Degustacao Escolas

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escolas das Religiões Afro-Brasileiras

Tradição Oral e Diversidade


Coleção Teologia das Religiões Afro-brasileiras, 1

editora

www.archeeditora.com.br


F. Rivas Neto (Mestre Arhapiagha)

escolas das Religiões Afro-Brasileiras

Tradição Oral e Diversidade

1ª edição ampliada – 2ª reimpressão

editora


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Copyright © F. Rivas Neto (Mestre Arhapiagha) 1ª edição ampliada, 2012

Título Autor

Editora Revisão Capa, projeto gráfico e diagramação Fotografia

Escolas das Religiões Afro-brasileiras: tradição oral e diversidade F. Rivas Neto

Alexandra Abdala Maria Alice Quaresma Garcia e Rodrigo Garcia Manoel Alexandra Abdala Antônio Luz (a foto utilizada na capa desta obra pertence ao acervo pessoal de F. Rivas Neto – Mestre Arhapiagha)

Obra em conformidade com o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

2ª reimpressão, 2013.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 R618e Rivas Neto, Francisco (Mestre Arhapiagha) Escolas das religiões afro-brasileiras : tradição oral e diversidade / Francisco Rivas Neto; ilustração de Alexandra Abdala. – – São Paulo : Arché Editora, 2013. 168 p. : il. (Coleção Teologia das Religiões Afro-brasileiras, 1) 2ª reimpressão da 1ª edição de 2012 Bibliografia ISBN: 978-85-65742-09-2 1. Religião 2. Umbanda 3. Teologia umbandista 4. Religiões afro-brasileiras 5. Tradição oral - Diversidade religiosa I. Título II. Abdala, Alexandra 13-0916

Direitos reservados à

Arché Editora www.archeeditora.com.br

CDD 299.67


A Arché

A Arché Editora nasceu da vontade e disposição para editar livros de excelente qualidade, em primeira instância vinculados à tradição oral. A escolha por esse campo de atuação deveu-se à necessidade de valorizarmos as pessoas, culturas e produções provenientes da tradição oral brasileira, seja religiosa, cultural ou artística. Fundada em 2011, a Arché Editora tem buscado seu espaço a partir de temáticas que envolvam a identidade brasileira, levando em conta a necessidade de se reproduzir e divulgar obras literárias e acadêmicas que privilegiem a cultura e a tradição brasileiras. Assim, foi com o foco na brasilidade e na tradição herdada de outras matrizes formadoras do povo brasileiro que a Arché Editora realizou uma parceria com o bacharelado em Teologia da Faculdade de Teologia Umbandista (FTU) com ênfase na tradição oral afro-brasileira, autorizado e credenciado pelo Ministério da Educação (MEC) em 2003 e reconhecido em 2013.


Em 17 de abril de 2013, foi lançado no Diário Oficial da União o reconhecimento dessa instituição de ensino superior. Reconhecimento do curso em teologia afro-brasileira! O primeiro do país e do mundo! O primeiro que colocou as Religiões Afro-brasileiras em relação isonômica com as demais. Um fato tão simples, profundo e verdadeiro. O reconhecimento da FTU pelo Ministério da Educação é fato histórico e deverá ser, por muito tempo, comemorado não apenas pelos praticantes dessas religiões, mas, principalmente, por todos que acreditam e desejam ver aceitos, na prática, os vários discursos sociais e religiosos do Brasil. A disseminação do reconhecimento da FTU não é, portanto, um fato isolado. Pelo contrário, vem testemunhar a luta pela valorização das culturas religiosas das matrizes africanas, ameríndias e – por que não? – da matriz indo-europeia, que se afinizou às anteriores auxiliando a construir este amplo quadro religioso afro-brasileiro. Em um país que esbanja diversidade, nada mais justo do que termos no campo educacional a contemplação da matriz afro-brasileira. Hoje, já com oito anos de atuação, a FTU é reconhecida pelo meio acadêmico, pela sociedade civil e pela comunidade religiosa. Lidera vários eventos


presenciais e virtuais, como a Jornada Teológica, o Congresso Internacional das Religiões Afro-brasileiras, o Fórum Internacional Permanente de Sacerdotes e Sacerdotisas on-line, (http://religiaoediversidade. blogspot.com.br) rituais de convivência pacífica com todos os setores afro-brasileiros, além de suas várias tarefas acadêmicas, como cursos de extensão universitária, pós-graduação em Teologia de Tradição Oral, entre outros. A FTU representou um avanço para as Religiões Afro-brasileiras, uma vez que vem permitindo, desde 2003, a realização de projetos que receberam a marca do mote estabelecido por seu fundador: aproximar o saber acadêmico (senso crítico) e o saber popular tradicional (senso comum) passando pelo saber teológico (senso religioso). Ante essa necessidade de criar pontes entre os diversos saberes e fazeres, a FTU fez uma parceria com a Arché Editora em 2011, com a proposta de viabilizar, ambas, mais um canal de comunicação com a sociedade civil, divulgando sua vasta produção, fruto dos projetos de pesquisas conduzidas pela faculdade, que procuram aproveitar ao máximo a relação entre teoria e práxis.


Ao citar teoria e práxis como complementares entre si, constatamos como isso se realiza na atuação do autor deste livro, que faz parte de mais uma contribuição de F. Rivas Neto para a seara afro-brasileira. Seu diferencial está na fundamentação do conceito de Escolas das Religiões Afro-brasileiras, inovador e propiciador de um novo momento de amizade entre as várias formas de as praticarmos. Desejamos a todos boa leitura e, principalmente, que façam uma reflexão sobre as ações que podemos tomar no âmbito individual, coletivo e espiritual para que, irmanados, possamos auxiliar o processo de concretização da tão propalada paz mundial. Arché Editora


A toda comunidade de santo.

À minha ascendência e descendência em todos os níveis.

À Yamaracyê, que encontrei nos limites sagrados do Aiyê e Orun.

Aos meus sete filhos, razão de minha vida: Domingo, Marcelo, Márcio, Thales, Athus, Thétis e Mariah.



In memoriam e em reconhecimento à Tradição,

Ao Babalorixá Obá Omolokan Adê Ojuba (Ernesto de Xangô Ayrá), a quem devo o Fundamento do Axé.

A Mestre Yapacany, W. W. da Matta e Silva, que me alçou ao encontro dos Ancestrais.



Prefácio

Um novo olhar é possível As Religiões Afro-brasileiras possuem a diversidade como uma das características da sua própria identidade. Isto vai desde questões mais periféricas, como a nomeação “Religiões Afro-brasileiras” composta por duas palavras, ambas no plural, até as mais profundas, como quando constatamos a pluralidade de formas na compreensão e experiência da fé. No campo científico, muitas disciplinas se preocuparam com essa intrigante característica das Religiões Afro-brasileiras. Mais recentemente, por iniciativa do sacerdote dessas tradições religiosas, F. Rivas Neto (Pai Rivas – Arhapiagha), um novo olhar surgiu. Trata-se da Teologia com ênfase nas Religiões Afro-brasileiras, gestada na primeira e única instituição de ensino superior da nossa sociedade. Refiro-me, naturalmente, à Faculdade de Teologia Umbandista (FTU).


Mas como esta faculdade e este novo olhar teológico conquistaram vez e voz na esfera pública? Uma das respostas, sem sombra de dúvidas, pode ser ofertada pela formalização do projeto pedagógico de Pai Rivas para a graduação em Teologia Umbandista. Pela primeira vez na história, as Religiões Afro-brasileiras conquistaram isonomia junto às demais confissões na justa medida em que a FTU torna-se instituição de ensino superior devidamente regularizada pelo órgão governamental Ministério da Educação. A outra é oferecida por este livro, que chega às suas mãos com textos selecionados, caro leitor. Pai Rivas, por meio de sua ancestralidade e experiência acadêmica, trouxe um fato novo para reflexão e compreensão das Religiões Afro-brasileiras: o conceito de “Escolas”. Um conceito simples e igualmente complexo, pois consegue metodologicamente dar conta da amplitude desta tradição religiosa sem criar processos hegemônicos ou, muito menos, homogeneizantes. Na condição de filósofo, pesquisador em Ciência da Religião e, principalmente, adepto das Religiões Afro-brasileiras, sinto-me confortável em afir-


mar que compreender nosso cenário religioso pela lente das “Escolas” é singrar com segurança e igual liberdade os diversos mares simbólicos que Umbanda, Candomblé, Toré, Xambá, Babaçuê, Catimbó, Jurema, Tambor de Mina, Jarê, Xangô do Nordeste e tantas outras tradições representam. Honrado por contemplar mais uma obra literária que já nasce como referência para a Teologia, seu filho espiritual pede a benção. João Luiz Carneiro Discípulo de Pai Rivas Doutorando em Ciências da Religião pela PUC - SP Mestre em Filosofia pela UGF- RJ Especialista em Teologia Afro-brasileira pela FTU - SP Docente da FTU



Sumário

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Introdução

I. Escolas das Religiões Afro-brasileiras e diálogos

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II. A assimetria do Sagrado nas Religiões Afro-brasileiras

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III. Umbandização: Umbanda para todos nós!

61

IV. Teologia das Religiões Afro-brasileiras e a metafísica do conhecimento

65

V. A unidade das Religiões Afro-brasileiras manifestada na diversidade ritualística


71

VI. Excertos históricos: Escolas das Religiões Afro-brasileiras

75

VII. Umbanda – Uma religião com mito fundante?

81

VIII. Religiões Afro-brasileiras, religiões das várias linguagens

89

IX. A macumba foi a primeira manifestação das Religiões Afro-brasileiras?

101

X. Religiões Afro-brasileiras – A unidade manifestada na diversidade

105

XI. Escolas das Religiões Afro-brasileiras: as neutralizadoras do fundamentalismo endógeno

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XII. Aspectos teológicos e religiosos do Candomblé de Caboclo


137

XIII. Religiões Afro-brasileiras – A diversidade de cultos neutralizando a violência

145

XIV. Religiões Afro-brasileiras / americanas – Diversidade como inclusão total

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XV. A diversidade imuniza contra o discurso hegemônico

159

XVI. Escolas das Religiões Afro-brasileiras e suas contínuas construções

163

Sobre o DVD

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Referências bibliográficas



Introdução

Vários foram os momentos em que refleti sobre como introduzir esta obra. O que pensarão os leitores ao lerem o título Escolas das Religiões Afro-brasileiras: Tradição Oral e Diversidade? Quais serão os conceitos prévios e fundamentos teóricos já adquiridos daqueles que entrarão em contato com o livro? Qual será seu público-alvo? Estas foram algumas das perguntas que nortearam esta introdução, além da necessidade de explicar o caráter da obra. Este livro que ora chega a suas mãos, caro leitor, é uma coletânea de textos escolhidos, escritos ao longo de alguns anos de observação e prática de terreiro. Em realidade, os textos são recentes, mas o percurso por mim trilhado nas Religiões Afro-brasileiras já passa de cinco décadas. Iniciei minha vivência iniciática no Culto de Nação Africano de matriz ketu com o Babalorixá Obá Omolokan Adê Ojubá (Ernesto de Xangô Airá), versado no Awô de Orunmilá Ifá, Oluwô que “jo-

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gava” Opelê Ifá. Pai Ernesto havia sido orientado e mantinha estreitas relações com o babalawô Martiniano Eliseo do Bonfim (Ojeladê). Convivi com ele durante oito anos de minha infância, mas as vivências foram de tamanha intensidade que ficaram guardadas em minha retina espiritual e me possibilitaram um adensamento nos rituais mais ligados à tradição africana. Após o contato com Pai Ernesto, conheci várias pessoas, mas duas merecem destaque, pois me introduziram e iniciaram na Umbanda: Sr. Antônio Romero (Umbanda Mista) e Roberto Getúlio de Barros (Umbanda Traçada), de 1962 a 1968. Em 1968, abri minha primeira Casa de Fundamentos e, em 1971, tive o prazer único de conhecer W.W. 22

da Matta e Silva e viver dezoito anos como seu discípulo na Umbanda Iniciática. Em 1987, passei pelo ritual de Transmissão da Raiz, que me fez seu sucessor. Em 1988, W.W. da Matta e Silva deixou este plano e iniciei o comando e direcionamento de nossa linhagem. Yapacany (sua djna de santo) foi meu Mestre derradeiro, mas em todos esses anos sempre valorizei as outras lideranças afro-brasileiras que me foram fundamentais para a


compreensão desse universo religioso e para minha formação. Foi, então, a partir da minha vivência de terreiro (que agrega ampla gama de rituais de matriz africana, ameríndia e indo-europeia) e observando atentamente todos os processos a ela ligados (espirituais, culturais, sociais, psíquicos), que senti a necessidade de sistematizar (não engessar) em um conceito o que encontrei nas Religiões Afro-brasileiras. A abordagem do conceito de Escolas valoriza todas as múltiplas formas de se vivenciar e praticar as Religiões Afro-brasileiras. “Escola” pressupõe fundamentos que são transmitidos de pai/mãe espiritual para filho(a) de santo em uma relação de oralidade e de experiências vivenciadas, não adquiridas em livros técnicos. O “conhecimento de santo” só existe vivenciando-o, respirando e trocando o axé em sua comunidade. Mas só isto não define uma Escola. É preciso, portanto, uma Epistemologia (um corpo de fundamentos), um Método (a abordagem ritual escolhida) e uma Ética (forma de vivenciar a Tradição). Assim, este livro esclarece o que entendo por Escolas e minha intenção é antes a de exaltar as múltiplas práticas culturais e religiosas afro-brasi-

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leiras, que alimentam em espírito todos os que as procuram. Nesse sentido, espero que a obra tenha alguma valia para a comunidade de santo, para a academia e a comunidade civil como um todo e, por isso, é a primeira da coleção Teologia das Religiões Afro-brasileiras, já que a Teologia é o braço que aproxima o saber científico e o saber religioso. Axé!

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I Escolas das Religiões Afro-brasileiras e diálogos

Nas Religiões Afro-brasileiras ou Afro-americanas, pela diversidade de seus adeptos, há também uma diversidade de ritos e formas de transmissão do conhecimento. Essas várias formas do entendimento e de vivências das Religiões Afro-brasileiras denominamos Escolas. As várias Escolas correspondem a alguns tipos de visões, algumas delas voltadas mais aos aspectos míticos e outras à “essência” espiritual, abstrata. As várias formas de interpretar e manifestar a doutrina são diferentes, mas a “essência” de todas é a mesma; no caso da Umbanda, por exemplo, todas são legitimamente denominadas umbandistas.

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Escolas das Religiões Afro-brasileiras - Tradição oral e diversidade

Por isso afirmamos que a constante da Tradição

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das Religiões Afro-brasileiras é a contínua mudança, portanto, uma unidade aberta em constante transformação. Esse é o motivo, quando temos a oportunidade, de dizer que não temos a última resposta, pois não temos a última pergunta! Esta última assertiva demonstra de forma fidedigna o porquê de incentivarmos uma aproximação dialógica da doutrina das Religiões Afro-brasileiras com a Ciência. Esperamos que ambas aprendam com o diálogo. A seguir, apresentamos alguns gráficos que explicitam, por meio de figuras geométricas, a forma como entendemos a expansão do Princípio Espiritual.

A manifestação do Princípio Espiritual (Convergência)

A AA A AA A’ A’ A’ Princípio Espiritual

Manifestação do Princípio Espiritual (Convergência)

A AA

Dualidade que originou a diversidade ou pluralidade concretizada na circunferência/círculo

A’ A’ A’


Escolas das Religiões Afro-brasileiras - Tradição oral e diversidade

O conhecimento humano manifestado nos qua-

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tro pilares encontra-se na periferia, na superfície, portanto, distante do ponto comum (centro), que nos remete à convergência. Por ora, vivenciamos completa dissociação e não raramente antagonismo entre os quatro pilares, que são responsáveis pelas divergências culturais, sociais, políticas etc.

A

Religião

Filosofia

A Arte

A

A’ Ciência

As Religiões Afro-brasileiras têm como método estabelecer diálogos entre Religião, Filosofia, Ciência e Arte, visando criar pontes e, ao mesmo tempo, possibilitar maior aproximação com o Princípio Espiritual (Ponto A).

A

A’


Religião

Filosofia

Arte

Ciência

1

2

3

Gráfico 1 – Não há diálogo entre os setores, pois os mesmos encontram-se engessados em seus próprios fundamentos, sem nenhuma porosidade. Gráfico 2 – Observa-se que há uma sub-setori-

Escolas das Religiões Afro-brasileiras e diálogos

Diálogo Interdisciplinar

zação favorecendo o diálogo endógeno. 29

Gráfico 3 – O diálogo se torna mais fácil, pois há um trânsito maior da periferia de cada setor ao centro (comum a todos – em nossa analogia é o Ponto A – Princípio Espiritual) O mesmo processo que explicamos anteriormente ocorrerá nos diálogos inter-religioso e intrarreligioso.




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