais adequados em todos eles para se iniciar o processo de selecção e reprodução. Adicionalmente, há que ter em atenção que, frequentemente, os objectivos de criação não são independentes. Mui-

tos estão correlacionados entre si, e muitas vezes de forma negativa – por exemplo, um criador que queira ter ninhadas numerosas e com cachorros grandes à nascença verá normalmente as suas expectativas serem frustradas; um criador que tenha cães de uma linha de pastoreio terá dificuldades em colocar com sucesso os seus cachorros como cães de companhia, pois os exemplares serão em média demasiado activos para a família típica.

Selecção de reprodutores

Portanto, definimos qual o nosso objectivo de criação e estamos mentalizados que estamos a enveredar num projecto a longo prazo. Ora, se temos um objectivo, é porque consideramos que a população de partida tem uma grande variabilidade face ao que pretendemos, variabilidade essa que queremos reduzir em direcção ao que pretendemos.


Como vamos escolher que animais iremos utilizar como reprodutores, para cumprir os nossos objectivos?

Selecção massal ou fenotípica

Uma possibilidade será recorrer à selecção massal ou fenotípica. Neste tipo de selecção, escolhem-se os indivíduos que se irão reproduzir com base no seu aspecto ou desempenho. Este tipo de selecção pressupõe a existência de um estalão, ou padrão racial, que sirva de linha mestra para o estabelecimento dos objectivos. A maioria das raças de animais domésticos foi estabelecida com base neste tipo de selecção, escolhendo-se os indivíduos considerados superiores e reproduzindo-os entre si. Normalmente, a selecção massal permite obter um progresso eficaz, mas apenas até um certo nível, depois disso é necessário recorrer a outros métodos de selecção. É bastante eficiente nas características com elevada heritabilidade, influenciando melhor caracteres relacionados com as características morfológicas do que aspectos produtivos. Aliás, para perceber o impacto que pode ter, basta pensar na enorme variedade de tamanhos e conformações que as diferentes raças de cães apresentam!

Selecção genealógica

Normalmente, à selecção massal segue-se a selecção genealógica, baseada no fenótipo dos ascendentes do animal em questão. Este tipo de selecção pressupõe, naturalmente, que existam registos fiáveis relativos aos exemplares que estão na árvore genealógica (no pedigree) de um animal. Como normalmente os livros genealógicos dos animais de companhia não mantêm registos sobre as características dos animais neles inscritos (excepto os títulos de beleza ou trabalho que lhe tenham sido atribuídos e, mais recentemente e em algumas situações, os resultados dos despistes de algumas patologias), é necessário que o criador faça um estudo o mais exaustivo possível dos ancestrais dos exemplares que está a considerar utilizar, de forma a tentar aferir se esse animal tem o potencial de contribuir para os seus objectivos ou não. O estudo das árvores genealógicas pode ser importante, por exemplo, para detectar os portadores de um gene recessivo, caso se tenha informação suficiente relativa aos ascendentes e aos colaterais (irmãos, tios, primos, etc.)

do exemplar em questão. Tem havido casos em que a análise detalhada de genealogias permitiu inclusive determinar o modo de transmissão de algumas patologias com base genética. Neste tipo de selecção, a fiabilidade da informação relativa aos exemplares em análise é crucial, para evitar a condenação de linhas reprodutivas por se pensar que é portadora de alguma patologia recessiva, quando na realidade não o é, ou, pelo contrário, a utilização de animais afectados, por omissão dessa informação sobre a ascendência. Ao usar árvores genealógicas para a selecção, deve prestar-se mais atenção aos ancestrais mais recentes – há que não esquecer que a percentagem de genes que um antepassado fornece é reduzida a metade em cada nova geração. Alguns criadores tendem a dar

uma grande ênfase a ascendentes que existiram há três ou quatro gerações, mas eles apenas contribuem com uma pequena percentagem dos genes que o indivíduo possui, influenciando assim pouco o seu tipo e aspectos produtivos (a menos que se tenha praticado o cruzamento em linha com esse indivíduo, assunto a que voltaremos mais abaixo). Uma das limitações deste tipo de selecção é que pressupõe que dois animais com um pedigree idêntico terão o mesmo potencial reprodutivo, quando na realidade, mesmo dois irmãos plenos podem ter um desempenho reprodutivo diferente. Porém, pode ser útil para decidir entre dois animais fenotipicamente idênticos, mas com genealogias diferentes. No caso de afecções com base genética, normalmente, a tendência é eliminar uma linha que se pressuponha estar afectada, mesmo que haja indivíduos que não o estejam, devido à impossibilidade de determinar quais os isentos (sobre-

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Quem pretende enveredar pela criação de animais deve ter uma ideia clara do(s) objectivo(s) que pretende alcançar e estar preparado para despender muito tempo a tentar alcançá-los, sem garantias de o conseguir tudo na ausência de testes genéticos). Adicionalmente, a selecção com base em pedigrees tem o problema de, frequentemente, se cair na “armadilha” do “animal da moda”, escolhendo-se para reprodução indivíduos que tenham algum determinado exemplar na sua ascendência, não tanto pelo seu mérito, nomeadamente a nível reprodutivo, mas por ser um animal particularmente vistoso, ou com bons desempenhos morfológicos e/ou de trabalho. Porém, frequentemente a popularidade de uma árvore genealógica não só se altera normalmente num curto espaço de tempo, devido à alteração do exemplar mais promovido na altura, como pode inclusivamente ter efeitos nefastos para a raça, caso se venha a verificar que um dado animal não se reproduz como os criadores esperariam.

Selecção baseada na descendência

Neste tipo de selecção, o valor reprodutivo de um indivíduo é avaliado através do estudo de um dado carácter na sua descendência. Ou seja, estuda-se a descendência de diferentes indivíduos para determinar qual dos grupos é melhor para a característica visada, e com base nessa informação, dá-se preferência a um dado indivíduo para ser utilizado como reprodutor no futuro. Os testes de descendência são tipicamente usados para efectuar selecção para características de baixa heritabilidade, e são normalmente usados para avaliar o potencial reprodutivo dos machos. O número de descendentes a analisar para fazer um teste de descendência rigoroso irá depender da heritabilidade do carácter, sendo necessários menos descendentes se a heritabilidade for baixa e um maior efectivo se a heritabilidade for baixa. É também importante manter constante o ambiente em que os descendentes são criados, para minimizar a influência do método de criação no fenótipo dos animais. Adicionalmente, é importante que as fêmeas utilizadas não sejam elas próprias seleccionadas, para não confundirem a análise do potencial reprodutivo do macho. Este tipo de selecção é normalmente usado na produção de animais de pecuária, para estudar carac34 Cães&Companhia

terísticas que apenas se expressam num dos sexos, como por exemplo a produção de leite em vacas ou de ovos em galinhas – os machos não podem expressar estas características, sendo no entanto portadores de genes que as influenciam. É também usada para estudar características que não podem ser avaliadas no animal vivo, como a qualidade da carcaça. Nestes animais, a descendência que não corresponde aos critérios que o criador estabeleceu como objectivo pode facilmente ser refugada. Já na criação de animais de companhia, isto não acontece, sendo a descendência mantida, mesmo que não seja utilizada em criação, pelo que o teste de descendência não é tão utilizado. Na realidade, os diferentes critérios de selecção de reprodutores acabam por ser utilizados de forma concomitante, de acordo com a informação disponível. Tipicamente, a qualidade morfológica e/ou comportamental do indivíduo é dos principais critérios utilizados (selecção massal), complementado, sempre que possível com a informação sobre os seus ascendentes (selecção genealógica) e colaterais. Se o indivíduo tiver sido já utilizado como reprodutor, a informação sobre a sua descendência é ponderada para considerar a sua manutenção ou não como reprodutor (teste de descendência).

Métodos de selecção

Sob um ponto de vista prático, o valor do indivíduo depende das várias características que possui, que podem ou não ter o mesmo interesse para o criador e que podem ou não ser independentes umas das outras. Como tal, normalmente é necessário seleccionar várias características simultaneamente. Assim, que metodologia usar para conseguir alcançar o resultado pretendido? Existem várias formas.

Método em tandem

Com este método, efectua-se a selecção para uma característica de cada vez. Quando se obtém uma melhoria considerada satisfatória para esse traço, diminui-se o esforço de selecção aplicado e aumenta-

se para o melhoramento de um outro carácter, e assim sucessivamente. No entanto, este método não é muito eficiente, em virtude do progresso genético global alcançado e do tempo dispendido pelo criador até alcançar o objectivo final. Adicionalmente, a sua eficiência irá depender da associação entre os caracteres. Se os caracteres estiverem associados positivamente, a selecção para um irá beneficiar o outro e o progresso será mais rápido. Se não houver associação, eles serão transmitidos de forma independente e o progresso será lento, uma vez que se está a seleccionar um de cada vez. Se a correlação for negativa, acaba por não se conseguir alcançar o resultado objectivo, pois a selecção para progresso numa característica irá implicar um retrocesso noutra.

Método dos limiares independentes

Usando este método, a selecção pode ser efectuada para dois ou mais caracteres em simultâneo. Determina-se como obrigatório para que um animal seja utilizado na reprodução que ele tenha um resultado mínimo em cada um dos traços para que seja utilizado na reprodução. Este método é utilizado, por exemplo, em formas de selecção de animais de Exposição, em que os animais têm de cumprir determinados parâmetros de excelência a nível de tipo e conformação. Em espécies pecuárias, por exemplo, há tabelas da pontuação a ser atribuída a diferentes regiões anatómicas consoante a sua conformação; já nos cães, por exemplo, essa atribuição tende a ser mais subjectiva, se bem que alguns estalões antigos tinham também uma tabela de pontuação, o que não ocorre actualmente. Este método tem vantagens sobre o método em tandem, por ser aplicado a mais que uma característica ao mesmo tempo. No entanto, pelo facto de se impor um valor de qualidade mínimo a cada um dos caracteres em simultâneo, pode levar a que se eliminem exemplares de elevado mérito em alguns traços, por não cumprirem os mínimos noutros.

Método dos índices de selecção

Este método implica a determinação do valor de cada uma das características a seleccionar de forma independente. Estes valores são depois adicionados, obtendo-se um índice relativo a este somatório (existem diferentes formas de efectuar estes cálculos). Os indivíduos com um valor de índice mais elevado irão então ser utilizados preferencialmente na reprodução. O peso que cada carácter vai ter irá depender de vários factores, como a sua importância, a sua heritabilidade,


correlação genética com outros caracteres, etc. Adicionalmente, o valor do índice atribuído a um animal poderá variar ao longo do tempo, à medida que vai havendo cada vez mais informação disponível sobre o seu valor e sobre os seus ascendentes, colaterais e descendentes, o que permite ir actualizando o real potencial reprodutivo do animal. Os índices de selecção são mais eficientes que o método dos limiares independentes, pois permitem que indivíduos que se destaquem em algumas características sejam utilizados na reprodução, mesmo que sejam algo inferiores noutras. Esta metodologia é amplamente utilizada na produção de espécies pecuárias, onde existem registos sobre as diferentes características produtivas dos animais. Na criação de animais de companhia tem sido pouco utilizada, e quando o é, tem sido principalmente a nível experimental ou localizado. No entanto, merecia ser mais utilizado, devido ao potencial de grande progresso em relativamente pouco tempo.

Alguns factores que influenciam a eficiência da selecção

Até aqui falou-se de como seleccionar os animais a utilizar na reprodução. No entanto, o progresso que o criador irá conseguir obter irá depender da sua capacidade em distinguir e seleccionar esses mesmos animais. E tal irá depender em muito dos seus objectivos. Um criador sem objectivos definidos naturalmente não terá com que se basear para efectuar a selecção. Por sua vez, alguém que esteja constantemente a alterar os seus objectivos terá de ir modificando os animais que selecciona, pois os adequados num ano não o serão noutro. O estabelecimento de objectivos implica uma abordagem a longo prazo, e não apenas a procura de resultados imediatos.

Diferencial de selecção

O progresso que se irá conseguir obter com a selecção irá depender da quantidade de pressão de selecção aplicada para um dado carácter. O objectivo da selecção é o de seleccionar indivíduos que se destaquem da população geral. A essa diferença entre a

média da população e a média dos animais escolhidos como reprodutores chama-se diferencial de selecção. Em geral, quanto maior for o diferencial, maior o progresso que se poderá esperar obter com a selecção. Normalmente, o diferencial de selecção usado para os machos tende a ser maior que o das fêmeas, pois em regra são usados menos machos na reprodução que fêmeas. O número de caracteres para os quais se está a seleccionar tende a reduzir o tamanho do diferencial de selecção para qualquer carácter, uma vez que um indivíduo pode ser superior num carácter mas inferior noutro; é mais difícil encontrar um animal que seja simultaneamente superior para várias características que para uma única. Uma das vantagens da utilização de índices de selecção é precisamente permitir avaliar o potencial de animais com diferentes vantagens e desvantagens nos vários caracteres considerados. O diferencial de selecção também se irá alterando ao longo do tempo que o carácter está a ser seleccionado. À medida que a média da população seleccionada vai aumentando, vai-se tornando cada vez mais difícil encontrar animais que excedam esse valor.

Heritabilidade

A heritabilidade diz respeito à proporção da variação do carácter que pode ser atribuída à acção cumulativa (aditiva) de vários genes, ou seja, dá uma

ideia da “transmissibilidade” de uma característica. Quanto maior for a heritabilidade de um carácter, maior a correlação entre o fenótipo dos indivíduos e o seu genótipo. Como será de esperar, o progresso que se consegue realizar com a selecção irá estar condicionado pela heritabilidade da característica. Quando se selecciona um carácter de baixa heritabilidade, como o tamanho da ninhada, irá conseguir-se pouco progresso; já traços com maior heritabilidade, como o ritmo de crescimento, permitem maior progresso. Quando a heritabilidade de um carácter é elevada, o diferencial de selecção será devido mais à heritabilidade do que ao ambiente; já no caso de uma heritabilidade baixa, grande parte do diferencial de selecção aplicado poderá ser devido principalmente a factores ambientais – ou seja, irá obter-se mais progresso variando o ambiente em que os animais são criados do que através de progresso genético. É preciso ter em atenção que a as estimativas de heritabilidade de diferentes caracteres dizem respeito a valores médios, são aplicáveis a populações, a grandes números de indivíduos, e não necessariamente a casos específicos

Em suma…

Criar animais está longe de ser uma ciência exacta. Há muito que não se sabe sobre as bases genéticas de muitos caracteres de interesse para o criador, os caracteres que interessam um criador não são necessariamente os que interessam outro criador, etc. Quem pretende enveredar pela criação de animais deve ter uma ideia clara do(s) objectivo(s) que pretende alcançar e estar preparado para despender muito tempo a tentar alcançá-los, sem garantias de o conseguir. Uma das grandes diferenças da criação de animais de companhia versus animais de produção pecuária tem a ver com a necessidade de manter inclusive animais considerados “inferiores” faces às metas definidas, com os inerentes custos económicos e/ou emocionais. Criar é uma responsabilidade que deve ser assumida à partida e em todas as fases do percurso. Efectuar decisões informadas permite minimizar os riscos incorridos e maximizar a probabilidade de sucesso, mas não os anula. D

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