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Fernanda L. Ribeiro
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Copyright © Ribeiro, Fernanda L. 1ª Edição, 2013 Título Autora Editora Editor de texto Capa, projeto gráfico e diagramação Revisão Fotografia
Umbanda e teologia da felicidade Fernanda L. Ribeiro Alexandra Abdala Rodrigo Garcia Manoel Alexandra Abdala
Maria Alice Quaresma Garcia Antonio Luz Obra em conformidade com o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 R367u Ribeiro, Fernanda L. Umbanda e teologia da felicidade / Fernanda L. Ribeiro. – – São Paulo : Arché Editora, 2013. 144 p. Bibliografia ISBN: 978-85-65742-05-4 1. Religiões afro-brasileiras 2. Umbanda 3. Teologia 4. Felicidade I. Título 13-0912
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Dedico este trabalho ao meu Mestre Espiritual e a todos aqueles que acreditam em um mundo melhor, sem guerras, sem dor, sem sofrimento...
Agradecimentos
Agradeço aos meus Ancestrais e a o meu Mestre Yamunisiddha Arhapiagha (Pai Rivas), pela oportunidade do caminho espiritual. À Yamaracyê (Maria Elise Rivas), Aracyauara (Sumaia M. Gonçalves), Yacyrê (Érica F. da Cunha Jorge), Igbere (Olavo O. Solera) pela dedicação ao Templo e à FTU, pela parceria e incentivo ao meu caminho acadêmico. Aos professores Cassiano Terra e Vivekara (Yuri Rocha) pela imprescindível contribuição nas questões teóricas e metodológicas desse trabalho. A Yarananda (Alexandra Abdala), Ayobolayá (Maria Alice Quaresma Garcia) e Rodrigo Garcia, que trabalharam para a confecção desse livro. A todos aqueles que, de alguma forma, se dedicam ao templo da OICD e à FTU. A todas as pessoas que passaram pela minha vida e que me aguçaram o amor por ela. E àquelas que ainda permanecem.
A Arché
A
Arché Editora nasceu da vontade e disposição para editar
livros de excelente qualidade, em primeira instância vinculados à tradição oral. A escolha por esse campo de atuação deveu-se à necessidade de valorizarmos pessoas, culturas e produções provenientes da tradição oral brasileira, seja religiosa, cultural ou artística. Fundada em 2011, a Arché Editora tem buscado seu espaço a partir de temáticas que envolvam a identidade brasileira, levando em conta a necessidade de se reproduzir e divulgar obras literárias e acadêmicas que privilegiem a cultura e a tradição brasileiras. Assim, foi com o foco na brasilidade e na tradição herdada de outras matrizes formadoras do povo brasileiro que a Arché Editora realizou uma parceria com o bacharelado em Teologia da Faculdade de Teologia Umbandista (FTU) com ênfase na tradição oral afro-brasileira, autorizado e credenciado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2003 e reconhecido em 2013. Em 17 de abril de 2013, foi lançado no Diário Oficial da União o reconhecimento dessa instituição de ensino superior. Reconhecimento do curso de teologia afro-brasileira! O primeiro do país e do mundo. O primeiro que colocou as Religiões Afro-brasileiras em relação isonômica com as demais. Um fato tão simples, profundo e verdadeiro. O reconhecimento da FTU pelo Ministério da Educação é fato histórico e deverá ser, por muito tempo, comemorado não apenas pelos praticantes dessas religiões, mas, principalmente, por todos que acreditam e dese-
jam ver aceitos, na prática, os vários discursos sociais e religiosos do Brasil. A disseminação do reconhecimento da FTU não é, portanto, um fato isolado. Pelo contrário, vem testemunhar a luta pela valorização das culturas religiosas das matrizes africanas, ameríndias e – por que não? – da matriz indo-europeia, que se afinizou às anteriores auxiliando a construir este amplo quadro religioso afro-brasileiro. Em um país que esbanja diversidade, nada mais justo do que termos no campo educacional a contemplação da matriz afro-brasileira. Hoje, já com oito anos de atuação, a FTU é reconhecida pelo meio acadêmico, pela sociedade civil e pela comunidade religiosa. Lidera vários eventos presenciais e virtuais, como a Jornada Teológica, o Congresso Internacional das Religiões Afro-brasileiras, o Fórum Internacional Permanente de Sacerdotes e Sacerdotisas on-line, (http://religiaoediversidade. blogspot.com.br) rituais de convivência pacífica com todos os setores afro-brasileiros, além de suas várias tarefas acadêmicas, como cursos de extensão universitária, pós-graduação em Teologia de Tradição Oral, entre outros. A FTU representou um avanço para as Religiões Afro-brasileiras, uma vez que vem permitindo, desde 2003, a realização de projetos que receberam a marca do mote estabelecido por seu fundador: aproximar o saber acadêmico (senso crítico) e o saber popular tradicional (senso comum), passando pelo saber teológico (senso religioso). Ante essa necessidade de criar pontes entre os diversos saberes e fazeres, a FTU fez uma parceria com a Arché Editora em 2011, com a proposta de viabilizar, ambas, mais um canal de comunicação com a sociedade civil, divulgando sua vasta produção, fruto dos projetos de pesquisas conduzidas pela faculda-
de, que procuram aproveitar ao máximo a relação entre teoria e práxis. A obra Umbanda e Teologia da Felicidade, da teóloga forma pela Faculdade de Teologia Umbandista Fernanda Leandro Ribeiro, aborda a teologia umbandista em diálogo com outros setores religiosos e com a filosofia dentro da sociedade atual. A autora explica que ao se suplantar as diferenças várias entre os setores filorreligiosos com respeito, amor e sabedoria incondicionais, torna-se possível encontrar a felicidade, e é por meio do campo aberto da teologia de Umbanda, preconizada pela Escola de Síntese, que Fernanda L. Ribeiro sugere buscá-la. Desejamos a todos excelente leitura! Arché Editora.
Sumário
Prefácio
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Introdução
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I. Teologia
Surgimento da teologia e apropriação
do termo pelo Cristianismo
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Teologia na atualidade
Teologia segundo a Escola de Síntese:
aspectos metafísicos
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II. Felicidade
Valores, necessidades, desejos
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Conceito de felicidade: uma
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construção histórica
Filosofia grega: virtude e razão
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Felicidade no Budismo
75
Felicidade nas sociedades de consumo:
83
cotidiano dessacralizado
III. Umbanda: teologia da felicidade
Unidade na diversidade
Vida do umbandista: cotidiano
89 102
sacralizado
Liberdade e responsabilidade
115
Pesquisa de campo
119
Conclusão
135
Bibliografia
141
Ética como Extensão do Diálogo
Prefácio
O pluralismo religioso tem se tornado necessidade e presença constantes em nossas sociedades. Falar em pluralismo religioso significa poder dialogar com vários pontos de vista, interpretações, heranças religiosas e pressupõe flexibilidade baseada no respeito à diversidade, na rejeição do preconceito e da intolerância. Neste texto, a autora nos faz uma ampla abordagem da teologia umbandista e, percorrendo o caminho do diálogo com a filosofia e outras religiões, procura demonstrar como o espírito humano deve transcender o marco estreito de sua formação cultural e deve ser capaz de ver, sentir e interpretar por meio de outras tendências culturais e religiosas. O modelo humano resultante deve ser compreensivo, amplo, sensível e fundamentalmente rico. Esta capacidade de ver a vida, a realidade e de se aproximar do diferente deve levar inequivocamente a uma convivência marcada por relações compreensivas, respeitosas e abertas ao diálogo e ao acolhimento das diferenças. Neste sentido, a autora propõe a Teologia Umbandista como um caminho possível para encontrar a felicidade. Um caminho que não é melhor nem pior do que outros, uma vez que muitos são os caminhos e todos eles são válidos, pois o ponto de chegada é o mesmo. Compreender que cada religião tem sua significação dentro de seu próprio contexto cultural nos leva ao reconhecimento dos outros espaços religiosos, nos abrindo às diferenças, especialmente no que diz respeito às religiões e teologias
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João Luiz Carneiro
de matriz africana. A autora entende que apenas o diálogo não é suficiente. É necessário o reconhecimento do outro; é preciso pensar a fé a partir do outro, de outras tradições culturais e religiosas e reconhecê-las como espaços de verdade, de salvação e de identidades e propõe a Teologia Umbandista como um espaço aberto, propício e favorável à diversidade e, por isso mesmo, um espaço que leva à sabedoria, ao amor e à felicidade! Irene Dias de Oliveira Professora doutora pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. PUC-GO Goiânia, junho de 2013.
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Introdução
A maioria das pessoas passa a vida procurando a felicidade como estado de plenitude completa, mas parece que conseguimos, quando muito, um momento feliz, que instantaneamente desaparece, permitindo-nos afirmar quão fugaz é esta felicidade. E nos desesperamos por encontrá-la novamente. Isto é muito inquietante, pois é inconcebível que não haja felicidade mais duradoura. Ao que tudo indica, a maioria de nós ou está buscando-a de maneira inadequada ou está procurando onde ela não se encontra. Oriundo de projeto de pesquisa realizado para a conclusão de curso de Teologia realizado na FTU, este livro analisa o significado de felicidade segundo a óptica da religião Umbanda. Em razão do fato de ser o caminho que eu escolhi, falo “desde dentro”, mas sem a intenção de ser proselitista; meu compromisso com o Sagrado me impele necessariamente a respeitar outros setores filosófico-religiosos, caso contrário não estaria honrando os princípios mais essenciais ensinados por meus Ancestrais e por meu Mestre Yamunisiddha Arhapiagha, Pai Rivas (Sacerdote da Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino-OICD e fundador da FTU-Faculdade de Teologia Umbandista). Além de levantamento bibliográfico, esta investigação traz uma pesquisa de campo realizada com filhos de alguns ter-
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reiros durante a Festa de Yemanjá, na Praia Grande, em 2008 e filhos da referida OICD, também neste mesmo período. A pesquisa de campo foi um complemento da pesquisa bibliográfica, não tendo como objetivo comprovar o que discutimos durante o trabalho, bem como o trabalho não foi escrito a partir dela. Simplesmente após ter feito a leitura bibliográfica e refletindo sobre as minhas vivências e as vivências de irmãos umbandistas, surgiu a questão “o que as outras pessoas umbandistas diriam sobre isso?”. O que a motivou foi o desejo de compreender como a felicidade se configura entre os umbandistas, quais as concepções mais expressivas e os elementos da religião a elas vinculados.
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Teologia
Surgimento da teologia e apropriação do termo pelo cristianismo
Os poetas gregos Homero e Hesíodo procuravam explicações sobre a cosmogonia e a teogonia, ou seja, a origem do cosmo e dos deuses, a partir de uma visão mítica da realidade. Com os filósofos pré-socráticos (séculos VII e VI a.C.) teve início uma compreensão do universo baseada na racionalidade. Desejava-se descobrir o princípio, a arché 1 de todas as coisas, a unidade que podia explicar a multiplicidade. E, diferentemente dos poetas, para eles não importava conhecer o instante (tempo) no qual o cosmo emergiu do caos 2. Cada filósofo atribuía a arché a um determinado elemento. Para Tales era a água, para Anaxímenes, o ar, para Demócrito, o átomo, e para Empédocles, os quatro elementos: terra, água, fogo e ar. A teoria de Empédocles vigorou até o século XVIII, quando foi criticada por Lavoisier. Heráclito explicava a mutabilidade das coisas no Universo valendo-se da metáfora do fogo, símbolo do eterno devir. Em contrapartida, Parmênides atribuiu como princípio do ser a imutabilidade e a imobilidade. Sua teoria foi denominada posteriormente por outros filósofos como princípio de identidade e não contradição. A mutabilidade das coisas era atribuída ao mundo sensível, mas, em última instância, as sensações eram consideradas ilusórias e somente o mundo inteligível poderia ser considerado verdadeiro. Esses filósofos foram assim denominados por terem instituído o λόγος, a razão em lugar do pensamento mítico dos poetas. O conteúdo da filosofia era o mesmo do mito, porém,
1. Do grego antigo arché, com os significados origem, início, causa primeira. Cf.: LIDELL & SCOTT, Greek-English Lexicon, 1885, p. 227.
2. Silva, Franklin Leopoldo e. Felicidade: dos filósofos pré-socráticos aos contemporâneos. Coleção Saber Tudo. São Paulo: Claridade, 2007.
Fernanda L. Ribeiro
examinado de outra maneira, e a cosmogonia foi substituída pela cosmologia (estudo do cosmo)3. Enquanto o mito é uma narrativa na qual a inteligibilidade é dada, na filosofia há um questionamento, uma proble3. Aranha, Maria Lucia de Arruda; Martins, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993. Silva, F. Op. cit.
4. Silva, F.L. Op. cit..
5. Lacoste, Jean Yves. Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Loyola e Paulinas, 1993.
6. Eicher, Peter (Org.). Dicionário de conceitos fundamentais de teologia. Trad. João Rezende Costal. São Paulo: Paulus, 1993.
matização, que exige o exercício ativo da inteligibilidade. Daí sua aproximação com a ciência – tanto que esses dois saberes (filosofia e ciência) se separaram somente no século XVII. Tal mudança no pensamento grego foi motivada por um conjunto de mudanças no cenário político: no lugar das tribos surgiam as πόλεις (cidades-Estados gregas). A vida na cidade acompanhava o surgimento da escrita e da moeda, como decorrência do comércio. Portanto, o homem se tornava mais autônomo em relação à ação dos deuses 4. Segundo Lacoste 5, o termo teologia surgiu com Platão, aparecendo pela primeira vez na obra A República, e significava “discurso sobre as coisas divinas”. Já segundo Eicher6, “Teologia designa no grego clássico o pré-estádio mitológico do sa-
7. Porto, Humberto; Schlesinger, Hugo. Dicionário enciclopédico das religiões. Vol. I e II. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005, p. 2494.
ber propriamente dito. Cabe-lhe – ao surgir pela primeira vez a palavra (Platão, Política, 379 a) – função pedagógica, quando, de conformidade com as corretas normas (hoi typoi perì theologías), transmite à juventude a ideia “crítica” (hypónoia) que se encontra no fundo da forma visível dos mitos”. A teologia de Platão era uma teologia política e surgiu durante a crise da πόλις. Admitia-se um Deus único, denominado pelo termo nous7, que significa razão, uma realidade considerada pura e imutável, que confere ao mundo uma ordem eterna. A razão sustenta tanto a vida (bíos) dos homens e dos outros seres vivos como assegura o estado, a πόλις. Assim, a dimensão divina seria determinante tanto da dimensão natural como da dimensão social.
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Surgimento da teologia e a apropriação do termo pelo cristianismo
A ordem da πόλις era considerada um reflexo da ordem do cosmo. Funcionaria como uma reprodução do princípio cósmico em escala menor. Assim, se o homem observasse a “ordem” (leis, princípios) do cosmo, poderia estabelecer a “ordem” também na πόλις. Alguns autores acreditam que esta visão era totalitária por ignorar as questões da experiência humana cotidiana8. Essa consideração pelas questões do mundo apareceu somente em Aristóteles, para quem o saber ético depende de situações e circunstâncias da própria vida, não sendo dado a priori. Aristóteles retomou o termo teologia na Metafísica, em que afirmou a existência de um motor divino no mundo, considerando o aspecto “teológico” o mais importante da Filosofia. Ele utilizou expressões como “filosofia teológica” e “conhecimento teológico” para designar o que seria a mais importante dentre as ciências, acima da Matemática e da Física. Mas, como dissemos anteriormente, a ética aristotélica presume uma adaptação às questões de vida prática. No estoicismo (que veremos adiante), teologia ganhou definitivamente o status de Filosofia, dividindo espaço com a mitologia sem grandes conflitos: [...] As conivências da t. e da mitologia permanecem, seguramente, e os estóicos dão-se conta disso: uma famosa passagem de Varrão abundantemente citada na literatura cristã (Agostinho, Civ. Dei VI, 5-10 etc.) distingue assim três sortes de t., a t. mítica dos poetas, a t. “física” dos filósofos” e a t. “política” dos legisladores 9.
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8. Porto, H. Schlesinger, H. Dicionário enciclopédico das religiões. Vol. I e II. Vozes, 2005, p. 2494.
9. Idem, Ibidem, p. 2494.