Devemos afastar da reprodução os animais com genes indesejáveis?

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D Genética

Uma ideia preponderante na criação é a de que os indivíduos que tenham genes (ou, mais propriamente, alelos) indesejáveis devem ser afastados da reprodução. Afinal, é óbvio que ninguém deseja criar um animal que padeça de alguma patologia, certo? Mas será que esta ideia é assim tão linear e simples de implementar? Por: Carla Cruz, Bióloga, Mestre em Produção Animal e Doutoranda em Ciência Animal Fotos: Shutterstock

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m que consiste ao certo um “gene indesejável”? Há algumas situações em que não existem grandes dúvidas, se houver uma alteração que leve a que o indivíduo não seja viável, não sobreviva ou não tenha um mínimo de qualidade de vida, naturalmente que será indesejável. Mas, e em casos menos extremos? Um gene que leva a que o animal apresente uma cor que eu não gosto, será indesejável? Para uma pessoa talvez, mas outra poderá gostar, e para ela certamente não o será. Ok, mas aqui estamos a falar de uma questão de gostos, nada que comprometa a saúde do indivíduo. Se afectar a sua saúde, certamente que será indesejável! Ou será que não é assim tão simples?

Mitos & realidades na criação (III)

Devemos afastar da reprodução os animais com genes

indesejáveis?

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crescimento e maior susceptibilidade a infecções, podendo mesmo levar a uma morte precoce. A anemia falciforme tem uma base genética, sendo simplesmente um alelo recessivo de um gene. Para ser portador da doença, é preciso que o alelo alterado seja transmitido pelo pai e pela mãe. Se for transmitido apenas por um dos pais, o filho terá o traço falciforme, que poderá passar para seus descendentes, mas não irá manifestar a doença. Apesar de com pessoas essa questão não se colocar, se esta doença fosse do foro animal, certamente que se procuraria eliminar da reprodução os exemplares que pudessem dar origem a indivíduos afectados, certo? Afinal, é uma doença bastante debilitante. Mas… Apesar de as pessoas com as duas cópias do alelo afectado efectivamente terem os problemas da anemia, as heterozigóticas (com um alelo normal e um alelo afectado) apresentam sintomas moderados de anemia, mas têm maior resistência à malária que os indivíduos apresentando dois alelos iguais, algo extremamente importante nas regiões onde esta doença ocorre. Dá que pensar, não?... O que este exemplo demonstra é que não se sabe o suficiente sobre a forma como os genes/alelos responsáveis por diferentes doenças interactuam, e ao querer-se eliminar alguns alelos responsáveis por alguns problemas pode inadvertidamente eliminar-se protecções intrínsecas contra outras maleitas.

O caso do Basenji

A procura da remoção, de uma população, de certos genes (ou melhor, alelos) responsáveis por determinadas doenças pode levar também a outros problemas inesperados. Tomemos o Basenji como exemplo. O Basenji é uma raça de cães de caça originária de África. Durante a década de 1960, descobriu-se porque é que alguns cães entre os 2 e os 4 anos morriam devido a uma forma incurável de anemia – além de uma forma não-hereditária, denominada anemia auto-imune, a raça padece também de uma forma hereditária, a anemia hemolítica, na qual os glóbulos vermelhos têm uma defeituosa actividade da enzima cinase de piruvato. A remoção do baço e transfusões sanguíneas podem prolongar a vida do animal afectado, mas o defeito enzimático é permanente.

Anemia falciforme

Um exemplo clássico sobre o impacto que um problema pode ter na saúde em geral é o da anemia falciforme nos humanos. Esta doença, originária de África, caracteriza-se por uma alteração nos glóbulos vermelhos, que são responsáveis pelo transporte do oxigénio no sangue. Nas pessoas afectadas, em vez da normal forma arredondada e elástica, estes glóbulos adquirem um aspecto de foice (daí a sua designação) e endurecem. A sua hemoglobina (a molécula responsável pelo transporte do oxigénio) cristaliza na falta de oxigénio, levando a bloqueios na circulação sanguínea, o que leva a danos nos tecidos (devido à falta de oxigenação e de nutrição) e problemas neurológicos, cardiovasculares, pulmonares e renais, dores, fadiga intensa, atrasos no

Reduzir a ocorrência de patologias devidas a um único gene, em que a forma dominante é a que causa o problema é bastante simples, basta remover da reprodução todos os indivíduos afectados e elimina-se o problema. Cães&Companhia 41

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