A vida sexual dos cães

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Criação

Fotos: Shutterstock

A vida sexual dos cães

Carla Cruz

Mestre em Produção Animal e Doutoranda em Ciência Animal (www.aradik.net)

Alguns aspetos a ter em atenção na criação… ou para a evitar!

Nos últimos meses estivemos a ponderar seriamente sobre se devemos enveredar pela criação, se os animais de que dispomos possuem as qualidades adequadas para dar continuidade à sua raça ou para o tipo de função que desempenham, como escolher os parceiros mais adequados com base nas suas qualidades e defeitos e na sua compatibilidade genealógica, qual a importância dos despistes de saúde prévios, a relevância de ter atenção o estado geral da sua raça nos planos de cruzamento, etc.

Por norma, o primeiro cio das cadelas de porte pequeno ocorre tipicamente entre os 6 e os 8 meses, enquanto nos cães de grande porte ocorre entre os 12 e os 20 meses de idade.

A

lém de tudo isso, vimos também que é extremamente importante ter a certeza que há capacidade financeira para assegurar os custos da criação. Vamos agora começar a abordar aspetos mais concretos desta atividade. O primeiro, naturalmente, é o saber quando é que os nossos cães estão capazes de criar.

Maturidade sexual

Por norma, o primeiro cio aparece quando as cadelas atingem cerca de 2/3 do seu peso adulto. Nos cães de porte pequeno, isto ocorre tipicamente entre os 6 e os 8 meses; em cães de grande porte, de crescimento mais lento, normalmente ocorre entre os 12 e os 20 meses de idade. Apesar de no 1º cio ser já possível engravidar, a fertilidade máxima não é alcançada antes dos 2º ou 3º cios (ou seja, perto dos 3 anos de idade), independentemente da raça.

Ciclo reprodutivo das cadelas

Em algumas espécies animais, a fertilidade das fêmeas é induzida pela presença de machos nas imediações e/ou pela copulação. Nas cadelas, existem épocas de reprodução definidas e espaçadas entre si. Se não ocorrer gestação num ciclo, apenas poderá eventualmente voltar a ocorrer na fase seguinte. O ciclo éstrico da cadela é composto por 3 fases características – proestro, estro e diestro ou metaestro –, a que se segue um período de repouso sexual com inatividade funcional dos ovários – o anestro. 38 Cães&Companhia

O conhecimento do ciclo éstrico é fundamental para saber quando cruzar a cadela… ou evitar o acasalamento Proestro

O proestro é a primeira fase do cio, em que ocorre o aumento da produção de estrogénio, que leva a várias alterações no trato reprodutivo – como a edemaciação da vulva (a parte externa dos órgãos sexuais femininos, são os lábios que se vêm sob o ânus, na traseira da cadela), o aparecimento de um corrimento sero-sanguinolento e a produção de feromonas que atraem os machos. Nesta fase as fêmeas ainda não se deixam cruzar. Apesar de ter uma duração média de 7-9 dias, pode variar entre os 3-4 dias e as 3 semanas.

Estro

Nesta fase, diminui o edema da vulva e o corrimento é de tom mais claro e bastante reduzido ou inexistente. Quando se alcança o pico máximo da produção de estrogénios, a ovulação ocorre 40 a 50 horas após o pico da hormona LH, e o comportamento da cadela modifica-se – ela torna-se recetiva aos machos, aceitando os seus avanços e afastando a cauda lateralmente, expondo a vulva e facilitando a monta.

Este período tem uma duração muito variável – algumas cadelas apenas aceitam os cães durante umas horas, outras durante mais de uma semana.

Diestro ou metaestro

Após o estro, ocorre o diestro (também chamado metaestro ou fase lútea), em que a fêmea recusa novamente o macho (apesar de algumas fêmeas particularmente submissas poderem ainda permitir a copulação nesta fase). O edema vulvar diminui até desaparecer, e apenas uma quantidade mínima de corrimento vulvar poderá estar presente. Nesta fase, a cadela passa por um período em que o funcionamento hormonal é quase idêntico quer tenha sido cruzada ou não. Na maioria dos animais, o corpo lúteo (estrutura que se forma nos ovários após a libertação dos óvulos e que produz estrogénios e progesterona) degenera alguns dias depois da sua formação, se não ocorrer gestação; caso a gravidez ocorra, não degenera, sendo fundamental para a manutenção de tecido adequado à gestação até à placenta assumir essa função. Cães&Companhia 39


De qualquer forma, é importante estar atento aos intervalos entre cios. Alterações no espaçamento normal podem ser indicativas de algum problema de saúde.

Influência social

Quando há várias fêmeas a viver juntas, não é de todo incomum haver sincronização de cios – quando uma cadela entra em cio, nas 2 semanas seguintes as outras, ou várias delas, entram também em cio. Não é também raro fêmeas muito submissas verem o seu ciclo reprodutivo inibido pela presença de fêmeas muito dominantes, apenas ciclando normalmente se forem removidas desse grupo social.

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Cuidado com a reprodução precoce

É importante realçar que a maturidade sexual não corresponde à maturidade física ou psicológica. Os cães estão fisiologicamente aptos a reproduzir-se muito antes de completarem o seu desenvolvimento corporal, e enquanto são ainda cachorrões a nível corporal – tal como acontece com as pessoas, em que a menarca (a primeira menstruação) ocorre entre os 10 e os 15 anos, não querendo isso significar que as adolescentes devam começar a procriar com essa idade. Apesar de não haver estudos que demonstrem efeitos nefastos para a saúde ou crescimento de uma reprodução precoce (ou seja, não é uma boa

No caso das cadelas, os corpos lúteos continuam a funcionar durante bastante tempo, durante cerca de 56-58 dias nas cadelas gestantes e 75 a 90 dias nas não-gestantes.

Anestro

O anestro é o período entre 2 ciclos éstricos, com uma duração típica de 3 meses, mas variando, por norma, entre 1 e 6 meses. É uma fase de repouso, sem a ocorrência de comportamento sexuais, reduzida atividade hormonal e baixa resposta dos ovários a determinadas hormonas, e na qual o útero se encontra em involução – um processo que dura cerca de 120 dias se não ocorrer gestação e cerca de 140 se houver.

Intervalo entre ciclos

Os primos selvagens dos cães, os lobos, têm épocas de acasalamento bem marcadas, períodos bem definidos em que tanto as fêmeas como os machos estão reprodutivamente ativos; no resto do ano, ambos os sexos estão reprodutivamente inativos. Já no caso dos cães, os machos estão sexualmente disponíveis todo o ano. Apenas as fêmeas mantêm ciclos de fertilidade bem marcados. Enquanto nos lobos a reprodução apenas 40 Cães&Companhia

forma de travar o crescimento de cães demasiado grandes, como alguns pensam), não é descabido pensar nos riscos que isso envolve – stress acrescido num esqueleto ainda em formação e com as placas de crescimento dos ossos ainda abertas, desvio para os fetos de nutrientes importantes para o desenvolvimento corporal, imaturidade psicológica para saber/conseguir tratar adequadamente dos cachorros, etc.

Adicionalmente, por altura do 1º ou mesmo do 2º cio, o animal está ainda a completar o seu crescimento (sim, mesmo em cães pequenos, o aspeto com 1 ano, com 2 anos ou com 5 anos não tem nada a ver), e não é ainda possível avaliar com segurança o seu potencial físico e ainda menos o comportamental, que se desenvolve até mais tarde que o morfológico. Adicionalmente, não é ainda possível efetuar a maioria dos despistes de

Apesar de popularmente se pensar que os cios ocorrem de 6 em 6 meses, os intervalos entre cios são muito variáveis ocorre uma vez por ano, no fim do inverno para partos na primavera, nas cadelas não existe esta sazonalidade, as épocas são mais variáveis e espalhadas ao longo do ano – apesar de em climas amenos haver uma maior incidência para cios no final do inverno ou início da primavera.

Apesar de popularmente se pensar que os cios ocorrem de 6 em 6 meses, os intervalos entre cios são muito variáveis. Raças primitivas tendem a ter apenas um cio por ano. Em raças de grande porte, tende a ocorrer a cada 8-10 meses. Algumas raças, como o Pastor Alemão ou o Rottweiler, podem chegar a ter cios a cada 4,5-5 meses, sem que isso implique problemas hormonais. A heritabilidade do intervalo entre cios (a variação nos intervalos que é devida a componente genética) é estimada em 35%, um valor significativo. Adicionalmente, o ambiente e o clima podem também influenciar o intervalo entre cios. Por experiência própria, constatei que cadelas que tinham cios a intervalos de 8-10 meses quando vivia no norte do país, passaram a tê-los com intervalos de 5-7 meses quando me mudei bastante mais para sul. A idade é também um fator que afeta o período entre ciclos, com intervalos mais irregulares nos primeiros cios e com as cadelas mais velhas a tenderem a ter cios mais espaçados. Cães&Companhia 41


Tem sido evidenciado que com cruzamentos em todos os cios, a prolificidade das cadelas diminui rapidamente, afetando os resultados globais da criação. Aguardar pelo menos um ciclo entre ninhadas permite maximizar a recuperação da fêmea. Normalmente, também não se recomenda que a primeira ninhada seja feita após os 6 anos, pelas razões acima descritas.

Limites à criação

Procurando precaver os riscos de uma criação desregrada, muitos países estabeleceram limites à criação. Em Portugal, para que a ninhada possa ser devidamente registada, e salvo casos excecionais e devidamente justificados, os reprodutores só podem ser usados em cruzamentos a partir dos 12 meses de idade (no caso dos molossóides, esse limite mínimo altera-se para os 18 meses), os machos podem ser utilizados até aos 12 anos de idade; as fêmeas só podem cruzar até aos 8 anos de idade, não podem ter ninhadas com menos de 6 meses de intervalo e não pode ter mais que 8 ninhadas ao longo da sua vida.

Ao contrário do que muitas pessoas pensam, as cadelas estão sexualmente ativas até ao fim das suas vidas, pelo que deve ter-se cuidado para precaver gravidezes indesejadas.

saúde – algo que seguramente um criador responsável irá preocupar-se em fazer previamente, dado que é um critério importante na seleção de reprodutores.

Uma vida sexualmente ativa

Ao contrário dos humanos, os cães não passam pela menopausa ou andropausa. Podem engravidar até ao fim das suas vidas. Uma das razões porque muitos proprietários pensam que a partir de certa idade as cadelas já não ciclam é porque, por vezes, os sinais observáveis dos cios tornam-se pouco evidentes – são os chamados “cios silenciosos”. Mas os machos continuam a conseguir detetá-los e a copular, podendo levar a gravidezes indesejadas. Tal como as gestações em animais

É contraproducente utilizar um macho como reprodutor antes dos 6 a 12 meses de idade, ou ainda mais tarde no caso de raças de grande porte muito jovens podem ser arriscadas, também o cruzamento de animais idosos pode ser problemático, sobretudo no caso das fêmeas, que já não têm a mesma robustez e aptidões físicas e fisiológicas que animais mais novos. Adicionalmente, a sua fertilidade é mais baixa e os cachorros tendem a ser mais frágeis e a exibir maior mortalidade até ao desmame.

E os machos? Tal como no caso das cadelas, a puberdade não significa que o cão esteja pronto para iniciar a reprodução. Muitas pessoas pensam que sim, porque normalmente vêm alterações comportamentais nessa idade, como montar objetos, que associam a atividade sexual – mas que, normalmente, são devidas a problemas comportamentais de sobre-excitação e/ou ansiedade, não a impulsos de natureza reprodutiva. Em cães muito jovens, o esperma é normalmente de baixa qualidade, pouco concentrado, pobre em espermatozoides. É necessário aguardar alguns meses até que o sémen alcance um bom nível de qualidade, pelo que é contraproducente utilizar um cão como reprodutor antes dos 6 a 12 meses de idade, ou ainda mais tarde no caso de raças de grande porte. Da mesma forma, cães velhos, com mais de 9 ou 10 anos (ou menos no caso de cães molossóides), tendem a apresentar problemas em copular e têm tipicamente um esperma de menor qualidade, menos concentrado e com maiores anomalias nos espermatozoides. A maior incidência de problemas de próstata afeta também a qualidade do esperma, pois o líquido prostático é crucial para a mobilidade dos espermatozoides e para a proteção contra as secreções vaginais. Apesar de, fisicamente, os efeitos negativos de usar um cão idoso não serem tão sérios como a gravidez de uma cadela sénior, é aconselhável a realização prévia de um espermograma para verificar a qualidade do sémen. Há alguns países que vão mais longe nos critérios, com prazos mais estritos e não permitindo, por exemplo, que um único exemplar seja o progenitor de mais de X% da população.

Precaução e vigilância são fundamentais

Quer planeie ou não criar, é importante

manter o registo da frequência e duração dos cios da sua cadela. Estes dados, associados às alterações comportamentais dos cães e cadelas, indicar-lhe-ão qual a altura adequada para proceder ao cruzamento – ou quando ter o cuidado de a manter cuidadosamente afastada dos machos. A duração de cada fase do ciclo é variável, quer de cadela para cadela quer com a idade do animal. Sobretudo no caso de não estar a planear criar, uma vigilância adequada irá permitir-lhe evitar dissabores, e lembre-se que mais vale prevenir que remediar.

Espaçar as ninhadas

Apesar de as cadelas potencialmente poderem engravidar em todos os cios, não quer dizer que devam fazê-lo. A frequência da reprodução deve depender do número de cachorros da ninhada anterior e da condição física da cadela ao chegar ao cio.

É importante realçar que a maturidade sexual não corresponde à maturidade física ou psicológica.

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