D Criação
Corte de Caudas nos Cães
Por: Carla Cruz, criadora com o afixo “Aradik” • Fotos: Shutterstock
Falar de corte de caudas e orelhas nos cães é sempre um tema muito complicado, pois leva invariavelmente a reações altamente emotivas quer por parte de quem concorda quer por quem discorda. Afinal, quem tem razão? Existem argumentos válidos para justificar estas amputações? Será que só trazem desvantagens? Leia e decida por si...
Resumidamente, a cauda é a parte terminal da coliuna vertebral, tipicamente composta por seis a vinte e três vértebras muito móveis.
O
costume de cortar as caudas aos cães tem uma origem remota e envolve tanto questões de ordem mitológica (pelo menos assim o entendemos atualmente, na altura seriam consideradas uma realidade) como prática. Por exemplo, os romanos acreditavam que os cães de cauda cortada eram menos suscetíveis a contrair raiva. Até ao século XIX, era também um método para tentar obter cães anuros, numa época em que se pensava que os filhos podiam herdar as características adquiridas (não genéticas) dos progenitores. Sob um ponto de vista mais prático, por exemplo no Reino Unido cortava-se a cauda a cães de trabalho para evitar que pagassem imposto, pois estes estavam isentos. Era também comum cortá-la aos cães de luta (com outros cães ou com ursos), para dificultar que fossem mordidos num ponto de fácil preensão. Todos estes argumentos não passam presentemente de razões históricas, sem aplicabilidade aos dias de hoje (bem… talvez a dos cães de luta persista, mas isso é outra questão…). Vivemos numa época em que temos mais conhecimento e acesso facilitado à informação, énos mais fácil avaliar os prós, os contras e o impacto das decisões que tomamos.Analisemos então os argumentos mais comumente utilizados a favor e contra o corte de caudas nos cães
A cauda dos cães
Vejamos primeiro o que é a cauda, sob um ponto de vista anatómico, 44 Cães&Companhia
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pois isso é importante para compreender alguma da argumentação relacionada com as alegadas vantagens ou desvantagens do corte da cauda. Resumidamente, a cauda é a parte terminal da coluna vertebral, tipicamente composta por 6 a 23 vértebras muito móveis. Estas estão envolvidas por musculatura muito versátil, que torna a cau-
uma tesoura ou um bisturi. Consoante o sangramento, se necessário poderão ser aplicadas uma ou mais suturas.
Argumentos a favor do corte de caudas
Os proponentes da amputação das caudas recorrem tipicamente a motivos relacionados com questões culturais,
o corte de cauda tem sido justificado por razões históricas, culturais e funcionais. quais resistem ao escrutínio? da capaz de movimentos muito precisos. Parte da musculatura tem origem em músculos associados ao reto, ao ânus e ao diafragma pélvico e parte é continuação direta da musculatura epiaxial do tronco. Estes músculos possuem vários tendões. Existem ainda 4 a 7 pares de nervos caudais.
O corte da cauda
O corte da cauda é normalmente feito por um de dois métodos. O primeiro consiste no procedimento normalmente utilizado em espécies pecuárias – a aplicação de um anel de borracha apertado na cauda. Isto serve para fazer a oclusão dos vasos sanguíneos que irrigam os tecidos para lá do anel, o que resulta em isquemia, necrose e, eventualmente, na queda da cauda. O método mais comum nos cães é a amputação por via cirúrgica, normalmente até 5 dias após o nascimento. Após o corte do pelo em redor do sítio da amputação, a cauda é cortada usando
tradições e de saúde. São também alegadas razões que se prendem com a própria higiene dos animais. Vejamos cada uma em maior detalhe.
Evitar danos
Este motivo é normalmente referido para justificar o corte em cães de trabalho (principalmente de caça, mas também de pastoreio) e em cães de pelo raso, nomeadamente os que têm temperamentos muito exuberantes. Nos cães de trabalho, o objetivo será evitar que a cauda, principalmente a porção terminal, mais frágil e móvel, sofra ferimentos quando o animal atravessa vegetação densa e espinhosa. Nos cães de temperamento efusivo, o argumento é que serve para evitar que a cauda sofra danos quando o cão a abana intempestivamente contra móveis, paredes, etc. No entanto, as evidências não parecem suportar este argumento.A principal fonte usada para apoiar a maior incidência
de danos em cães de cauda inteira tem sido um inquérito feito pelo Clube Sueco do Braco Alemão de Pelo Curto após a implementação da proibição do corte de caudas no país em 1988. Os dados iniciais apontaram efetivamente para um aumento do número de danos nas caudas. No entanto, o número de contribuições recebidas no segundo ano do estudo foi consideravelmente inferior ao do primeiro ano, parecendo haver uma autosseleção dos respondentes. Em 1996, o Ministério da Agricultura Sueco fez uma revisão do estudo, a pedido do Clube da Raça, e rejeitou-o como não científico. Não parecem haver mais estudos evidenciando o aumento de danos às caudas devido à sua nãoamputação. Aliás, os estudos apontam para o contrário. Uma investigação de 7 anos em Edimburgo, publicada em 1985 e incidindo em mais de 12.000 cães tratados num hospital universitário, detetou uma reduzida incidência de problemas em caudas (apenas 47 casos); não ocorreram diferenças significativas entre a taxa de danos nas caudas (fraturas, lacerações, dermatoses, trauma autoinduzido e neoplasias) e o fato de as raças terem ou não a cauda cortada. Noutro trabalho, em 2.350 consultas num Hospital Veterinário dedicado a emergências, em Sidney, e num período de 9 meses entre 1991 e 1992, apenas 3 envolveram danos em caudas; foram todas resultado de problemas ocorridos logo após a sua amputação em cachorros. Certo, estes estudos foram efetuados em meios urbanos, quando em meios rurais há potencialmente maior probabilidade de ocorrerem danos, e seria interessante Cães&Companhia 45
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