Degustação afinal que é macumba?

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macumba? afinal, o que ĂŠ


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Onde a oralidade e a escrita se encontram

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macumba? afinal, o que ĂŠ

Michelle E. Soares

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Copyright © Soares, Michelle E. 1ª Edição, 2013 Título Autora Editora Editora de texto Capa, projeto gráfico e diagramação Revisão Fotografia

Afinal, o que é Macumba? Michelle E. Soares Alexandra Abdala Maria Alice Quaresma Garcia Alexandra Abdala

Rodrigo Garcia Manoel Antonio Luz Obra em conformidade com o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 S652a Soares, Michelle E. Afinal, o que é Macumba? / Michelle E. Soares. – – São Paulo : Arché Editora, 2013. 72 p. Bibliografia ISBN: 978-85-65742-08-5 1. Religiões afro-brasileiras 2. Umbanda 3. Macumba 4. Discurso histórico I. Título

13-0915 CDD 299.60981

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Dedico esta obra à Umbanda, à Macumba, a todos os irmãos de fé e, em especial, aos meus filhos e irmãos de santo do Templo de Umbanda e Candomblé Luar Azul, aos irmãos da Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino e da Federação de Umbanda e Candomblé do Brasil Maria Padilha das Sete Saias e Rei Tiriri. Meu sincero Saravá!



Agradeço aos meus pais o esforço em me proporcionar ensino de qualidade e o apoio em todos os momentos e escolhas da minha vida. Agradeço aos professores da FTU e colegas de classe tudo o que me ensinaram e tudo que passamos juntos ao longo desses cinco anos, que certamente foram os mais felizes de nossas vidas. Agradeço aos filhos e irmãos do Templo de Umbanda e Candomblé Luar Azul a paciência, a dedicação e a colaboração para com o Templo, nos momentos em que estudava e não podia me fazer presente.



A Arché A

Arché Editora nasceu da vontade e disposição para editar livros de excelente qualidade, em primeira instância vinculados à tradição oral. A escolha por esse campo de atuação deveu-se à necessidade de valorizarmos pessoas, culturas e produções provenientes da tradição oral brasileira, seja religiosa, cultural ou artística. Fundada em 2011, a Arché Editora tem buscado seu espaço a partir de temáticas que envolvam a identidade brasileira, levando em conta a necessidade de se reproduzir e divulgar obras literárias e acadêmicas que privilegiem a cultura e a tradição brasileiras. Assim, foi com o foco na brasilidade e na tradição herdada de outras matrizes formadoras do povo brasileiro que a Arché Editora realizou uma parceria com o bacharelado em Teologia da Faculdade de Teologia Umbandista (FTU) com ênfase na tradição oral afro-brasileira, autorizado e credenciado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2003 e reconhecido em 2013. Em 17 de abril de 2013, foi lançado no Diário Oficial da União o reconhecimento dessa instituição de ensino superior. Reconhecimento do curso de teologia afro-brasileira! O primeiro do país e do mundo. O primeiro que colocou as religiões afro-brasileiras em relação isonômica com as demais. Um fato tão simples, profundo e verdadeiro. O reconhecimento da FTU pelo Ministério da Educação é fato histórico e deverá ser, por muito tempo, comemorado não apenas pelos praticantes dessas religiões, mas, principalmente, por todos que acreditam e desejam ver aceitos, na prática, os vários discursos so-


ciais e religiosos do Brasil. A disseminação do reconhecimento da FTU não é, portanto, um fato isolado. Pelo contrário, vem testemunhar a luta pela valorização das culturas religiosas das matrizes africanas, ameríndias e – por que não? – da matriz indo-europeia, que se afinizou às anteriores auxiliando a construir este amplo quadro religioso afro-brasileiro. Em um país que esbanja diversidade, nada mais justo do que termos no campo educacional a contemplação da matriz afro-brasileira. Hoje, já com oito anos de atuação, a FTU é reconhecida pelo meio acadêmico, pela sociedade civil e pela comunidade religiosa. Lidera vários eventos presenciais e virtuais, como a Jornada Teológica, o Congresso Internacional das religiões afro-brasileiras, o Fórum Internacional Permanente de Sacerdotes e Sacerdotisas on-line, (http://religiaoediversidade.blogspot.com.br) rituais de convivência pacífica com todos os setores afro-brasileiros, além de suas várias tarefas acadêmicas, como cursos de extensão universitária, pós-graduação em Teologia de Tradição Oral, entre outros. A FTU representou um avanço para as religiões afro-brasileiras, uma vez que vem permitindo, desde 2003, a realização de projetos que receberam a marca do mote estabelecido por seu fundador: aproximar o saber acadêmico (senso crítico) e o saber popular tradicional (senso comum), passando pelo saber teológico (senso religioso). Ante essa necessidade de criar pontes entre os diversos saberes e fazeres, a FTU fez uma parceria com a Arché Editora em 2011, com a proposta de viabilizar, ambas, mais um canal de comunicação com a sociedade civil, divulgando sua vasta produção, fruto dos projetos


de pesquisas conduzidas pela faculdade, que procuram aproveitar ao máximo a relação entre teoria e práxis. Aluna formada bacharel em Teologia pela FTU, Faculdade de Teologia Umbandista, a autora Michelle E. Soares aborda em sua obra Afinal, o que é Macumba? as questões etimológicas, religiosas, culturais e sociais acerca do termo Macumba, relacionando-as a diversos períodos da História brasileira. Para isso, dialoga com aclamados autores estudiosos das religiões afro-brasileiras sobre o assunto, comparando seus pontos de vista com sua vivência religiosa e acadêmica. Desejamos a todos boa leitura! Arché Editora



Sumário

15 ...

Prefácio

17 ... Introdução

23 ...

I. Macumba: religião, feitiço ou instrumento musical?

29 ... II. Do mucumbe à senzala 33 ... III. Alguns postulados científicos sobre o Culto da Macumba 53 ... IV. Relações entre Macumba e Umbanda 61 ... V. Culto e sociedade

67 ... Conclusão: mudança no discurso histórico da Macumba 71 ... Referências Bibliográficas



Prefácio A presentar

esta pesquisa que se materializa em uma obra estendida a todos por meio de uma publicação nos remete a um processo reflexivo da produção em si, mas também de quem a produziu. Abordar o tema Macumba no campo religioso brasileiro nos traz em um primeiro momento mais perguntas do que respostas. Macumba? Quem já não ouviu essa expressão? Quantas são as definições dadas pelo senso comum? De que maneira foi construída a concepção pejorativa dada ao termo? O presente livro ganha relevância por buscar deslindar essas questões e desmistificar os valores dados pelo senso comum, propondo e realizando um estudo da Macumba desde seu aspecto etimológico aos aspectos social, político, econômico e religioso. Para tanto, na primeira parte faz uma revisão bibliográfica do termo e apresenta seu uso e definição utilizados pelos povos bantos em África, bem como uma reflexão crítica da reconstrução do termo em solo brasileiro. Prossegue apresentando diferentes abordagens para as questões sociais, políticas e econômicas que envolviam a Macumba e penetra na constituição religiosa do termo desde o final do século XIX até meados do século XX, na década de 1930. A obra Afinal, o que é Macumba? apresenta o estado da arte do termo, mas ganha relevância por trazer o diferencial da discussão a partir das questões teológicas que envolvem as macumbas. A autora Michelle Esteves Soares, teóloga diplomada pela FTU – Faculdade de Teologia Umbandista com ênfase nas religiões afro-bra-


sileiras, retrata sua formação na maneira como conduz sua pesquisa. Traz com seu trabalho um ensaio de uma outra perspectiva para a discussão do termo, sua grande contribuição para a obra: um novo olhar para o tema que se faz presente no meio acadêmico e literário, um olhar teológico. Para o campo teológico ela marca uma época de conquistas, abrindo novas possibilidades de pesquisa. Maria Elise Rivas Mestre em Ciências da Religião pela Unversidade Pontífice Católica de São Paulo, PUC-SP. Teóloga com ênfase nas religiões afro-brasileiras pela Faculdade de Teologia Umbandista, FTU.


Introdução Por que falar de Macumba?

Essa foi uma das várias perguntas que nos fizeram a respeito do tema que escolhemos. Diremos, então, por que falar de Macumba. Em virtude de nossa vivência universitária e religiosa em meio aos cultos afro-brasileiros, pudemos, conscientemente, escolher esse tema, sempre acompanhado por um quê de polêmica quando nos reportamos à cronologia desse nosso objeto de estudo. Isso a investigação bibliográfica o demonstra para que possamos desmitificá-lo e encontrar seu significado, simbolismo e função, porque intimamente ligados à crença religiosa, de modo que as informações sejam coletadas de forma neutra, bem como a análise do contexto atual em que se emprega o termo Macumba. Entretanto, não podemos deixar de assinalar as dificuldades que deparamos para arrolar bibliografias exclusivas sobre o tema. Daí surgiu a necessidade da investigação literária dos cultos sincréticos (já que a Macumba faz parte desse contexto) e suas tendências, muito bem descritos por Ferretti, a saber: teorias evolucionista, culturalista; sociológica de profundidade, puritanista e teoria da crítica1. O termo Macumba, em seus vários aspectos e sentidos, vincula-se intimamente à história de alguns dos povos que formaram a nação brasileira, cuja população 1. Ferretti, Sérgio Figueiredo. Repensando o sincretismo: estudo sobre a casa das minas. São Luís: EDUSP/Fapema, 1995, p. 90.


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deriva sua identidade do encontro das matrizes ameríndia, africana e indo-europeia. Identidade essa, é forçoso ressaltar, cuja origem nenhum processo de “embranquecimento” ou “empretecimento”, tampouco de readaptação, poderá apagar da memória e da história. Muitos dos valores impostos a esses povos no decurso histórico (geralmente desumanos e degradantes) refletiram-se em sua cultura e religião, até mesmo quando observamos a Macumba como instrumento musical, pois sempre esteve ligado às práticas ritualísticas do culto e, como tal, era visto como “assessório de barulho inútil”, produtor de uma espécie de música “bizarra” 2. A Macumba também entende-se por um culto sincretizado em solo brasileiro, como muitos outros da vasta cultura religiosa afro-brasileira, contudo, por que pensar em Macumba somente como uma “mistura”, “fusão”, “bricolagem”, “readaptação”, “degradação”, entre tantas outras rotulações acadêmicas? Macumba tem identidade, assim como os outros cultos muito estudados, e merece a mesma atenção, pois se trata de uma das manifestações vivas da cultura sagrada. O massacre ideológico, expresso na condenação à possessão (tida como manifestação ativa de distúrbios mentais e histeria, patologias passíveis de internação em manicômios) e, mais tarde, no mediunismo, ficou marcado para sempre na história dos cultos afro-brasileiros 3. Entretanto, temos agora a chance de reavaliar esses con2. Rivas, Maria Elise. O mito de origem: uma revisão do ethos umbandista no discurso histórico. São Paulo: FTU Editora, 2010. Trabalho de Conclusão de Curso da Faculdade de Teologia Umbandista das turmas I de 2007 e II de 2008. 3. Idem, Ibidem, p. 104.

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que muito se afasta da realidade e tampouco representa o que vivenciam os adeptos desses cultos e o que postulados acadêmicos mais recentes defendem. Enfatizamos nesta obra a descendência afro-banto da Macumba, fator que determinou por muito tempo o embate preconceituoso e manipulativo da cultura dominante contra nosso objeto de estudo como culto religioso, contra seus simpatizantes e assíduos frequentadores. Além disso, também procuramos identificar, sob ótica crítica, os significados, simbolismos e funções da Macumba que estão intimamente ligados à crença religiosa, bem como à manifestação viva da cultura afro-brasileira. Ao longo de nossa vivência universitária e religiosa meio aos cultos afro-brasileiros, percebemos que o tema requer mais atenção e possui profunda ligação com a proposta acadêmica do curso de bacharelado em Teologia Umbandista da FTU. A Macumba envolve e expressa em sua história diversas áreas do conhecimento humano, tornando-se valioso instrumento de investigação. Mas sabemos que todo valioso instrumento de investigação pode ser vítima de ideologias pretensiosas ou de tendências de determinadas épocas. Portanto, há a necessidade de atenção e de estudo sério, objetivo e o mais livre de ideologias possível, principalmente na fase de observação e de coleta de informações, para que seja possível chegar-se à essência de seu simbolismo, significado e função. Ademais, verificamos durante nossa pesquisa que poucos trabalhos foram dedicados exclusivamente à Macumba, o que nos incentivou e nos levou a ampliar as investigações, observando nosso objeto não só como culto . 20 .


Introdução

religioso, mas sob outros vários aspectos. Apresentamos e examinamos de forma crítica algumas interpretações sobre a Macumba em seus vários aspectos e as mudanças ocorridas ao longo da história. Propomos ao leitor a reavaliação de seus conceitos sobre nosso objeto de estudo. Para tanto, dividimos a obra em cinco capítulos: o primeiro introduz o tema de nossas pesquisas, destacando a origem etimológica do termo Macumba, situada nos dialetos dos negros afro-bantos, de acordo com breve análise da consubstanciação de significados e conceitos implícitos no termo e a problemática quanto à ideologia do culto fetichista. No segundo, enfatizamos a matriz africana – no caso banto – que, por meio de sua contribuição cultural e religiosa, permitiu a edificação do Culto da Macumba e influenciou a formação da sociedade brasileira. Destacamos os principais grupos de negros escravizados que foram introduzidos no Novo Mundo e discorremos de forma sucinta sobre as estruturas sociais, culturais e religiosas dos povos banto em solo africano. No terceiro capítulo, apresentamos e analisamos de forma crítica alguns postulados científicos sobre a Macumba, sendo possível identificar algumas tendências localizadas por Ferretti4. No quarto capítulo, falamos das relações entre a Macumba e a Umbanda (característica que já existia de certa forma na África, por meio da Quimbanda e sua ciência). No quinto capítulo, oferecemos um panorama atual da Macumba (caracterizada no movimento um4. Ferretti, S. F. Repensando o sincretismo: estudo sobre a casa das minas. São Luís: EDUSP/Fapema, 1995, p. 90.

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