Problemas por separação nos cães

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D Etologia

Problemas por

separação

pessoa (normalmente o dono), a ponto de não conseguir lidar com a sua ausência; quanto maior a ligação entre o cão e a pessoa, maiores serão os problemas. Pode ser definida, de forma ampla, como o comportamento problemático motivado por uma ansiedade que ocorre exclusivamente na ausência (real ou virtual) do dono – ou seja, o dono não precisa de estar fisicamente ausente; por vezes, o simples facto de estar numa divisão diferente de onde o cão está pode ser o suficiente para desencadear uma crise destes problemas. Quando fica sozinho em casa, o cão pode exibir uma grande diversidade de comportamentos, nomeadamente, destruição de diferentes objetos, tentativas de escavação no local por onde o dono saiu, vocalização excessiva (ladrar continuado, uivos, gemidos), urinar e/ ou defecar em casa (mesmo que o cão saiba ser limpo dentro de casa nas restantes situações). Outros sintomas que poderá exibir, não tão evidentes, mas também indicadores de uma alteração do seu bem-estar, incluem isolamento, falta de apetite, hiperventilação, salivação, tremores, problemas gastrointestinais (vómitos, diarreia), atividade motora aumentada e repetitiva (como andar de um lado para o outro, andar às voltas) e comportamentos repetitivos (como exces-

so de comportamentos de limpeza ou auto-mutilação). Uma vez que as pessoas, quando se preparam para sair de casa, tendem a cumprir uma série de rituais, mesmo que deles não se apercebam – por exemplo, desligar a televisão, vestir o casaco, pegar na carteira e nas chaves – os cães aprendem a associar estes estímulos com a saída iminente do dono, começando desde logo a ficar ansiosos, agitados, eventualmente deprimidos;

alguns chegam mesmo a tentar evitar a saída do dono de forma agressiva.

Ansiedade e medo

Popularmente, associamos a ansiedade a um estado de medo ou receio. Porém, estes dois estados são muito diferentes. A ansiedade é uma resposta a um perigo potencial (ou seja, pode ser independente de um estímulo específico), enquanto o medo diz respeito a um perigo presente [figura 1]. estímulos ou sinais remotos, ou constituindo “associações internas”

Estímulos ou sinais próximos e iminentes

Processos de atenção

Medo

promove comportamentos que removem o animal da fonte de perigo

Avaliação de risco Activação do sistema de defesa acçao imediata

Ansiedade

promove comportamentos que permitem que o animal se aproxime da fonte de perigo

Resultado reflexo autonómico e somático Figura 1 – Distinção entre medo e ansiedade (adaptado de Ohl, F., S.S. Arndt, & F.J. van der Staay (2008) Pathological anxiety in animals. The Veterinary Journal, 175:18-26).

A “ansiedade por separação” é um problema sério que afeta a qualidade de vida de numerosos cães, dos seus donos e dos vizinhos!

O medo leva o organismo a reagir de forma reflexa, afastando-se e evitando o estímulo que o causa. A variante patológica do medo será a fobia, na qual o medo em relação à situação específica é tal que o cão deixa de conseguir tomar decisões conscientes sobre como lidar com a situação. Pode mesmo exibir comportamentos que o coloquem ainda mais em risco ou exibir ações reflexas de pânico; na fobia o medo não desaparece com a exposição gradual e controlada à situação que a originou, pode mesmo aumentar ao longo do tempo. Em contrapartida, a ansiedade promove comportamentos que permitem que o animal se aproxime da fonte do perigo (ou pelo menos que o cão apercebe como um perigo), aumentando a atenção e a avaliação do risco. Isto permite que, no futuro, se afaste dele se necessário. Ou seja, a ansiedade permite a adaptação às condições ambientais. Foi sugerido que a ansiedade aparece quando existe uma divergência entre a informação que o animal apercebe e a informação que tinha já armazenado previamente. Isto significa que a ansiedade pode resultar de falsos alarmes na ausência de um perigo ou ameaça factual. Se as respostas devidas à ansiedade forem inadequadas, a capacidade de adaptação do indivíduo ficará seriamente comprometida, podendo Os donos tendem em cumprir uma série de rituais antes de sair de casa, que os cães aprendem a associar à saída eminente do dono.

Muitas pessoas gostam de adotar o seu novo companheiro canino durante as férias. Pensam que como assim têm mais tempo disponível, o seu cão irá adaptar-se mais facilmente à nova família e não sofrer tanto com a mudança de ambiente. Mas, por vezes, pode ser pior a emenda que o soneto... Por: Carla Cruz. Mestre em Produção Animal e Doutoranda em Ciência Animal (www.aradik.net) • Fotos: Shutterstock

A

situação é conhecida e temida por numerosos donos de cães. A pessoa prepara-se para sair de casa e o seu cão começa a dar sinais de estar a ficar stressado, não sai debaixo dos pés do dono e põe o ar mais infeliz do mundo. Assim que vira as costas e sai de casa, o animal começa a ladrar em contínuo e/ou a uivar de uma forma capaz partir do coração mais duro, saltando desesperadamente na porta da rua. Quando o dono regressa a casa, minutos ou horas depois, a conta dos 34 Cães&Companhia

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estragos aumenta de dia para dia – ele são os sofás esventrados, a roupa ou tapetes roídos, a porta da rua toda esgravatada, o colchão da cama do dono esburacado, as queixas dos vizinhos pelo barulho que o cão fez… A maioria dos casos não será assim tão severa, mas a “ansiedade por separação”, como é popularmente chamada, é um problema sério que afeta a qualidade de vida de numerosos cães e dos seus donos (e vizinhos!). Pode inclusive ser causa de abandono e/ou eutanásia de cães de outra forma saudáveis – é

um problema que demora muito tempo a resolver ou gerir (nem sempre se consegue solucionar por completo), exige bastante empenho por parte do dono e os vizinhos nem sempre são compreensivos quanto à duração do tratamento. Em clínicas especializadas em comportamento, a ansiedade por separação tem sido diagnosticada em 14 a 39% dos casos de animais apresentados a consulta. Este mês vamos analisar as bases teóricas para os problemas de separação

que os cães podem apresentar. Este artigo não diz respeito à forma de as resolver, apesar de o conhecimento de como surgem ser fundamental para saber como lidar com eles. Para a resolução, consulte um profissional especializado.

O que são os problemas por separação?

Tradicionalmente, considera-se que a “ansiedade” de separação é derivada de uma grande ligação do cão a uma Cães&Companhia 35

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