ARISP JUS 1
2
ARISP JUS
Ano II - Maio - Agosto / 2017 Informativo jurídico especializado
SUMÁRIO ENTREVISTA
04
Josué Modesto Passos
ENTREVISTA
Adriana Aparecida Perondi Lopes Marangoni
ENTREVISTA
10
Frederico Jorge Vaz de Figueiredo Assad DIRETORIA Presidente: Francisco Raymundo Vice-Presidente: Flauzilino Araújo dos Santos Diretor Financeiro: Rosvaldo Cassaro Diretor da Coordenadoria Geral: George Takeda Diretor de Tecnologia da Informação: Armando Clapis Secretário: Jersé Rodrigues da Silva CONSELHO FISCAL Carlos André Ordonio Ribeiro Adriana Aparecida Perondi Lopes Marangoni Frederico Jorge Vaz de Figueiredo Assad SEDE Rua: Maria Paula, 123 - 1º Andar São Paulo - SP - CEP: 01319-001 Telefone: 11 3107-2531 Homepage: www.arisp.com.br | www.registradores.org.br www.iregistradores.org.br e-mail: imprensa@arisp.com.br EQUIPE Gestão: Francisco Raymundo Coordenação: Alberto Gentil de Almeida Pedroso Jornalistas Responsáveis: Dêni Carvalho - MTB - 46178/SP Jéssica Molina Galter - MTB 0081859/SP Diagramação: Alessandra Giugliano Russo Editor-chefe: Vaner Caram Fotografia: Vaner Caram, Felipe Nunes e Nelson Oliveira
07
ENTREVISTA
16
Everton Luiz Martins Rodrigues
ARTIGO
O novo panorama da Regularização Fundiária Urbana de acordo com a Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016. Paola de Castro Ribeiro Macedo
20
ARTIGO
Averbação de Penhora e de Indisponibilidade sobre Direitos de Fiduciante e o futuro da Alienação Fiduciária. Flaviano Galhardo
43
ARTIGO
A Possibilidade de Desdobro da Matrícula e a Problemática da Restrição Convencional. Alberto Gentil de Almeida Pedroso
50
ARTIGO
Ingresso do Contrato de Locação no Registro de Imóveis: Cláusula de Vigência, Direito de Preferência e Caução. Arthur Zeger
55
ARTIGO
A importância do Registro Imobiliário na Recuperação e Falência de Empresas. Paulo Roberto Bastos Pedro
63
ARISP JUS 3
ENTREVISTA Josué Modesto Passos
O senhor é juiz assessor da Presidência da Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça. Quais são as suas funções? Como é o contato com a matéria do extrajudicial? No assessoramento da Presidência da Seção, no biênio 2016-2017 ocupada honrosamente pelo Desembargador Ricardo Dip, venho auxiliando especialmente em questões administrativas sobre a qual o presidente tenha de manifestar-se: em especial, mas não só, sobre a matéria de registros públicos levada ao Conselho Superior da Magistratura, da qual o Desembargador Ricardo Dip faz parte, e também em questões disciplinares que, pela via de recurso, chegam à Câmara Especial, a qual o presidente também integra. Fora de minhas funções jurisdicionais, e no ambiente estritamente acadêmico, integro o Grupo de Estudos de Registro Eletrônico da UniRegistral, desde fevereiro deste ano, criado para exame dessa importante questão, que ganhou relevo depois da edição da Medida 4
ARISP JUS
Provisória n. 759, de 22 de dezembro de 2016. Aproveito essa menção: a Medida Provisória nº 759/2016 tem sido objeto de muitas discussões. Do que ela trata? Quais são os seus pontos mais importantes? Essa Medida Provisória trata de três grandes temas. Em primeiro lugar, ela introduz inovações no campo da reforma agrária (a qual, no novo texto, é chamada de “regularização fundiária rural”). Depois, a Medida Provisória tenta consolidar e, em muitíssimos pontos, modificar e atualizar as regras relativas à regularização fundiária urbana. A nova legislação, finalmente, ainda traz novidades quanto à avaliação e alienação de imóveis da União. Esses temas são muito problemáticos; além disso, já tinham regulamentação legal. Dessa maneira, não só pela complexidade dos assuntos, mas também pelo cuidado que se deve ter na alteração da lei vigente, é natural que a tramitação seja marcada por muitas discussões e polêmicas. O senhor mencionou a regularização fundiária urbana. Podemos dizer que a legalização de imóveis e a obtenção de títulos, agora, ficou mais fácil? De fato, a finalidade das regras de regularização fundiária urbana é essa mesmo, permitir que todos os interessados consigam pôr seus imóveis em conformidade com a lei. Porém, quando se fala em regularização fundiária urbana, o que se tem em mente é, mais do que a situação individual de cada interessado, a legalização conjunta de numerosos imóveis. Ou seja: no sentido aqui empregado, regularização fundiária urbana quer dizer um conjunto de medidas (jurídicas, sociais, urbanísticas e ambientais) que sirvam para trazer à legalidade um grande número de moradias. Como se determina esse conjunto de medidas, então? Justamente por querer que a regularização abranja todas essas variadas providências é que a Medida Provisória fala na elaboração de um projeto de regularização, que deve prever todas as medidas necessárias para a urbanização da área. Isso já estava
previsto na Lei 11.977/2009, no Provimento n. 44, de 18.3.2015, da Corregedoria Nacional de Justiça e as Normas de Serviço da Corregedoria de São Paulo, e agora, continua a ser assim, porque para adequação dos “núcleos urbanos informais” à cidade não basta só a intervenção jurídica, por exemplo: é preciso que realmente haja um plano, e que esse plano tenha em vista a correção de todos os problemas que afetam a área e a respectiva população. Note também que a regularização se divide em duas fases: uma, administrativa, em que são definidas todas as intervenções necessárias (por exemplo, o levantamento da área, as providências ambientais, o cadastro das famílias, as obras de infraestrutura por realizar etc.); a outra, registral, no cartório, em que se realizam os registros e averbações resultantes do projeto de regularização.
em domínio depende do decurso do tempo necessário à prescrição aquisitiva), a MP 759/2016 cria a legitimação fundiária. Esse instituto destina-se a permitir que o Poder Público, por ato discricionário, desde logo, outorgue títulos a ocupantes de áreas públicas ou particulares. Isso é bem polêmico. Outorgar título sobre área particular é desapropriá-la, e a desapropriação só se pode fazer nas formas previstas na Constituição Federal. Por outro lado, não parece conveniente que a administração, discricionariamente, permita a transferência de bens públicos a particulares, sem que a lei forneça balizas claras para tanto. Finalmente, menciono a criação de um novo direito real, o direito de laje, destinado a regularizar edificações sobrelevadas (“uma em cima da outra”), como é comum em várias regiões do Brasil.
A regularização fundiária destina-se somente à legalização de áreas ocupadas por populações de baixa renda? De forma alguma. Poderíamos dizer que, de fato, a legislação dá ênfase à regularização de imóveis ocupados por pessoas carentes: é o que se chama de regularização fundiária de interesse social, para a qual se concedem, sem dúvida, maiores facilitações e dispensas (quanto ao pagamento de emolumentos registrais inclusive). Porém, ao lado da regularização de interesse social, temos também aquela de interesse específico, referente a áreas ocupadas por outros grupos. Enfim: o interesse da lei é trazer para a cidade todo tipo de área irregular. Só assim se conseguirá a cidade que todos queremos.
Até agora falamos na regularização fundiária. Entretanto, como já mencionado, o texto também tratou do registro de imóveis eletrônico? É verdade. No artigo 54, a Medida Provisória prevê a criação de uma nova entidade, o Operador Nacional, destinado a implementar e operar o sistema de registro de imóveis eletrônico, em âmbito nacional. Uma proposta de estatutos para o novo ente já foi apresentada à Corregedoria Nacional de Justiça, que solicitou a manifestação das Corregedorias locais. Eu, particularmente, tenho muitas reservas quanto a esse dispositivo, que considero inconstitucional: uma coisa seria organizar uma coordenação central para o registro eletrônico, fundada na participação direta dos Registradores e em apoio às atividades da Corregedoria Nacional; outra, bem diferente, é constituir um órgão diretivo federal do registro de imóveis eletrônico, com poderes normativos e sem interferência direta dos profissionais do registro. Isso invade a competência judiciária dos Estados e, no limite, pode ameaçar a independência dos oficiais.
O senhor poderia mencionar algumas das inovações trazidas pela Medida Provisória, no que diz respeito à regularização fundiária urbana? Como eu disse, a MP 759/2016 não quis apenas consolidar a legislação vigente. Ela também trouxe inovações – e muitas. Para ser breve, menciono que o texto em discussão remodela a legitimação de posse (já prevista na Lei 11.977/2009), marcando-a mais claramente como ligada à usucapião. Ao lado da legitimação fundiária (a qual como que posterga a definitiva titulação dos interessados, pois a conversão
Foi dito que a Medida Provisória está causando muita discussão. Qual é o papel da UniRegistral nesse debate? A UniRegistral tem acompanhado de perto toda ARISP JUS 5
a discussão acerca da Medida Provisória 759/2016. É institucional a firme convicção de que os oficiais têm de ser os protagonistas de tudo o que se faz no campo de registro de imóveis. O primeiro dever de uma universidade corporativa é, então, examinar as questões, prestar informações e apresentar estudos. É isso que se tem feito, não só a respeito da MP 759/2016, mas também, de forma abrangente, com
6
ARISP JUS
toda a problemática do registro eletrônico. Além disso, a UniRegistral tem cuidado da reciclagem dos Registradores e seus prepostos, por meio do Curso de Atualização e Aperfeiçoamento em Registro de Imóveis. Vale mencionar também os quadros Minuto Registral e Jurisprudência Conectada, bem como a série Registros sobre Registros e o Pinga-fogo, que garantem o aprofundamento – ali, teórico; aqui, prático – na matéria.
ENTREVISTA Adriana Aparecida Perondi Lopes Marangoni
Qual o principal desafio do Registrador ao assumir uma delegação? O Registrador, na essência, é um operador do direito, mas ao assumir a serventia deve rapidamente se especializar em tarefas administrativas. São três as responsabilidades administrativas que o Registrador deve estar constantemente alerta interferindo de maneira incisiva e contínua: a) Cabe ao Registrador administrar as instalações do Serviço Registral, de maneira que esta seja adequada para o volume de pessoas que a frequenta, e segura tanto para pessoas como para os livros e papéis que estão sob sua responsabilidade. As instalações do Serviço Registral devem também atender as medidas de segurança do trabalho, garantindo aos funcionários um ambiente salubre. O Registrador pensa em um projeto de disposição de móveis e estações de trabalhos que contribuam para a produtividade e agilidade nos processos internos. b) A escolha da aquisição de equipamentos de
hardware e software é o nosso maior desafio econômico e tecnológico. Hoje, ainda não possuímos regramentos ou requisitos básicos de softwares, como também não nos organizamos de maneira institucional para diminuirmos nossos custos na aquisição de hardwares. Então, as decisões de como organizar a Serventia neste aspecto é solitária de cada Oficial e a maioria das vezes de um custo alto, não conseguindo agregar o valor necessário. c) Por último, a mais complexa das tarefas é contratar, treinar e dar apoio contínuo ao quadro de colaboradores. O quadro de colaboradores de um Serviço Registral é composto por pessoas de diversas capacidades que exercem diferentes funções com diferentes níveis de responsabilidade. Cada colaborador deve conhecer a fundo a função que exerce e ter uma boa noção do trabalho de todo o grupo, bem como conhecer a finalidade do Serviço Registral. O Oficial deve garantir que desde o pessoal de limpeza, segurança, telefonia, departamento de TI, auxiliares e escreventes, conheçam a importância da guarda e conservação dos livros e dos arquivos eletrônicos. Todos dentro da Serventia devem entender que prestam um serviço público e que devem auxiliar os usuários do serviço, dentro do limite da legalidade, a solucionar seus problemas. Os escreventes têm que ter autonomia de decisão para que o serviço flua dinamicamente, mas ao mesmo tempo tem que atingir o resultado dentro dos limites dispostos pelo Oficial dentro de cada processo. Quais as maiores dificuldades do dia a dia do Registrador? Todo administrador, quer público ou privado, sempre se depara com grandes desafios para superar. No caso específico dos Tabeliães e Registradores os desafios começam automaticamente com a outorga da delegação. Os serviços extrajudiciais contam com uma estrutura complexa e burocrática, e é preciso rapidamente uma reestruturação completa, desde sua organização estrutural, do pessoal, e principalmente da organização dos processos de produção das nossas atividades. Além disso, em outros assuntos, temos que criar sistemas e ARISP JUS 7
processos para suportar o aumento de demanda, com eficiência e otimização. Além das dificuldades estruturais, o Oficial tem desafios pontuais que merecem atenção redobrada: 1) Os diversos prazos a cumprir de maneira a atender as necessidades da sociedade e do poder público, que exigem de nós cada vez mais agilidade, acreditando que será possível um dia que a nossa publicidade seja instantânea. Para cumprirmos nosso papel, necessitamos investirmos em tecnologia e celeridade de procedimentos, mas não é só isso, para alcançarmos este nível de agilidade, com a devida segurança, o nosso maior desafio é transformar o passado, transformando tudo o que foi produzido durante décadas em papel, em um banco de dados. Alguns acham que a contratação em massa de digitadores ou de empresas que prestam este serviço solucionaria o problema. Minha opinião a este respeito é que este momento de transformação é delicado e exige mão de obra especializada com a fiscalização direta do responsável pelo serviço, o Oficial. 2) Ainda no tema “tempo”, temos que estar atualizados em matéria de tecnologia e nos preparar para atender as exigências das próximas gerações. Para termos a certeza que ainda estamos muito aquém do que devemos atingir, basta olharmos para nossos filhos com seus “tablets” nas mãos e refletirmos o que eles vão sentir no futuro se tiverem que ir até um local físico com diversos papéis nas mãos para adquirirem seu direito de propriedade. Com isso, entendo que nossos esforços devem ser redobrados com relação a preparação de novas interações tecnológicas, para que nossas soluções, não sejam criticadas ou até mesmo rejeitadas pelas próximas gerações. 3) A uniformização de procedimentos não é uma matéria simples para ser tratada entre os profissionais do direito, mas para atingirmos segurança em um percentual aceitável, é necessário que tenhamos procedimentos pré-determinados que devem ser seguidos por todos os colaboradores e fiscalizados constantemente pelo Oficial. Principalmente em Cartórios com um número elevado de funcionários devemos manter entre os colaboradores uma uniformidade de pensamento, mas com uma evolução e revisão contínua. 8
ARISP JUS
4) O relacionamento com o usuário do serviço é um ponto sensível que deve ser tratado de forma adequada. Devemos buscar um comprometimento por parte do Serviço Registral e seus colaboradores, um envolvimento, um engajamento na busca de sistemas eficazes que realmente satisfaçam o interesse do usuário e do poder público, buscando desempenhar suas funções de forma célere e segura. Em todos os casos os usuários devem ser tratados de forma individual, mostrando que o Registro de Imóveis não trata com descaso as dificuldades particulares dos usuários, tendo como foco único e exclusivo o título objeto do registro ou da devolução. 5) Por último não chamo de dificuldade, mas de desafio, termos de acompanhar, estudar, entender e aplicar novas leis e normas com tanta frequência e, em determinadas ocasiões, de maneira instantânea. Algumas situações que envolvam exclusivamente estudo e mudança de entendimento quanto a uma Lei, Norma ou decisão, não traz um grande impacto, mas em algumas oportunidades o nosso desafio vai muito além de interpretação e aplicação, pois envolve total mudança de procedimento, aplicação de recursos e treinamento de pessoal. O exercício da atividade registral exige do Registrador inúmeras habilidades de gestão administrativa-operacional. Quais as principais tarefas administrativas desenvolvidas pela senhora dentro da serventia? Numa visão macro, entendo que o Oficial, apesar de ser responsável por tudo que diz respeito ao funcionamento da Serventia, deve buscar prioritariamente a eficiência, pois é uma exigência da nova tendência mundial o atendimento dos interesses coletivos de forma rápida e com resultados efetivos. Devemos sempre, antes planejar para produzir soluções que nos auxilie a executar nossas funções de forma eficaz e com mais efetividade, fazendo uso de novas técnicas, tecnologias e principalmente novos hábitos e métodos de trabalho. Em razão desta visão macro, procuro, na parte administrativa, exercer pessoalmente as seguintes funções: uniformização dos procedimentos; avaliação de desempenho produtivo e intelectual dos funcionários; zelar pela segurança do acervo físico e digital; identi-
ficar pontos de fragilidade para possíveis erros, desenvolvendo métodos para minimizá-los; produzir regras de arquivo e indexação de documentos físicos e dados produzidos pelo cartório, para que estes possam ser utilizados no futuro mesmo dentro de novas tecnologias; deixar claro as regras do serviço, regras estas que não devem ser rígidas e fixas, mas sim, revisadas e nunca ir além das exigências legais mínimas, que visem a segurança jurídica. Resumindo: pensar, organizar, colocar em prática e testar estratégias para alcançar a produção desejada, preservando a segurança jurídica necessária. A senhora acredita que o uso de ferramentas eletrônicas possa auxiliar o trabalho do Registrador? De que modo? Sem dúvida as ferramentas eletrônicas modificaram o modo de pensar e agir da humanidade. No ambiente das serventias extrajudiciais, elas vêm de forma paulatina, promovendo a celeridade da prestação dos serviços registrais, dando ferramentas para cadastro e busca de dados que de outra forma não seriam localizados. Temos ainda a nossa disposição recursos tecnológicos seguros e homologados para o trânsito de documentos eletrônicos, onde podemos fazer a recepção, o registro, a guarda e o compartilhamento de documentos eletrônicos, com segurança. Podemos fornecer ao Poder Judiciário, Administração Pública e ao público em geral, com maior celeridade e segurança, os dados da qual somos responsáveis pela guarda. Na minha opinião as ferramentas que estão a nossa disposição ainda estão sendo subutilizadas, por isso a sensação em algumas pessoas que as novas ferramentas atrapalham o serviço em geral. Acredito que com o passar do tempo, com o maior conhecimento da tecnologia e com os ajustes necessários, iremos alcançar um nível de conforto e de aceitação trazendo a convergência na opinião favorável de todos os Oficiais.
Qual o papel das Centrais Estaduais do Registro Eletrônico, segundo o Provimento 47/2015 do CNJ? Quais os reflexos para o usuário do serviço? Entendo que a existência de uma Central se justifica pela união de esforços intelectuais, tecnológicos e financeiros, para responder de maneira rápida e eficiente os anseios da sociedade atual. Os reflexos para o usuário do serviço, atualmente entendo ser: desburocratização dos serviços registrais em virtude de sua padronização e uniformização de procedimentos; acessibilidade em decorrência da prestação do serviço online, dispensando atendimento presencial; economia em decorrência de desonerar custos operacionais de deslocamentos e tempo; agilidade devido a prontidão no atendimento; alto nível de segurança e integridade devido aplicação de recursos computacionais de monitoramento, proteção e backup.
ARISP JUS 9
ENTREVISTA Frederico Jorge Vaz de Figueiredo Assad
O senhor entende ser viável o registro dos chamados “condomínio de lotes” ou dos “loteamentos fechados”? É possível apontar as principais distinções entre um instituto e o outro? Não tenho dúvidas de que a existência de condomínios horizontais de lotes ou mesmo condomínios urbanísticos (loteamentos fechados), sob a ótica conceitual do urbanismo1, não é positiva para o desenvolvimento e qualidade de vida nos espaços urbanos. Todavia, não é razoável que se ignore uma realidade que se coloca às claras e que decorre do aumento da violência urbana em todo o Brasil, causada, dentre outros fatores, da própria omissão do Poder Público. Primeiramente, aqueles em melhor situação econômico-social e, posteriormente, a 1 Conforme precisa definição de José Afonso da Silva: “o urbanismo objetiva a organização dos espaços habitáveis visando à realização da qualidade de vida humana”, in Direito Urbanístico Brasileiro, 7ª Edição, pg. 31, Editora Malheiros, São Paulo.
10 ARISP JUS
própria classe média, passaram nas últimas décadas a procurar a segurança (relativa) dos espaços fechados e monitorados. Essa sensação de segurança dos “guetos voluntários” tem um poder de atração irresistível às pessoas e é elemento que tem sido utilizado como meio de promoção do mercado imobiliário. Os condomínios horizontais são aqueles realizados em conformidade com o artigo 8º, “a” da Lei 4.591/642 , havendo para estes, no entanto, a necessária vinculação entre a fração ideal do terreno e a construção, com especificação das áreas de uso comum e de uso exclusivo. Esta é uma figura já referendada pelo sistema jurídico, cujo registro segue as regras da lei de incorporações. O arruamento e áreas livres permanecem como áreas de uso comum de propriedade dos condôminos. Os loteamentos fechados, por seu turno, são aqueles realizados nos moldes da Lei 6.766/79 com abertura, prolongamento, modificação ou ampliação de vias de circulação e um elemento a mais, a autorização para fechamento emitido pela municipalidade com base em legislação municipal prévia. Nesta modalidade, ao contrário do condomínio horizontal, as áreas livres e o arruamento passam para o domínio público que, por meio de concessão ou permissão transfere o direito de uso e dever de manutenção para os proprietários dos lotes. As duas modalidades de parcelamento do solo, “condomínios horizontais” e loteamentos fechados (ou condomínios urbanísticos), já são institutos bem conhecidos e aceitos pelo sistema jurídico, a despeito de opiniões abalizadas que os rejeitam, havendo poucas dúvidas acerca da possibilidade de ingresso no Registro de Imóveis. A grande polêmica, no entanto, gira em torno do “condomínio de lotes”, assim denominado por ser um condomínio horizontal, em que não há vinculação no 2 Art. 8º Quando, em terreno onde não houver edificação, o proprietário, o promitente comprador, o cessionário deste ou o promitente cessionário sobre ele desejar erigir mais de uma edificação, observar-se-á também o seguinte: a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do terreno ocupada pela edificação e, também, aquela eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades;
memorial de incorporação entre a fração ideal do terreno e construção. Com efeito, nessa modalidade de parcelamento de solo, há a partição da gleba em lotes e a eventual abertura de vias não transferidas para o município. Sobre loteamentos fechados e condomínios de lotes, o STF, em recente decisão, reafirmou a competência legislativa dos municípios para regulamentar tais modalidades de parcelamento de solo. Conforme acórdão proferido no RE 607940/DF, Rel. Min. Teori Zavascki, foi aprovado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, por deliberação majoritária, tese com repercussão geral no sentido de que “Os municípios com mais de vinte mil habitantes e o Distrito Federal podem legislar sobre programas e projetos específicos de ordenamento do espaço urbano por meio de leis que sejam compatíveis com as diretrizes fixadas no plano diretor”. Ainda consta do referido acórdão que “é legítima, sob o aspecto formal e material, a Lei Complementar Distrital 710/2005, que dispôs sobre uma forma diferenciada de ocupação e parcelamento do solo urbano em loteamentos fechados, tratando da disciplina interna desses espaços e dos requisitos urbanísticos mínimos a serem neles observados” A análise detalhada da legislação distrital ratificada pelo referido acórdão do STF, que cria os Projetos Urbanísticos com Diretrizes Especiais para Unidades Autônomas – PDEU” permite a clara conclusão de que se trata de regramento destinado à implantação de condomínios de lotes. Não obstante, conforme o atual posicionamento do órgão sensório do Estado de São Paulo, não é possível o registro de parcelamento de solo na modalidade de “condomínio de lotes”, seja de lotes não edificados, sejam aqueles em que há tentativa de burla à necessária vinculação, com a inclusão de construções desproporcionais ao tamanho do terreno, vulgarmente conhecidos como “casinhas de cachorro”, conforme as balizas estabelecidas pela E. Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, reiteradas no processo CG 141.294/2014. Penso que o tema merece uma nova reflexão, não só por conta da decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal, mas, também, pela constatação de que o modelo já é uma realidade e está amplamente pre-
sente nas cidades, até pelas razões já ventiladas acima. Assim, a impossibilidade da regularização, ao invés de impedir o surgimento de novos condomínios, provoca a irregularidade do que já existe e ainda vai existir. Da forma como se encontra, há os condomínios já registrados irregularmente e os condomínios em que não se consegue a averbação de construções e, consequentemente, a obtenção de financiamento, uma vez que, para que as obras possam ser regularizadas, os condôminos encontram uma barreira por vezes intransponível, que é a anuência da totalidade dos titulares de frações ideais para fins de averbação da construção, prevista no artigo 43, IV, da Lei nº 4.591/1964. No contexto da regularização fundiária, o senhor entende que o registro da imissão provisória na posse substitui a desapropriação? Isto é, com exceção do título de legitimação de posse, de que outra forma poderá o ente público imitido provisoriamente na posse alienar a propriedade do imóvel regularizado? A imissão provisória na posse se dá com a declaração de urgência pelo Poder Público e depósito prévio do valor estimado para fins de indenização autorizado judicialmente. A alteração do artigo 167, I, 36 da Lei de Registros Públicos trazida pela Lei 12.424/2011 ampliou as hipóteses autorizadas de registro, antes limitada à execução de parcelamento popular, com finalidade urbana, destinado às classes de menor renda. Com efeito, é instituto que se vincula de forma indelével à desapropriação, cujo ingresso no fólio real lhe confere a potência da oponibilidade erga omnes, dado o aspecto publicístico do Registro de Imóveis. A despeito das críticas ao instrumento, sendo das mais abalizadas a da Professora Maria Sylvia Di Pietro, que afirma que há quebra da regra constitucional de indenização prévia e justa ao expropriado, penso que a imissão provisória na posse e o seu registro dão efetividade para a regularização fundiária, na medida em que permite que se dê urgência na regularização de assentamentos em que há pessoas em situação de risco e na adoção de instrumentos que fomentam a presença efetiva do Estado. Acho que devemos voltar os olhos para o instituto especificamente para os casos de regularização fundiARISP JUS 11
ária de interesse social. Com efeito, o título de legitimação da posse, nos casos em que há a intervenção do Estado na propriedade privada para que esta cumpra a sua função social, é o título primário a ser outorgado aos ocupantes em situação de risco social e, após cinco anos, poderá ser convertida em propriedade plena (Art. 23 da MP 759/2017). Todavia, não há impedimento para a transmissão direta da propriedade aos ocupantes no âmbito da regularização fundiária, uma vez já instrumentalizada a desapropriação despindo-se do caráter provisório da imissão provisória, inclusive com a utilização do instrumento da legitimação fundiária (Art. 21 da MP 759/2017). Não se trata de matéria nova, eis que já prevista na Lei 6.766/79, art. 18, §4º e 5º desde 1999. O senhor considera a atual estrutura de informática, desenvolvida pelas diversas Centrais de Serviços de Registro de Imóveis Eletrônico, suficiente para atender às exigências do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico previsto na MP 759 ou do Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais – Sinter, criado pelo Decreto 8.764/16? Inicialmente, gostaria de pontuar que, em minha opinião, neste nosso mundo “pós-moderno” a utilização da tecnologia nas atividades humanas é aspecto essencial e elemento que traduz a busca por parte da sociedade da eficácia em todos os aspectos. Essa busca pela eficácia não é positiva de forma absoluta. Ela traduz imensas oportunidades, mas também contém um aspecto de desumanização preocupante. Vide as profissões substituídas por algoritmos. O desafio, ao menos para o Registro de Imóveis, é de que seja mantido o aspecto antropológico essencial da atividade, que é a qualificação registral, o “juízo prudencial” exercido pelo registrador sobre o título que representa um fato ou ato jurídico, que lhe é apresentado, e sobre o qual será dado o veredito sobre sua registrabilidabilidade ou não. Trazida esta primeira consideração, não podem ser ignoradas as realizações das centrais de serviços compartilhados, com destaque para o pioneirismo da ARISP, que já na década de 90 trilhava os primeiros passos para a integração, primeiramente das unidades de serviço 12 ARISP JUS
registral da Capital, posteriormente, todas as unidades do Estado de São Paulo. Merecem também destaque as centrais do Distrito Federal, Mato Grosso e Minas Gerais que alcançaram um razoável estágio de maturidade. Em tese, todas possuem a técnica necessária para atingir os objetivos contidos na Lei 11.977/2009. Todavia, no cadinho de normas que rege o registro eletrônico, não pode ser ignorado o provimento 47/2015 da Corregedoria Nacional da Justiça que estabeleceu as diretrizes gerais do registro eletrônico e, dentre outras considerações, estabeleceu que a prestação de serviços eletrônicos se desse de modo descentralizado por meio das centrais estaduais de serviços compartilhados. Dentre outros, o objetivo do referido provimento foi a universalização do acesso ao tráfego eletrônico de dados e títulos, além do estabelecimento de padrões de interoperabilidade para a integração do sistema de registro eletrônico de imóveis do país. Apartada a discussão sobre se foi ou não adotada a visão mais adequada para o registro eletrônico e, pessoalmente, acho que seria mais adequada uma central unificada, o modelo de centrais estaduais foi o escolhido quando da regulamentação e, desta forma, deve ser seguido. Hoje a arquitetura dos diferentes sistemas permite apenas a troca marginal de informações, sem integração, sem a interoperabilidade prevista no próprio provimento entre as diferentes centrais que poderia traduzir a máxima eficiência possível dos sistemas instalados. O trânsito de requisições envolvendo diferentes entidades exige o estabelecimento de especificações técnicas a serem seguidas pelas partes envolvidas, a fim de garantir a segurança do processo e a interoperabilidade dos dados entre as diferentes partes interessadas. Houve a tentativa, dentro de um contexto de autorregulamentação da atividade registral, para que se construísse uma coordenação entre as centrais como órgão interno do Instituto de Registro Imobiliário - IRIB, que foi a Coordenação Nacional das Centrais de Serviços Compartilhados, projeto aparentemente descontinuado no qual, de comum acordo, todas as centrais teriam assento de direito de manifestação. O contexto atual permite dizer que, sob o aspecto técnico, as centrais estão prontas para o atendimen-
to das necessidades da sociedade e do Poder Público. Existem, no entanto, algumas nuvens no horizonte, que da, desde a ausência da uniformidade no tratamento da segurança dos dados entre centrais, à tentativa de captação do serviço por empresas privadas com finalidade econômica. Cumpre exclusivamente aos Registradores tornar concreto, e em todo o Brasil, o comando do legislador. Uma vez que a regulamentação pelo Poder Judiciário criou a figura das centrais de serviços compartilhados, conforme o provimento 47 mencionado, cabe a estas tirar do mundo das ideias um registro exclusivamente eletrônico, até mesmo dando o próximo passo, que é a matrícula exclusivamente eletrônica. Já existem estudos sobre o tema na forma de trabalho apresentado ao Conselho Nacional de Justiça pelo Laboratório de Sistemas Integrados Tecnológico LSi-TEC, conforme contrato CNJ 01/2011, que deveria ser avaliado. Muito se fala sobre a ferramenta “blockchain” e da sua utilidade no incremento de segurança ao sistema de registro de imóveis eletrônico. O senhor entende possível aplicar essa ferramenta dentro da estrutura informatizada hoje em funcionamento ou se trata de ferramenta disruptiva? As pessoas ainda têm muitas dúvidas sobre o que é o blockchain. De forma bem grosseira, é um banco de dados distribuído utilizado para manter de forma contínua registros, chamados blocos, de forma semelhante a um livro razão contábil. Sua característica mais marcante é a potencial segurança da informação contida nos blocos e na cadeia de transações, uma vez que os dados são distribuídos por diferentes “nós” da rede e eventual tentativa de fraude ou destruição da informação a tornaria inválida em relação às demais cópias distribuídas. Conforme importantes pensadores dos efeitos da tecnologia na sociedade, o blockchain tem potencial para ser o motor da nova revolução tecnológica, do mesmo modo que a internet em meados da década de 90. Com sérios riscos de estarem completamente errados, concordo com tal visão, mas acho que a tecnologia ainda demanda tempo para sua maturação.
Para o sistema brasileiro de registro de imóveis ainda é ferramenta que pede o desenvolvimento de aplicações práticas, estando a dificuldade exatamente na característica da atividade registral de ser particular no exercício dos serviço público, ou seja, cada registrador é guardião exclusivo das informações que estão em seu poder. Não há, nos moldes atuais, como se pensar em um banco de dados compartilhado para todos os cartórios. Para que fosse possível a aplicação do blockchain para o Registro de Imóveis deveria se pensar em replicação recíproca dos dados em cada cartório. Aí seria possível pensar em segurança e inviolabilidade da informação. Os cartórios seriam nós da rede, com cópia dos dados criptografados de cada cartório. Mas aí, vem a pergunta, seria viável, até sobre o aspecto econômico? Ou poderia ser um meio de potencializar o serviço, dando a este capilaridade e poder computacional? Só no Estado de São Paulo seriam mais de 300 nós da rede. Acho, no entanto, que é uma tecnologia que não pode ser subestimada dado o seu potencial de renovar as relações jurídicas com ausência de um terceiro garantidor. Como o senhor interpretou o Provimento CG 19/2017, que estabeleceu novas regras para a contagem dos prazos dos serviços nos Registros de Imóveis? O referido provimento respondeu à dúvida corrente de notários e Registradores sobre a aplicação dos artigos 15 e 219 do novo Código de Processo Civil, que alterou a forma de contagem dos prazos processuais. Esta é a norma posta e que deve se seguida. Com efeito, aplicam-se a todos os prazos, processuais ou de direito material, contagem sob a forma de dias corridos, conforme as razões trazidas à baila no Parecer 137/2017-E. Pessoalmente, concordo que o prazo previsto na Lei de Registros Públicos deve ser contato em dias corridos, uma vez que a interpretação dos artigos 15 e 219 do novo CPC expressamente consigna que a contagem de prazo sob a forma de dias corridos é exclusiva aos processos judiciais, salvo omissão da lei, caso em que o novo CPC deverá ser aplicado subsidiariamente. E a lei de registros públicos adotou o método de contagem em ARISP JUS 13
dias corridos, ainda na realidade de 1973, não havendo, portanto, a omissão necessária para aplicação dos mencionados dispositivos legais. No entanto, um ponto que merece reavaliação por parte da E. CGJ do referido parecer é o que adotou o entendimento de que os prazos estabelecidos pelas normas de serviço, inferiores aos legais, tais como aqueles dos itens 43 (dez dias para qualificação e registro) e 43.1 (cinco dias para documentos eletrônicos estruturados). Para a contagem de tais prazos é razoável que se utilizem dias úteis por duas importantes razões: em primeiro lugar, porque são inferiores aos estabelecidos na lei de regência dos registros públicos e, em segundo lugar,
14 ARISP JUS
por tornar inviável o processo de registro nas unidades de serviço de pequeno porte. Para uma grande unidade, talvez, seja mais simples a estruturação dos processos internos para o atendimento (com dificuldade, ressalte-se) de tais prazos em dias corridos, mas e o pequeno cartório com dois ou três funcionários? A assimetria entre as unidades ainda é grande. Há que se considerar ainda que o elemento central do registro é o juízo de prudência. A busca contínua pelo meio mais eficiente para a realização das atividades é característica da sociedade técnica que estamos inseridos, mas seus efeitos têm que ser avaliados com cuidado para que se obvie a desconstrução do humano.
ARISP JUS 15
ENTREVISTA Everton Luiz Martins Rodrigues
O Estatuto da ARISP foi alterado e, com isso, possibilitou efetiva participação no Conselho Deliberativo dos Registradores de Imóveis do Interior. Qual é a expectativa do senhor como novo Conselheiro da Associação? Como todos sabem, a ARISP foi criada inicialmente para atender apenas aos 18 Registradores imobiliários da Comarca da Capital e, por conta de seus resultados e por vocação natural, considerando todos os investimentos tecnológicos e capacitação que já detinha, acabou por expandir os seus serviços aos demais registradores, inicialmente do estado, e mais recentemente aos de outros estados da federação. Entretanto, sem a participação em seu conselho, as deliberações eram tomadas apenas por seus associados fundadores, o que não só gerava o desconforto dos demais Registradores paulistas do interior que se sentiam associados de segunda linha, como também faltava à associação legitimidade para a representação de todos os Registradores paulistas perante os órgãos do Poder Judiciário, outras 16 ARISP JUS
instituições e para a sociedade civil como um todo, vez que os demais Registradores do estado eram apenas associados usuários de seus serviços, sem efetiva voz em suas deliberações. Paulatinamente essa abertura foi sendo trabalhada e, por fim, após a inclusão inicial de apenas alguns Registradores do interior no conselho deliberativo e diretoria, acabou, nesta última alteração estatutária, igualando-se à categoria de associados todos os Registradores do estado, alterando a composição do Conselho Deliberativo com livre acesso aos demais associados, mantidos na condição de conselheiros vitalícios. Essa alteração não só fez crescer a ARISP, outorgando-lhe efetiva legitimidade na representação dos interesses gerais dos Registradores do estado, como estimulou a efetiva participação de outros colegas nas deliberações de interesse de toda a classe. Quais são as principais reinvindicações que chegaram ao senhor para o início desta nova empreitada? Creio que inúmeras são as reivindicações consideradas relevantes para o início dessa empreitada. Dentre elas destaco, a nível federal, o posicionamento e eventuais providências da entidade a serem adotados frente à implementação do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – SREI, por meio da criação do Operador Nacional do Sistema de Registro de Imóveis Eletrônico – ONR, estabelecido pela Medida Provisória vigente e em vias de ser sancionada em nova versão através do Projeto de Lei de Conversão. Nos termos propostos será constituído pelo Instituto de Registro de Imóveis do Brasil – IRIB com a aprovação e regulação pela Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça, levando a efeito o instituído Código Nacional de Matrícula - CNM, que corresponderá à numeração única de matrículas imobiliárias em âmbito nacional, o que, sem sombra de dúvidas, gerará alterações significativas no conceito e no exercício da delegação registral imobiliária. A nível estadual, em um primeiro momento, há necessária busca de reconsideração pela Corregedoria Geral da Justiça quanto à recente normatização dos prazos de qualificação em dias corridos e não úteis. A CGJ, ao ser indagada de forma genérica a respeito da possibilidade de implantação da contagem dos prazos
em dias úteis, conforme estabelecidos no Novo Código de Processo Civil para os procedimentos registrais imobiliários, acabou por interpretar e fixar os prazos para a qualificação dos títulos em dias corridos e não úteis, como já havia se estabelecido na versão anterior das normas, o que ocasionou em um grande transtorno na sistemática de trabalho de inúmeros cartórios de registro de imóveis do estado, fazendo com que a exceção da prorrogação dos prazos de qualificação passasse a ser utilizada como regra, tamanha a desproporção entre o tempo necessário, as mais diversas etapas do processo registral imobiliário, e o reduzido tempo quando nele são incluídos os dias não úteis, especialmente em feriados prolongados ou pontos facultativos. Vale lembrar que o prazo de qualificação se trata de criação da CGJ por ausência de previsão legal a esse respeito e, ninguém mais que o próprio registro imobiliário, espera realizar a prática de seus atos no menor tempo possível, porém, sem haver perda de etapas internas que possam significar redução da segurança jurídica, no desempenho dessa tão importante missão que nos foi delegada. Outro tema que também parece importante, diz respeito à criação da comissão de enunciados, visando a padronização de procedimentos em todo o Estado, entretanto sem interferir na liberdade e na independência no exercício profissional de cada um. A primeira versão da proposta de alteração dos estatutos da ARISP, que acabou por não ser adotada, trazia em seu corpo um regulamento que se pretendia apresentar aos demais colegas os seguintes termos: Comissão de Enunciados da ARISP REGULAMENTO GERAL Art. 1º - Caberá ao Conselho Deliberativo criar uma ou mais Comissões de Enunciados, com no mínimo 3 (três) membros cada, visando a adoção de boas práticas e padronização de procedimentos entre os associados da entidade, que coletarão subsídios e, julgando conveniente, redigirão propostas de enunciados. § 1º - As propostas serão objeto de deliberação dos associados, por sistema eletrônico disponível no site da ARISP, via certificação digital, e, se aprovada, considerada como enunciado oficial da entidade. § 2º - A aprovação da proposta de enunciado ocorrerá
quando esta atingir a maioria simples de votos no período fixado para a deliberação e enquanto mantiver no mínimo 50 (cinquenta) subscrições favoráveis. Art. 2º - Embora não seja obrigatória a motivação do voto, a sua retirada ou mudança deverá ser justificada, ainda que sumariamente, esclarecendo se a motivação decorre de melhor posicionamento jurídico ou superveniência de decisão administrativa de nível superior. Art. 3º - A própria comissão ficará encarregada de suprimir a divulgação dos enunciados que porventura passem a contrariar nova disposição legal ou decisão dos órgãos censores gerais, justificando o motivo e mantendo registros acerca do período em que esteve vigente cada um dos enunciados.
Sabemos que muitos consideram sem qualquer valor enunciados elaborados pela própria classe. Entretanto, especialistas que somos nesse seguimento, cremos que, com a mesma independência que cada um tem no desempenho de sua função, poderemos em conjunto estabelecer padronização de procedimentos que gerarão resultados muitos positivos tanto para os próprios Registradores como para os usuários do sistema de uma forma geral. Nada incomoda mais os usuários e os próprios registradores, que a alegação de que aqui ou ali fazem ou interpretam de forma diferente. Passou do momento em que temos que nos desapegar de caprichos pessoais em cada circunscrição em prol da boa imagem da classe perante a sociedade, e do conforto aos usuários e ao mercado como um todo, sem perder de vista, é claro, a segurança jurídica e a responsabilidade de cada um quanto aos atos que pratica. O enunciado não vincula, mas outorga força àquele que pretende praticar o ato segundo ele, tendo o respaldo da posição institucional acerca daquele tema. Até hoje, a ARISP buscou não adotar posicionamentos institucionais acerca das atividades de ordem prática, na maioria das vezes, porque faria parecer posição pessoal de seus administradores, tendo em vista a inexistência de uma sistemática para a adoção desse posicionamento, conforme pretendemos implementar. Na opinião do senhor, quais são os rumos do Registro de Imóveis? O que a sociedade deve esperar do Registrador de Imóveis do futuro? A sociedade e o futuro exigem o melhor, o mais seARISP JUS 17
guro, o mais eficiente. Assim, devemos fazer com que o Registro de Imóveis − sem perder o seu objetivo principal no que concerne à segurança jurídica do patrimônio imobiliário e às garantias sobre ele constituídas −, e com visão naquilo que o mercado espera do nosso sistema, busque as melhores práticas e adote os meios tecnológicos mais avançados e seguros que estejam disponíveis para a prestação dos seus serviços, tornando-se cada vez mais eficientes e acessíveis. Creio que todo registrador imobiliário, mesmo aqueles que conhecem com mais profundidade a área tecnológica, gostaria que as entidades representativas da classe procurasse buscar estudos detalhados e feitos, não só por nós mesmos, que na grande maioria nada entendemos de tecnologia, mas, sim, por quem realmente entende do assunto, levando em consideração tudo que há disponível e já vem sendo adotado nas mais diversas partes e sociedades do mundo, não só para o controle da propriedade imobiliária, mas para todos os demais seguimentos do mercado que de uma forma ou outra podem contribuir com suas experiências na adoção das tecnologias de ponta. Após isso, em amplo debate e com a participação efetiva de todos os operadores do registro imobiliário, ou seja, os Registradores titulares das delegações propriamente ditos, possa-se deliberar de forma democrática acerca daquilo que vamos adotar. Errando ou acertando, é a própria classe que deve decidir democraticamente. Quais são as principais dificuldades do exercício da atividade registral no interior? No interior, embora muitos registros imobiliários já tenham porte e características semelhantes aos da comarca da capital, guardadas as peculiaridades de cada região tais como o tamanho das comarcas e as atividades econômicas regionalmente desenvolvidas, creio que o maior desafio, além dos contínuos investimentos tecnológicos necessários, é a conscientização de todos na compreensão quanto à conveniência de padronização de procedimentos, que somente assim, permitirá o funcionamento célere com o reconhecimento da sociedade quanto aos benefícios e à segurança que os nossos serviços podem lhes proporcionar, a preços realmente justos e até muito inferiores aos praticados em diversos 18 ARISP JUS
países, inclusive no primeiro mundo, e nos mais diversos sistemas existentes. Dentre os diversos temas tratados na Medida Provisória n° 759/2016, inovou-se na sistemática da regularização fundiária. Quais são as primeiras impressões do senhor sobre o texto normativo idealizado? No âmbito do registro imobiliário, a regularização fundiária na forma implantada pela Medida Provisória 759/2016, e com as alterações introduzidas pelo Projeto de Lei de Conversão – PLV 12/2017 prestes a ser sancionado, com certeza trará muitos benefícios à população, especialmente àqueles que serão beneficiados com a regularização fundiária, através dos instrumentos de facilitação dos trâmites procedimentais. O mercado, que hoje tem, fora dele, centenas de milhares de imóveis objeto de parcelamentos, condomínios e ocupações irregulares, em áreas públicas ou privadas, em muito ganhará com a futura colocação deles em sua carteira, fomentando a economia como um todo. Só para se ter um exemplo, em Piracicaba, como em muitas outras cidades não deve ser diferente, temos o exemplo de uma regularização fundiária feita ainda na égide da legislação anterior, onde somente após a regularização com o registro dos títulos de propriedade aos seus ocupantes, é que a população acreditou de forma efetiva em suas propriedades e passou a investir na qualidade de sua moradia, reformando, ampliando, melhorando em diversos aspectos, ou seja, fazendo circular muita riqueza, mesmo sendo em região de menor potencial econômico. Valeu a máxima de que imóvel fora do mercado não tem valor, o que é pura verdade. A nova legislação acerca da regularização fundiária, na realidade, trouxe inúmeros instrumentos que surtirão efeitos até fora dela. A usucapião extrajudicial a tramitar perante o registro de imóveis, cuja nova versão evoluiu ao adotar o princípio geral de que o silêncio dos notificados presume aceitação e não o contrário, como previa a versão antecedente, é a grande novidade que enfim permitirá a adoção dessa modalidade de aquisição de propriedade através do sistema simplificado perante o registro imobiliário. Outras novidades importantes são as questões
ligadas ao Sistema do Registro Eletrônico, seus organismos e, consequentes, reflexos que já abordamos em questão antecedente; a Regularização Fundiária Urbana - Reurb, propriamente dita, que aborda a criação da Certidão de Regularização Fundiária - CRF, dos títulos de legitimação de posse e de legitimação fundiária dentre outros acessíveis no registro imobiliário; do Direito
Real de Laje; do Condomínio de Lotes, e diversos outros institutos não menos importantes cujos títulos finais acabarão por desaguar no registro imobiliário. Eis aí um grande desafio a ser estudado e enfrentado por todos os operadores do Direito Registral Imobiliário. Temos que estar preparados, afinal, a sociedade espera isso de nós.
ARISP JUS 19
ARTIGO O NOVO PANORAMA DA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA DE ACORDO COM A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 759, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2016 Por Paola de Castro Ribeiro Macedo
1. INTRODUÇÃO O desenvolvimento das cidades brasileiras intensificou-se na década de 1930, com a chegada ao país da Revolução Industrial. Com esse fenômeno, mais pessoas se deslocaram para trabalhar nas fábricas, ocasionando a necessidade de moradia próxima aos centros urbanos, o que acelerou o parcelamento do solo. Rapidamente, vislumbrou-se uma nova oportunidade de negócio: alienar aos operários porções menores de terra (Cf. Promessa de Compra e Venda e Parcelamento do Solo Urbano, 2011, p. 22). Sem nenhuma preocupação urbanística, mas com a finalidade de garantir maior segurança aos compradores de lotes, foram editados os primeiros textos legislativos, com regramento de parcelamento e venda de imóveis a prazo, com ênfase no Decreto-Lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937 e seu regulamento, o Decreto nº 20 ARISP JUS
3.079, de 15 de setembro de 1938. O referido diploma legal começou por submeter a regime especial os proprietários que pretendiam vender lotes ao público, mediante pagamento em prestações. Note-se que, antes desse diploma legal, os proprietários eram livres para vender seus imóveis por inteiro, ou em partes, à vista ou em prestações. Com o Decreto-Lei nº 58/37 ocorreu, na lição de Pontes de Miranda, uma juridicização do loteamento nas espécies que ele indicou. Quando houvesse intenção do proprietário em subdividir seu imóvel para venda em prestações sucessivas, por oferta pública, haveria o dever do registro do loteamento, com o depósito em cartório de memorial e planta, devidamente assinados, exemplar do contrato-tipo de compromisso de venda de lotes, além de demais certidões e documentos exigidos para tanto (Cf. Tratado de Direito Privado, Tomo XIII, 2001, p. 59/60). Assim, passou a ser obrigatório o registro do parcelamento do solo, apenas se preenchidos os requisitos: (i) vontade do proprietário em dividir sua área; (ii) vender em prestações a prazo; e (iii) mediante oferta pública. Se faltasse um dos requisitos, não haveria necessidade de registro do loteamento1. Em 1965, começaram as preocupações urbanísticas, tornando obrigatória a aprovação pela Prefeitura Municipal do plano e planta de loteamento, para serem ob-
1 Aliás, trata-se de equívoco não tão incomum considerar um loteamento (sob a égide do Decreto-Lei nº 58/37) irregular, apenas porque este não possui registro no respectivo livro (Livro nº 8 – registro especial, conforme regulamentação dada pelo Decreto nº 4.857/39). Por vezes, são encontradas transcrições de divisões amigáveis ou de transmissões de domínio de imóveis subdivididos em lotes e quadras, mas sem o respectivo registro do loteamento. Nem sempre tais parcelamentos são irregulares. Há que se investigar se há indícios de venda a prazo de lotes, por oferta pública. Para tanto, a boa prática indica a busca pela existência de compromissos de venda averbados ou qualquer outro documento que demonstre a realidade da época, sob pena de bloquear o trânsito imobiliário de imóveis que não são irregulares.
servadas questões sanitárias, militares e florestais (Lei nº 4.778/65). Com o advento do Decreto-Lei nº 271, de 28 de fevereiro de 1967, novos padrões e exigências foram criados para a implantação de um loteamento urbano. Posteriormente, com a edição da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, passou a ser obrigatório o registro do parcelamento do solo em todos os loteamentos e desmembramentos, impondo-se ao parcelador requisitos mais rígidos e uma maior gama de documentos e aprovações a serem apresentados. Quase que concomitantemente com a legislação que regulamentou a matéria de parcelamento do solo, surgiram os loteamentos clandestinos ou irregulares2, que foram se multiplicando ao longo dos últimos 30 anos, gerando uma situação de incerteza para grande parcela da população que vive nessas áreas. De um lado, o próprio Estado, utilizando-se de áreas públicas ou institucionais, construiu casas para a população de baixa renda, sem preocupação de regularizar a sua titulação. Foram milhares de famílias agraciadas com tais residências, sem qualquer direito formal. No Estado de São Paulo, viu-se até projetos habitacionais implementados pela Administração Pública, em que pessoas adquiriram e pagaram por imóveis em situação de irregularidade, não podendo obter o registro de propriedade. De outro lado, alguns loteadores, criativos em artifícios para burlar o cumprimento das leis de parcelamento do solo, encontraram terreno fértil para se beneficiarem ao longo de anos com as irregularidades
2 Na lição de Francisco Eduardo Loureiro, os loteamentos clandestinos são aqueles que não obtiveram a aprovação ou autorização administrativa dos órgãos competentes, incluídos não somente as Prefeituras, como também os entes Estaduais e Federais; e os loteamentos irregulares são aqueles aprovados, mas não executados, ou executados em descompasso com a legislação ou com os atos de aprovação, podendo ou não estarem registrados. (Cf. Loteamentos Clandestinos – Prevenção e Repressão, 2012, Vol. IV, p. 958).
perpetradas, especialmente em virtude de uma atuação administrativa de fiscalização incipiente e ineficaz. Aliado a isso, verificou-se, ainda, a invasão de áreas ambientalmente sensíveis e não fiscalizadas, tendo os invasores fixado suas moradias, sem a observância de qualquer regra urbanística ou ambiental. A combinação da má atuação do Poder Público em gerir e fiscalizar o crescimento das cidades, com a ganância dos empreendedores, e a demanda cada vez mais crescente por moradia nos grandes centros urbanos, fez com que o Brasil apresentasse níveis alarmantes de imóveis em situação irregular. Esses imóveis estão à margem do sistema, na medida em que: (i) não podem ser legalmente vendidos, dados em garantia ou herdados; (ii) não geram impostos; (iii) não se valorizam como o restante do mercado imobiliário; (iv) não recebem o mesmo nível de investimento em infraestrutura do Poder Público; e (v) não são mantidos com o mesmo capricho que seriam se tivessem proprietários formais. Assim, o clamor por regularização destes imóveis passou a ser premente. Instrumentos de regularização começaram a ser engendrados por meio de leis e normas, para solucionar esse problema tão negligenciado pelos administradores públicos no passado. 2. MECANISMOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA Como muito bem citado pelo ilustre Des. José Renato Nalini, existem três dimensões para a regularização fundiária: (i) dimensão urbanística, com os investimentos necessários para melhoria das condições de vida da população; (ii) dimensão jurídica, com a utilização de instrumentos que possibilitem a aquisição da propriedade nas áreas privadas e o reconhecimento da posse nas áreas públicas; e (iii) dimensão registrária, com o lançamento nas respectivas matrículas da aquisição destes direitos, a fim de atribuir eficácia para todos os ARISP JUS 21
efeitos da vida civil (Cf. Direitos que a Cidade Esqueceu, 2012, p.167). Em qualquer procedimento de regularização fundiária, cotejando as três dimensões, o objetivo final do conjunto de medidas a serem tomadas é a titulação de seus ocupantes, respeitadas, é claro, a legislação urbanística e ambiental. A devida titulação pacifica conflitos e garante verdadeiramente o direito à moradia digna. Por titulação entende-se a produção de um título aquisitivo com aptidão para ingressar no fólio real, gerando preferencialmente direitos de propriedade ou, se estes não forem possíveis, direitos reais de uso. Nos dizeres de Marcelo Augusto Santana de Melo (Regularização Fundiária, 2014, p. 390 – grifos nossos): Os elementos do direito à cidade são viver com segurança, viver em paz, e viver com dignidade, e somente mediante um sistema de garantia de propriedade adequado é que existirá a satisfação plena de seu conteúdo. (...) a propriedade é o fim a ser observado no direito à moradia porque somente com ela existirá a segurança jurídica plena e a satisfação dos moradores de baixa renda.
Antes do advento da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, as formas de produzir títulos de propriedade para ocupantes de áreas irregulares eram morosas, custosas e geralmente envolviam o Poder Judiciário.3 Para os adquirentes de lotes em loteamentos clandestinos ou irregulares (áreas particulares), a principal forma de regularizar sua propriedade era ingressar com ação de usucapião. A ação de usucapião, além de muito demorada, dada a quantidade de documentos e providências exigidos por lei, resolve a questão individualmente, sem observância de requisitos urbanísticos e ambientais, o que não se mostra muito eficiente, como muito bem descrito por Maria do Carmo de Rezende 3 No Estado de São Paulo, as Normas da Corregedoria Geral da Justiça previam um procedimento perante o Juiz Corregedor Permanente, com objetivo de regularizar loteamentos irregulares. 22 ARISP JUS
Campos Couto: “A questão da regularização fundiária deve ser enfrentada e solucionada de modo global e planejado, como previu a Lei nº 11.977/2009, e não por meio de doses homeopáticas comprovadamente insuficientes, como a usucapião.” (Regularização de Interesse Específico, 2012, p; 28). Para as ocupações em áreas públicas, onde a ação de usucapião é incabível por vedação constitucional4, há outros mecanismos de regularização, como: (i) a concessão de uso especial para fins de moradia (Medida Provisória 2.220/2001); (ii) concessão de direito real de uso (Lei nº 11.481/2007 e Lei nº 11.952/2009); (iii) legitimação de posse de terras devolutas (Lei nº 6.383/76); e (iv) titulação de posse, nos imóveis em que houve desapropriação de interesse social para fins de regularização (Lei nº 9.785/1999). Entretanto, a maior parte desses mecanismos em áreas públicas não garantiam aos seus ocupantes o status de proprietários, conferindo, no máximo, o reconhecimento de um direito real de uso. Ademais, traziam requisitos restritos e muitas vezes transitórios, não beneficiando uma gama significativa da população. Por outro lado, a edição da Lei nº 11.977/2009, alterada pela Lei nº 12.424/2011, criou um aparato jurídico novo, com uma série de ferramentas com vistas a facilitar e acelerar a regularização dos loteamentos, sendo um verdadeiro divisor de águas. Com efeito, o sistema de 2009 flexibilizou as regras registrais, a fim de obter a regularização de assentamentos irregulares e a titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado5. Em matéria de regularização fundiária, foi o diploma legal mais forte e completo, arquitetado para con-
4 Art. 191, parágrafo único da Constituição Federal. 5 Art. 46, da Lei nº 11.977/2009.
ceder propriedade aos ocupantes dos assentamentos irregulares. Na esteira dessa legislação, o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento nº 44, de 18 de março de 2015, com normas gerais e diretrizes para aplicação da regularização fundiária urbana. No Estado de São Paulo, a Corregedoria Geral da Justiça editou, de maneira exemplar, provimentos para regulamentar os pormenores do procedimento de regularização fundiária, criando uma seção própria no Capítulo XX, das Normas de Serviço, dedicada exclusivamente ao tema, com vistas a esclarecer os pontos nebulosos da legislação, simplificar os procedimentos, dispensar práticas desnecessárias e ampliar o âmbito de atuação do Oficial de Registro de Imóveis, de forma a assegurar a aplicação da legislação de forma mais célere e eficiente.6 Além disso, foi editado em 2014 um material pelo Governo do Estado de São Paulo, em parceria com a Corregedoria do Estado de São Paulo, chamado de “Cartilha de Regularização”, com explicações passo a passo, modelos de atos administrativos e registrais, para facilitar o entendimento e a aplicação das leis e normas, a fim de acelerar os processos de regularização. Com base nesse aparato jurídico, avançou-se muito em matéria de regularização fundiária. Somente no Estado de São Paulo, até abril de 2017, foram 2.156 loteamentos, 205.431 lotes regularizados e 25.676 imóveis titulados7, o que claramente demonstra a força dos mecanismos criados. Com o passar do tempo, já havia sido criada doutrina a respeito do tema e até um número significativo de jurisprudência para dirimir as questões ainda obscuras.8 6 Provimentos nºs 18/2012, 16/2013, 21/2013, 32/2013, 18/2014. 7 Dados fornecidos pela ARISP (3/7/17), da Central Registradores de Imóveis.. 8 Os julgados administrativos e judiciais sobre o tema foram organizados no livro “Regularização Fundiária Urbana – Jurisprudência Paulista”, coordenada pelo Des. Ricardo Dip.
No entanto, para surpresa da comunidade jurídica, em 23 de dezembro de 2016, foi publicada a Medida Provisória nº 759, de 22.12.2016. Além de trazer alterações pontuais em matéria de regularização de imóveis rurais, modificando artigos de leis já vigentes9, a MP 759 simplesmente revogou por completo o Capítulo III da Lei nº 11.977/2009, e o Capítulo XII da Lei nº 6.015/73, que tratavam de regularização fundiária urbana, como se toda a experiência anterior de regularização tivesse sido um grande equívoco para o país. (Cf. Artigo: A nova Medida Provisória nº 759/2016 e seus reflexos no Registro de Imóveis) Por ato do Presidente da Mesa do Congresso Nacional nº 10, de 20 de março de 2017, a Medida Provisória nº 759 teve sua vigência prorrogada pelo período de 60 dias, ou seja, até 20 de maio de 2017. Assim, nesse momento, o panorama da regularização fundiária no Brasil não é muito confortável. A normativa trazida pela Lei nº 11.977/2009, que serviu para regularizar mais de 200 mil imóveis no Estado de São Paulo não está mais em vigor. E o novo aparato trazido pela Medida Provisória nº 759, mesmo estando vigente, ainda segue de maneira precária, uma vez que não se sabe como seus preceitos serão incorporados ao ordenamento jurídico, especialmente pelo número significativo de propostas de emendas em tramitação no Congresso Nacional (mais de 700 propostas). 3. OS NOVOS INSTRUMENTOS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA TRAZIDOS PELA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 759 A exposição de motivos da Medida Provisória nº 759 justifica a sua proposição na “falta de regramento jurídico específico sobre determinados temas, ou mesmo 9 Há alterações pontuais nas Leis nºs 8.629/1993 (regulamentação de reforma agrária); 13.001/2014 (liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária); 11.952/2009 (regularização fundiária na Amazônia Legal); 8.666/1993 (regulamentação do art. 37, XXI, da Constituição Federal); 6.015/1973 (registros públicos); e 12.512/2011 (Programa de Aquisição de Alimentos – PAA). ARISP JUS 23
por desconformidade entre as normas existentes e a realidade fática dos tempos hodiernos.” Ao tratar do tema regularização urbana, destaca que o modelo da REURB proposto em caráter substitutivo, para além de preencher lacunas deixadas pelo legislador, vem dinamizar e simplificar – inclusive sob uma perspectiva registral – o processo de regularização fundiária urbana no País, permitindo que este efetivamente alcance os seus fins. Como se vê, a MP considerou que não havia, até o momento, um aparato jurídico suficiente para resolver o problema da irregularidade urbana no País, argumento que pode ser refutado pelas estatísticas das regularizações já concretizadas. Baseado nessa premissa aparentemente equívoca, a Medida Provisória nº 759 altera profundamente a sistemática de regularização de imóveis urbanos, apresentando muitas novidades em matéria de conceitos, princípios, objetivos e procedimentos para se atingir a regularização, deixando muitas questões para serem regulamentadas posteriormente por ato do Poder Executivo Federal. a) Conceito e Objeto de Regularização Fundiária Urbana – REURB A Medida Provisória nº 759 aproveita parte do conceito da legislação anterior, quando trata a regularização como um conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais. No entanto, muda o objeto da regularização, ao inserir a ideia de núcleos urbanos informais, que seriam imóveis públicos, privados ou mistos, qualificados como urbanos ou rurais (com características e usos urbanos), destinados de forma predominante à moradia de seus ocupantes, em loteamentos, condomínios ou conjuntos habitacionais irregulares ou clandestinos. Com relação ao tipo de imóvel passível de regularização, a Medida Provisória aponta para a finalidade urbana da área, mesmo que esteja fisicamente localizada em área rural, desde que tenha área inferior ao módulo 24 ARISP JUS
mínimo de parcelamento. Tal alteração de conceito está sendo questionada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, que defende que a regularização precisa ser macroplanejada e considerada como um todo, visando a integração da cidade informal à cidade formal (Cf. Regularização Fundiária Urbana, de acordo com a Medida Provisória nº 759 de 22 de dezembro de 2016, 2017, p. 9). Note-se que não se fala mais em assentamentos irregulares em área consolidada, objeto de preocupação da lei anterior, que visava resolver o problema da cidade que se desenvolveu à margem do sistema registral, de maneira irreversível. A regularização era tratada, portanto, como um instituto de exceção, a ser cuidadosamente manejada onde já existisse de fato um assentamento. No novo objeto criado pela Medida Provisória, chamado de núcleo urbano informal, não se vislumbra essa preocupação com o caráter de irreversibilidade ou consolidação das ocupações, pois foram retirados quase todos os parâmetros temporais que existiam na legislação anterior. b) Princípios e Objetivos da REURB A Medida Provisória traz novos princípios a serem observados no âmbito da regularização, mais ligados à área econômica do que à busca do direito à moradia: competitividade, sustentabilidade econômica, social e ambiental, ordenação territorial, eficiência energética, complexidade funcional, e ocupação do solo de maneira eficiente. E aponta como objetivos: identificação e organização dos núcleos urbanos informais, prestação de serviços públicos aos ocupantes, ampliação do acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, com prioridade para permanência dos ocupantes nos locais, integração social e geração de empregos, estímulo à resolução extrajudicial de conflitos, com cooperação entre Estado e sociedade, concessão de direitos reais preferencialmente à mulher, garantia do direito à moradia
digna, pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e eficiência na ocupação e uso do solo.
Poder Executivo Federal a atribuição de detalhamento normativo.
Muitos desses objetivos estavam contidos em princípios da legislação anterior e já eram implementados pelo ente público ao analisar e aprovar a regularização fundiária.
Na sistemática anterior, eram requisitos para enquadramento na Regularização de Interesse Social: (i) população de baixa renda; (ii) área ocupada de forma mansa e pacífica por pelo menos 5 anos; (iii) imóveis em ZEIS (Zona Especial de Interesse Social definida em lei) ou área pública declarada de interesse para implantação de regularização fundiária de interesse social.
Por outro lado, verifica-se que não há mais a menção da “participação dos interessados em todas as etapas do processo de regularização”, o que enfraquece a atuação das associações de bairro e dos próprios beneficiários durante todo o procedimento, além de reduzir o grau de transparência e integração existente anteriormente. Destaca-se que a gestão democrática por meio da participação da população na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos é diretriz da política de desenvolvimento urbano do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2011, art. 2º, II). Na exposição de motivos da Medida Provisória, o Governo Federal justifica esses princípios e objetivos do ponto de vista dos investimentos públicos, aduzindo que a identificação dos núcleos informais passíveis de regularização, insere-os no “radar dos investimentos públicos federais”, facultando a realização de obras de habitação popular, saneamento e mobilidade urbana, servindo, ainda, como fato indutor para o alcance das metas estabelecidas para a aplicação dos recursos destinados às ações de desenvolvimento urbano. c) Modalidades de Regularização Fundiária A Medida Provisória nº 759 manteve as duas modalidades de regularização fundiária já conhecidas: Regularização Fundiária de Interesse Social – REURB-S e Regularização Fundiária de Interesse Específico – REURB-E, acabando com a modalidade chamada pela doutrina de Regularização Inominada, que era prevista no art. 71, da Lei nº 11.977/2009. Além disso, houve alteração na definição do que é considerada REURB-S e REURB-E, delegando-se ao
Pelas novas regras, a REURB-S servirá para regularizar núcleos informais ocupados por população de baixa renda, observado o disposto em ato do Poder Executivo Federal. Não há critério temporal ou de localização, restando essa regra de aplicação discricionária, o que pode ser uma porta aberta à fraude. A falta de critério temporal pode estimular mais irregularidades, abrindo brechas para que novas ocupações se beneficiassem dos instrumentos da regularização fundiária. Seus mecanismos jamais podem ser usados para atenuar exigências de novos empreendimentos. Para os novos empreendimentos deve-se aplicar com rigor as regras contidas na Lei nº 6.766/79 (parcelamento do solo) e na Lei nº 4.591/64 (condomínio edilício). Nesse ponto, a fiscalização do Poder Público deve ser implacável, para que não sejam criados novos parcelamentos irregulares a serem posteriormente regularizados, o que constituiria um prêmio ao burlador da lei, eternizando o problema. Ademais, a ausência do critério de localização em ZEIS parece atrapalhar o planejamento da cidade, a ocupação racional e ordenada, contrariando os próprios princípios da Medida Provisória. A REURB-E é definida por exclusão também na nova legislação. Porém, como, nesse momento, somente há um requisito a ser cumprido para enquadramento na REURB-S, que é o predomínio de população de baixa renda, as duas modalidades têm poucos pontos de diferenciação conceitual. Além disso, não há uma ARISP JUS 25
definição legal objetiva para identificar se determinada população é ou não de baixa renda. A classificação de uma regularização na categoria de interesse social, traz inúmeras vantagens, tais como: critérios diferenciados para consolidação de área de preservação permanente, custeio de projeto e de obras de infraestrutura e pagamento de emolumentos de registro, ou seja, muitas vantagens e poucas definições legais para seu enquadramento de forma justa. Com relação ao tamanho dos lotes e as exigências de áreas de uso público, a Medida Provisória é ainda mais permissiva, na medida em que admite a flexibilização dessas regras, em qualquer modalidade de regularização, sem nenhum controle temporal. A lei anterior permitia a flexibilização somente em assentamentos consolidados antes de 2009. Além disso, na nova normativa não há previsão de implementação de regularização por etapas, o que era uma ferramenta importante na sistemática anterior. Muitos parcelamentos são grandes demais para serem feitos de uma única vez, dada a quantidade e complexidade de questões a serem combatidas. Em outros casos, há parcelamentos que já estão quase inteiramente regularizados por meio de ações isoladas de usucapião, sobrando lotes esparsos, que não comporiam uma única planta. Com relação à chamada Regularização Inominada, a Medida Provisória não repete o contido nos parágrafos do artigo 71, da Lei nº 11.977/2009. Ao contrário, o art. 55, da Medida Provisória nº 759, estabelece que as glebas parceladas antes de 19/12/1979 e integradas à cidade, poderão ser regularizadas por meio dos instrumentos previstos na própria Medida Provisória. Não há tratamento diferenciado para esses parcelamentos muito antigos e de situação irreversível. Além disso, a MP eliminou de nosso ordenamento jurídico a figura da demarcação urbanística, que tinha dupla função: (i) descrever e definir os limites da área 26 ARISP JUS
onde seria registrado o projeto de regularização (especialmente para os casos em que não houvesse registro da área); e (ii) identificar os ocupantes, para posterior legitimação de posse. Atualmente, pelo art. 50, parágrafo único, da Medida Provisória, não sendo identificadas transcrições ou matrículas da área regularizada, o Oficial de Registro de Imóveis abrirá matrícula com a descrição do perímetro do núcleo urbano informal a ser regularizado. d) Regularização Fundiária em Áreas de Risco, Áreas de Preservação Permanente - APP, Unidades de Conservação e Reservatórios Artificiais de Água Os núcleos urbanos informais de natureza pública, privada ou mista (copropriedade entre pública e privada) podem ser regularizados (art. 9º, I, b), com destinação predominante à moradia, mas também podendo ter uso misto de atividades, para promover a integração social e a geração de empregos (art. 11, parágrafo 3º). Em regra, não se pode regularizar núcleos informais situados em áreas de risco geotécnico, de inundações ou de outros riscos especificados em lei. Porém, pela Medida Provisória é possível tal regularização se houver estudos técnicos a fim de examinar a possibilidade de eliminação, correção ou administração do risco, sendo indispensável a implementação de medidas indicadas nos referidos estudos (art. 12). Nesse ponto, na legislação anterior, a regularização em Áreas de Preservação Permanente e em Áreas de Risco era restrita a situações consolidadas até 31/12/2007, apenas de interesse social e também com os devidos estudos técnicos. A normativa atual é mais flexível, o que pode fomentar a ocupação desse tipo de região, vulnerável a desastres naturais. Além disso, a Medida Provisória sob comento alterou a Lei nº 12.651/12, nos seus artigos 64 e 65, para admitir a regularização fundiária em Áreas de Preservação Permanente tanto na modalidade de interesse
social como específico, tratando-se de núcleo urbano consolidado que se caracteriza por: (i) sua existência na data da publicação da Medida Provisória (23/12/2016); (ii) difícil reversão, considerado o tempo da ocupação, a natureza das edificações, e a localização das vias e equipamentos públicos. A diferença entre as duas modalidades, REURB-S e REURB-E, ditará os requisitos que deverão conter os estudos técnicos de viabilidade da regularização em Áreas de Preservação Permanente que são mais rigorosos e detalhados na REURB-E. A análise conjunta do art. 12, da Medida Provisória nº 759/2016 e o art. 65, da Lei nº 12.651/2012 faz crer que em áreas de risco geotécnico, não seria possível a REURB-E. Entretanto, o texto não é claro nesse sentido, podendo dar ensejo a interpretação diversa. Além disso, a Medida Provisória permite a regularização em Unidade de Conservação de Uso Sustentável, nos termos da Lei 9.985/2000, sendo obrigatória a anuência do órgão gestor e a apresentação de estudo técnico (art. 9º, parágrafo 5º). A REURB às margens de reservatório artificial de água, destinado à geração de energia ou abastecimento público, deverá ainda respeitar a distância entre o nível máximo operativo normal e a cota máxima maximorum (art. 9º, parágrafo 6º). e) Legitimados a requerer a REURB A Medida Provisória ampliou o rol de legitimados a requerer a REURB, habilitando também entidades da administração pública indireta, proprietários, loteadores ou incorporadores, Defensoria Pública, em nome dos beneficiários hipossuficientes e o Ministério Público. A ampliação dos legitimados deve ser aplaudida na medida que facilita a regularização fundiária e a titulação de seus ocupantes. f) Processo Administrativo no âmbito da
Municipalidade Com o falacioso intuito de desburocratizar a regularização fundiária, a Medida Provisória deslocou o centro do processo administrativo para o Município, ou Distrito Federal, instituindo uma normativa específica e requisitos próprios que devem ser observados pelo ente público. No entanto, como se verá, ao invés de facilitar a regularização, criou-se mais providências, não necessariamente úteis, que, ao final, poderão inviabilizar a regularização na grande maioria dos casos. Pela nova sistemática, o Município deverá instaurar um processo administrativo, com a finalidade de: (i) classificar a modalidade de regularização em REURB-S ou REURB-E; (ii) processar, analisar e aprovar os projetos de regularização; (iii) notificar os proprietários, loteadores, incorporadores, confinantes, terceiros interessados ou aqueles que constem no registro de imóveis como titulares de domínio, para, querendo, apresentar impugnação no prazo de 15 dias; e (iv) publicar edital para que terceiros interessados ou aqueles que não puderam ser notificados tenham a chance de impugnar o pedido. Os itens (i) e (ii) já eram praticados na vigência da lei anterior, mesmo que isso não constasse expressamente da normativa específica, pois é sabido que, para fornecer o licenciamento urbanístico e ambiental e aprovar os projetos de regularização, a Municipalidade já instaurava um processo administrativo interno. Nesse particular, vale destacar a doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro a respeito do processo administrativo: “tudo o que a Administração Pública faz, operações materiais ou atos jurídicos, fica documentado em um processo; cada vez que ela for tomar uma decisão, executar uma obra, celebrar um contrato, editar um regulamento, o ato final é sempre precedido de uma série de atos materiais ou jurídicos, consistentes em estudos, pareceres, informações, laudos, audiências, enfim, tudo o que for necessário para instruir, preparar e fundamentar o ato ARISP JUS 27
final objetivado pela Administração.” (Cf. Direito Administrativo, 2016, p. 767). Já os itens (iii) e (iv) são requisitos novos trazidos pela Medida Provisória nº 759. Na sistemática anterior, não havia obrigatoriedade de notificar proprietários, confrontantes, loteadores ou incorporadores, ou publicar edital para atingir possíveis interessados, salvo para demarcação urbanística, que somente era necessária caso não fosse localizada a matrícula ou transcrição da área a ser regularizada10. Nos demais casos de regularização, em que a demarcação urbanística era dispensável, pela existência de registro da área regularizanda, somente haveria necessidade de intimação de confrontantes se houvesse expansão do parcelamento para além da área descrita na matrícula ou transcrição. 11 As novas regras, em aparente conflito com o espírito da Medida Provisória, burocratizarão sobremaneira o procedimento da REURB pois, na grande maioria dos parcelamentos irregulares, existem centenas de proprietários de frações ideias registradas nas matrículas, além de dezenas de confrontantes. Notificar todos esses envolvidos em toda e qualquer regularização será custoso e demorado, dificultando a obtenção da efetiva regularização, perdendo-se o foco da simplificação de procedimentos. Se houver impugnação de algum dos notificados ou de qualquer interessado, prevê a nova legislação que será iniciado procedimento extrajudicial de composição de conflitos em Câmaras de Prevenção e Resolução Administrativa, no âmbito das Advocacias Públicas, com vistas à celebração de Termos de Ajustamento de Conduta (art. 28, parágrafo 1º e art. 36). Anteriormente, as tentativas de conciliação ocorriam no Registro de Imóveis, sob a presidência do Ofi10 Item 296, Cap. XX, Normas CGJ/SP. 11 Item 285.1, Cap. XX, Normas CGJ/SP. 28 ARISP JUS
cial Registrador, que detém conhecimento jurídico da área para guiar as partes a chegarem a um consenso (art. 57, parágrafo 9º, Lei nº 11.977/2009). Se as tentativas restassem infrutíferas, o Oficial, por ato motivado, poderia rejeitar as impugnações infundadas, encaminhando ao Juiz Corregedor apenas em caso de impugnação fundada ou de apelação. Não há necessidade de onerar os cofres públicos com a criação de Câmaras de Prevenção e Resolução Extrajudicial de Conflitos, se esse papel já vinha sendo desenvolvido a contento pelo Registrador Imobiliário, sem custo para a Administração Pública. Na REURB-S, o Poder Público implementará a infraestrutura essencial, equipamentos públicos e melhorias habitacionais, arcando com o custo de sua manutenção, enquanto que na REURB-E, quando da aprovação do projeto, deverão ser definidos os responsáveis pela implantação do sistema viário, infraestrutura essencial, equipamentos públicos, mitigação ou compensação urbanística e ambiental, mediante assinatura do termo de compromisso com as autoridades competentes. A nova normativa divide o processo administrativo perante a Municipalidade em diversas fases, a saber: (i) Requerimento dos legitimados: União, Estados, Municípios, DF, entidades da administração pública indireta, beneficiários, individual ou coletivamente, cooperativas habitacionais, associação de moradores, fundações, organizações sociais, proprietários, loteadores, incorporadores, Defensoria Pública e Ministério Público. (ii) Elaboração do Projeto de Regularização Fundiária: O projeto deverá indicar unidades imobiliárias a serem regularizadas, vias de circulação existentes ou projetadas, medidas para adequação de infraestrutura, por meio de desenhos, memoriais descritivos e cronograma físico de obras e serviços a serem realizados. Na REURB-S, o projeto será elaborado e custeado pela Municipalidade, enquanto que na REURB-E, os custos serão suportados pelos beneficiários.
(iii) Saneamento do processo administrativo: O ente público dará o processo por saneado após as providências de notificações, aprovações e devidas análises. (iv) Decisão da autoridade competente, mediante ato formal, que deverá: a) indicar as intervenções a serem executadas; b) aprovar o projeto de regularização; c) identificar e declarar os ocupantes de cada unidade imobiliária e seus respectivos direitos reais. (v) Expedição da Certidão de Regularização Fundiária – CRF: contendo aprovação do projeto de regularização e a lista de ocupantes, com respectiva qualificação, e seus direitos reais. Para as unidades desocupadas serão abertas matrículas em nome do proprietário original da área. (vi) Registro da CRF no Registro de Imóveis: a CRF será retirada por um dos legitimados e encaminhada ao Registro de Imóveis. Finalizado o processo administrativo perante a Municipalidade, será expedida a Certidão de Regularização Fundiária, que terá dupla função, sendo uma de aprovar o projeto de regularização e outra de identificar os ocupantes e seus direitos reais. g) Processo Administrativo no âmbito do Registro de Imóveis Ao receber a Certidão de Regularização Fundiária, o Oficial do Registro deverá autuá-la e prenotá-la, no Livro nº 1, Protocolo, prorrogando sua vigência até o final do processo administrativo na Serventia. Juntamente com a CRF, deverá ser apresentado o projeto de regularização aprovado e o memorial descritivo, com a lista de ocupantes e respectivos direitos reais a eles atribuídos. A grande questão que se impõe é com relação ao licenciamento ambiental, pois a Lei nº 11.977/2009 era clara ao dispor que o Município poderia atuar como órgão licenciador urbanístico e ambiental se dispusesse de um conselho de meio ambiente e órgão ambien-
tal capacitado (art. 53, parágrafo 1º, da lei revogada). A Medida Provisória é silente nesse ponto, podendo ser sustentada a necessidade de aprovação ambiental do órgão estadual (CETESB) ou a necessidade de apresentação da Declaração de Conformidade Urbanística e Ambiental – DECUA, na hipótese de a Municipalidade possuir convênio com o Programa Cidade Legal.12 Outra possível interpretação é que, com a expedição da CRF, a questão do licenciamento ambiental já foi enfrentada pelo ente público, não cabendo ao Oficial solicitar o documento comprobatório. Após a prenotação do processo de regularização fundiária, deverá o Oficial de Registro proceder as buscas necessárias a identificar os registros (matrículas ou transcrições) atingidos pela regularização e seus confrontantes. Localizadas matrículas ou transcrições atingidas, poderão surgir as seguintes situações: (i)Descrição do imóvel no projeto de regularização é diferente da contida na matrícula, mas há razoável certeza de que toda a área da matrícula foi usada para a regularização – averba-se a nova descrição na matrícula existente, sem necessidade de procedimento autônomo de retificação de área, registrando a seguir a regularização fundiária (art. 45, caput). (ii) A área a ser regularizada é muito inferior à área da matrícula – destaca-se a área da regularização, abrindo-se matrícula própria, sem encerrar a matrícula de origem (art. 45, parágrafo 3º). (iii) A área a ser regularizada é superior à área da matrícula, denotando que algum confrontante foi atingido – notificar o confrontante potencialmente atingido (art. 45, parágrafo 2º) (iv) A área a ser regularizada engloba duas ou mais matrículas – promover a unificação de matrículas. (v) A área a ser regularizada abarca parte de duas ou mais matrículas – realizar averbações de destaque nas matrículas atingidas, abrindo nova matrícula para registro da regularização.
Não poderá o Oficial de Registro questionar os pa12 Lei nº 997/1976, Decreto nº 8468/1976, Decreto nº 52.052/2007 e Resolução Conjunta SH/SMA 3/2009. ARISP JUS 29
drões de descrição das áreas, pois estes não seguirão os requisitos da Lei nº 6.015/73, mas sim diretrizes estabelecidas pela autoridade municipal competente, que terão sido consideradas atendidas com a emissão da CRF (art. 47, da Medida Provisória 759). Caso o Oficial não localize matrículas ou transcrições atingidas pelo projeto de regularização, deverá abrir matrícula com a descrição do núcleo urbano informal e nela registrar a regularização fundiária, com base na CRF (art. 50, parágrafo único). Nesse ponto, muita cautela deverá ser tomada pelo Oficial de Registro para não abrir matrícula em conflito com registros já existentes. Tendo em vista a precariedade de descrições antigas, muitas vezes não é possível saber sobre qual área incide o projeto de regularização. A lei anterior previa a apresentação pela Municipalidade de planta de sobreposição no âmbito da demarcação urbanística, para que fossem identificadas as áreas em confronto com os registros existentes. Porém, tal instituto foi abolido na nova normativa. Pelo novo diploma normativo, está claro que em qualquer tipo de regularização, ficam dispensadas exigências de desafetação, avaliação ou licitação previstas na Lei nº 8.666/93. Com relação aos gravames existentes nas matrículas de origem das áreas a serem regularizadas, estes deverão ser transportados para as matrículas abertas em virtude da regularização, salvo se as unidades forem adquiridas por legitimação fundiária ou legitimação de posse, pois estas são consideradas aquisições originárias (art. 41). Na hipótese de haver indisponibilidade dos imóveis objeto da regularização, a Medida Provisória traz uma contradição interna. No art. 41 permite o transporte da indisponibilidade para as matrículas abertas e no art. 62 simplesmente impede que se faça a regularização se houver indisponibilidades, bloqueios ou demandas judiciais que versem sobre direitos reais de garantia ou 30 ARISP JUS
qualquer constrição judicial. Existem várias propostas de emenda a esses artigos, para eliminar a contradição, que deverá necessariamente desaparecer para aplicação correta da lei. De qualquer forma, a vedação em regularizar áreas que estejam em discussão judicial, contida no art. 62, dificultará muito a tramitação dos processos de regularização fundiária. Se esse impedimento subsistir, deverá o Oficial de Registro exigir certidões em nome de todos os proprietários das áreas, para verificar a existência de ações reais ou reipersecutórias. Deverá, mais, analisar o mérito de tais ações e se potencialmente podem prejudicar a regularização ou a ocupação. Tal providência é própria do registro do loteamento ou da incorporação imobiliária, onde o Oficial verifica a viabilidade da implantação de um novo empreendimento. No âmbito da regularização, trata-se de pacificar situações já existentes e consolidadas, muitas vezes irreversíveis. Em praticamente todos os imóveis objeto de regularização, há bloqueios, indisponibilidade ou demandas judiciais discutindo direitos reais, de modo que essa regra, ao que tudo indica, dificultará demasiadamente qualquer regularização. Estando em ordem a documentação apresentada, deverá ser registrado o projeto de regularização, na forma de parcelamento do solo, condomínio edilício ou conjunto habitacional. Tratando-se de condomínio edilício, será facultativa e não obrigatória a apresentação de convenção condominial, o que é uma novidade da Medida Provisória (art. 42), pois na lei anterior era documento obrigatório para essa modalidade de regularização. Após o registro da regularização fundiária, deverão ser abertas as matrículas para os lotes e unidades autônomas pelo Oficial de Registro, salvo se houver frações ideais registradas e não especializadas (art. 44 e 51). 4. A TITULAÇÃO DOS OCUPANTES NA MEDIDA PROVISÓRIA 759/2016
A regularização fundiária não visa apenas titular os ocupantes, embora essa seja uma preocupação cada vez mais presente na evolução legislativa que trata do tema. A titulação deve ser o resultado de um procedimento complexo em que o Poder Público é instado a verificar questões ambientais e fornecer infraestrutura urbanística para esses núcleos habitacionais, com estudos de viabilidade e obras necessárias a trazer esses locais para padrões de esgotamento urbano, iluminação pública, escoamento de águas pluviais, distribuição de energia elétrica, limpeza urbana, etc. Por titulação dos ocupantes entende-se a constituição de título causal capaz de transferir a seus titulares direitos reais registráveis no Registro de Imóveis, preferencialmente tendentes a torná-los proprietários. Na lição do Mestre Afrânio de Carvalho, pelo princípio da inscrição, a constituição, transmissão e extinção de direitos reais sobre imóveis só se operam por atos inter vivos mediante sua inscrição no registro. O direito real imobiliário somente nasce da conjunção de dois elementos: (i) o título causal e (ii) o seu registro, no fólio real, que o transforma em direito real (Cf. Registro de Imóveis, 1997, p.137). Ao analisar a legislação anterior, percebia-se claramente a existência de duas grandes fases na regularização fundiária: a primeira fase era a regularização do parcelamento do solo ou a constituição de um condomínio edilício, e a segunda fase a titulação dos ocupantes. Note-se que a Medida Provisória tentou condensar as duas fases da regularização em um só documento, a Certidão de Regularização Fundiária, que, além de aprovar a regularização, também irá conferir direitos reais aos beneficiários da REURB (art. 33, parágrafo 1º). A ideia de condensar ambas as fases em um só documento parece à primeira vista desburocratizante. Contudo, a complexidade de providências a serem tomadas para expedição da CRF acabará por tornar a regularização mais difícil e demorada.
Assim, dentro do novo sistema trazido pela Medida Provisória, podemos identificar as seguintes vertentes de titulação com vocação para trazer propriedade a seus ocupantes: (i) legitimação fundiária, para imóveis públicos e particulares (art. 21); (ii) legitimação da posse, com sua conversão em propriedade, para imóveis particulares (art. 22 e seguintes); (iii) direito real de laje (art. 25); (iv) registro dos contratos particulares devidamente quitados (art. 26, parágrafo 6º, e art. 41, ambos da Lei nº 6.766/79 e art. 48, da Medida Provisória 759); e (v) especialização de frações ideais registradas na matrícula de origem da área, onde há posse sobre um determinado lote ou unidade autônoma (art. 44 e 46). a) Da Legitimação Fundiária – Imóveis Públicos e Particulares (art. 21) A Medida Provisória criou um instituto novo para conceder título de propriedade imediata a ocupantes de imóveis públicos e privados. Trata-se de uma aquisição originária, ou seja, livre e desembaraçada de quaisquer ônus, direitos reais, gravames ou inscrições eventualmente existentes na matrícula de origem. A propriedade será concedida pelo Poder Público, por ato discricionário, para aquele que possuir área pública ou privada, como sua, em núcleo informal consolidado, ou seja, existente em 23/12/2016, de difícil reversão, considerados o tempo de ocupação, natureza das edificações, equipamentos públicos e localização das vias de circulação. Para ser beneficiário desse instrumento, o ocupante não pode ser: (i) concessionário, foreiro ou proprietário de outro imóvel urbano ou rural; ou (ii) beneficiário de outra legitimação de posse ou fundiária de imóvel urbano, com a mesma finalidade. O imóvel deve servir para moradia ou para outra atividade, desde que reconhecido o interesse social na sua ocupação. Para os imóveis públicos, poderá o ente público titular de domínio encaminhar ao Registro de Imóveis, junto com o projeto de regularização, a listagem de ocuARISP JUS 31
pantes, suas devidas qualificações e as áreas que ocupam, sem necessidade de emissão de título individual. Nota-se que nesse caso, poderá o ente público optar por outra forma de titulação, que não envolva propriedade, como concessão de direito real de uso ou concessão de uso para fins de moradia, de acordo com o melhor interesse público. A normativa não é clara, mas parece ser o instituto da legitimação fundiária restrito à REURB-S, pois ao tratar dos requisitos para concessão do direito real, a norma cita apenas essa modalidade. Com relação à possível concessão desse direito real para imóveis particulares, vislumbra-se a inconstitucionalidade da norma. A Constituição Federal garante o direito à propriedade, ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. Assim, não pode o Poder Público, por ato discricionário, alijar um particular de seu bem imóvel, sem a devida indenização, especialmente na falta de um critério temporal que justifique a aquisição por usucapião. b) Da Legitimação de Posse e sua Conversão em Propriedade – Imóveis Particulares (art. 22 a 24) A legitimação de posse foi redefinida pelo art. 22 da Medida Provisória, como sendo: “ato do Poder Público destinado a conferir título, por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel objeto da REURB, com a identificação de seus ocupantes, do tempo e natureza da posse”. Os requisitos para os beneficiários são os mesmos da legitimação fundiária, com a particularidade que agora restou expresso que este instrumento servirá apenas para imóveis particulares. A alteração de sistemática da norma deixou também evidente que a legitimação de posse terá lugar tanto REURB-S, como na REURB-E, o que antes era debatido pela doutrina. Na lição de João Pedro Lamana Paiva, o título de legitimação é um título precário, que só materializa 32 ARISP JUS
o fato da posse, em relação ao titular do domínio útil, marcando o momento a partir do qual começa a contagem do prazo para que se dê sua posterior conversão em título de propriedade. (Regularização Fundiária Urbana, Boletim do Irib nº 346, p. 18) Assim, o título causal de legitimação de posse será concedido pelo Poder Público para os ocupantes de áreas regularizadas, se preenchidos os seguintes requisitos13: (i) moradores previamente cadastrados – O instrumento destina-se a titular aqueles que já estão efetivamente no local e, não, conceder posse para novas famílias; (ii) preferencialmente em nome da mulher – Considerada, pelo sistema, como âncora da família e protetora dos filhos; (iii) não sejam concessionários, foreiros ou proprietários de outro imóvel urbano ou rural – O objetivo é garantir o direito à moradia, para aqueles que necessitam; e (iv) não sejam beneficiários de legitimação de posse ou fundiária concedida anteriormente – Não se pode admitir a criação de uma indústria da legitimação.
O termo de legitimação de posse a ser emitido pelo Poder Público será registrado na matrícula dos imóveis regularizados, o que não implicará na alteração de domínio, que somente ocorrerá com a conversão da posse em propriedade (art. 23). A legitimação de posse poderá ser transferida por ato inter vivos ou causa mortis (art. 22, parágrafo 3º). Com relação à natureza jurídica da legitimação de posse, pode-se afirmar tratar-se de ato administrativo que, na lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, consiste em “declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle do Poder Judiciário.” (Direito Administrativo, 2006, p. 181). Pode-se verificar claramente os atributos de um ato administrativo, com presunção de legitimidade e veracidade; imperatividade; autoexecutoriedade; e tipicidade. 13 Art. 22, parágrafo 1º e art. 10, da Medida Provisória 759/2016.
A Administração Municipal deve agir de forma vinculada, na medida em que deve observar estritamente os comandos legais na outorga destes títulos, não podendo agir de maneira arbitrária. Somente aqueles que preencherem os requisitos legais podem ser beneficiados pelo instituto, sob pena de responsabilidade civil e criminal dos administradores públicos que violarem a lei.
versão em propriedade, que varia, de acordo com as características do imóvel e de seus ocupantes:
O ato administrativo, então, produz um termo administrativo de legitimação de posse, que é título hábil a ingressar no fólio real de acordo com o art. 221, da Lei nº 6.015/73, devendo ser registrado na matrícula do respectivo imóvel, conforme art. 167, I, letra 41, do mesmo diploma legal.
b) Para regularizações em imóveis com área urbana de mais de 250m2, o prazo para conversão em propriedade será o estabelecido pela legislação de usucapião (art. 23, parágrafo único, Medida Provisória 759/2016).
Trata-se de mais um instrumento de política pública, aliado a outros existentes no ordenamento jurídico, inclusive no Estatuto da Cidade14, a fim de resolver o problema da moradia irregular no Brasil. Na lição de Nelson Saule Júnior, os instrumentos de regularização apontam “para a necessidade da constituição de um novo marco legal urbano, justo e inclusivo, inspirado nos marcos da reforma urbana, no direito à moradia que confira uma proteção legal a este direito para as pessoas que vivem nas favelas, nos loteamentos populares, nas periferias e nos cortiços, mediante a legalização e a urbanização das áreas urbanas, ocupadas pela população considerada pobre ou miserável.”(A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares, 2004, p. 235). Após o registro do termo de legitimação de posse na matrícula do imóvel, passa a correr o prazo para aquisição da propriedade, com vistas a converter a posse do ocupante em propriedade plena (art. 23). Merece destaque o lapso de tempo necessário entre o registro do título de legitimação de posse e a sua con-
14 A regularização fundiária é apontada, pelo Estatuto da Cidade, como diretriz geral capaz de garantir a função social da propriedade e das cidades (art. 2º, XIV e art. 4º, V, “q”).
a) Para regularizações em imóveis com área urbana de até 250m2, o prazo para conversão em propriedade é de 5 (cinco) anos, contados do registro da legitimação de posse, desde de que sirva para moradia do ocupante ou de sua família e não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural (art. 23, da Medida Provisória 759/2016 e art. 183, CF); e
Pela nova norma, a legitimação de posse, após ser convertida em propriedade, constitui forma originária de aquisição, livre e desembaraçada de quaisquer ônus, direitos reais, gravames ou inscrições existentes na matrícula de origem (art. 23, parágrafo 2º). Com relação à legitimação de posse, as novas regras são menos claras a respeito do processamento do pedido de conversão em propriedade. Não se fala mais em requerimento ao Oficial de Registro e nem tampouco nos documentos que devem ser apresentados, deixando lacunas que dificultarão a aplicação do instituto. Como se vê, a legitimação fundiária e de posse, com conversão em propriedade, constituem poderosos instrumentos para obtenção de moradia digna, pelos quais a população verdadeiramente terá acesso à propriedade plenamente regularizada. Não se trata mais de conceder as migalhas do direito ao uso e habitação, mas sim reconhecer que esses ocupantes, esquecidos e marginalizados durante décadas, poderão finalmente ser chamados de proprietários. c) Do direito real de laje Para facilitar a regularização fundiária, especialmente em áreas de moradia de população de baixa renda, a Medida Provisória criou uma nova espécie de direito real sobre acessão alheia. ARISP JUS 33
É um direito real que possibilita a coexistência de unidades imobiliárias autônomas de titularidades diferentes, situadas uma sobre a outra. Não se trata de direito de superfície, que é determinado e temporário, e nem de condomínio edilício, que pressupõe frações ideais de terreno e áreas comuns. Trata-se de instituto jurídico novo com os seguintes requisitos cumulativos: (i) duas construções sobrepostas, com acesso isolado entre elas, que se chama de isolamento funcional; (ii) proprietários distintos; (iii) inexistência de áreas comuns; (iv) aprovação pela Municipalidade de ambas as construções; (v) não cabem construções de laje sucessivas, uma sobre a outra, ou seja, não se admite laje em 2º grau. Para o registro do direito real de laje, deverá ser aberta matrícula própria para a laje, com a averbação de destaque na matrícula do terreno e da construção inferior, a fim de noticiar o direito real que está acima do pavimento térreo. É mais uma opção para o ente regularizador, de concessão de direitos reais, nas regularizações de interesse social ou específico, a fim de resolver problemas fáticos criados ao longo de décadas de irregularidades no parcelamento do solo urbano. d) Do registro dos contratos particulares quitados Em situação muito mais confortável, estão aqueles que além de serem ocupantes de áreas regularizadas, tem, em seu favor, contratos particulares devidamente quitados. Estes não necessitam da legitimação fundiária ou de posse para ter seu direito de propriedade assegurado. Podem ingressar com os contratos diretamente no Registro de Imóveis e obter o registro de propriedade definitiva, usando como base legal os arts. 26, § 6º e 41, da Lei nº 6.766/79 e art. 48, da Medida Provisória15. 15 Art. 26, §6º Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhado da respectiva prova 34 ARISP JUS
Ainda na vigência da Lei nº 11.977/2009, o Conselho Nacional de Justiça deixou clara, no Provimento nº44/2015, em seus artigos 20 e 29, a possibilidade de registro dos contratos particulares, após a devida regularização. A Corregedoria Geral do Estado de São Paulo foi ainda mais detalhista na edição da Seção X, Capítulo XX, das Normas de Serviço, com diversas diretrizes para facilitar o acesso destes contratos ao fólio real, flexibilizando o rigor das leis registrais e concedendo ao Oficial de Registro de Imóveis importantes funções prudenciais, na análise da documentação. Tais normas, mesmo tendo sido editadas na vigência de legislação revogada, devem continuar sendo aplicadas no que forem compatíveis com a Medida Provisória nº 759, pois representam importante conquista na facilitação do acesso desses documentos à tábua registral. Assim, aqueles que tiverem em seu poder contratos particulares de compromisso de venda e compra, de cessão, promessa de cessão, pré-contratos, reserva de lotes, proposta de compra, ou qualquer outro documento do qual constem a manifestação de vontade das partes, a indicação da fração ideal, lote ou unidade, o preço, o modo de pagamento e a promessa de contratar poderão obter o registro de propriedade.16 Na qualificação de tais contratos, o Oficial de Registro deve cotejar o ordenamento jurídico registral em consonância com as normas de flexibilização para o alcance do registro. O objetivo maior é a obtenção do registro da propriedade sem vulnerar a segurança jurídica, da qual o Registro de Imóveis é guardião. Nesse sentido, alguns princípios registrais devem
de quitação. Art. 41 Regularizado o loteamento ou desmembramento pela Prefeitura Municipal, ou pelo Distrito Federal quando for o caso, o adquirente do lote, comprovando o depósito de todas as prestações do preço avençado, poderá obter o registro da propriedade do lote adquirido, valendo para tanto o compromisso de venda e compra devidamente firmado. 16 Item 287.2, Cap. XX, Normas da CGJ/SP.
ARISP JUS 35
ser observados. O princípio da especialidade17, por exemplo, foi abrandado em diversos dispositivos, não havendo necessidade de correspondência exata entre o contrato particular a ser registrado e a matrícula do lote ou unidade autônoma regularizada18. Aliás, é muito comum que o projeto de regularização contemple situação diferente daquela verificada ao tempo da celebração do contrato firmado com o loteador. No entanto, o registrador deve ter em mãos elementos de certeza de que o título a ser registrado refere-se aquele determinado imóvel, para se evitar o registro em imóveis trocados. Na hipótese de o contrato particular a ser registrado conter apenas indicação da fração ideal de terreno, sem mencionar o número de lote ou unidade correspondente, deverá o interessado apresentar os seguintes documentos para a especialização da fração ideal: a) Requerimento do interessado, acompanhado de certidão da Municipalidade, sob sua exclusiva responsabilidade, ambos indicando o lote ou unidade autônoma correspondente, e certidão de lançamento fiscal19; ou b) Requerimento do interessado, acompanhado de certidão da Municipalidade, ambos identificando o lote ou unidade autônoma correspondente, bem como anuência dos confrontantes do imóvel20.
Importante verificar, com bastante cuidado, se o contrato particular a ser registrado contempla o lote inteiro ou parte deste, havendo, neste caso, necessidade de desdobro anterior ao registro dos contratos. Nota-se que é situação bastante comum o loteador irregular ter alienado uma fração ideal de terreno que corresponderia a um lote de, por exemplo, 400m2 e, posteriormente, o adquirente ceder seus direitos a duas 17 Segundo Afrânio de Carvalho, o princípio da especialidade significa que toda inscrição deve recair sobre um objeto precisamente individuado. Esses requisitos são os dados geográficos que se exigem para individuar o imóvel, isto é, para determinar o espaço terrestre por ele ocupado.” (Registro de Imóveis, 1997, p. 203). 18 Item 290, Cap. XX, Normas da CGJ/SP. 19 Item 282.4, Cap. XX, Normas da CGJ/SP. 20 Item 293 e 294, Cap. XX, Normas da CGJ/SP. 36 ARISP JUS
pessoas distintas, cada uma com direito a um lote de 200m2. Nesse caso, não é conveniente registrar na matrícula de um lote de 400m2, a aquisição de uma fração ideal de 50%, pois desta forma estaria sendo perpetuada a irregularidade pela aquisição de frações ideais. Será muito mais eficaz o desdobro do imóvel em duas áreas, com os documentos de praxe, para então alcançar o registro do lote correspondente à posse localizada. Frise-se que a análise destes contratos não é tarefa simples, pois tais loteadores utilizavam-se de linguagem truncada para fazer crer que estava sendo vendida apenas uma fração ideal de terreno, sem localização, não havendo muitas informações nos contratos da época. O princípio da continuidade21 também deve ser interpretado com menos rigor. As Normas de Serviço do Estado de São Paulo permitem que, derivando a titularidade atual de uma sucessão de transferências informais, seja realizado um único registro do último título, fazendo menção às transferências intermediárias no seu conteúdo.22 Neste caso, os documentos anteriores podem ser apresentados em cópias simples, formando a cadeia possessória, juntamente com a certidão do Distribuidor Cível da comarca de localização do imóvel e da comarca do domicílio de cada um dos adquirentes, para demonstrar a ausência de qualquer lide envolvendo o imóvel.23 Também é dispensável formal de partilha de bens, certidão de casamento com averbação da separação ou divórcio e do pacto antenupcial do transmitente, quando decorridos dois anos da celebração do negócio jurídico24. Como se vê, muitas regras foram abrandadas, mas não se pode perder de vista o princípio da legalidade e
21 Na lição de Afrânio de Carvalho, o princípio da continuidade “quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular. ” (Registro de Imóveis, 1997, p. 253). 22 Item 288.2, Cap. XX, Normas da CGJ/SP. 23 Item 288.1, Cap. XX, Normas da CGJ/SP. 24 Item 291.1, I, Cap. XX, Normas da CGJ/SP.
da segurança jurídica, motivo pelo qual, frise-se, muitos cuidados devem cercar a qualificação destes instrumentos. Com base na legislação federal e nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral do Estado de São Paulo, merecem comentários os seguintes itens de qualificação: a) Representação de Pessoa Jurídica - sendo o transmitente do imóvel pessoa jurídica, verificar sua representação, com análise de contratos sociais e procurações (item 288, Cap. XX, Normas de Serviço CGJ/SP); b) Anuência do Cônjuge - sendo o transmitente casado, verificar se houve anuência do cônjuge nas hipóteses em que esta é necessária, pois não há nas normas previsão para sua dispensa; c) Forma do título – o título poderá ser firmado por instrumento particular. Somente é exigida a via original do último contrato a ser registrado (as transferências intermediárias podem ser apresentadas por cópia simples). Se não for possível a apresentação do original, o Oficial deverá notificar seus subscritores para impugnação em 15 dias (item 289, Cap. XX, Normas de Serviço CGJ/SP); d) Reconhecimento de firma – é exigido apenas para o último contrato a ser registrado, exceto quando decorridos mais de dez anos da data do instrumento (item 291.1, III, Cap. XX, Normas de Serviço CGJ/SP). Caso o último contrato não contenha reconhecimento de firma, possível utilizar a via da notificação dos subscritores conforme item anterior; e) Qualificação das Partes – ainda que os contratos sejam imperfeitos quanto à especialidade subjetiva, a qualificação das partes poderá ser comprovada por documento oficial, desde que não paire dúvidas a respeito da titularidade de quem adquiriu o imóvel (item 289.2, Cap. XX, Normas de Serviço CGJ/SP). Não é necessário apresentar o Cadastro de Pessoa Física (CPF/MF) dos alienantes anteriores, somente do último adquirente (item 291.1, II, Cap. XX, Normas de Serviço CGJ/SP); f) Ausência de Formal de Partilha de Bens ou Carta de Sentença de Separação após 2 anos da celebração do negócio – Este dispositivo serve para os casos em que um dos adquirentes intermediários faleceu ou se separou e seus direitos não foram objeto de partilha. Neste caso, possível que os herdeiros ou ambos os cônjuges firmem o contrato intermediário seguinte, a fim de preencher a cadeia possessória, sem a apresentação da partilha. Não se admite, no entanto, a utilização deste dispositivo quando o último adquirente faleceu ou se separou. Neste caso, deverá ser realizado o registro de sua aquisição, para posterior partilha de bens a ser realizada judicial ou extrajudicialmente (item 291.1, I, Cap. XX, Normas de Serviço CGJ/SP); g) Certidão do Distribuidor Cível do local do imóvel e do
domicílio de todos os adquirentes da cadeia – quando houver imperfeições nos documentos apresentados, os dispositivos normativos remetem para a necessidade de apresentação de tais certidões, a fim de verificar se há algum direito sob litígio. h) Permuta de imóveis – na hipótese de o instrumento particular a ser registrado tratar-se de permuta, tem-se a questão da aplicação da regra contida no art. 187, da Lei nº 6.015/73, que prevê o registro simultâneo de todos os imóveis envolvidos em contratos de permuta25 . Não há regra dispensando a aplicação deste dispositivo legal, motivo pelo qual a questão deverá ser encaminhada ao Juiz Corregedor Permanente para a devida análise (item 292, Cap. XX, Normas de Serviço CGJ/SP); i) Contratos Intermediários faltantes – as regras normativas determinam a apresentação de todos os contratos intermediários, ainda que por cópia simples, formando a cadeia possessória. Na falta de um ou mais contratos intermediários, poderá o registrador se valer de outros elementos para formar sua convicção, elencados no item 291.2 e 291.3, como prova de que habita de boa-fé o imóvel por mais de 10 anos sem interrupção ou oposição e Certidão do Distribuidor Cível. Não havendo segurança no registro desta forma, deverá encaminhar o expediente ao Juiz Corregedor Permanente para análise e produção de provas (item 292, Cap. XX, Normas de Serviço CGJ/SP); j) Falta de declaração do preço em trespasse de contratos – Nos casos em que o contrato particular é objeto de trespasse aposto em seu verso, sem menção do preço ajustado, e este for o último contrato celebrado, possível suprir tal falha por declaração do adquirente, desde que haja prova de quitação.
Conforme visto acima, há diversas regras permitindo o ingresso de títulos, mesmo que imperfeitos, na tábua registral, conferindo a qualidade de proprietários a seus adquirentes. Sendo assim, seria possível sustentar que não há interesse de agir destes adquirentes em ingressar com ações de usucapião para obtenção de reconhecimento de propriedade, sem antes esgotar a via administrativa e registral. Note-se que o interesse de agir continua sendo requisito da ação no Novo Código de Processo Civil (arts. 17 e 330, da Lei 13.105/2015). Movimentar toda a máquina do Poder Judiciário
25 Art. 187. Em caso de permuta, e pertencendo os imóveis à mesma circunscrição, serão feitos os registros nas matrículas correspondentes, sob um único número de ordem no Protocolo. ARISP JUS 37
para obter título de propriedade que pode ser alcançado com a apresentação de documentos perante o Registro de Imóveis, parece colidir com o princípio da economia e celeridade processuais. Para os processos de usucapião em andamento em áreas regularizadas, nos quais o requerente ostente justo título, sugere-se a sua suspensão com base no art. 313, V, b, do Novo Código de Processo Civil, para que o magistrado possa verificar a solução extrajudicial, quando então haverá a extinção do processo, ou a impossibilidade de obtenção do registro, devendo o processo ter seu regular curso. A sugestão para suspensão do processo nos casos citados não tem a intenção de retardar a entrega da prestação jurisdicional (a qualificação registral é entregue no prazo máximo de 15 dias). Ao contrário, tem o firme propósito de viabilizar a obtenção da pretensão do requerente de forma mais célere e econômica, pois a solução extrajudicial é quase sempre possível, dada a quantidade de regras engendradas para obtenção do registro da propriedade. Tal prática se coaduna com o novo formalismo democrático ou formalismo conteudístico do direito processual contido no Novo Código de Processo Civil, pois seria utilizada na busca de um resultado prático e útil para o interessado, que não precisa aguardar anos e praticar diversas providências, citações, editais, peças técnicas, para ver reconhecido seu direito de propriedade.26 e) Da especialização de fração ideal registrada 26 Humberto Theodoro Júnior, ao comentar o Novo CPC, assim se pronunciou: “Percebe-se que, no Novo CPC, a questão da duração razoável há de ser lida a partir de um referencial mais amplo do que a mera aceleração ou desformalização dos procedimentos. Isso porque a duração razoável de um processo está ligada à celeridade, mas também à solução integral do mérito – e por solução integral o Novo CPC já estabelece que não se está falando apenas de decisão de mérito, mas na efetiva satisfação do direito, ou seja, aqui se fala da regra da primazia do julgamento de mérito que induz o máximo aproveitamento da atividade processual mediante a adoção do aludido novo formalismo democrático ou formalismo conteudístico.” (Novo CPC, 2015, p. 164) 38 ARISP JUS
A legislação que trata do parcelamento do solo impõe diversas exigências ao empreendedor, tais como reserva de áreas verdes, equipamentos públicos, licenças ambientais e urbanísticas, obras de infraestrutura, bem como todo o procedimento registral, com os documentos pertinentes. Com o objetivo de burlar tais regras, os parceladores irregulares criaram ao longo dos anos, artifícios para disfarçar os loteamentos e assim obter registros, mesmo estando em desconformidade com a lei. O principal artifício utilizado foi a alienação de fração ideal de terreno, com ou sem localização, criando um condomínio civil entre todos os adquirentes dos lotes. Em realidade, no local, havia um aglomerado de habitações com localizações internas, espaços livres, ruas, ao passo que, juridicamente, eram todos detentores de um percentual sobre a área inteira.27 Durantes vários anos, essa alienação do imóvel em partes era aceita e registrada na matrícula das glebas. Entretanto, tal subterfúgio foi percebido pelos Oficiais de Registro, Ministério Público e Municipalidades, chegando ao Poder Judiciário, que passou a vedar o registro das operações tendentes a fraudar as leis de parcelamento do solo.28 Por essas razões, existem muitas matrículas com algumas centenas de alienações de pequenas frações ideias, praticamente bloqueadas para o trânsito imo27 Na lição de Arnaldo Rizzardo, pode-se citar algumas práticas tendentes a criar um condomínio civil de frações ideias: “Alguém doa uma área de terras a vários filhos, numa única ou mais escritura públicas, com a indicação das partes que toca a cada beneficiário, e inclusive os espaços livres. Ou, mediante sucessivas vendas de porções ideias, sem estabelecer limites ou posicionar a área dentro do todo. E mesmo em uma única venda de um imóvel a muitos adquirentes. Forma-se na gleba um aglomerado de habitações, com localização interna dos lotes e espaços para a locomoção e outras utilidades. Apresenta-se uma situação que caracteriza um loteamento ou desmembramento irregular, que os tribunais não toleram. (Promessa de Compra e Venda e Parcelamento do Solo Urbano, 2011, p. 46) 28 Ap.5.387-0, do Conselho Superior da Magistratura do TJ/SP, de 28.02.86, RT 611/90; RMS 9.876-SP, 3ª Turma, j. em 17.8.1999; Proc. 21/2003, da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo..
biliário, pois são consideradas matrículas oriundas de parcelamento irregular. Nestes casos, não há necessidade de trazer para registro as escrituras de aquisição ou pleitear junto à Municipalidade um título de legitimação fundiária ou de posse, pois já existe registro de aquisição da matrícula da gleba original do parcelamento. Após a regularização fundiária do parcelamento do solo ou do condomínio edilício, a mera especialização da fração ideal de terreno, com a atribuição de um lote ou uma unidade autônoma, será suficiente. A Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, na vanguarda em matéria de regularização, editou a Subseção III, das Normas de Serviço (itens 293 a 295), inteiramente dedicada a esse tema, com os documentos que devem ser apresentados ao Oficial de Registro de Imóveis para especialização da fração em parcelamento do solo e em condomínio edilício. A Medida Provisória nº 759 também contempla essa questão nos arts. 44 e 46, reforçando o papel da Municipalidade, que poderá indicar, sob sua exclusiva responsabilidade, de forma individual ou coletiva, os lotes correspondentes às frações ideias registradas em comum. No entanto, a questão de qual ato deva ser praticado pelo registrador para a especialização da fração ideal ainda continua sem definição clara. A Medida Provisória não trata especificamente dessa questão, limitando-se a determinar que as matrículas para as unidades serão abertas mediante requerimento de especialização formulado pelo titular da fração ideal. A fim de verificar o ato registral juridicamente correto a ser praticado, necessário analisar a natureza da especialização da fração ideal. A existência da fração ideal pressupõe a formação de um condomínio voluntário, regulado pelos arts. 1.314 a 1.326 do Código Civil. Nos dizeres de Caio Mário da Silva Pereira: “dá-se o condomínio quando a mesma coisa pertence a mais
de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual direito, idealmente, sobre o todo e cada uma das partes.” (Instituições de direito civil, 2002, p. 175). Ainda com relação ao condomínio voluntário, vale destacar suas características básicas trazidas na doutrina de Francisco Eduardo Loureiro, como a cotitularidade dominial sobre uma mesma coisa e o regime jurídico de cotas ou partes ideias sobre a coisa, cabendo a cada condomínio um percentual sobre o todo. (Cf. Código Civil Comentado, 2015, p. 1240) Assim, o que se chama de especialização da fração ideal nada mais é do que a extinção do condomínio por meio da divisão da coisa comum (art. 1.320, do Código Civil). Como se aplicam à divisão do condomínio, as regras de partilha de herança (art. 1.321, do Código Civil), o ato correto a ser praticado é o registro da atribuição de um determinado lote ou unidade autônoma à fração ideal registrada na matrícula-matriz. Ao registrar a regularização, as matrículas dos lotes/ unidades devem ser abertas, tendo como proprietários todos os que figuram na matrícula de origem (art. 15, II, c, Provimento CNJ nº 44/2015)29. Ao especializar a fração ideal, a matrícula do respectivo lote receberá um ato de registro, com tal especialização. Esse registro terá o condão de determinar que aquele lote agora pertence ao detentor da fração ideal registrada sob determinado número da matrícula de origem. A partir desse momento, este adquirente deixa de ser um condômino na área total e passa a ser proprietário de um imóvel único e determinado, acabando, de uma vez por todas, com as irregularidades do passado. Finalmente, ressalta-se a importância do controle da disponibilidade dos registros de frações ideais pelo Oficial de Registro de Imóveis. Isso porque, o registro ou a averbação da especialização na matrícula do lote terá 29 Se forem muitos proprietários, no campo próprio da matrícula, poderá ser utilizada a expressão “todos os proprietários constantes na matrícula de origem”. Com isso, evita-se o nascimento de uma matrícula já com uma dezena de páginas, o que dificulta sua compreensão. ARISP JUS 39
como lastro um registro aquisitivo na matrícula de origem. É preciso, então, desenvolver um controle capaz de garantir que um mesmo registro aquisitivo não sirva de lastro para a aquisição de mais de um lote. Como exemplo, pode-se citar uma matrícula de origem com 500 registros de aquisição de fração ideal (do loteador irregular para os adquirentes). Para cada especialização de lote, deve-se controlar a baixa de um determinado registro aquisitivo, para se evitar o esgotamento precoce da disponibilidade. Situações sui generis podem complicar essa análise. Na hipótese de um comprador resolver adquirir, por exemplo, dois lotes desse empreendimento irregular, dobrando assim sua fração ideal. Nesse caso, um mesmo registro de aquisição na matrícula de origem poderá servir de lastro para dois ou mais lotes a serem especializados. Há que se entender a lógica dos contratos de cada loteamento irregular, para se verificar suas peculiaridades. Existem casos em que o número do lote está disfarçado no cabeçalho ou rodapé do contrato, de modo que isso pode se tornar mais um elemento de análise para encontrar as informações necessárias a viabilizar a especialização do lote. 5. REGRAS DE TRANSIÇÃO A Medida Provisória nº 759/2016 entrou em vigor na data de sua publicação (23/12/2016). No entanto, prevê, em seu art. 73, parágrafos 1º a 4º, regras de transição, facultando a aplicação da legislação anterior, a critério do ente público responsável, para os processos de regularização iniciados até a data da publicação do novo texto. Desta maneira, para todos os processos de regularização já iniciados perante o órgão público e também os já prenotados no Registro de Imóveis, sugere-se solicitar um requerimento da Municipalidade para esclarecer se opta por seguir pela legislação anterior ou aplicação imediata das novas regras. Para os novos processos administrativos a serem 40 ARISP JUS
iniciados na Municipalidade, deverão ser aplicadas as novas regras trazidas pela Medida Provisória, até que esta seja alterada, revogada ou incorporada ao nosso ordenamento por meio de lei. 6. CONCLUSÃO Durante as últimas décadas, verificou-se a proliferação indiscriminada de loteamentos clandestinos ou irregulares por conta da atuação leniente do Poder Público, da voracidade de alguns empreendedores em reduzir custos, bem como da grande necessidade da população carente por moradias. Como medidas curativas, foram desenvolvidos instrumentos de regularização fundiária para atender o clamor social por melhoras na qualidade de vida nos assentamentos irregulares, culminando com a edição da Lei nº 11.977/2009, que constituiu um amplo sistema para regularização e titulação de ocupantes nessas áreas. Tal legislação tratou o problema da irregularidade urbana sob vários aspectos, fornecendo meios de solução dos conflitos nas esferas urbanística, jurídica, ambiental e registral. Os instrumentos criados tiveram como objetivo a promoção de uma política urbana de inclusão dos assentamentos irregulares e seus ocupantes, tendo o direito à moradia como fundamento principal. Para a regularização atingir todo seu potencial, era necessário verificar vários componentes, como a urbanização da área, a proteção ambiental, a infraestrutura, os equipamentos públicos, prestação de serviços públicos, bem como a segurança jurídica dos ocupantes. No entanto, o Governo Federal entendeu por bem revogar o Capítulo III da Lei nº 11.977/2009, que tratava de regularização fundiária, editando a Medida Provisória nº 759/2016, que regulou novamente toda a matéria, com a criação de instrumentos novos e com a repetição de instrumentos já conhecidos na legislação anterior.
Muito embora a intenção tenha sido simplificar e facilitar a regularização, em muitos aspectos, foram impostos mais entraves, criando incertezas de como esses novos mecanismos funcionarão e impactarão os procedimentos de regularização. No campo da titulação dos ocupantes, dentro do novo sistema trazido pela Medida Provisória, podemos identificar as seguintes vertentes de titulação com vocação para trazer propriedade a seus ocupantes: (i) legitimação fundiária, para imóveis públicos e particulares (art. 21); (ii) legitimação da posse, com sua conversão em propriedade, para imóveis particulares (art. 22 e seguintes); (iii) direito real de laje (art. 25); (iv) registro dos contratos particulares devidamente quitados (art. 26, parágrafo 6º, e art. 41, ambos da Lei nº 6.766/79 e art. 48, da Medida Provisória 759); e (v) especialização de frações ideais registradas na matrícula de origem da área, onde há posse sobre um determinado lote ou unidade autônoma (art. 44 e 46). Enfim, na atualidade, ferramentas não faltam ao Poder Público e aos Oficiais de Registro de Imóveis para regularizarem os núcleos urbanos informais em seus locais de competência. A nova sistemática talvez retarde esse processo, por trazer instrumentos diferentes e muitas vezes lacunosos. No entanto, todos os esforços devem ser empenhados para dar continuidade ao movimento de regularização já iniciado no País e que trouxe tão relevante contribuição para que milhares de imóveis fossem integrados ao sistema formal, com inúmeras possibilidades de negócios, fomentando a economia, e concedendo a seus moradores a tão sonhada “casa própria”.
BIBLIOGRAFIA ALVARES, Amilton; ALVARES, George André. Regularização Fundiária: especialização de fração ideal em lote. Atribuição promovida pelo Município. Disponível no Portal do RI http://www.portaldori.com.br/2014/05/08/regularizacao-fundiaria-especializacao-de-fracao-ideal-em-lote-atribuicao-promovida-pelo-municipio/, acessado em 1/2/2016. AMADEI, Vicente de Abreu. Como lotear uma gleba. Campinas, Millennium, 2014. ______________________. O registro imobiliário e a regulari-
zação de parcelamento do solo urbano: Doutrinas essenciais: Direito Registral sob coordenação de Ricardo Dip e Sérgio Jacomino. Vol. VII. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012. ______________________. Urbanismo Realista. Campinas, Millennium, 2006. AUGUSTO, Eduardo. Usucapião extrajudicial; o instrumento eficaz da regularização fundiária. Disponível em http://eduardoaugusto-irib.blogspot.com.br/2011/04/usucapiao-extrajudicial-o-instrumento.html, acessado em 1/2/2016. BECKER, Bruno. A regularização fundiária em imóveis rurais, o aperfeiçoamento do sistema registral. Revista de Direito Imobiliário nº 74. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2013. _____________. A regularização fundiária como instrumento propulsor do desenvolvimento econômico e a função econômica do registro de imóveis: o reflexo das garantias reais sobre a taxa de juros fixada no mercado e sua relevância para o investimento no setor produtivo. Revista de Direito Imobiliário nº 72. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012. CARVALHO, Afrânio de. Registro de Imóveis. Rio de Janeiro, Forense, 1997. COUTO, Maria do Carmo de Rezende Campos. Regularização Fundiária de interesse específico. Boletim IRIB nº 344 e 347, São Paulo, IRIB, 2012. DALLABONA, Maicon Cesar. A conversão em propriedade, por usucapião extrajudicial, da posse de imóveis públicos, à luz da Constituição Federal. Disponível em https://jus.com.br/artigos/29471/a-conversao-em-propriedade-por-usucapiao-extrajudicial-da-posse-de-imoveis-publicos-a-luz-da-constituicao-federal/2, acessado em 1/2/2016. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo, Atlas, 2006. DIP, Ricardo. Sobre a função social do registrador de imóveis. Doutrinas essenciais: Direito Registral sob coordenação de Ricardo Dip e Sérgio Jacomino. Vol. II. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012. FREITAS, José Carlos de. Loteamentos Clandestinos e suas modalidades fraudulentas. Doutrinas essenciais: Direito Registral sob coordenação de Ricardo Dip e Sérgio Jacomino. Vol. II. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012. GALHARDO, João Baptista. O registro do parcelamento do solo para fins urbanos. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. GÓES, Renato G. Regularização Fundiária Urbana no Estado de São Paulo (Cartilha de Regularização). São Paulo, Governo do Estado de São Paulo, 2014. KOJROANSKI, Nelson. As favelas: o desafio de sua regularização jurídica. Doutrinas essenciais: Direito Registral sob coordenação de Ricardo Dip e Sérgio Jacomino. Vol. II. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012. LEITE, Luis Felipe Tegon. Regularização Fundiária Urbana, de acordo com a Medida Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016. São Paulo, Ministério Público, 2017. LOPES, M.M Serpa. Tratado dos Registros Públicos, Vol. III. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1955. LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil Comentado. São Paulo, Manole, 2015 __________________________. Loteamentos clandestinos – prevenção e repressão Doutrinas essenciais: Direito Registral sob coordenação de Ricardo Dip e Sérgio Jacomino. Vol. IV. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012. MARQUES, Benedito Ferreira. Direito Agrário. Goiânia, ABDR, ARISP JUS 41
2005. MEIRELES, José Dilermando. Dos loteamentos rurais regularmente registrados, em face da legislação agrária subsequente. Doutrinas essenciais: Direito Registral sob coordenação de Ricardo Dip e Sérgio Jacomino. Vol. IV. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012. MELO, Marcelo Augusto Santana. O direito à moradia e o papel do Registro de Imóveis na regularização fundiária. Revista de Direito Imobiliário nº 69. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010. ____________________________. O direito à moradia e o papel do registro de imóveis na regularização fundiária: Doutrinas essenciais: Direito Registral sob coordenação de Ricardo Dip e Sérgio Jacomino. Vol. II. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012. MIRANDA, Pontes de. Tratado do Direito Predial, Vol. III. Rio de Janeiro, José Konfino Editor, 1948. _________________. Tratado de Direito Privado: Direito das Coisas: Parcelamento: Direito de Vizinhança. Tomo XIII. Campinas, Bookseller, 2001. NALINI, José Renato. Direitos que a cidade esqueceu. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012. __________________; e demais autores. Regularização Fundiária. Rio de Janeiro, Forense, 2014. PAIVA, João Pedro Lamana. Regularização fundiária urbana – modalidades. Boletim IRIB nº 346, São Paulo, IRIB, 2012. _________________. A nova Medida Provisória nº 749/2016 e seus Reflexos no Registro de Imóveis, Porto Alegre, sítio eletrônico do IRIB, 2016. PASSARELLI, Luciano Lopes. Retificação do Registro de Imóveis, Regularização Fundiária e as Zonas Especiais de Interesse
42 ARISP JUS
Social (Zeis): Doutrinas essenciais: Direito Registral sob coordenação de Ricardo Dip e Sérgio Jacomino. Vol. VI. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro, Forense, 2002 REZEK, Gustavo Elias. Imóvel Agrário. Curitiba, Juruá, 2007. RIBEIRO, Benedito Silvério. A sentença de usucapião e o registro de imóveis. Doutrinas essenciais: Direito Registral sob coordenação de Ricardo Dip e Sérgio Jacomino. Vol. III. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012. RIZZARDO, Arnaldo. Promessa de compra e venda e parcelamento do solo. São Paulo, 2011. SALLES, Venicio. Direito Registral Imobiliário. São Paulo, Saraiva,2008. SAULE JÚNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assentamentos irregulares. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2004. SILVA, José Marcelo Tossi. Registro de Parcelamento Regularizado (no Estado de São Paulo): Doutrinas essenciais: Direito Registral sob coordenação de Ricardo Dip e Sérgio Jacomino. Vol. IV. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2012. SUMARIVA, Marino Nazareno Lopes; PHILIPS, Jurgen Wilhelm. O auto de demarcação urbanística para a regularização fundiária urbana. Revista de Direito Imobiliário nº 76. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2014. THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: Fundamentos e Sistematização. Rio de Janeiro, Forense, 2015.
ARTIGO AVERBAÇÃO DE PENHORA E DE INDISPONIBILIDADE SOBRE DIREITOS DE FIDUCIANTE E O FUTURO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. Por Flaviano Galhardo
INTRODUÇÃO No dia 21 de novembro próximo completa 20 anos a Lei nº 9.514/97, que instituiu a alienação fiduciária sobre bens imóveis e serviu de base à proliferação dos financiamentos imobiliários no país. Nos seus dez primeiros anos de vigência os Operadores do Direito e o próprio mercado de direitos imobiliários, em geral, tiveram que aguardar o reconhecimento da constitucionalidade por parte dos tribunais para, somente então, adotar certa margem de segurança, a fidúcia como garantia imobiliária, alternativamente à tão antiga e combalida hipoteca. Naquele período já havia a consciência da revolução que a nova legislação implantara no sistema de garantias imobiliárias, sendo duas as principais: o imóvel deixava de pertencer ao proprietário, ou seja, saía do patrimônio do devedor, integrando, ainda que em cará-
ter resolúvel e com o escopo de garantia, o patrimônio do credor; além disso a execução, para os casos de mora e inadimplemento do devedor fiduciante, passava a ser promovida extrajudicialmente, diretamente no Registro de Imóveis sob a presidência do oficial do registro. Nos anos seguintes o instituto consolidou-se de vez. Sua utilização passou a ser massiva por tabeliães, particulares, incorporadoras e bancos. Várias dúvidas foram decantadas e inúmeras questões registro-operacionais das mais diversas naturezas foram vencidas, inclusive, com minucioso regramento no Estado de São Paulo pelas Normas de Serviço da CGJ-SP1 que permite, até mesmo, o envio e acompanhamento do processo de execução através da internet via Central Registradores. Por outro lado, restam, ainda, alguns temas a serem melhor enfrentados e definidos pela jurisprudência, muito embora já exista sobre eles conhecida doutrina, como é o caso da recente discussão no meio registrário sobre a possibilidade ou não da purgação da mora pelo devedor após a averbação da consolidação2. Há, inclusive, aprimoramentos necessários no instituto que, na opinião de alguns, dependem de reforma legislativa como por exemplo a questão da exoneração do devedor após a averbação da consolidação da propriedade e da realização dos leilões, nas operações de crédito que não sejam para aquisição de imóvel. Mas o intuito deste artigo é o de chamar a atenção para um fenômeno que tem sido observado nas serventias imobiliárias para o qual, se não se der um tratamento mais cuidadoso, poderá impactar negativamente na efetividade, eficácia, e porque não dizer, na sobrevivência do instituto da alienação fiduciária, qual seja: a grande incidência de indisponibilidades e penhoras sobre direitos de devedor fiduciante. AS AVERBAÇÕES DE PENHORAS E DE INDISPONIBILIDADES ESTÃO MAIS EFETIVAS. 1 NSCGJSP - Capítulo XX, Seção IX - Da Alienação Fiduciária de Bens Imóveis: itens 230 a 272. 2 RDI, Ano 39 – nº 80 – Janeiro/Julho – 2016 – fls.101/124. ARISP JUS 43
Com a edição do Prov. 39/2014 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) as ordens judiciais e administrativas de indisponibilidades sobre bens imóveis passaram a ter mais efetividade na medida em que são expedidas através de uma plataforma única e eletrônica (Central Nacional de Indisponibilidade de bens – CENIB) de comunicação e, dessa forma, recepcionadas com muito mais celeridade e eficiência pelos oficiais de registro de imóveis de todo o país. As averbações de penhoras decretadas sobre bens imóveis, por seu turno, também, pela sua importância reconhecida junto ao novo Código de Processo Civil no que tange à fraude à execução, ganharam simplificação e rapidez com a possibilidade de serem realizadas por meio eletrônico (Art. 837). Um bom exemplo é o sistema de Penhora on line implantado pela ARISP no Estado de São Paulo, também em uso nos Estados aderentes à central paulista de serviços eletrônicos, conforme possibilita o Prov. 49/2015 do CNJ. Pois bem, por conta destes fenômenos, somados ao estado de crise econômica que assola o país, o quadro proliferado que se tem visto diariamente nas Unidades de Registro é o da convivência diuturna de três fatos jurídicos interagindo entre si: indisponibilidades, penhoras e alienação fiduciária. PENHORAS, INDISPONIBILIDADES E DIREITOS DE FIDUCIANTES. POSTURA DO REGISTRADOR. Tem sido muito comum o ingresso de determinações de indisponibilidades e de penhoras recaindo sobre direitos de devedores fiduciantes em garantias de alienações fiduciárias, sejam elas decorrentes de financiamentos para aquisição imobiliária, sejam por conta de operações de crédito em geral. De início, uma primeira e simplória questão que se pode apresentar é a da possibilidade ou não de averbação de indisponibilidade ou de penhora sobre imóvel alienado fiduciariamente. Não é preciso muito raciocí44 ARISP JUS
nio para se chegar à resposta negativa. Ora se no próprio cerne do instituto da alienação fiduciária está a transmissão do imóvel ao credor, ainda que em caráter resolúvel, por óbvio que o bem objeto da garantia não mais se encontra no patrimônio do devedor. Uma simples leitura do Art. 22 da Lei é suficiente para se concluir que a contratação da transferência do bem, mesmo com o escopo de garantia, faz com que o devedor não tenha mais a disponibilidade sobre ele. Provérbio muito conhecido no meio registrário é o de que “ninguém pode dispor daquilo que não tem”. Juridicamente, o imóvel não pertence mais ao devedor, mas sim ao credor em que pese a resolubilidade do seu direito. É, por conseguinte, ser impossível o imóvel servir de objeto de uma nova garantia real3 e tão menos sobre ele recair uma determinação de penhora ou indisponibilidade de bens. A não ser que, para esta última hipótese, tenha havido a decretação pela autoridade judicial, de ineficácia da alienação fiduciária porque realizada em fraude à execução. Por outro lado, o mesmo não se pode dizer sobre os direitos do devedor fiduciante. Muito embora a doutrina divirja sobre a natureza jurídica do direito do fiduciante4 o fato é que ela é uníssona ao admitir a penhora e a indisponibilidade sobre ele. A questão já fora muito bem enfrentada e compilada, inclusive sob o prisma averbatório, em Boletins 3 Muito embora há quem admita a alienação fiduciária da propriedade superveniente, tal como preveem os artigos nºs 1.361, § 3º e 1.410 § 1º do CC. 4 Vide opiniões de: Narciso Orlandi Neto – Alienação fiduciária de bens imóveis - Boletim IRIB 246 – Nov.1997. Melhim Namem Chalhub – Negócio fiduciário, Rio de Janeiro: Renovar, 2ª ed., p.147passim. Marcelo Terra – Alienação fiduciária de imóvel em garantia. Porto Alegre: Safe/Irib, 1998, p.38-39.
Eletrônicos do Irib5 dos quais se recomenda a leitura. A unanimidade dos autores que já se dedicaram ao tema defende a possibilidade da constrição processual sobre essa posição contratual porque é inegável que ela possui uma expressão econômica passível de apreensão judicial com o intuito de satisfazer outros credores. Nesse sentido, quanto menor o saldo da dívida, maior o valor da posição contratual do devedor por ele estar mais perto da reversão da propriedade imobiliária em seu favor. Com a eventual arrematação desses direitos, ou seja, da posição que o devedor possuía no contrato, o arrematante assume, no lugar dele, a condição de fiduciante, tanto nos créditos decorrentes dos pagamentos anteriormente feitos, como também, na obrigação de honrar o saldo da dívida. E a carta de arrematação é perfeitamente passível de registro desde que pago o imposto municipal e cumpridos os demais requisitos registrários. Acredita-se que para esses casos a jurisprudência dos tribunais trilhará pelo mesmo caminho da doutrina, semelhante ao que já ocorre com os direitos sobre os bens móveis e veículos automotores dados em alienação fiduciária em garantia6. Até aqui, não há muita novidade. Situações como estas têm sido o cotidiano dos registros imobiliários. Mas havendo av. de penhora ou indisponibilidade na matrícula de imóvel alienado fiduciariamente, como fica o crédito do proprietário-fiduciário bem como a execução da garantia no Registro de Imóveis? Há algum impedimento para que ele inicie o procedimento de intimação para purgação da mora? E para a averbação da consolidação da propriedade?
5 Boletins Eletrônicos nºs 2.245 de 09/01/2006 por Sérgio Jacomino e 2.270 de 31/01/2006 por Melhim Chalhub. 6 RE nº 657.905-SE (2004D0064390-7) DJU de 18/02/02 . REsp nº 214.763DSP – DJU de 18/09/00. REso nº 314.093DRS – DJU 03/04/02.
Esses questionamentos já começaram a bater às portas das corregedorias permanentes e geral do Tribunal de Justiça de São Paulo. A 1ª Vara de Registros Públicos da Capital já decidiu que é correta a postura do registrador ao sustar a averbação de consolidação da propriedade tendo em vista que, antes do decurso do prazo para purgação da mora, o bem tornou-se indisponível por determinação judicial. Conforme sentença da lavra da MMa Juíza Dra. Tania Mara Ahualli: “… para que o interessado possa lograr a consolidação da propriedade ante a não purgação da mora, deverá diligenciar diretamente junto ao Juízo que proferiu a decisão de indisponibilidade, pleiteando a expedição de mandado para averbação da consolidação.” 7 No mesmo sentido o parecer exarado pelo MM. Juiz Assessor da Corregedoria Dr. Swarai Cervone de Oliveira, aprovado pelo Corregedor Geral da Justiça Des. José Carlos Gonçalves Xavier de Aquino8, ao concluir pela necessidade de se promover o levantamento das constrições perante os Juízos de onde elas partiram, antes de se averbar a consolidação da propriedade em nome do credor fiduciário. O parecer observa, ainda, que “a penhora, ao contrário da indisponibilidade, não obsta a consolidação. Porém, seu levantamento, com cancelamento da averbação, também depende de ordem do Juízo que a determinou.” Na mesma linha sobrevieram outros pareceres aprovados. (Proc. CGJSP nº 154.498/2015 (448/2015-E) e Proc.CGJSP 154.499/2015. Destes precedentes podemos extrair algumas conclusões no que tange à postura do registrador a ser adotada diante do problema: nº 1 – É possível o início do procedimento de intimação para purgação da mora em que pese a indisponibilidade averbada; nº 2 – A aver7 1ª VRPSP - Proc.1080175-33.2015.8.26.0100 – DJ 10/09/2015. 8 CGJSP – Proc. 167.424/2015 – DJ 05/11/2015. ARISP JUS 45
bação de consolidação, no entanto, quando houver av. de indisponibilidade sobre os direitos do fiduciante, depende de ordem judicial expressa seja ela para o próprio ato de averbação ou para autorizar o prévio cancelamento da indisponibilidade; nº 3– É possível o procedimento de execução extrajudicial em sua plenitude (desde a intimação, av. de consolidação e eventual averbação dos leilões negativos) mesmo havendo av. de penhora sobre os direitos do fiduciante. Tudo indica, nesta última hipótese (nº3), que, havendo a averbação de consolidação da propriedade plena em nome do fiduciário, há o desaparecimento dos direitos de reaquisição do devedor fiduciante sobre os quais recaíam a penhora. Há na realidade, o exaurimento do objeto da penhora por conta da execução da garantia fiduciária. A constrição judicial, por sua vez, poderá, eventualmente, incidir sobre a importância que sobejar relativa ao preço de venda, apurada por ocasião dos leilões públicos do imóvel, impostos por força do art. 27 da Lei nº 9.514/97. Vale dizer, se houver saldo em dinheiro resultante do leilão, a ser devolvido ao devedor, o Juízo da execução poderá determinar a apreensão de tal valor pois é o que restou dos direitos que o fiduciante-executado detinha sobre o imóvel. Observe-se que a hipótese aqui trabalhada refere-se às determinações de penhora que não sejam provenientes de execuções propostas pela Fazenda Nacional, que por força do Art. 53 § 1º da Lei. 8212/91, tornam os bens do executado indisponíveis. Para estes casos consideraremos o efeito da indisponibilidade como reflexo da penhora averbada, tratando a constrição judicial como se ordem de indisponibilidade fosse. REFLEXOS DA AVERBAÇÃO DE INDISPONIBILIDADE SOBRE A AVERBAÇÃO DE CONSOLIDAÇÃO. Quanto à postura mencionada no item nº 2, cuja adoção pelos Registradores tem força prático-normati46 ARISP JUS
va9, já se pode perceber alguns reflexos no dia-dia da atividade registral por conta da paralisação de muitos procedimentos de execução extrajudicial quando há sobre o registro, averbação de indisponibilidade. Senão vejamos: No momento em que o credor fiduciário dá início à execução da garantia protocolando o requerimento de intimação para purga da mora junto ao RI, é grande a probabilidade do fiduciante estar inadimplente perante outros credores cíveis, fiscais e trabalhistas. Principalmente se ele exerce, ou já exerceu, alguma atividade empresarial por mínima que seja. O estado de inadimplência e insolvência empresarial é sintomático: o quadro é na maioria das vezes o de falta de pagamento de obrigações fiscais (impostos, taxas, contribuições previdenciárias de funcionários, etc.), e encargos trabalhistas (dispensas empregatícias sem a devida indenização legal, não recolhimento de FGTS, etc.). Ora, no instante em que a alienação fiduciária começa a ser excutida pelo credor, é bem provável que o patrimônio do empresário já esteja indisponível por força do art. 185-A do Código Tributário Nacional10 ou por determinação de Juiz do Trabalho. Além disso, há outros fatores que podem desencadear na indisponibilidade do patrimônio do fiduciante como por exemplo a participação em instituições financeiras e cooperativas de crédito sob regime de liquidação extrajudicial11 ou ser responsável por ato de improbidade administrativa12. Observe-se que grande parte das operações garantidas com a fidúcia possui longo prazo para liquidação 9 Lei Federal nº 8.935/94 – Art.30, XIV e Art.31, I. 10 Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial. 11 Lei Federal nº 6.024/74, arts. 36 a 38. 12 Lei Federal nº 8.429/92, art.7º.
da dívida (algumas podem chegam a até 35 anos). Isto significa não ser nada improvável a ocorrência de qualquer um dos fatos acima mencionados, durante todo o período de resgate do financiamento tomado. UMA POSSÍVEL JUDICIALIZAÇÃO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. É sabido que a revolucionária execução extrajudicial, conforme mencionado no início, surgiu para substituir a morosa e complicada execução hipotecária que em muito contribuiu com a bancarrota do mercado de crédito imobiliário nos anos 80 e 90. Ao exigir ordem judicial expressa seja ela para o próprio ato de averbação da consolidação ou para autorizar o prévio cancelamento da indisponibilidade, judicializa-se o procedimento. Isto porque a execução da garantia, que nasceu para ser extrajudicial, passa a depender de uma prévia intervenção judicial. Perde-se, com isso, o benefício da celeridade da execução abrindo-se argumentos recursivos de toda sorte para o indeferimento do pedido e paralisação do procedimento registrário com o que deixa de ter força a alienação fiduciária. Ressalte-se que essa paralisação, a qual pode perdurar por anos (semelhante ao que ocorria com a execução hipotecária), certamente resultará numa perda gradativa e, sobretudo, significativa de eficácia da garantia fiduciária ao longo dos anos. A ocorrência desse fenômeno começa a ser observada na atividade registral, com alguns expedientes estancados, e tende a se ampliar em razão da chuva diária de indisponibilidades advindas da CENIB, recebidas pelos Registradores de todo o país as quais tem recaído, em grande parte, sobre direitos de fiduciantes. O tema é muito novo em nosso ordenamento. Daí, talvez, a compreensível postura conservadora dos primeiros julgados administrativos para os casos em tela,
quando levam em conta que: “ Permitir a averbação da consolidação da propriedade implicaria, por via reflexa, tornar sem efeito a indisponibilidade. Dito de outro modo, traduziria revisão de determinação judicial pela via administrativa, o que não se admite.”13 A PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA E OS DIREITOS DE FIDUCIANTE SÃO RESOLÚVEIS E O ATO É DE AVERBAÇÃO. Ao estudar o problema, o aplicador do direito não pode perder de vista a resolubilidade de ambos os direitos ou seja: a condição que recai sobre o direito de reaquisição do fiduciante (para alguns, trata-se de direito de propriedade sob condição suspensiva); e a condição resolutiva incidente sobre a propriedade fiduciária do credor. Na primeira, havendo o pagamento da dívida (implemento da condição), desaparece a causa suspensiva e reverte-se a propriedade em favor do fiduciante. Por outro lado, frustrada a condição para aquisição da propriedade pelo fiduciante, consolida-se a propriedade no patrimônio do fiduciário. Chama a atenção que tal consolidação seja levada ao registro imobiliário por ato de averbação. Citando doutrina de Serpa Lopes, Melhim Chalhub menciona que: “ A redação original da Lei nº 9.514/97 falava em registro, mas a Lei nº 10.931/2004 deu nova redação ao § 7º do art. 26 deixando claro que o ato é de averbação porque a consolidação se dá por cancelamento da condição resolutiva. Efetivamente, ao se constituir a propriedade fiduciária, a propriedade é atribuída ao fiduciário com exclusão ou limitação de poderes, que são objeto de ressalva no título constitutivo. Dada essa estrutura da propriedade fiduciária, a consolidação resultará apenas da retirada dessa ressalva, com o que a propriedade deixará de ser provisória e restrita e passará a ser definitiva e exclusiva, não havendo necessidade de constituição de nova propriedade.”14. 13 CGJSP – Proc. 167.424/2015 – DJ 05/11/2015. ARISP JUS 47
Nítido, portanto, o caráter declaratório do ato averbatório de consolidação porquanto a resolução ocorre com a não-implementação da condição no instante em que o devedor deixa de purgar a mora junto ao RI no prazo de 15 dias previsto na Lei. Nesse sentido, o ato de av. de consolidação não consubstancia nenhuma alienação ou oneração, mas tão somente o ingresso no fólio real do cancelamento da condição resolutiva que, até o momento da expedição da certidão de não purgação da mora, recaía sobre a propriedade do credor-fiduciário. O que era propriedade resolúvel e afetada ao escopo de garantia, passa a ser, automaticamente, propriedade plena. Daí a razão para a lei dispensar qualquer intervenção judicial na excussão da garantia e para a prática dos atos registrários dela decorrentes. Faz eco, ainda, a lição do autor supracitado15: ”Os procedimentos de registro são coerentes com a natureza da propriedade resolúvel. Efetivamente, a reversão da propriedade ao devedor-fiduciante, assim como sua consolidação no credor, são efeitos normais da condição resolutiva e operam automaticamente, independente de atuação judicial. Tanto um assentamento como o outro são atos próprios da função do Oficial do Registro, praticados coerentemente com a natureza da propriedade resolúvel. Obviamente, não é o ato do Oficial que atribui a propriedade ao fiduciante ou ao fiduciário; essa atribuição é definida pela lei como consequência da ocorrência do evento que caracteriza o implemento ou o não-implemento da condição, e o ato do Oficial apenas anota esse acontecimento na matrícula do imóvel. Por isso mesmo, ao assentar a consolidação ou a reversão da propriedade, o Oficial do Registro de Imóveis estará apenas fazendo constar da matrícula do imóvel 14 Melhim Namem Chalhub – Negócio fiduciário, Rio de Janeiro: Renovar, 4ª ed., p.254 – nota de rodapé. 15 Vide nota nº14. 48 ARISP JUS
os fatos correspondentes aos efeitos normais da condição pactuada pelas partes, e o faz no exercício de uma função própria dele, Oficial, e não da autoridade judiciária. A matéria não comporta controvérsia, quer no plano doutrinário ou jurisprudencial.” Por todo o exposto, sob todos os ângulos e, qualquer que seja a origem da indisponibilidade incidente sobre os direitos do fiduciante, ela não pode subsistir em face da propriedade consolidada no credor. Por consequência, assim como ocorre na penhora desses direitos, despicienda seria qualquer intervenção judicial ou outra prévia providência de cancelamento da av. de indisponibilidade porque já exaurido o objeto da constrição pelo implemento da condição resolutiva. Por outro lado, mesmo consolidada a propriedade plena e tal notícia levada por averbação ao registro imobiliário, o credor (agora proprietário pleno) ou posterior adquirente do imóvel, devem pleitear perante a autoridade de origem o ato de cancelamento da averbação de indisponibilidade caso desejem tornar visível na matrícula a insubsistência daquela constrição que já não produz mais efeitos. Por fim, conforme já observado acima, todo o raciocínio supra desenvolvido não se aplicaria à hipótese de contratação de alienação fiduciária em fraude à execução pois neste caso, a discussão toda se deslocaria para o campo da boa-fé das partes e da própria subsistência da garantia contratada em face da indisponibilidade ordenada. O propósito deste trabalho não é outro senão o de trazer à baila apenas uma reflexão, abrindo um debate mais amplo e acurado sobre o assunto para que não se projete, sem querer e aos poucos, à morte da alienação fiduciária sobre bens imóveis, instituto que, além de revolucionar o mercado de crédito imobiliário, fez revigorar toda a cadeia produtiva imobiliária do país.
ARISP JUS 49
ARTIGO A POSSIBILIDADE DE DESDOBRO DA MATRÍCULA E A PROBLEMÁTICA DA RESTRIÇÃO CONVENCIONAL Por Alberto Gentil de Almeida Pedroso
loteamentos decorre do conteúdo dos ônus enumerados, mas igualmente do licenciamento do empreendimento pela própria Administração e da extensão de seus efeitos, que iluminam simultaneamente os vizinhos internos (= coletividade menor) e os externos (= coletividade maior), de hoje como do amanhã. As restrições urbanísticoambientais, ao denotarem, a um só tempo, interesse público e interesse privado, atrelados simbioticamente, incorporam uma natureza propter rem no que se refere à sua relação com o imóvel e aos seus efeitos sobre os nãocontratantes, uma verdadeira estipulação em favor de terceiros (individual e coletivamente falando), sem que os proprietários-sucessores e o próprio empreendedor imobiliário original percam o poder e a legitimidade de fazer respeitá-las. (STJ, Resp. 302906 / SP, 2ª T., Min. HERMAN BENJAMIN, 26/08/2010)
A tensão jurídica existente entre a perpetuação da restrição convencional no tempo e as novas realidades fáticas do imóvel, da legislação municipal e da efetivação dos próprios direitos e garantias fundamentais entabulados na Constituição Federal merecem apreciação verticalizada sobre a questão.
INTRODUÇÃO O objetivo do artigo é provocar a reflexão sobre a viabilidade do desdobro da matrícula imobiliária em face das restrições convencionais impostas pelo loteador no momento da instituição e registro do empreendimento – em especial no tocante a metragem mínima do lote. De maneira geral, a imposição de restrição convencional objetiva “resguardar a qualidade urbanística do loteamento e garantir ao adquirente e aos demais proprietários de lotes o padrão do local e as características do empreendimento” (Proc. CGJ/SP n° 29/2006). As restrições urbanístico-ambientais convencionais conformam genuína índole pública, o que lhes confere caráter privado apenas no nome, porquanto não se deve vê-las, de maneira reducionista, tão-só pela ótica do loteador, dos compradores originais, dos contratantes posteriores e dos que venham a ser lindeiros ou vizinhos. O interesse público nas restrições urbanístico-ambientais em 50 ARISP JUS
A análise proposta é exatamente sobre o caráter absolutista da limitação unilateral imposta pelo loteador à época da constituição do empreendimento frente à evolução do mundo, mais precisamente em relação à exigência mínima de metragem do lote. Não descartada a importância do prestígio ao sistema urbanístico idealizado pelo loteador à época da constituição do loteamento, é indispensável que o Registro de Imóveis espelhe a situação fática dos imóveis pertencentes a sua circunscrição imobiliária. 1. A PROPRIEDADE RESIDENCIAL URBANA COMO DIREITO FUNDAMENTAL A Constituição Federal de 1988 (CF/88) traz no artigo 5º, caput¸ o instituto da propriedade – em sentido amplo – como Direito Fundamental1 e no artigo 6º, afirma que a moradia é um Direito Social, nestes termos, é de se considerar que a propriedade imóvel encontra-se 1 Nos incisos XXII, XXIII, XXIV, XXV e XXVI do artigo 5º da CF/88 o tema é tratado com maior minudência.
centrada no ordenamento jurídico e, portanto, dotada de valor inexorável quando atende a sua função social. O direito de propriedade remonta aos tempos remotos do mundo e passa por uma ponderação valorativa de cunho religioso conforme dispõe Fustel de Coulanges na obra “A Cidade Antiga”; é difícil precisar quando a propriedade imóvel passou a ser considerada de domínio privado, pois, nos primórdios, a concepção imobiliária era coletiva; não obstante, alguns documentos apontam para o imóvel privado já na Lei das XII Tábuas. Àquela época a propriedade era posta como intrinsecamente relacionada aos deuses lares que, segundo o autor, protegiam a família dos males que a vida comum expunha e, portanto, funcionava como garantia da vida digna. (COULANGES, 2005, pp, 65-77). Na concepção do Direito Canônico o homem está legitimado a adquirir bens, pois a propriedade privada é a garantia de liberdade individual. Neste contexto, ainda segundo São Tomas de Aquino, a propriedade é imanente à própria natureza humana, ainda que, deva fazer justo uso dela. (CÂMARA, 1981, p. 79). Nos tempos atuais a propriedade não apresenta valor sacro, especificamente em nosso ordenamento jurídico, ante a opção laica do Estado e o fato deste direito não estar dotado de caráter absoluto, como, por exemplo, na hipótese constitucional da perda da propriedade pela desapropriação - art. 5º, inciso XXIV, da Constituição Federal. Não obstante, este direito ainda goza de fundamental importância na estruturação da sociedade atual. Embora a propriedade adormeça sob o manto de proteção da denominada primeira geração de direitos, qual seja, liberdades públicas2, também possui íntima relação com os direitos de prestação positiva, relacionados à segunda geração de direitos fundamentais.3 2 Robert Alexy as classifica como um direito de ação negativa do Estado considerando que este grupo: “está constituido por los derechos a que el Estado no afecte determinadas propiedades o situaciones del titular del derecho”. (ALEXY, 1993, pp. 191-192). 3 Cumpre ressaltar que a classificação de direitos fundamentais em gerações encontra-se pautada em fatores históricos e cronológicos. (MORAIS,
Dimitri Dimoulis e Leonardo Martins ao falarem desta classe de direitos sociais “STATUS POSITIVUS” pontuam que o fundamento axiológico deste tipo de prestação material por parte do estado está pautado na melhoria de vida da população. (DIMOULIS, MARTINS, 2011, p. 60). Importante ressaltar que a titularidade do direito a propriedade depende do registro nos termos da Lei Civil. Porém, sua finalidade precípua, qual seja, a moradia, guindada à categoria de direito social na Constituição Federal, não traz em seu bojo uma indicação de titularidade, pois conforme o artigo 6º, do texto constitucional, os titulares são todos aqueles que necessitam de prestações relacionadas à educação, à saúde, à moradia e outras. (DIMOULIS, MARTINS, 2010, p. 85). Destarte, conforme previsão dentre os direitos fundamentais individuais e coletivos, a propriedade se consubstancia em uma fundamental conquista do ser humano, pois ali o indivíduo estabelece sua moradia e protege sua família das intercorrências da vida cotidiana e, não obstante, o fato de ser condicionada pelo próprio texto Constitucional ao cumprimento da sua função social, corresponde a um dos maiores direitos conquistados pela humanidade 4. A questão da função social deve ser entendida como um condicionante para todos, inclusive para o próprio Estado que deve pautar suas políticas públicas, também, nestes valores sociais. 2. O DESDOBRO COMO CONCRETIZAÇÃO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE A aquisição de um imóvel confere ao adquirente à propriedade do bem, mas não lhe dá o direito absoluto de dele dispor e usar de maneira irresponsável. O Estado reconhece como direito fundamental a 2006, pp. 26-27). 4 Neste sentido segue o artigo XVII da Declaração Universal dos Direitos Humanos. ARISP JUS 51
propriedade, mas adverte sobre o exercício responsável – função social – art. 5º, XXIII da Constituição Federal.
de maneira mais efetiva a noção de finalidade social e interesse público.
A função social surge com a concepção de que, no seio social, o homem deve engendrar esforços para contribuir com o bem estar da coletividade. Trata-se de instrumento realizador das finalidades de bem estar dos habitantes das cidades5 .
3. O DESDOBRO DA MATRÍCULA DE IMÓVEL E AS RESTRIÇÕES CONVENCIONAIS DE METRAGEM MÍNIMA DO LOTE
Vale anotar que àquele que pretende instituir um loteamento urbano em sua gleba de terra deve observar as formalidades legais estabelecidas na Lei 6.766/79, bem como as exigências locais do Município. A imposição de restrições convencionais pelo loteador idealizador no momento da criação do loteamento com a finalidade de resguardar a qualidade urbanística do local e garantir ao adquirente e aos demais proprietários de lotes o padrão e as características do empreendimento é devida, e ao seu tempo, prestigia a função social da propriedade. Todavia, é discutível, à luz do dinamismo da função social da propriedade, a perpetuação no tempo das exigências de cumprimento das restrições unilateralmente previstas quando a fisionomia do loteamento não é mais aquela idealizada pelo loteador ou quando o Município, pautado no interesse social, estabelece Lei local mais flexível. O instituto da função social da propriedade é dinâmico, acompanha a evolução do mundo e os anseios mutantes da sociedade. O pedido de desdobro de lote, em contrariedade as restrições convencionais – metragem mínima de lote – sem dúvida afronta à disposição unilateral do loteador, mas, por vezes, contextualizado em seu tempo, atende
5 “Quanto à função social da propriedade urbana, deve o Poder Público chegar ao maior equilíbrio possível entre o interesse do proprietário e o da coletividade. [...] Com efeito, pelo uso da propriedade procura-se fazer justiça social, contribuindo para o desenvolvimento e planejamento urbano”. (FLORES; SANTOS, 2002, p. 15). 52 ARISP JUS
Desdobro é a subdivisão de lote sem alteração de sua natureza, desde que permitida por Legislação Municipal. O pedido de desdobro da matrícula de lote urbano é pleito possível e que ileso de afronta às limitações convencionais e legais não comporta qualquer complexidade jurídica. O problema reside na solicitação do proprietário do bem imóvel de desdobro da matrícula imobiliária em contrariedade às restrições convencionais de metragem mínima do lote. O Professor Antonio Junqueira de Azevedo questionar se este tipo de obrigação, imposta unilateralmente pelo loteador, é eterna (AZEVEDO, 1997, p. 814). É de rigor a indagação sobre a prevalência no loteamento da imposição estática da restrição unilateralmente estabelecida pelo loteador em face da descaracterização urbanística da localidade. Sem embargos de posição, em sentido contrário, mostra-se descabido o apego à limitação convencional em contrariedade à Lei Municipal superveniente autorizadora do desdobro imobiliário. Se o Município reconhece, em benefício do interesse da coletividade, que o melhor para a função social da propriedade é legitimar o fracionamento físico dos lotes, não se sustenta a perpetuação das imposições convencionais levadas à registro. Idêntico raciocínio deve ser desenvolvido na hipótese de descaracterização física do loteamento idealizado pelo loteador.
Em muitos casos o tempo, acrescido à omissão do loteador e também do Poder Público, – na fiscalização dos planos de urbanização moldados para cada loteamento – e mais a ação do indivíduo – na busca de melhor atender seus anseios de otimização do bem imóvel – corroeram as características de urbanização originariamente previstas.
dade, mostra-se desajustada a perpetuação no tempo das exigências de cumprimento das restrições unilateralmente previstas pelo loteador (metragem mínima do lote), em especial, quando a fisionomia do loteamento não é mais aquela idealizada ou quando o Município, pautado no interesse social, estabelece Lei local favorável ao desdobro.
Diante do quadro de desdobro fático (divisão de lotes consolidados) – com moradias individuais devidamente muradas há décadas e regularizadas junto a Prefeitura local – é frágil sustentar a prevalência da limitação convencional a todo custo.
No caso, marginalizar o desdobro da matrícula no Registro de Imóveis com fundamento em restrição convencional ineficaz é impor à sociedade profundo descompasso entre a realidade e o fólio real.
O Registro de Imóveis deve espelhar a realidade posta do lote. A recusa do desdobro imobiliário, no caso em análise, provocará significativo abismo entre o fólio real e a realidade, em desprestigio à sociedade, e, em última análise, ao principio da especialidade objetiva – impondo ao interessado se socorrer da usucapião judicial ou extrajudicial para alcançar o mesmo objetivo. Nesse sentido, já se posicionou a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, no processo n.º 2012/00108697: Recurso – Averbação – Desmembramento de lote – Cláusula impeditiva prevista em memorial descritivo do empreendimento – Inserção pelo Loteador – Afastamento da limitação convencional para análise das condições e peculiaridades do caso em concreto – Efeitos urbanísticos - Observância da função social da propriedade - Decisão mantida – Recurso não provido. CONCLUSÃO A ideia sustentada não é afastar de maneira irrestrita a força normativa das cláusulas convencionais, de maneira geral, em situação de normalidade. A proposta é compreender que a restrição unilateral não se eterniza através dos tempos quando desamparado de efetiva aplicação continuada. À luz do dinamismo da função social da proprie-
Se loteador, Poder Público e a sociedade de maneira geral foram negligentes com a preservação e mantença das características urbanística do loteamento instalado, entendo desarrazoado a observância perpetua de restrições convencionais ineficazes na prática apenas no Registro de Imóveis, contrariando em última análise o próprio princípio da especialidade objetiva. Por fim, saliento que obstado o desdobro de matrícula por afronta a metragem mínima do lote, em apego a restrições convencionais ineficazes, o que se estará fazendo na prática é apenas dificultando o óbvio caminho do ingresso de tal realidade no fólio real, providência que será seguramente alcançada pelo interessado, após o preenchimento dos requisitos legais, pela ação judicial de usucapião ou procedimento administrativo de usucapião. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. trad., Ernesto Garzón Valdés. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. AZEVEDO, Antonio Junqueira. Restrições Convencionais de Loteamento: obrigações propter rem e suas condições de persistência. Revista dos Tribunais, (RT) São Paulo, 741/115, pp. 811-821, jul., 1997. BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. 5ª. ed., trad. Fernando Pavan Batista e Ariani Bueno Sudatti. São Paulo: Edipro, 2012. CÂMARA, Maria Helena Ferreira da. Aspectos do direito de propriedade no capitalismo e no sovietismo. Rio de Janeiro: Forense, 1981. ARISP JUS 53
CARVALHO. Afrânio de. Loteamento e seu registro. Revista de Direito Imobiliário, (RDI) São Paulo, 8/9, pp. 773-788, jul.-dez., 1981. COULANGES, Fustel. A cidade Antiga. trad., Jean Melville. São Paulo: Martins Claret, 2005. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23.ed., São Paulo: Atlas, 2010. DIMOULIS, Dimitri. MARTINS. Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. FLORES, Patrícia Teixeira De Rezende; SANTOS, Bernadete Schleder dos. Comentários ao Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: AIDE Editora, 2002. HART, Herbert L.A. O conceito de Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
54 ARISP JUS
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed., São Paulo: Atlas, 2006. NALINI, José Renato. Ética Geral e Profissional. 10. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. PAGANI, Elaine Adelina. O direito de propriedade e o direito à moradia: um diálogo entre o direito de propriedade urbana imóvel e o direito à moradia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 6. ed., 2. reimp. São Paulo: Atlas, 2006. v.2. ______. Direito Civil: direitos reais. 8. ed., São Paulo: Atlas, 2008. v.5. VILLEY, Michel. Filosofia do Direito: Definições e Fins do Direito: Os meios do Direito. 1ª. ed., trad., Marcia Valéria Martinez de Aguiar. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
ARTIGO INGRESSO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO NO REGISTRO DE IMÓVEIS: CLÁUSULA DE VIGÊNCIA, DIREITO DE PREFERÊNCIA E CAUÇÃO Por Arthur Zeger
Ao longo deste artigo trataremos da relação possível entre o contrato de locação de imóvel com o Registro de Imóveis, apresentando as relações perceptíveis entre a Lei de Locações (8.245/91) e a Lei de Registros Públicos (6.015/73), atentando, ainda, aos precedentes jurisprudenciais verificados nas disciplinas a serem abordadas. Basicamente, o contrato de locação de imóveis adentrará ao Registro de Imóveis em três situações distintas: para a observância por terceiros, da cláusula de vigência, para a garantia, ao locatário, do direito de preferência caso o imóvel alugado venha a ser alienado no curso da locação e para dar a ciência, erga omnes, acerca de eventual oferta do imóvel como garantia (caução) em contratos de locação. Cada uma dessas situações será adiante retratada. Antes de iniciar o estudo das situações acima destacadas, faz-se necessário observar que nem todo imóvel
pode ser objeto de contrato de locação e, dessa forma, necessário se faz delimitar quais imóveis podem figurar nesse tipo contratual. A Lei de Locações aplica-se única e exclusivamente aos imóveis urbanos. Portanto, será apenas essa qualidade de imóvel (urbano) que permitirá registros e/ou averbações no registro de imóveis observado que as modalidades de locação, a seguir descritas, continuam a ser regidas pelo Código Civil: de imóveis de propriedade da União, dos Estados e dos Municípios, de suas autarquias e fundações públicas; de vagas autônomas de garagem ou de espaços para estacionamento de veículos; de espaços destinados à publicidade; e em apart-hotéis, hotéis-residência ou equiparados, assim considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam autorizados a funcionar. Grande dúvida por surgir na caracterização do imóvel como urbano ou rural na medida em que há um aparente conflito normativo a respeito. Seria urbano o imóvel localizado em região urbana (ainda que utilizado para fins agropecuários) ou seria urbano o imóvel que, mesmo localizado em zona rural, é empregado para fins não agropecuários? Verificam-se, então, pelo menos duas classificações para os imóveis como urbanos ou rurais: pela localização e pela destinação e ambas situações encontram amparo em lei. A perfeita diferenciação dos imóveis urbanos dos rurais demonstra, ainda, relevante motivação para fins de determinação de incidência de tributos (ITR ou IPTU), submissão às normas de usucapião urbano ou rural, sujeição a iniciativas governamentais de reforma agrária e, por fim, sujeição à Lei de Locações ou ao Estatuto da Terra com as consequências que veremos na Lei de Registros Públicos. O critério “localização” é adotado pela legislação tributária para determinar se o imóvel é urbano ou rural para fins de sua sujeição ao Imposto Territorial Rural – ITR ou ao Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU. O parágrafo Código Tributário Nacional, em seu ARISP JUS 55
Artigo 32, parágrafo único, dispõe que para efeitos deste imposto, entende-se como zona urbana a definida em lei municipal; observado o requisito mínimo da existência de melhoramentos indicados em, pelo menos 2 (dois) dos incisos seguintes, construídos ou mantidos pelo Poder Público: (i) meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; (ii) abastecimento de água; (iii) sistema de esgotos sanitários; (iv) rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição domiciliar; e (v) escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três) quilômetros do imóvel considerado. Observa-se, contudo, que o Superior Tribunal de Justiça vem flexibilizando, em alguns casos, o critério “localização” para a incidência de IPTU ou ITR, valorizando a destinação em detrimento da localização, conforme os seguintes precedentes: “O ITR não incide somente sobre os imóveis localizados na zona rural do município, mas também sobre aqueles que, situados na área urbana, são comprovadamente utilizados em exploração extrativa, vegetal, pecuária ou agroindustrial” (REsp 472.628/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, J. 17/08/2014) e “não incide IPTU, mas ITR, sobre imóvel localizado na área urbana do Município, desde que comprovadamente utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial (art. 15 do DL 57/1966)” (REsp 1.112.646/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, J. 26/08/2009). O critério “destinação” é percebido a partir do Estatuto da Terra, Lei 4.504/1964), segundo o qual define-se como imóvel rural o prédio rústico, de área contínua, qualquer que seja a sua localização, que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada. Por exclusão, são urbanos todos os imóveis que, independentemente de sua localização, se destinem a finalidades outras que não à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial. Pois bem. Superada a classificação dos imóveis e ve56 ARISP JUS
rificado que apenas os imóveis urbanos (aqueles que independentemente de sua localização, tenham uso para fins outros que não à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agroindustrial) podem ser objeto de contrato de locação, passaremos a tratar das situações nas quais o contrato de locação é admitido no registro de imóveis, estudando cada uma das três situações a serem apresentadas de forma isolada e pormenorizada. CLÁUSULA DE VIGÊNCIA Tendo em vista o princípio contratual segundo o qual o contrato obriga apenas as partes contratantes, é de boa prática que o locatário, pretendendo opor o respeito à vigência contratual de um contato de locação perante terceiro não participante da relação contratual original, adote as cautelas determinadas por lei para esta finalidade. Isso porque em caso de alienação do imóvel durante a vigência de um contrato de locação, o adquirente (que não participou da relação locatícia) não estará obrigado a respeitar o prazo contratual da locação exceto se o contrato estiver registrado no Cartório de Registro de Imóveis. A lei de registros públicos prevê que no registro de imóveis, além da matrícula, serão feitos o registro dos contratos de locação de prédios, nos quais tenha sido consignada cláusula de vigência no caso de alienação da coisa locada. A lei de locações, por seu turno, determina que se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel. Preliminarmente, chama-se a atenção para o fato de que, para fins de respeito à cláusula de vigência a Lei de Registros Públicos mencionar que o contrato de locação é passível de registro ao passo que a Lei de Locações o submete à disciplina da averbação. Anota-se, nesta matéria, que o legislador andou mal na Lei de Locações, devendo-se submeter o mesmo a registro (e não aver-
bação), exatamente como disposto na lei especial. Para que o contrato de locação ingresse no álbum imobiliário, mediante registro, para fins de respeito da cláusula de vigência, importante que a minuta contratual preveja tal cláusula de forma expressa. Não se permite o registro, todavia, de contratos de locação com redação genérica mencionando que “este contrato também obriga a herdeiros, sucessores e cessionários a qualquer título. É relevante que o instrumento contratual seja redigido com cláusula contratual segundo a qual o prazo de vigência previsto no instrumento contratual deverá ser respeitado, inclusive por terceiros que venham a adquirir o imóvel. A jurisprudência é uníssona a esse respeito. Anota-se, nesta matéria (requisitos mínimos da cláusula de vigência), sentença proferida pelo MM. Juízo da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, segundo o qual “Se o legislador previu no artigo 8º da Lei Federal 8.245/91 a necessidade expressa de cláusula específica de vigência do contrato de locação em caso de alienação do imóvel, a simples menção genérica “obriga a herdeiros ou sucessores” não cumpre a exigência imposta pela própria lei. Para que possa ser registrado o contrato de locação e possa ser válido perante terceiros em caso de alienação do imóvel, precisará de adequação à exigência da lei” (Processo 0046161-45.2012.8.26.0100, Magistrado Marcelo Martins Berthe, J. 19/02/2013). No mesmo sentido, precedente do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo: “REGISTRO DE IMÓVEIS - CONTRATO DE LOCAÇÃO - INEXISTÊNCIA DE CLÁUSULA EXPRESSA DE VIGÊNCIA EM CASO DE ALIENAÇÃO DO IMÓVEL - INSUFICIÊNCIA DE MENÇÃO GENÉRICA DE QUE O CONTRATO “OBRIGA TAMBÉM OS SUCESSORES DAS PARTES” - RECURSO DESPROVIDO” (CSMSP - Apelação Cível: 0001463-80.2014.8.26.0100. J. 03/03/2015 DATA DJ: 30/04/2015. Relator: Elliot Akel). O registro do contrato de locação para fins de respeito à cláusula de vigência tem por escopo, portanto, dar publicidade a existência desta cláusula e do com-
promisso do eventual comprador de um imóvel acerca de um ônus que grava o respectivo bem. Todavia, encontra-se na jurisprudência situação peculiar pela qual mesmo sem ter a cláusula de vigência registrada, ainda assim foi reconhecido o direito do locatário em exigir observância ao prazo de locação pelo terceiro adquirente do imóvel alugado: civil e processual civil. Locação de imóvel para fins residenciais. Ação de despejo proposta pela adquirente do imóvel. Sentença de procedência. Pretensão à reforma manifestada pela locatária. Preliminar. Rejeição. Primeiro, porque desnecessária a reiteração do apelo depois do julgamento de embargos de declaração. Segundo, porque reiteração houve. Mérito. De acordo com o artigo 8º, § 2º, da Lei n. 8.245/1991, alienado o imóvel locado, o adquirente tem 90 (noventa) dias, a partir do registro, para denunciar a locação. Entretanto, in casu, a adquirente obteve ciência inequívoca acerca do contrato de locação com prazo determinado, bem como acerca da cláusula de vigência nele expressa, de modo a tornar irrelevante a falta de averbação na matrícula imobiliária. Precedentes do C. STJ. Sentença reformada, para o fim de reconhecer a improcedência da demanda. Ônus sucumbenciais explicitados. RECURSO PROVIDO. (TJSP. 27ª Câm. Dir. Privado. Apelação 1074710-09.2016.8.26.0100. Rel. Des. Mourão Neto. J. 11/04/2017). O precedente do C. Superior Tribunal de Justiça mencionado no julgado aqui transcrito é o seguinte: “No mais, reitero meu entendimento no sentido de que a finalidade da averbação do contrato, exigida pelo art. 8º da Lei n. 8.245/91 como requisito para a oposição do contrato de locação ao adquirente do imóvel, é unicamente a de dar publicidade à locação vigente, com vistas à proteção não apenas do locatário, mas também do terceiro adquirente. Com efeito, o registro, nessa hipótese, não apresenta natureza constitutiva, mas visa apenas a garantir a permanência e a continuidade da relação locatícia, desde que o adquirente esteja ciente da existência de contrato de locação quanto ao imóvel adquirido. No caso em comento, embora não tenha havido a averbação do contrato de locação, dele o adquirente teve ciência inequívoca, razão pela qual não pode denunciáARISP JUS 57
-lo, devendo o locatário ser mantido na posse do bem” (STJ AgRg nos EDcl no REsp 1.322.238/DF 3ª Turma Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino J. 23/6/2015 DJe 26/6/2015). Não se permite, por fim, a equiparação do contrato de locação ao arrendamento rural ou parceria (previstos no Estatuto da Terra para regular a cessão onerosa temporária do imóvel rural). Tal situação já foi apreciada mais de uma vez na jurisprudência, conforme se verifica a seguir: “REGISTRO DE IMÓVEIS - Arrendamento Rural - Registro inadmissível - Ausência de previsão no art. 167, I, da Lei n. 6.015/73 - Impossibilidade de registro por equiparação ao contrato de locação - Recurso improvido. (CSMSP - Apelação Cível 1.263-6/9 de Santa Adélia. J. 16/03/2010). No mesmo sentido: “REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida procedente. Contrato de locação. Falta de precisa individuação do bem locado e de correspondência do título com registro predial a que se busca sua vinculação. Falta de previsão de cláusula de vigência no contrato de locação, que inibe seu registro, no quadro da locação urbana de fim residencial. Desclassificação do regime jurídico da locação para arrendamento rural, que em nada auxilia a pretensão de inscrição, em razão da falta de sua previsão no rol taxativo do artigo 167, I, da Lei de Registros Públicos. Recurso não provido” (CSMSP. Apelação Cível 799-6/7, de Campinas. J. 14/12/2007). DIREITO DE PREFERÊNCIA Explica a doutrina que “O direito de preferência do locatário é o direito a primazia de adquirir a coisa locada, nas mesmas condições da oferta, nos casos de venda, promessa de compra e venda, cessão de direito, promessa de cessão de direitos, ou dação em pagamento” (Regnoberto M. de Melo Jr.). Cumpre ressaltar, inicialmente, que o direito de preferência a que fazemos referência é aquele previsto no Artigo 27 da Lei de Locações (no caso de venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento, o locatário tem preferência 58 ARISP JUS
para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros, devendo o locador dar-lhe conhecimento do negócio mediante notificação judicial, extrajudicial ou outro meio de ciência inequívoca) não guardando vinculação ao direito de preferência disposto no Artigo 513 do Código Civil (a preempção, ou preferência, impõe ao comprador a obrigação de oferecer ao vendedor a coisa que aquele vai vender, ou dar em pagamento, para que este use de seu direito de prelação na compra, tanto por tanto) na medida em que este é cláusula especial relacionada ao contrato de compra e venda e aquele é tipicamente o direito de preferência do locatário em caso de venda do imóvel alugado pelo proprietário a terceiro. Como se viu, o direito de preferência do inquilino adquirir imóvel colocado a venda pelo locador-proprietário decorre de lei. Daí porque ser legítimo questionar se essa cláusula é de aplicação imediata ou não. A Lei de Registros Públicos deixa essa questão estreme de dúvida ao dispor que no registro de imóveis, além da matrícula, será feita a averbação do contrato de locação, para os fins de exercício de direito de preferência. Não é por outro motivo que Regnoberto M. de Melo Jr. esclarece que “o direito de preferência do locatário nasce da lei, mas o seu exercício requer contrato de locação válido e averbado no SRI”. A jurisprudência vem confirmando que a ausência da averbação do contrato de locação inviabiliza o exercício do direito de preferência pelo locatário. Veja-se: “Impõe-se a obrigação legal de averbar o contrato de locação para possibilitar a geração de efeito erga no tocante à intenção do locatário de fazer valer seu direito de preferência e tutelar os interesses de terceiros na aquisição do bem imóvel” (REsp 1.554.437-SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha. J. 02/06/2016). No mesmo sentido: “Exercício do Direito de Preferência sobre Imóvel alienado – Impossibilidade – Contrato de Locação formalizado entre as Partes não averbado na respectiva matrícula do Imóvel – Ausência de Registro que inibe o exercício do Direito Pleiteado – Inteligência do artigo 33, da Lei de Locação” (TJSP. 30ª Câm. Dir. Privado. Apelação 0002052-15.2013.8.26.0001. Rel.
ARISP JUS 59
Des. Penna Machado. J. 04/05/2017). A falta de averbação do contrato de locação para fins de direito de preferência não retira do locatário o direito de pleitear perdas e danos contanto que tenha previsto cláusula de preferência no respectivo contrato. Pode-se afirmar, portanto, que ainda que prevista em contrato válido, a cláusula de preferência somente poderá ser executada pelo locatário se estiver o contrato averbado na matrícula do respectivo imóvel. De outra forma, somente lhe restará pleitear perdas e danos com base nas efetivas perdas e ou danos comprovadamente ocorridos, consoante corrobora a jurisprudência: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DIREITO DE PREFERÊNCIA. AVERBAÇÃO DO CONTRATO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO. PRESCINDIBILIDADE. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a inobservância do direito de preferência do locatário na aquisição do imóvel enseja o pedido de perdas e danos, que não se condiciona ao prévio registro do contrato de locação na matrícula imobiliária. Precedentes. 2. Agravo regimental não provido” (STJ. Resp 1.356.049-RS. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. J. 25/02/2014). No mesmo sentido: “Locação de imóveis. Ação de indenização por danos materiais e morais. Improcedência. Alienação do imóvel locado. Direito de Preferência. Contrato de locação não registrado. A averbação do contrato de locação no registro do imóvel é requisito essencial ao exercício, pelo locatário, do direito de preferência à aquisição do bem locado. Danos materiais. Prova Ausência. Não demonstrados os prejuízos experimentados pelos locatários em razão da impossibilidade do exercício do direito de preferência para adquirir o imóvel locado” (TJSP. 28ª Câm. Dir. Privado. Apelação 1014003-73.2014.8.26.0576. Rel. Des. Cesar Lacerda. J. 14/03/2017). Conforme registramos mais acima, para fins de cláusula de vigência se faz necessário não apenas clausula escrita como também seu registro no cartório de registro de imóveis. Quanto ao direito de preferência, não se exige previsão contratual expressa, mas tão somente a 60 ARISP JUS
averbação do contrato de locação no registro de imóveis: “Dúvida - contrato de locação - direito de preferência - averbação - desnecessária cláusula expressa – improcedência. (...) A desnecessidade de cláusula expressa decorre justamente da Lei das Locações, que cria o direito irrevogável de preferência, que para ser exercido necessita apenas da averbação do contrato de locação” (1VRPSP - Processo: 1062196-58.2015.8.26.0100. DATA JULGAMENTO: 21/07/2015 DATA DJ: 24/07/2015. Deve-se atentar, contudo, que o exercício do direito de preferência, por mais que o contrato de locação esteja averbado no competente registro de imóveis, não poderá ser exercido em certos casos de perda da propriedade tais como venda por decisão judicial, usucapião, desapropriação e em casos de permuta, doação, integralização de capital, cisão, fusão e incorporação – ressalvado, contudo, o direito do locatário eventualmente provar que o proprietário simulou tais situações justamente para lhe encobrir o direito de exercer a preferência. O que justifica a inaplicabilidade da cláusula de preferência nestes casos é ou o Artigo 32 da Lei de Locações ou a natural consequência decorrente da aquisição originaria de propriedade a partir da qual surge uma nova propriedade, com solução de continuidade em relação a anterior de forma que os ônus e direitos reais que gravavam o imóvel antes do advento da aquisição originaria de propriedade não perduram na nova matrícula. Situação interessante e que remete a parte introdutória deste artigo (quando explicamos que o contrato de locação – e consequentemente as disposições aqui trazidas sobre registro da cláusula de vigência e averbação para fins de direito de preferência) é a tentativa de equiparação do arrendamento e parceria (aplicáveis aos imóveis rurais) ao regime de locação (próprio de imóvel urbano). No caso apreciado pelo STJ, questionou-se a validade do direito de preferência dado que o instrumento particular de arrendamento rural não havia sido averbado na matrícula do imóvel. Contudo, o Estatuto da Terra, diferentemente da Lei de Locações, não condiciona o instrumento contratual a registro/averbação para a eficácia do direito de preferência (Art. 92, §§ 3º
e 4º). Nesse sentido: “CIVIL E PROCESSUAL. ARRENDAMENTO RURAL. DIREITO DE PREFERÊNCIA. FALTA DE NOTIFICAÇÃO AOS ARRENDATÁRIOS. CONTRATO NÃO REGISTRADO. IRRELEVÂNCIA. LEI N. 4.505⁄1964, ART. 92, §§ 3º E 4º. I. Irrelevante ao exercício do direito de preferência à compra de imóvel a inexistência de registro, no cartório imobiliário, do contrato de arrendamento rural, porquanto tal exigência não está contida no Estatuto da Terra, lei especial e posterior ao antigo Código Civil, a qual admite, inclusive, a avença sob a forma tácita. (REsp 263.774-MG, Rel. Aldir Passarinho, J. 15/08/2006). CAUÇÃO No contrato de locação, pode o locador exigir do locatário as seguintes modalidades de garantia: caução, fiança, seguro de fiança locatícia e cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento, observado que por disposição legal (que inclusive configura contravenção penal) é vedada, sob pena de nulidade, mais de uma das modalidades de garantia num mesmo contrato de locação. Apesar de o Artigo 167 da Lei de Registros Públicos não fazer referência à averbação da caução no Registro de Imóveis, o parágrafo único do Artigo 38 da Leo de Locações estabelece que a caução em bens imóveis deverá ser averbada à margem da respectiva matrícula. Não se pode deixar de observar que enquanto o direito de preferência e a cláusula de vigência são, respectivamente, averbados e registrados na matrícula do imóvel objeto da locação, a caução, por outro lado, é averbada à margem da matrícula do respectivo imóvel dado em garantia. Acerca da dupla garantia, verificamos na jurisprudência interpretações interessantes que merecem observação. Isso porque consoante um primeiro precedente, do ano de 2006, havendo duas garantias poder-se-ia considerar apenas a primeira, reconhecendo como nula a segunda: “Registro de Imóveis - Averbação de caução constituída sobre imóvel em locação - Contrato
de locação com dupla garantia (fiança e caução real) Inadmissibilidade à luz do disposto no art. 37, p.u., da Lei nº 8.245/1991 - Nulidade da caução, como garantia subsequente à fiança - Inviabilidade da averbação correspondente - Cancelamento que se determina, com amparo no poder de revisão hierárquica da Corregedoria Geral da Justiça” (CGJSP - Processo: 34.906/2005 CGJSP – J. 09/08/2006, Relator Álvaro Luiz Valery Mirra). No caso anteriormente reproduzido, reconheceu-se válida a primeira garantia cancelando a averbação correspondente por entender que a primeira garantia outorgada (fiança) prevaleceria de forma que a outra garantia (caução) seria nula e, dessa forma, inviabilizaria a averbação. Todavia, em julgado posterior a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo tornou a se pronunciar neste tema e, dessa vez, consignou que “Nem mesmo a tese da cindibilidade aproveita ao recorrente. Por duas razões. A primeira é a de que não cabe ao Oficial, na via administrativa, declarar a nulidade de cláusula, quanto mais sem pedido. A segunda é a de que a averbação do contrato, com exclusão de parcela de cláusula, traria insegurança jurídica ao sistema de registro de imóveis, dada a difícil compreensão do efetivo objeto da averbação” (CGJSP - Processo: 97.297/2015 CGJSP JULGADO EM 06/10/2015, DJ: 20/10/2015). QUALIFICAÇÃO Sem prejuízo das observações já feitas acima, que podem inclusive impactar na qualificação do contrato de locação levado a registro ou averbação, outas cautelas merecem observação. Em primeiro lugar, tratando-se de contrato de locação, nota-se que deve o mesmo estar assinado por pelo menos um dos proprietários que figuram no registro de imóveis e, invariavelmente, deverá estar assinado por duas testemunhas. Deve-se atentar que muito embora a jurisprudência reconheça o contrato de locação não assinado por duas testemunhas como título executivo extrajudicial, tal circunstância não permite a dispensa das testemunhas pelo registrador na medida em que na execução o contrato de locação não subscrito por tesARISP JUS 61
temunhas seria objeto de contraditório facultando aos interessados questionarem a existência e validade do mesmo ao passo que ao registrador de imóveis é defeso instalar o contraditório previamente ao registro/averbação. Outro requisito a ser observado é a referência obrigatória à matrícula ou registro anterior, seu número e cartório – corolário lógico do princípio da especialidade objetiva do registro. Isso porque a Lei de Registros Públicos assim o determina pela leitura combinada dos Artigos 222 e 223. Por fim, observa-se que nos termos do Artigo 252 da Lei de Registros Públicos, o registro, enquanto não cancelado, produz todos os efeitos legais, ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido. Dessa forma, para que se aceite o registro de cláusula de vigência ou a averbação do contrato de locação para fins de garantir o direito de preferência deve-se antes atentar para o cancelamento/extinção de eventuais contratos locatícios anteriormente ingressados na respectiva matrícula, ainda que o respectivo prazo já tenha expirado: “Registro de Imóveis - dúvida - registro de contrato de locação de bem imóvel - inexistência de cláusula de vigência - inadmissibilidade - art. 167, I, 3, da lei nº 6.015/73 - eventual possibilidade de averbação, a fim de assegurar o direito de preferência da locatária, nos termos do art. 167, II, 16, da lei nº 6.015/73 - necessidade, entretanto, de prévio cancelamento do registro de anterior contrato de locação constante da matrícula do imóvel - elementos suficientes à autorizá-lo, o que, contudo, deverá ser providenciado em requerimento autônomo ao registrador e não nestes autos - recurso não provido” (TJ-SP - APL: 00125294020138260602 SP 001252940.2013.8.26.0602, Relator: Elliot Akel, Data de Julgamento: 07/07/2014, Conselho Superior de Magistratura, Data de Publicação: 21/07/2014).
62 ARISP JUS
ARTIGO A IMPORTÂNCIA DO REGISTRO IMOBILIÁRIO NA RECUPERAÇÃO E FALÊNCIA DE EMPRESAS Por Paulo Roberto Bastos Pedro
RESUMO O presente artigo tem como objetivo demonstrar a importância do registro imobiliário nos processos judiciais de recuperações e falências, tendo em vista as consequências que poderão ser geradas ao falido e principalmente credores das empresas em crise e também em estado de insolvência. Tem também o objetivo de mostrar a necessidade do aprimoramento dos Registradores imobiliários na realização dos registros, gerando maior segurança jurídica a sociedade. Palavras Chave. Registro Imobiliário – Recuperação Judicial – Recuperação de Empresas – Falência. FALÊNCIA O instituto da falência tem origem no direito há muito tempo, visto que uma das cinco ações previstas
no direito romano, era a execução, sendo que esta, muito diferente do instituto atual, compreendia a execução do próprio devedor, de sua carne. Para a doutrina de Manoel Justino Bezerra Filho “(...) A execução inicialmente era feita sobre o próprio corpo do devedor, permitindo a lei que se repartissem tantos pedaços do corpo do devedor quantos fossem os credores. Sem embargo da previsão legal em tal sentido, nunca teria, porém, sido efetivamente aplicada tal pena por ser repudiada pelos costumes públicos. A execução seria feita mesmo sobre o corpo do devedor, porém, vendendo-o como escravo e repartindo o preço apurado entre os diversos credores.”1 Tratava-se da execução na própria carne do devedor, o que ocorria de forma legal na sociedade da época. Já na Idade Média, com o desenvolvimento da sociedade, a execução começa a ganhar os contornos que temos na atualidade, ou seja, cujos efeitos recaem sobre o patrimônio do devedor, satisfazendo os credores de forma pecuniária, sendo abolido o sistema de pagamento com a própria carne. Durante a idade média, principalmente em pólos comerciais de cidades italianos como Gênova, Florença, Veneza e Milão, as execuções contra comerciantes começam a ganhar contornos de execução coletiva, principalmente em negócios realizados com comerciantes franceses, próximos a essas regiões. A Revolução Francesa e a promulgação do Código Comercial Francês de 1808 acabam por ampliar no ocidente as ideias de execuções coletivas em face de comerciantes existentes naquela codificação. O Brasil, por ser então à época colônia de Portugal, ainda se utilizava das legislações deste país, mesmo após a proclamação da independência em 1822, assim, em nosso país o histórico falimentar contém pe1 Bezerra Filho, Manoel Justino, Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2016. ARISP JUS 63
ríodo mais restrito, visto sermos ainda um jovem pais, pertencente ao novo mundo. Logo, o instituto da falência, passa a ter previsão legal no direito brasileiro a partir do Código Comercial de 1.850, que em sua terceira parte trazia o instituto da “quebra”. A ideia de “quebra” parte do termo “bancarrota” que significa banco quebrado, ou seja, a possibilidade do credor promover a quebra dos bens do devedor que naquele momento se mostrava insolvente. Temos que a terceira parte do Código Comercial de 1850 foi revogada, assim com sua primeira parte, a revogação do instituto da quebra se deu pelo Decreto Lei 7.661/45, que tratava da falência e da concordata. Já em 1945 se mostrava o legislador preocupado com o estado de insolvência dos comerciantes, criando assim um instituto paralelo ao da execução coletiva do patrimônio do falido. A concordata consistia em favor legal concedido ao antigo comerciante, e posteriormente empresário que atravessava forte crise econômica e financeira, podendo a concordata ser na modalidade preventiva (ingressada em qualquer momento) ou suspensiva (como contestação ao pedido de falência). Todavia, a concordata acabava não sendo instrumento que auxiliava o empresário na superação de crise, tendo em vista que esse instrumento previa o pagamento de apenas uma categoria de credores, qual seja, os quirografários, de forma parcelada ou com abatimento desta quantia. No entanto, a partir de 2005, com a promulgação da Lei n.° 11.101/2005, nova lei de falência e recuperação de empresas, temos por revogado o Decreto Lei 7.661/45, sendo que a nova legislação, além do instituto da falência, prevê a existência de institutos visando a superação do estado de crise econômica e financeira por 64 ARISP JUS
parte do empresário. RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS A recuperação de empresas compreende instituto que tem por objetivo proporcionar ao empresário ou à sociedade empresária, a superação de uma crise econômica-financeira, com o intuito maior de preservação da empresa, como fonte produtora, além da preservação e manutenção dos empregos e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a continuidade da sua função social e do estímulo à atividade econômica. Para Alexandre Alves Lazzarini: “O princípio da preservação da empresa, acolhido na Lei n° 11.101/2005, dá uma nova característica à empresa, deslocando-a de uma condição limitada ao interesse de seus sócios, para a elevar ao patamar de interesse público, ou seja, passa a ser considerada como uma instituição e não mais uma relação de natureza contratual. Deixa de ter a dependência da vontade dos sócios para, no caso, passar a atender outros interesses (a função social, os empregados, os credores, etc) que sobrepõe ao interesse dos sócios”2.
Corroboramos com os ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho quando estabelece que “nem toda empresa merece ou deve ser recuperada”3. Todavia, defendemos nessa obra que o princípio da preservação da empresa deverá ser observado como forma de preservação da empresa como atividade, e não apenas como preservação do empresário em si. Em nosso modesto entender, o devedor (empresário ou sociedade empresária) será evidentemente o primeiro beneficiado de um processo recuperacional juntamente com a sua comunidade de credores, parceiros, empregados, colaboradores dentre outros, todavia, caso não exista possibilidade de este devedor dar continui2 Lazzarini, Alexandre Alves, Reflexos sobre a Recuperação Judicial de Empresas, Direito Recuperacional, Aspectos teóricos e práticos, Ed. Quartier Latin, 2005. 3 Coelho, Fabio Ulhoa, Curso de Direito Comercial, Vol. III. Ed. Saraiva, 2014.
dade a sua atividade, esta poderá ainda assim ser continuada, porém com a titularidade de outro empresário que não será declarado seu sucessor. Para Sérgio Campinho: “...Enfatiza-se a figura da empresa sob a ótica de uma unidade econômica que interessa manter, como um centro de equilíbrio econômico-social. É, reconhecidamente, fonte produtora de bens, serviços, empregos e tributos que garantem o desenvolvimento econômico e social de um país. A sua manutenção consiste em conservar o “ativo social” por ela gerado. A empresa não interessa apenas a seu titular – o empresário -, mas a diversos outros atores do palco econômico, como os trabalhadores, investidores, fornecedores, instituições de crédito, ao Estado, e, em suma, aos agentes econômicos em geral...”4.
Assim, a recuperação demonstra-se importante avanço do direito brasileiro, que vê e classifica a empresa como ente de total importância ao desenvolvimento econômico e social. Em termos, a sua preservação, desde que preenchidos requisitos, acaba por garantir e gerar maior segurança jurídica para aqueles que exploram e dependem da atividade empresarial. A ARRECADAÇÃO DE BENS NO PROCESSO DE FALÊNCIA E O REGISTRO IMOBILIÁRIO Como já discorremos acima, trata-se a falência de uma modalidade de execução coletiva do patrimônio do empresário falido, assim, existindo a sentença judicial que determina a quebra do empresário, em ato contínuo deverá o administrador judicial nomeado na sentença de falência, promover a arrecadação dos ativos do devedor. Os bens e documentos arrecadados separadamente ou em blocos, no local onde se encontram, ficarão sob a guarda do administrador judicial ou de pessoa por ele escolhida, podendo o falido ou qualquer representante
ser nomeado depositário dos bens. (Art. 108, § 1°, L. 11.101/2005. O auto de arrecadação, composto pelo inventário e pelo respectivo laudo de avaliação dos bens, será assinado pelo administrador judicial, pelo falido ou seus representantes e por outras pessoas que auxiliarem ou presenciarem o ato. (Art. 110, L. 11.101/2005. A arrecadação será efetivada com o intuito de guardar o patrimônio e preservá-lo para que assim possa então ser este utilizado para satisfação dos credores. No caso de arrecadação de bens imóveis, deverá o administrador judicial realizá-la com o necessário registro na matricula do imóvel da sentença de falência e do auto de arrecadação, devendo nos 15 dias subsequentes a arrecadação, exibir as certidões de registro, extraídas posteriormente à decretação de falência, com todas as indicações que nele constarem. (art. 108 da L. 11.101/2005, cumulado com o art. 110, §4º da L. 11.101/2005). De suma importância o registro imobiliário do imóvel que após a arrecadação deixará de ser do falido, sendo assim, da Massa Falida, o que evitará que o mesmo seja utilizado pelo falido de forma ilegal, visto que a venda de patrimônio por iniciativa do falido após a sentença da falência (art. 129, VII, da L. 11.101/2005), além de ineficaz é considerada crime falimentar (art. 168, da L. 11.101/2005). Os credores incluídos e excluídos no processo de recuperação judicial e o registro imobiliário Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido de recuperação judicial, mesmo que tais créditos ainda não estejam vencidos. (Art. 49 LFR). Não estão sujeitos à recuperação judicial (Art. 49, § 3° LFR):
4 Campinho, Sérgio, Falência e Recuperação de empresa: O novo regime da insolvência empresarial, p. 122). ARISP JUS 65
a) os créditos titularizados pelo proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis; b) o crédito do arrendador mercantil; c) o crédito de proprietário do promitente vendedor de imóvel onde contenham os contratos cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias; d) o crédito do proprietário do bem em contrato de reserva de domínio; e) créditos decorrentes de adiantamento a contrato de câmbio para exportação; f) créditos tributários. Nesses casos não teremos a inclusão desses créditos na recuperação judicial, pois os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais não serão alterados. Todavia, especial atenção merecem os créditos que estejam garantidos por bens imóveis (alienação fiduciária, cessão fiduciária, arrendamento mercantil), visto que a exclusão destes do processo de recuperação judicial necessitam da devida anotação do contrato nas matrículas dos respectivos imóveis, gerando assim publicidade aos demais credores, assim, como cumprimento daquilo que a jurisprudência admite em termos de registro para exclusão de créditos de processos de recuperação judicial. Senão vejamos: Súmula 60 TJSP: A propriedade fiduciária constitui-se com o registro do instrumento no registro de títulos e documentos do domicílio do devedor. Temos que no caso de bens imóveis, o necessário registro deverá ocorrer na matrícula imobiliária. CONCLUSÃO Entendemos que os registros imobiliários são de suma importância para os processos de recuperações e falências, visto que representam garantias de satisfações 66 ARISP JUS
de créditos aos credores daqueles processos judiciais. No caso das recuperações judiciais, o registro mostrará quais serão os credores inclusos ou não no processo que visa proporcionar ao empresário a superação da crise econômica e financeira. Já no caso da falência, o registro garante a Massa Falida gerada com a sentença de quebra a possibilidade de utilização daquele bem em favor dos credores com a sua venda e utilização dos recursos para pagamento destes no processo de recuperação judicial. Logo, os Cartórios de Registro de Imóveis devem estar extremamente atentos as ordens judiciais emanadas dos autos dos processos de recuperações e falências de empresários, proporcionando assim uma maior segurança jurídica a toda a sociedade e maior garantia aos credores. BIBLIOGRAFIA BEZERRA FILHO, Manoel Justino, Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais, 2016. CAMPINHO, Sérgio, Falência e Recuperação de empresa: O novo regime da insolvência empresarial. COELHO, Fabio Ulhoa, Curso de Direito Comercial, Vol. III. Ed. Saraiva, 2014. LAZZARINI, Alexandre Alves, Reflexos sobre a Recuperação Judicial de Empresas, Direito Recuperacional, Aspectos teóricos e práticos, Ed. Quartier Latin, 2005. PEDRO, Paulo Roberto Bastos, Curso de Direito Empresarial, Editora RT, 2014.
ARISP JUS 67
68 ARISP JUS