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Ano III

No 29 SETEMBRO/2018

Informativo jurĂ­dico especializado

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ENTREVISTA:

SIDNEI BENETI

MINISTRO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

em muitos sentidos, mas não só com relação ao Brasil. Os sistemas de formação de juízes variam muito no mundo e cada país escolhe de acordo com a sua realidade e necessidades. No tocante à magistratura, o sistema brasileiro me parece muito bom, por intermédio de concurso público para o provimento dos cargos iniciais e dotando, desde o começo, o magistrado de garantias fundamentais: inamovibilidade, vitaliciedade, irredutibilidade... Deve ser o juiz mais independente do mundo, não é? Sim, está entre os mais independentes do mundo, pois não é possível imaginar um juiz mais independente do que o juiz brasileiro. E com a grande vantagem de que o Ministério Público também se viu dotado de independência semelhante.

O Ministro Sidnei Beneti é uma celebridade no sistema da Justiça e eu queria que todos soubessem como foi a sua carreira, como o senhor se inclinou pela Justiça. Veio desde cedo o interesse pelas coisas da justiça, talvez ligado à formação familiar. Minha mãe gostava muito de literatura e isso foi trazendo este desejo de seguir a carreira de humanas. E nas humanas não existe nada tão humano como a Justiça. O senhor também é um grande conhecedor dos sistemas judiciários do mundo inteiro, principalmente da Alemanha. O que há de mais diferente entre os nossos sistemas? O que o Ministro acha que poderíamos assimilar de lá? Em primeiro lugar, o sistema judiciário brasileiro é muito bom e é respeitado no mundo todo, sobretudo o sistema de julgamentos (juízes, promotores, funcionários, o sistema cartorário...). Isso é respeitado, realmente, no mundo todo. Quem fala denegrindo, na verdade, não conhece. Quanto às diferenças, elas são muitas e 2

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O excesso de judicialização é alguma coisa típica brasileira, não é? Isso é demais no Brasil. O grande problema brasileiro é a quantidade de processos decorrentes de uma judicialização absolutamente caótica e desnecessária. A organização judiciária precisará um dia ser repensada no Brasil. Há uma multiplicidade de justiças, a jurisprudência demora muito para se formar, há uma verdadeira enxurrada legislativa permanente. Nós pensávamos que, no tempo dos militares, tinha havido uma (...) legislativo. É muito difícil nós nos lembrarmos de uma lei, dos nossos tempos de ingresso na magistratura, que esteja em vigor hoje em dia. Mudaram todos os códigos, Código Civil, Código de Processo Civil, Código Comercial, a Lei de Mandato de Segurança; a legislação nova que surgiu é toda de uma aplicação muito difícil, pouca coisa sobrou. Mudou a parte geral do Código Penal, mudou todo o sistema processual penal, por intermédio da quebra da indisponibilidade da ação civil pública pelo Ministério Público e agora com a transação penal. Quer dizer, nós estamos trabalhando sobre um vulcão em erupção. Isso cria chance de judicialização desnecessária. Agora a judicialização mostra de uma certa forma que o poder judiciário é o poder que as pessoas acreditam. Acha que é ele que vai resolver os problemas.


Eu fico preocupado em verificar que a facilidade do acesso à justiça faz com que as pessoas desistam de dialogar, de assumir as responsabilidades. Então, fica muito mais fácil hoje procurar um advogado e acreditar que ele vai mover a ação e, assim, consumir muito mais tempo buscando uma solução. As pessoas não veem que, às vezes, temos processos que podem demorar 20 anos, em um sistema recursal caótico, inúmeras oportunidades.

profissões qualificadas pelo segundo exame? Juiz, Promotor, Advogado e Notário. Daí vem a força Notarial Alemã. Tenho vários amigos que se tornaram Notários e não pensam em ter outra atividade, são muito respeitados e se mantém em toda equivalência com os Juízes, Promotores e Advogados.

Há distritos, há vilarejos, há povoados, que não têm delegado de polícia, destacamento da polícia militar, muito menos Juiz, Prefeito, mas tem o Registrador Civil da Pessoas Naturais, não é? Às vezes trata-se da única presença do Estado. Eu acho que o caminho deve ser, não só conciliação, mediação, arbitragem que já existia, mas todas as modalidades de composição consensual de conflitos. Claro, claro, eu estou totalmente de acordo e o fato de, em determinado momento a ideia não ter prosperado ou ter encontrado obstáculo, provavelmente foi por incompreensão, porque é difícil alterar as coisas que já estão estabelecidas. A justiça de paz brasileira foi confiada ás serventias extrajudiciais, por muito tempo e funcionou muito bem. Toda a parte de jurisdição voluntária, praticamente toda a parte, talvez com poucas exceções, nada pede que seja confiada ao extrajudicial. São Paulo é um modelo, é um Estado que faz os concursos religiosamente, a cada seis meses, concursos sérios, árduos, as vezes até mais severos que os da magistratura mesmo. Este é um ponto importante também, nós falávamos da Alemanha, a Alemanha tem um sistema educacional que as pessoas fazem faculdade e vão juntando créditos e fazem algumas provas, mas não a prova final. No final, faz uma prova que é o primeiro exame, o Exter. Exam., que é feito na Universidade. No segundo exame, já é feito no sistema judicial, pelos tribunais com algumas participações. O percentual eu não sei como está hoje, mas teve uma época que chegava a quase 30% de pessoas que estavam formadas e não conseguiam chegar às profissões qualificadas pelo segundo exame. E quais as ARISP JUS 3


ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONDOMÍNIO DE TERRENOS Por Luis Paulo Germanos SÓCIO FUNDADOR DO ESCRITÓRIO GERMANOS ADVOGADOS ASSOCIADOS.

Caio Mario da Silva Pereira, a simbiose orgânica entre propriedade individual e propriedade comum. A propriedade individual tem como objeto as unidades imobiliárias autônomas, que se destinam a ocupação e uso exclusivos dos seus titulares. Geralmente apresentadas sob a forma de apartamentos, escritórios, lojas, casas etc., as unidades autônomas, a despeito de serem material e juridicamente vinculadas às partes comuns, destinam-se a utilização independente e são objeto de propriedade exclusiva. No modelo condominial em apreço, a propriedade privativa e de uso exclusivo de cada condômino passa a ter por objeto uma unidade autônoma de terreno, desvinculada de qualquer construção imediata. Nesse aspecto, o condomínio de terrenos ganha feição própria e se extrema das demais modalidades condominiais tradicionalmente adotadas.

1) NOÇÃO O artigo 1.358-A do Código Civil consagrou um novo modo de ser do direito de propriedade: tratase do condomínio de terrenos (ou, na dicção da lei, condomínio de lotes). Para se alcançar sua correta compreensão e bem identificar o sistema legal a que pertence, será por meio dos princípios norteadores da propriedade horizontal que traçaremos os rudimentos dessa modalidade condominial para, ao lado daquelas que tradicionalmente se manifestam sob a forma de prédios ou conjuntos de casas térreas ou assobradadas, apresentar essa nova alternativa de acesso ao bem de raiz. O condomínio edilício preserva, como uma de suas principais características, a fusão ou, nas palavras de 4

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Frise-se, mais uma vez, que as unidades autônomas serão constituídas por terrenos de uso exclusivo, estando perfeitamente localizadas, individualizadas e identificadas, com suas áreas precisamente encerradas e suas confrontações conhecidas, sendo partes integrantes, obrigatoriamente, de uma mesma unidade objetiva. José Afonso da Silva acentua que, quando se trata de propriedade condominial, o terreno aproveitado para tal fim “não perde sua individualidade objetiva, conquanto sofra profunda transformação jurídica”1. (grifos no original) Assim, a instituição ou o nascedouro do condomínio deverá pressupor um complexo com diversas unidades autônomas de terrenos, sem a exigência de construção imediata, destinadas a edificação futura. Vale dizer, caberá a cada proprietário, conforme as suas possibilidades e de acordo com os seus interesses, edificar sua acessão. 1 Direito urbanístico brasileiro. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Ed., 2000. p. 336


Impende, aqui, trazer os ensinamentos de Silvio Rodrigues que, ao estudar os elementos do condomínio edilício, assevera que os requisitos exigidos por lei para que a unidade autônoma seja considerada como tal são: (i) estar separada das outras unidades integrantes do conjunto; (ii) possuir saída própria para a via pública, seja diretamente (como lojas no andar térreo), seja indiretamente, por áreas comuns; (iii) ter correspondência com fração ideal do terreno e das coisas comuns; e (iv) ter designação especial, numérica ou alfabética2. Dessa forma, satisfeitas tais exigências, a unidade autônoma de terreno passaria a existir como qualquer propriedade imóvel3, conferindo ao seu titular a exclusividade no jus utendi, fruendi et abutendi, podendo ele usar, ceder, alugar, dispor, ou ainda constituir sobre ela direitos reais, como usufruto ou hipoteca, sem que, para qualquer desses atos, necessite de consentimento ou autorização dos outros condôminos4. Com efeito, se é da essência do condomínio edilício a combinação de propriedade e copropriedade, as unidades autônomas de terrenos deverão estar necessária e indissoluvelmente vinculadas às partes de utilização comum do complexo condominial, pois, como adverte Wilson de Souza Campos Batalha, “as frações autônomas de propriedade exclusiva só podem 2 Direito civil: direito das coisas. 27. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 5, p. 219. 3 Como bem acentua Gilberto Valente da Silva, estando a unidade autônoma de terreno perfeitamente individualizada, constituir-se-á legítima unidade imobiliária, sendo, portanto, por força do artigo 176 da Lei de Registros Públicos, passível de registro e “objeto de matrícula isolada”. Condomínio sem construção. Trabalho apresentado no XXII Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, Cuiabá, Mato Grosso, em agosto de 1995. 4 A esse respeito, disserta Carlos Maximiliano: “Cada condômino tem, no tocante à sua parte, os direitos inerentes à propriedade plena; fica, em relação à sua quota, em posição idêntica à do proprietário único, no que diz respeito ao bem adquirido por êle só. Faculta-se-lhe, quanto à sua fração do imóvel, sem ouvir os co-interessados na comunhão; pactuar ou impor hipoteca, usufruto e outros ônus reais, promessa de venda e direito de perempção ou preferência; bem como ceder, doar, alienar, permutar, dar in solutum, legar”. Condomínio. 2. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1947. p. 15.

compreender-se ao lado das partes comuns a todos os condôminos”5. Dessa maneira, as partes comuns do condomínio de terrenos, que muito se assemelham àquelas encontradas no condomínio de casas térreas ou assobradadas preconizado pelo artigo 8º da Lei n. 4.591/64, poderiam descrever-se, exemplificativamente, pelas vias de circulação interna com acesso às de natureza pública6, equipamentos de infraestrutura, áreas de lazer, espaços destinados a jardim, muros que envolvem o complexo condominial, guaritas, portaria etc. Disso decorre que, a exemplo das tradicionais espécies de condomínio edilício, o direito de cada proprietário sobre as partes comuns será necessariamente representado por cifra ou fração ideal. Assim, podemos afirmar que a cada unidade autônoma caberá, como parte inseparável, uma fração ideal no terreno (onde estiver assentado o condomínio) e nas demais coisas comuns, expressa sob a forma decimal ou ordinária. Muito embora seus traços característicos sejam suficientes para extremá-lo de outras espécies condominiais, definimos o objeto de nosso estudo como a espécie de condomínio edilício constituído por unidades autônomas de terrenos de propriedade exclusiva destinadas à edificação futura, e partes comuns necessárias ao adequado proveito e utilização do condomínio, reunidas, indissoluvelmente, em uma mesma unidade objetiva.

5 Loteamentos e condomínios. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,

1959. t. 2, p. 118. 6 Assinala Caio Mário da Silva Pereira que “cada unidade, qualquer que seja a sua natureza ou o tipo de sua utilização, necessariamente terá acesso à via pública. Caso contrário, deixaria de ser autônoma”. Instituições de direito civil. 18. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 4, p. 186. Essa exigência, a exemplo da legislação anterior, está atualmente encartada no §4º do artigo 1.331 do Código Civil, dispondo que “nenhuma unidade imobiliária pode ser privada do acesso ao logradouro público”. ARISP JUS 5


2) CONVENIÊNCIA SOCIOECONÔMICA Cláudio Fioranti e Afonso Celso F. de Rezende advertem que, “em grande número de cidades do nosso torrão natal, existem lugares que demoram por receber uma habitação ou deixam de ser alvo de domínio rápido, pelos mais variados motivos, espaços esses conhecidos por ‘vazios urbanos’, setores onde as construções são mais lentamente concretizadas”7 . Dentre outras causas, esses vazios urbanos podem decorrer, por exemplo, do processo de transformação das cidades notado principalmente pela desativação ou deslocamento de antigas indústrias que, por encontrarem, neste último caso, benefícios fiscais em municípios mais distantes ou até mesmo por questões ambientais, fazem remanescer nos grandes centros áreas com excelente potencial de aproveitamento para a produção de novas moradias. Por não comportarem os vultosos investimentos exigíveis no parcelamento do solo urbano, inúmeros terrenos de médio porte permanecem sem o adequado aproveitamento, ficando sujeitos às sanções legais (§4°, art. 182 da Constituição Federal)8, assim como suscetíveis a possíveis invasões.

7 A prática nos processos e registro de incorporação imobiliária, instituição de condomínio e loteamentos urbanos. 6. ed. Campinas: Copola Livros, 1997. p. 309. 8 As medidas previstas na Constituição Federal (§ 4°, art. 182) e regulamentadas pelo Estatuto da Cidade (art. 5° e seguintes), como sanção para o descumprimento da função social da propriedade urbana, aplicam-se ao proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado e não utilizado. Fazendo prudente distinção entre essas expressões, Fernando Dias Menezes de Almeida explica que “solo não edificado – o conceito é evidente – seria aquele não ocupado por nenhuma edificação, enquanto solo subutilizado seria aquele edificado, mas abaixo do coeficiente de aproveitamento (índice de utilização) mínimo definido na legislação, e solo não utilizado seria aquele com aproveitamento igual a zero”. Tais sanções, explica o ilustre jurista, “incidem caso a propriedade urbana não seja aproveitada do modo exigido pelo plano diretor, em vista da ordenação da cidade (...)”. Estatuto da Cidade. Lei 10.257, de 10.07.2001, comentários. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. 6

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Estas últimas, além de se fazerem ao arrepio da lei, geram pesadas obrigações que recaem conjunta e diretamente sobre a sociedade e o Poder Público, revelando-se este incapaz de atender a crescente demanda social. Os vazios urbanos, quase sempre localizados em áreas dotadas de infraestrutura urbana e serviços públicos, não sendo aproveitados para a ocupação populacional, forçam o deslocamento dos aglomerados humanos para áreas periféricas cada vez mais distantes do centro urbano. A consequência que recai diretamente sobre a cidade e mais uma vez sobre o Poder Público é o encarecimento da infraestrutura urbana, especialmente a do transporte de massa, ao exigir a extensão das redes públicas a regiões cada vez mais remotas. Com o intuito de atender aos reclamos de uma sociedade ávida por moradia, surge a alternativa, agora regulada por lei, de se oferecer ao mercado de todas as faixas de renda terrenos dispostos sob a forma condominial para edificação futura. Uma vez efetuada a aquisição do terreno (unidade autônoma), em uma primeira fase, a ser seguida pela construção9 individualmente empreendida por cada comprador, segundo sua capacidade econômica e dentro dos limites fixados por lei, abrem-se duas importantes oportunidades no mercado de habitação: primeiramente, restaura-se a prática de ofertar a compra de terrenos legal e regularmente urbanizados 9 O permissivo legal referente ao direito de construir, previsto no artigo 1.299 do Código Civil, dispõe que “o proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos”. Ao comentar esse dispositivo, José Afonso da Silva explica que, “quando se fala em direito de construir, ou, no sentido mais estrito, em direito de edificar em solo urbano, o texto legal terá que ser interpretado, tendo em vista as profundas transformações não só da realidade urbana, mas especialmente das normas constitucionais sobre o regime da propriedade”. Para o autor, trata-se de mera faculdade conferida ao proprietário. Direito urbanístico brasileiro, cit., p. 79.


a serem individualmente edificados; em segundo lugar, dá-se a oportunidade de aproveitamento de áreas de médio porte, economicamente inviáveis para a prática de loteamento, ensejando a desejada ocupação de vazios na malha urbana. 3) ÂMBITO LEGISLATIVO A disposição contida no §2º do artigo 1.358-A do Estatuto Civil confirma ser o condomínio de terrenos espécie do condomínio edilício, pertencendo, pois, ao Direito Privado. Além do regramento contido na codificação civil, as disposições da Lei n. 4.591/64 serão igual e conjuntamente aplicadas ao instituto, naquilo que couber e sempre quando forem compatíveis com a regra geral. Foi mais além o legislador. Por ser também essa forma de aproveitamento do solo mais uma possibilidade de desenvolvimento e expansão das cidades, o instituto condominial também deverá se submeter à legislação urbanística. E, não poderia ser diferente. Como é cediço, a Constituição Federal de 1988 atribuiu à União competência para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, “inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos” (art. 21, XX). Merece destaque ainda o artigo 24, I, também da Carta Magna, que prevê a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre direito urbanístico. Neste mesmo artigo, fixou-se no § 1º que a competência da União, quanto à legislação concorrente, limitar-se-á a estabelecer normas gerais. Em complemento a esse quadro normativo, atribuiu-se aos Municípios competência para legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, I, CF), para suplementar a legislação federal e estadual, naquilo que couber (art. 30, II, CF), para promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano (art. 30, VIII, CF), assim como para executar sua política de desenvolvimento urbano, conforme

diretrizes gerais fixadas em lei, tendo como objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182, CF)10. Nota-se que, no que concerne à matéria urbanística, o papel legislativo da União atem-se à fixação de diretrizes e à edição de normas gerais. Muito embora essas linhas reguladoras sejam aplicadas a todo o país, incidirão “de modo mais intenso no âmbito municipal, que é onde ocorrem precipuamente as atuações urbanísticas”11. Mesmo que de forma questionável, o que foi por nós argumentado em obra específica sobre o tema12, o legislador indicou a aplicação da legislação urbanística ao instituto condominial, o que permitirá aos Municípios 10 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. § 1º. O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. § 2º. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor. § 3º. As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro. §4º. É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: I – parcelamento ou edificação compulsórios; II- imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressiva no tempo; III – desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. 11 Odete Medauar. Estatuto da Cidade. Lei 10.257, de 10.07.2001, comentários. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p. 20. 12 Luis Paulo Germanos. Condomínio de terrenos. Inclui comentários ao art. 1.358-A do Código Civil, que trata do condomínio de lotes, introduzido pela Lei nº 13.465/17. São Paulo: Quartier Latin, 2018. ARISP JUS 7


ajustar os contornos desta forma de aproveitamento do solo de acordo com os interesses e particularidades locais, procurando, assim, ordenar 13racionalmente a ocupação de seus territórios e conferir à propriedade uso adequado e compatível com o bem coletivo. Além disso, os Municípios também deverão observar, para a execução de sua política urbana, aquelas diretrizes já definidas no Estatuto da Cidade, absorvendo-as e suplementando-as no que for compatível com a sua realidade e com os seus objetivos para a elaboração de seus textos normativos.14. A nosso ver, Municípios e Distrito Federal atuarão como os atores principais no processo de fixação de normas urbanísticas para regular esse instituto condominial. Afinal, são profundos conhecedores de seus territórios e deles devem se encarregar. O processo de expansão das cidades experimentado no último século 13 Odete Medauar ensina que a ordenação do solo consiste na disciplina que determina o destino de cada parte do espaço urbano e o modo como será usado. Diz a autora que “É um aspecto nuclear da atividade urbanística, realizada em âmbito municipal”. cit., p. 31. Não menos precisas são as palavras de José Afonso da Silva, para quem a ordenação do solo consiste fundamentalmente na sistematização do solo municipal, implicando “uma série de medidas, quer voluntárias, quer impostas pela lei, destinadas à consecução de determinados objetivos urbanísticos, por meio das quais se modificam ou alteram certas relações dominiais sobre os terrenos ou se configuram, de modo diverso, as propriedades imóveis, do ponto de vista econômico ou jurídico, para os efeitos de sua edificação”. cit., p. 173. 14 Odete Medauar. cit., p. 23. Como anteriormente salientado, ganha relevo, ao lado do artigo 182 da Carta Magna, o Estatuto da Cidade – Lei n. 10.257/2001. Fernando Dias Menezes de Almeida lembra que “ao estabelecer as diretrizes gerais da política urbana no Brasil, o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) veio preencher uma condição de executoriedade” das normas contidas no Capítulo constitucional que trata da política urbana, “sobretudo no art. 182, uma vez que o art. 183, igualmente disciplinado por esta Lei, já poderia entender-se auto-executável”. O autor acrescenta que a edição do Estatuto da Cidade “era elemento necessário à atuação legislativa dos Municípios, ainda que alguns aspectos da previsão do art. 182 da Constituição Federal já pudessem ser diretamente disciplinados por lei municipal”. Estatuto da Cidade. Lei 10.257, de 10.07.2001, comentários. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. p. 41-42. No mesmo sentido, ver Toshio Mukai. In O Estatuto da Cidade. São Paulo: Saraiva, 2001. Introdução. 8

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vem impondo aos Municípios a construção paulatina de arcabouços jurídicos que, mesmo considerados por vezes pouco satisfatórios, disciplinam e garantem, de alguma forma, a ordenação de seus espaços, o controle eficaz das edificações e, sobretudo, o desenvolvimento das atividades humanas (habitação, trabalho, recreação e circulação)15. Muitos desses instrumentos normativos poderão oferecer os parâmetros e os limites legais sobre os quais se pautará o novo instituto condominial, até porque grande parte dos Municípios brasileiros já dispõe de preceitos regulatórios destinados às modalidades mais consagradas do condomínio edilício. E, sendo necessária a sua complementação, o seu aprimoramento ou mesmo a concepção de uma nova lei, inaugurase o processo legislativo com o propósito de editar disposições ou textos específicos e atinentes à matéria. Contudo, conhecer esse instituto de forma minudente é medida primeira que se impõe aos Municípios pois, somente assim, poderão dar clareza, precisão, sentido e efetividade à sua norma, compatibilizando-a com as peculiaridades locais e com os interesses coletivos. A falta da boa técnica16 que permeia a construção de nossas leis gera dúvida, questionamentos de toda sorte 15 Para Hely Lopes Meirelles cabe aos Municípios “editar normas de atuação urbanística para seu território, especialmente para a cidade, provendo concretamente todos os assuntos que se relacionem com o uso do solo urbano, as construções, os equipamentos e as atividades que nele se realizam, e dos quais dependem a vida e o bem-estar da comunidade local”. Direito Municipal Brasileiro. 18. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2017. p. 574. 16 A despeito de o condomínio de terrenos ter sido acolhido em nosso ordenamento há pouco mais de um ano, já é possível identificar a edição de leis municipais que versam sobre a matéria. Contudo, e como já havíamos previsto em nossa monografia, a confusão terminológica-conceitual presente na Lei Federal nº 13.465/17 pode ser igualmente notada nas referidas normas. Exemplo disso são as leis municipais nºs 6.057/17, de Venâncio Aires/RS, 69/17, de Rodeio/SC, e 173/17, de Presidente Venceslau/ SP, que consideram o instituto condominial como se parcelamento do solo fosse. Reitera-se que condomínio e parcelamento do solo urbano não se confundem. São dois institutos jurídicos distintos, com procedimentos, regras e leis próprios. Incidem em grave equívoco aqueles que insistem em sobrepor essas duas figuras. Com razão, afirma Orlando Gomes que “todo instituto jurídico tem no sistema seu lugar próprio. Encontrá-lo é determinar-lhe a natureza. A localização (sedes materiae) ajuda a compreensão e a aplicação das regras agrupadas”. Introdução ao direito civil. 18. ed. Rio de Janeiro:


e insegurança jurídica. Almeja-se, ao contrário, paz e disciplina social. 4) CONCLUSÃO A espécie por nós estudada, cuja conveniência socioeconômica é justificável e oportuna, foi acolhida em nosso ordenamento jurídico por meio de lei federal, cabendo agora aos Municípios, em virtude de suas prerrogativas constitucionais, adequar esse novo instituto condominial conforme seus interesses locais e sua política urbana, ordenando, desse modo, o aproveitamento de seu território, e editar de forma responsável preceitos normativos claros e precisos para disciplinar o condomínio de terrenos, harmonizando e compatibilizando, com justa medida, o interesse coletivo e o exercício das faculdades inerentes ao direito de propriedade dos condôminos.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 18. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2017. MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade. São Paulo: Saraiva, 2001. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 18. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 4. RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito das coisas. 27. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 5. SILVA, Gilberto Valente da. Condomínio sem construção. Trabalho apresentado no XXII Encontro dos Oficiais de Registro de Imóveis do Brasil, Cuiabá, Mato Grosso, em agosto de 1995. SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Ed., 2000.

Ao lograr este intento, contaremos com mais uma forma de aproveitamento do solo urbano, regularmente disciplinada por lei, a colaborar com as demais já existentes, para a imensa tarefa de trazer à formalidade grande parte dos espaços de nossas cidades e permitir o acesso ao bem de raiz e o atendimento a um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, qual seja, a dignidade humana. BIBLIOGRAFIA CITADA ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. Dos instrumentos da política urbana. In: MEDAUAR, Odete; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (Coords.). Estatuto da cidade: Lei 10.257, de 10.07.2001, comentários. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004. BATALHA, Wilson de Souza Campos. Loteamentos e condomínios. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959. t. 2. GERMANOS, Luis Paulo. Condomínio de terrenos. Inclui comentários ao art. 1.358-A do Código Civil, que trata do condomínio de lotes, introduzido pela Lei nº 13.465/17. São Paulo: Quartier Latin, 2018. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. MAXIMILIANO, Carlos. Condomínio. 2. ed. São Paulo: Freitas Bastos, 1947. Forense, 2001. p. 11. ARISP JUS 9


A IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E OS NOTÁRIOS E REGISTRADORES Por Paulo Cesar Batista dos Santos JUIZ DE DIREITO.

Muitas vezes, no âmbito da qualificação notarial ou registral, encontra-se o viés público da prestação de serviços extrajudiciais, já que é aí que se exerce o que foi delegado pelo Poder Público: a fé pública. A fé pública, de forma sucinta, pode ser considerada a credibilidade decorrente de lei em sentido amplo, cuja outorga é feita pelo Poder Judiciário, de algo em decorrência da razão e da percepção da realidade. Exatamente por isso, o serviço extrajudicial jamais poderá ser outorgado a pessoas jurídicas, já que elas nunca poderiam ser detentoras de fé pública, a começar pela impossibilidade de percepção de fatos pelos sentidos, afora outros tantos atributos que são compatíveis apenas com as pessoas naturais. E é nesse cenário que se pode dizer que os titulares de delegação, pela função constitucional exercida, estão perfeitamente sujeitos à Lei de Improbidade Administrativa.

1) INTRODUÇÃO Todos sabem que os serviços notariais e de registro, por expressa determinação constitucional, são prestados em caráter privado, por delegação do Poder Público, nos termos do art. 236 da Constituição Federal. Disso decorre sua natureza jurídica caleidoscópica, por vezes pública, outras vezes privada, a depender do enfoque que se dê ao exame da atividade. A rigor, o desenvolvimento da atividade registral, a gestão de pessoal e de material, a guarda dos livros e de todo o acervo, possui enfoque de gerência privada, por conta e risco do titular da delegação. Sua gestão levará a serventia ao lucro, ou à situação deficitária. Claro que tal matemática dependerá de uma infinidade de fatores, sejam mercadológicos, urbanísticos, nível de renda dos usuários do serviço, além, é claro, da eficiência da gestão. 10 ARISP JUS

A Lei de Improbidade Administrativa – Lei nº 8.429, sancionada em 2 de junho de 1992 – visa à proteção de um bem difuso: a moralidade administrativa. Como princípio explícito da Administração Pública, previsto no caput do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a violação à moralidade administrativa configura ato de improbidade administrativa, assim como as demais condutas tipificadas na lei. Trata-se de importante instrumento normativo de combate à corrupção, que inovou o ordenamento jurídico brasileiro ao dispor sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de atos ímprobos cometidos no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional. Como medida judicial, a ação de improbidade administrativa possui especificidades próprias que a


distingue das demais ações do microssistema coletivo. Embora em vigor há muitos anos, a Lei de Improbidade Administrativa ainda possui aspectos polêmicos atuais, considerados os diferentes entendimentos doutrinários e jurisprudenciais acerca de alguns temas. 2) CONCEITO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA A Constituição Federal, em vários de seus dispositivos, fez expressa menção à improbidade administrativa, como, por exemplo, o § 4º, do art. 37, e o art. 15, inc. V. Entretanto, ali não há uma definição do termo. O vocábulo improbidade é de origem latina – improbitate – e significa, dentre outras coisas, falsidade, desonestidade, desonradez, corrupção. Atualmente, o termo é utilizado para adjetivar a conduta do administrador desonesto. Embora não exista uniformidade quanto à sua definição, normalmente diz-se que o ato de improbidade administrativa é aquele que atenta contra os princípios norteadores da Administração Pública. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os princípios da Administração Pública foram positivados no caput do artigo 37, os quais os agentes públicos deverão respeitar no exercício de suas atribuições. Dentre os princípios ali previstos, a doutrina atrela o estudo da Improbidade Administrativa aos da moralidade, da legalidade e da probidade. Alguns renomados doutrinadores do Direito Administrativo demonstram uma linha de pensamento nesse sentido. MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO1 declara 1 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 889.

que em “sentido restrito, a legalidade exige obediência à lei, enquanto a moralidade exige basicamente honestidade, observância das regras de boa administração, atendimento ao interesse público, boafé, lealdade”. E ainda menciona o seguinte: A lesão ao princípio da moralidade ou a qualquer outro princípio imposto à Administração Pública constitui uma das modalidades de ato de improbidade. Para ser ato de improbidade não é necessária a demonstração de ilegalidade do ato; basta demonstrar a lesão à moralidade administrativa.

Tema bastante tormentoso é diferenciar improbidade de imoralidade administrativa, embora seja unânime o reconhecimento de que não são institutos idênticos. Geralmente, a improbidade administrativa é uma imoralidade administrativa qualificada pelo dano ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem. Entretanto, a configuração de improbidade independe de dano ao erário. Parece que a doutrina vai se firmando no sentido de que a improbidade é espécie do gênero imoralidade administrativa, qualificada pela desonestidade, pela máfé, de conduta do agente público, mediante a qual este se enriquece ilicitamente, obtém vantagem indevida, para si ou para outrem, ou causa dano ao erário. Vale ressaltar que nem mesmo essa diferenciação seria precisa, já que o caput do art. 10, da Lei nº 8.429/92, admite a prática de ato de improbidade culposo. Nesse sentido, ARISTIDES 2 ALVARENGA leciona:

JUNQUEIRA

2 ALVARENGA, Aristides Junqueira. “Reflexões sobre improbidade administrativa no direito brasileiro”. In Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais. (BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de, Coords.). São Paulo: Malheiros, 2001.

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Improbidade administrativa é espécie do gênero imoralidade administrativa, qualificada pela desonestidade de conduta do agente público, mediante a qual este se enriquece ilicitamente, obtém vantagem indevida, para si ou para outrem, ou causa dano ao erário.

Segundo WELLINGTON PACHECO BARROS3, a palavra improbidade vem do radical latino probus, que significa crescer reto, e na tradição da língua portuguesa significa ter caráter, ser honesto, ser honrado. Consequentemente, não ter probidade ou ser ímprobo significa não ter caráter, ser desonesto ou desonrado. E explica: A conduta de um agente público pode ir contra o princípio da moralidade, no estrito sentido jurídico-administrativo, sem, contudo, ter a pecha da improbidade, dada a ausência de comportamento desonesto - atributo, esse, que distingue a espécie (improbidade) do gênero (imoralidade). ALEXANDRE DE MORAES4 ensina: O ato de improbidade administrativa exige para sua consumação um desvio de conduta do agente público, que no exercício indevido de suas funções, afaste-se dos padrões éticos e morais da Sociedade, pretendendo obter vantagens materiais indevidas ou gerar prejuízos ao patrimônio público, mesmo que não obtenha sucesso em suas intenções, como ocorre nas condutas tipificadas no art. 11 da lei. Depreende-se, assim, a necessidade de defesa e preservação desses institutos morais e éticos, tendo em vista que a Administração Pública reflete os anseios da sociedade, a qual requer a transparência de seus atos.

administrativa, pode-se trazer à colação aqueles citados por MARCELO FIGUEIREDO, em obra coordenada por CÁSSIO SCARPINELLA BUENO e PEDRO PAULO DE REZENDE PORTO FILHO5 (2002. p. 13), que são: “a aplicação irregular de verba pública; desvio de verba pública; falta de prestação de contas; frustração de concurso de processo licitatório; superfaturamento de obra pública” De fato, ainda não temos na doutrina exata do que seja um ato de improbidade ou do que seja a moralidade administrativa. O que temos são determinadas condutas tipificadas na Lei n° 8.429/1992 como sendo violadoras do dever de probidade administrativa, as quais serão abordadas oportunamente. Dessa forma, o agente público, no exercício de suas funções, deve observar não apenas ao princípio da moralidade, mas também aos demais princípios que regem a atividade administrativa, além da boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva, sob pena de configurar a prática de ato ímprobo. Nesse contexto, pode-se dizer que improbidade é o ilícito político-administrativo que contraria os princípios da Administração Pública, tipificado na Lei n° 8.429/1992, o qual poderá acarretar uma sanção civil, administrativa e penal, em virtude dos bens jurídicos atingidos pelo fato jurídico. Cabe ressaltar que a improbidade é um ilícito de natureza civil, mas que poderá ensejar reflexos na órbita penal, bastando, contudo, que haja correspondência com um dos tipos criminais desenhados pelo legislador penal. Neste sentido, podemos enfatizar que as responsabilidades civil, penal e administrativa podem coexistir, extraindo-se simultaneamente do mesmo fato jurídico, várias consequências nos diversos planos.

Como exemplo de violação ao princípio da probidade 3 BARROS, Wellington Pacheco. O município e seus agentes. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 177. 4 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. 30 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 320. 12 ARISP JUS

5 BUENO, Cassio Scarpinella. Pedro Paulo Porto Filho (coord.) Improbidade Administrativa - Questões Polêmicas e Atuais. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 13.


3) SUJEITOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA 3.1) Sujeito Ativo De acordo com a Lei de Improbidade (art. 1º, caput, e parágrafo único, e 2º e 3º), o sujeito ativo de tais atos são: Os agentes públicos, servidores ou não, que exerçam, embora transitoriamente ou sem remuneração, seja por eleição, nomeação, designação, contratação ou por qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função da administração direta ou indireta, em empresa incorporada ao patrimônio público ou em entidade para cuja criação ou custeio o erário tenha concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento (50%) do patrimônio ou receita anual.

Equipara-se ao agente público, para os efeitos da Lei, o particular que induzir a prática do ato, que com ele concorrer ou em razão dele auferir vantagem. A abrangência da lei e a aplicação do procedimento nela previsto a todos os agentes públicos, políticos ou não, servidores ou não, indistintamente. Por essa abrangência do conceito de sujeito ativo é que se pode dizer, com absoluta tranquilidade, que os notários e registradores estão sujeitos à aplicação da Lei de Improbidade Administrativa6. 6 Consoante a jurisprudência do STJ e a doutrina pátria, notários e registradores estão abrangidos no amplo conceito de “agentes públicos”, na categoria dos “particulares em colaboração com a Administração”. A partir do art. 236 da CF e de sua regulamentação pela Lei nº 8.935/1994, a jurisprudência pátria tem consignado a legalidade da ampla fiscalização e controle das atividades cartoriais pelo Poder Judiciário (RMS 23.945/PB, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 20/8/2009, DJe 27/8/2009), bem como a natureza pública dessas atividades, apesar de exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público (ADI 1.378-MC, Rel. Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgada em 30/11/1995; ADI 3.151, Rel. Ministro Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgada em 8/6/2005). Os aspectos acima elencados revelam-se suficientes a justificar a inclusão dos notários e registradores, como “agentes pú-

Sua natureza jurídica é cível, não configurando a improbidade administrativa qualquer ato ilícito penal, conforme decidido pelo Eg. Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADI nº 2.7977 blicos” que são, no campo de incidência da Lei nº 8.429/1992. (STJ, REsp 1186787/MG, Rel. Ministro Sérgio Kukina, 1ª Turma, DJe 05/05/2014). 7 Ação de improbidade administrativa: extensão da competência especial por prerrogativa de função estabelecida para o processo penal condenatório contra o mesmo dignitário (§ 2º do art. 84 do C Pr Penal introduzido pela L. 10.628/2002): declaração, por lei, de competência originária não prevista na Constituição: inconstitucionalidade. 1. No plano federal, as hipóteses de competência cível ou criminal dos tribunais da União são as previstas na Constituição da República ou dela implicitamente decorrentes, salvo quando esta mesma remeta à lei a sua fixação. 2. Essa exclusividade constitucional da fonte das competências dos tribunais federais resulta, de logo, de ser a Justiça da União especial em relação às dos Estados, detentores de toda a jurisdição residual. 3. Acresce que a competência originária dos Tribunais é, por definição, derrogação da competência ordinária dos juízos de primeiro grau, do que decorre que, demarcada a última pela Constituição, só a própria Constituição a pode excetuar. 4. Como mera explicitação de competências originárias implícitas na Lei Fundamental, à disposição legal em causa seriam oponíveis as razões já aventadas contra a pretensão de imposição por lei ordinária de uma dada interpretação constitucional. 5. De outro lado, pretende a lei questionada equiparar a ação de improbidade administrativa, de natureza civil (CF, art. 37, § 4º), à ação penal contra os mais altos dignitários da República, para o fim de estabelecer competência originária do Supremo Tribunal, em relação à qual a jurisprudência do Tribunal sempre estabeleceu nítida distinção entre as duas espécies. 6. Quanto aos Tribunais locais, a Constituição Federal -salvo as hipóteses dos seus arts. 29, X e 96, III -, reservou explicitamente às Constituições dos Estados-membros a definição da competência dos seus tribunais, o que afasta a possibilidade de ser ela alterada por lei federal ordinária. V. Ação de improbidade administrativa e competência constitucional para o julgamento dos crimes de responsabilidade. 1. O eventual acolhimento da tese de que a competência constitucional para julgar os crimes de responsabilidade haveria de estender-se ao processo e julgamento da ação de improbidade, agitada na Rcl 2138, ora pendente de julgamento no Supremo Tribunal, não prejudica nem é prejudicada pela inconstitucionalidade do novo § 2º do art. 84 do C.Pr.Penal. 2. A competência originária dos tribunais para julgar crimes de responsabilidade é bem mais restrita que a de julgar autoridades por crimes comuns: afora o caso dos chefes do Poder Executivo - cujo impeachment é da competência dos órgãos políticos - a cogitada competência dos tribunais não alcançaria, sequer por integração analógica, os membros do Congresso Nacional e das outras casas legislativas, aos quais, segundo a Constituição, não se pode atribuir a prática de crimes de responsabilidade. 3. Por outro lado, ao contrário do que sucede com os crimes comuns, a regra é que cessa a imputabilidade ARISP JUS 13


3.2) Sujeito Passivo O sujeito passivo imediato do agente ímprobo é a pessoa jurídica efetivamente afetada pelo ato, conforme prescreve o artigo 1º da Lei nº 8.429/1992:

administrativa traduz uma quarta esfera de responsabilidade de notários e registradores, afora as já conhecidas esferas penal, cível e disciplinar, com regime jurídico próprio e aplicação, no que couber, da Lei n° 8.935/94.

Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

No campo da responsabilidade disciplinar, por sua natureza administrativa, inexiste o poder coercitivo estatal, o que é característica, em regra, da atividade jurisdicional.

O parágrafo único do referido artigo também inclui como sujeito passivo do ato de improbidade administrativa entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo fiscal ou creditício de órgão público e, ainda, empresa incorporada ao patrimônio público.

Via de regra, o autor da ação será o Ministério Público, no manejo de uma ação civil pública, muitas vezes precedida de um inquérito civil, com legitimidade ativa também dos outros entes descritos no art. 5º da Lei n° 7.347/85 (Defensoria Pública, entes da Federação e da Administração Indireta, Associações com constituição há pelo menos um ano, e com pertinência temática).

Vejamos: Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Note-se: o sujeito passivo mediato será sempre o Estado. Dessa forma, é possível afirmar que a improbidade por crimes de responsabilidade com o termo da investidura do dignitário acusado. (STF - ADI: 2797 DF, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 15/09/2005, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 19-12-2006 PP-00037 EMENT VOL-02261-02 PP-00250) 14 ARISP JUS

Já a improbidade administrativa possui natureza jurisdicional; será decidida por um Juiz, após o devido processo legal e o contraditório, com natureza plenamente coercitiva na aplicação das penas impostas.

Nada impede, inclusive, que o Ministério Público requisite cópias de procedimentos disciplinares, para que possa formar sua convicção e instruir eventual futura ação de improbidade administrativa. 4) ATOS DE IMPROBIDADE A Lei n° 8.429/1992 ampliou o conceito de improbidade administrativa no exercício de cargos ou funções públicas, que passou a envolver não apenas os casos de enriquecimento ilícito, como também os de má gestão do erário e a transgressão dos princípios que fundamentam a Administração Pública. Como dito, a improbidade administrativa se manifesta quando o agente público aufere qualquer tipo de vantagem patrimonial em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade, ocorrendo enriquecimento ilícito; quando causa


prejuízo ao erário, independente de culpa ou dolo; ou quando atenta contra os princípios da Administração Pública. Dessa forma, os atos de improbidade administrativa são divididos em três categorias com suas respectivas penas, sem excluir outras penas cíveis, administrativas e penais. O art. 9º da Lei tipifica os atos que importam em enriquecimento ilícito; o art. 10 trata dos atos que causam prejuízo ao erário; e o art. 11 traz os atos que atentam contra os princípios da administração pública. Segundo a doutrina, o rol das condutas listadas nesses dispositivos é exemplificativo, e não taxativo. A doutrina define o art. 11, como tipo subsidiário ou de reserva, incidindo apenas se não ocorrer enriquecimento ilícito (art. 9º) ou lesão ao patrimônio público (art. 10). Existe bastante divergência na doutrina quanto à possibilidade de os atos improbidade exigirem culpa ou dolo, embora somente o art. 10, da Lei de Improbidade, faça menção expressa a esses requisitos. O art. 9° tipifica como ato ímprobo “auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1°”. O enriquecimento ilícito está ligado à vantagem patrimonial, pode ser qualquer valor, bem, e a qualquer título, presente, doação, empréstimo, desde que indevido. Trata-se de obter aumento do patrimônio pessoal às custas de crimes contra os cofres públicos. É um tipo doloso, o qual apresenta três requisitos: obtenção intencional da vantagem patrimonial pelo agente; vantagem ilícita e nexo causal entre a vantagem e a atividade exercida pelo agente.

Os incisos do art. 9° da Lei de Improbidade são meramente exemplificativos: a) Agente que recebe presentes (“honorários”) de quem tenha interesse na sua atividade funcional; b) Aquele que recebe para superfaturar produto ou serviço. Há enriquecimento ilícito derivado do superfaturamento; c) Receber dinheiro para permitir o subfaturamento, fazendo com que o estado venda a preços menores; d) aquele que permite que bens do Estado sejam mal utilizados, subtraídos, recebendo valores para tanto. Os atos ímprobos tipificados no art. 10° da lei referem-se à lesão ao erário e, diferentemente do artigo anterior, não se discute se o agente obteve vantagem ou não. A conduta prevista neste artigo, que pode ser omissiva ou comissiva, deve ensejar lesão ao erário ou perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento (má utilização) ou dilapidação de bens e haveres e, ainda, ter a característica de ilegalidade. O rol dos atos de improbidade previstos nos incisos do art. 10° da Lei também é exemplificativo. Por fim, o art. 11 da Lei de Improbidade tipifica os atos que contrariam os princípios da Administração Pública. A doutrina ensina que esse dispositivo legal é utilizado como tipo subsidiário. Nessas condutas, não há ganho ou perda de patrimônio, mas o ato é desonesto e imoral, como por exemplo fraudar um concurso público. Aqui, o ato não é ilegal, mas é imoral. A teor do caput do referido dispositivo legal, “qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições” é ato ímprobo. Segundo a doutrina dominante, para a tipificação dos atos previstos no o art. 11, deve-se observar o critério da razoabilidade, para se verificar sua gravidade.

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Mais uma vez, os incisos do art. 11 também são exemplificativos, dos quais podem ser citados: quebra de sigilo de informações pessoais e invioláveis arquivadas na serventia (não necessariamente é ato ilícito, gera enriquecimento ou causa dano ao erário, mas é contrário aos princípios da Administração Pública); violação de informações privilegiadas na área econômica; fraude em concurso público, a qual, embora não gere lesão ao erário, nem vantagem, contraria os princípios da Administração Pública. Vejamos alguns precedentes do Eg. Tribunal de Justiça de São Paulo quanto ao enquadramento de atos de improbidade no serviço extrajudicial: FRAUDES DE GUIAS DE ITBI NÃO ERAM FACILMENTE CONSTATÁVEIS PELO TABELIÃO. A conduta que leva à culpa in vigilando, naturalmente, apura-se depois de ocorrida a irregularidade. Mas o que se deve perquirir é se a omissão ou deficiência no dever de supervisão era tal que permitiria antever a possibilidade de prática não detectada de ilícitos. Não é pelo olhar retrospectivo, depois de apurado o ilícito, e analisado o modo pelo qual poderia ter sido evitado, que a culpa in vigilando deve ser apurada. O dever de vigilância não significa dever de onisciência. (TJSP, apelação cível n° 0003476.2014.8.26.0575). PREPOSTO INTERINO APRESENTAVA DECLARAÇÕES DE POBREZA PARA OS NUBENTES ASSINAREM, MAS COBRAVA, INDEVIDAMENTE, AS TAXAS E EMITIA RECIBOS FALSOS constando que não houve o pagamento de qualquer valor pelas custas e emolumentos, como também de que encaminhava ao sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo planilhas dos atos gratuitos praticados, instruindo-as com as declarações de pobreza emitidas pelos nubentes e recibos constando que não foram pagas as custas ou emolumentos, atos que ensejou o recebimento. (TJSP, apelação cível n° 0001321-43.2015.8.26.0326) AGRAVO RETIDO. LEGITIMIDADE ATIVA. MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANO AO ERÁRIO. FALSIFICAÇÃO DE GUIAS DE RECOLHIMENTO DE ITBI E APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE VALORES POR ESCREVENTE POSSI16 ARISP JUS

BILIDADE DE CUMULAÇÃO DAS SANÇÕES. inexistência, por outro lado, de responsabilidade do tabelião. fraudes de difícil constatação por fiscalização de rotina, pois revestidas de aparente legalidade. culpa in vigilando e culpa in eligendo não caracterizadas. dolo não configurado. (TJSP, apelação cível n° 0003476-82.2014.8.26.0575).

5) PENALIDADES A teor do art. 37, § 4º, da Constituição Federal, os atos de improbidade importarão em suspensão dos direitos políticos; perda da função pública; indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Trata-se de rol exemplificativo e que pede o complemento legislativo “na forma da lei e sem prejuízo da ação penal cabível”. Ainda no âmbito constitucional, o art. 15, inciso V assim dispõe: “É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º. No campo infraconstitucional, o art. 12, da Lei de Improbidade amplia essas sanções e dispõe sobre as penas aplicáveis a cada um dos três tipos de ato de improbidade, que são aplicadas independentemente de dano. Consoante art. 12 da Lei de Improbidade, as sanções para o ato de enriquecimento ilícito (art. 9°) são: perda dos bens acrescidos ilicitamente; ressarcimento integral do dano, se houver; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos de 8 a 10 anos; multa civil de até 3 vezes o valor do acréscimo patrimonial; proibição de contratar com o poder público, ainda que por intermédio de pessoa jurídica pelo prazo de 10 anos. Para os atos ímprobos de lesão ao erário (art. 10°), estão previstas as seguintes penalidades: ressarcimento


integral do dano; perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se houver; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos de 5 a 8 anos; multa civil de até 2 vezes o valor do dano; proibição de contratar com o poder público, ainda que por intermédio de pessoa jurídica pelo prazo de 5 anos. Por fim, o inciso III do artigo 12 da Lei dispõe que as sanções para os atos de improbidade com violação de princípios (art. 11) são: ressarcimento integral do dano, se houver; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos de 3 a 5 anos; multa civil de até 100 vezes o valor da remuneração do agente; proibição de contratar com o poder público, ainda que por intermédio de pessoa jurídica pelo prazo de 3 anos. Para esses tipos de ato ímprobo, o legislador optou por não aplicar a penalidade de perda dos bens. O parágrafo único do art. 12, da Lei de Improbidade Administrativa, diz que na fixação das penas ali previstas, o juiz levará em conta a extensão do dano causado, bem como o proveito patrimonial do agente. A doutrina não é unânime no tocante à possibilidade da aplicação cumulativa ou não das sanções, muito embora o precedente acima citado assim admita. E sem dúvida alguma, as infrações disciplinares específicas aos notários e registradores, previstas no art. 31 da Lei n° 8.935/94 podem traduzir atos de improbidade administrativa: Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei: I - a inobservância das prescrições legais ou normativas; II - a conduta atentatória às instituições notariais e de registro; III - a cobrança indevida ou excessiva de emolumentos, ainda que sob a alegação de urgência; IV - a violação do sigilo profissional; V - o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30.

É bom anotar que, nos termos do art. 21, da Lei de Improbidade, a aplicação das sanções independe da efetiva existência do dano; da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou pelo Tribunal de Contas. A pena de perda da delegação também pode ser aplicada por decisão judicial tomada em ação de improbidade administrativa, por correspondência ao art. 32, inciso IV da Lei n° 8.935/94, já que tal pena corresponderia à perda de cargo ou função. Aliás, em tese, também seria possível, em decisão liminar, quando da propositura da ação, a determinação de afastamento preventivo do titular da delegação, quando manifestos os riscos ao desenvolvimento da atividade, concretamente fundamentados, ou à produção de prova no curso do procedimento, em aplicação do art. 36 da Lei de Notários e Registradores: Art. 36. Quando, para a apuração de faltas imputadas a notários ou a oficiais de registro, for necessário o afastamento do titular do serviço, poderá ele ser suspenso, preventivamente, pelo prazo de noventa dias, prorrogável por mais trinta.

Nesse caso, será necessária a nomeação de um interventor, que irá gerir e sanear a serventia ao longo da intervenção, com comunicação, naturalmente, ao Juiz Corregedor Permanente. Por fim, a par de toda a discussão quanto à necessidade de prova de demonstração de dolo ou culpa para a prática de atos de improbidade administrativa, em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça tratou do chamado “dolo genérico”, que seria suficiente para a incidência de Lei de Improbidade, face à sua presunção in re ipsa: Por conduta livre e consciente, os réus praticaram irregularidades e ilegalidades no processo licitatório, desde a inobservância dos prazos legais, pagamento antecipado, prestação de serviços não licitados e pagamento realizado por serviços não prestados. Ao ARISP JUS 17


assim agirem, geraram, além do comprovado prejuízo financeiro apontado na petição inicial, prejuízo à competitividade do certame e, portanto, dano in re ipsa ao erário. Está caracterizado, desse modo, o prejuízo mesmo que presumido ao erário. Precedentes: REsp 1685214/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe 19/12/2017 e REsp1624224/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 1/3/2018, DJe 6/3/2018. V - Em que pese o entendimento exarado pelo Tribunal a quo, ainda que supostamente não exista má-fé ou desonestidade, a conduta praticada pelos réus afrontou os princípios que regem a probidade administrativa, violando, notadamente, os deveres honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, nos termos do art. 11 da Lei nº 8.429/92. Está caracterizado, portanto, o dolo genérico para o enquadramento da conduta no art. 11 da Lei 8.429/92. Precedentes: REsp 1352535/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/4/2018, DJe 25/4/2018 e REsp 1714972/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 25/05/2018. VI - Indevida improcedência dos pedidos contidos na ação civil pública por improbidade administrativa no acórdão recorrido, por violação aos arts. 10, VIII, e 11 da Lei 8.429/92. VII - Agravo interno provido. (AgInt no REsp 1422805/SC, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/08/2018, DJe 17/08/2018). (g.n). 6) BIBLIOGRAFIA ALVARENGA, Aristides Junqueira. “Reflexões sobre improbidade administrativa no direito brasileiro”. In Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais. (BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de, Coords.). São Paulo: Malheiros, 2001. BARROS, Wellington Pacheco. O município e seus agentes. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. BUENO, Cassio Scarpinella. Pedro Paulo Porto Filho (coord.) Improbidade Administrativa - Questões Polêmicas e Atuais. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 18 ed. Ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Atos de Improbidade Administrativa. 18 ARISP JUS

Doutrina, Legislação e Jurisprudência. São Paulo: Atlas, 2007. MENDES, Gilmar; WALD, Arnoldo. Competência para julgar ação de improbidade administrativa. Revista de Informação Legislativa, n. 138, pp. 213/216, abr./jun. 1998. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/item/id/378>. Acesso em: 21 de outubro de 2018. LOBO, Arthur Mendes. A ação prevista na lei de improbidade administrativa: competência, legitimidade, interesse de agir e outros aspectos polêmicos. Revista de Processo, São Paulo, n. 148, ano 32, jun. 2007. MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. MAZZILI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. 30 ed. São Paulo: Atlas, 2014. OSÓRIO, Fábio Medina. Obstáculos processuais ao combate à improbidade administrativa: uma reflexão geral. Improbidade Administrativa: responsabilidade social na prevenção e controle. 2004. PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2007. WALD, Arnoldo; FONSECA, Rodrigo Garcia da. Ação de improbidade administrativa. Disponível em: http://www.camara. rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc2002/arti_arnild_ rodrigo.pdf>. Acesso em: 17 de agosto de 2018.


DECISÕES EM DESTAQUE

ÍNDICE DECISÃO ADMINISTRATIVA #1

Apelação nº 1019279-69.2017.8.26.0224 - Pág. 20 DECISÃO ADMINISTRATIVA #2

Apelação nº 1033886-29.2017.8.26.0114 - Pág. 22 DECISÃO ADMINISTRATIVA #3 Recurso Administrativo nº 1001738-84.2017.8.26.0624 - Pág. 23

DECISÃO JURISDICIONAL #1

Recurso Especial Nº 1.709.128 - RJ - Pág. 27

Selecionadas por Alberto Gentil de Almeida Pedroso

DECISÃO JURISDICIONAL #2

Recurso Especial Nº 1.717.826 - MT - Pág. 31 DECISÃO JURISDICIONAL #3

Recurso Especial Nº 1.677.079 - SP - Pág. 33

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DECISÃO ADMINISTRATIVA #1 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1019279-69.2017.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante LUCIA MARQUES COSENZA, é apelado PRIMEIRO OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE GUARULHOS. ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL). São Paulo, 4 de outubro de 2018. PINHEIRO FRANCO CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR Apelação nº 1019279-69.2017.8.26.0224 Apelante: Lucia Marques Cosenza Apelado: Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos Voto nº37.571 REGISTRO DE FORMAL DE PARTILHA – Autor da herança casado pelo regime da comunhão universal de bens – Separação de fato – Necessidade de se inventariar a totalidade do bem havido em comunhão no casamento – Universalidade de direitos que se extrema somente com a partilha. REGISTRO DE FORMAL DE PARTILHA – Alegação de que a meação do autor da herança no imóvel foi adjudicada pela viúva para a satisfação de crédito de 20 ARISP JUS

alimentos – Carta de adjudicação, extraída da ação de execução, que não foi levada à registro. REGISTRO DE FORMAL DE PARTILHA – Adjudicação da metade ideal do imóvel inventariado em favor da viúva porque destinado à quitação de débito de alimentos – Decisão judicial que afastou a incidência do ITCMD porque o imóvel partilhado não se transmitiu aos herdeiros, mas diretamente à credora do autor da herança – Fato que não impede a partilha da totalidade do imóvel, para extremar a meação da viúva, e não isenta da prova do pagamento do imposto que corresponder ao ato jurídico que se alegou ocorrido – Dúvida julgada

procedente – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Lúcia Marques Cosenza contra r. sentença que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa do registro da carta de adjudicação extraída do arrolamento dos bens deixados pelo falecimento de Vicenzo Cosenza porque não foi arrolada a totalidade do imóvel de propriedade comum do autor da herança e da viúva que eram casados pelo regime da comunhão universal de bens e porque não houve o pagamento do imposto devido pela transmissão do bem. A apelante sustentou, em suma, que era separada de fato e que antes da abertura da sucessão adjudicou, em ação de execução de alimentos (Processo nº 003083/2005 da 4ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de Guarulhos) a meação de que seu marido era titular no imóvel objeto da matrícula nº 25.233 do 1º Registro de Imóveis de Guarulhos. Disse que Vicenzo Cosenza faleceu em 05 de julho de 2002 e foi substituído na ação de execução de alimentos pelo seu espólio. Esclareceu que somente depois dessa adjudicação foi ajuizado o arrolamento dos bens deixados pelo falecimento de Vicenzo Conseza, ficando o processo sem movimentação pela discordância dos herdeiros em reconhecer o débito de alimentos. Informou que foram opostos embargos à execução e que houve averbação da penhora nela promovida. Porém, como não houve o pagamento da dívida, acabou por adjudicar o imóvel na ação de execução, com lavratura do auto de adjudicação em 31 de maio de 2012 e expedição da respectiva carta para registro. Desse modo, a adjudicação do imóvel também na ação de arrolamento de bens não caracterizou dação em pagamento, o que afasta a incidência do ITCMD e do ITBI. Asseverou que esses fatos não foram considerados na r. sentença e na decisão prolatada nos embargos de declaração, com o que não se proporcionou a efetividade que se espera do processo. Requereu a reforma da r. sentença para que seja promovido o registro do título


(fls. 551/567). A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 585/586). É o relatório. Foi apresentada para registro, na matrícula nº 25.233 do 1º Registro de Imóveis da Comarca de Guarulhos, carta de adjudicação extraída da ação de arrolamento dos bens deixados pelo falecimento de Vicenzo Cosenza, processado sob nº 0016316.14.2003.8.26.0224 da 1ª Vara da Família e das Sucessões da Comarca de Guarulhos (fls. 14/320). Embora casado pelo regime da comunhão universal de bens com Lúcia Marques Cosenza (fls. 40 e 42), foi levado ao arrolamento dos bens somente a meação de Vicenzo Conseza no imóvel, sob o fundamento de que o autor da herança e a viúva eram separados de fato e de que essa meação foi anteriormente adjudicada pela viúva em ação de execução de alimentos que moveu contra seu ex- marido (fls. 124/136 e 224). Em decorrência, constou nas primeiras declarações da ação de arrolamento de bens que em razão do crédito de alimentos a meação do autor da herança no imóvel seria novamente adjudicada à viúva (fls. 136). As certidões da matrícula nº 25.233 juntadas aos autos mostram que foram averbados o óbito de Vitório Cosenza e a penhora da metade ideal do Espólio no imóvel que foi promovida pela viúva na ação de execução de alimentos (fls. 138/140 e 442/444). No que tange à ação de arrolamento, deve ser considerado que o regime de bens do casamento ensejou comunhão de direitos entre a falecida e o viúvo quanto ao imóvel arrolado. Havendo universalidade de direitos em relação à integralidade do único bem a ser partilhado, era necessário inventariar a totalidade do bem e proceder sua partilha, pois, antes desta, o direito dos titulares da universalidade é sobre a totalidade do patrimônio. Cabe mencionar, sobre o tema, precedente deste Col. Conselho Superior da Magistratura consistente na Apelação Cível n.º 764-6/8, de 30 de outubro de 2007, de que foi relator o Exmo. Sr. Des. Gilberto Passos de Freitas, então Corregedor

Geral da Justiça: Não se discute que meação de cônjuge não se enquadra no conceito legal de herança (e, por isso, não havendo transmissão, seu valor não deve ser considerado na base de cálculo de tributo); mas isso não significa que deva ser desprezada na partilha. Ao contrário, justamente porque a situação é de massa indivisa, que abrange a comunhão decorrente do casamento e a herança gerada pela sucessão “mortis causa”, que se extrema apenas com a partilha, não há como deixar de incluir a integridade do bem, e não apenas sua metade ideal, na partilha, que deve prever não só o pagamento do quinhão da herdeira, mas também a atribuição da parte que couber à viúva-meeira. Diversos são, aliás, os precedentes do Conselho Superior da Magistratura neste sentido, deles destacando-se não só a verdade de que “a comunhão decorrente do casamento é pro indiviso’” (CSM, Ap. Civ. nº 404-6/6, rel. JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE) - e, por isso, a meação da cônjuge sobrevivente “só se extremará com a partilha” (CSM, Ap. Civ nºs 404-6/6, rel. JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE e 17.289-0/7, rel. JOSÉ ALBERTO WEISS DE ANDRADE) -, mas também a conseqüência lógica de que, até a partilha integral, “permanece a indivisão” (CSM, Ap.Civ. nº 15.305, rel. DÍNIO DE SANTIS GARCIA). Logo, com Afrânio de Carvalho, se pode repetir a pertinente e apropriada lição de que a “partilha abrange todo o patrimônio do morto e todos os interessados, desdobrandose em duas partes, a societária e a sucessória, embora o seu sentido se restrinja por vezes à segunda” (AFRÂNIO DE CARVALHO. Registro de Imóveis. Ed. Forense: 3ª edição, 1982, pág. 281).

Apesar da existência do débito ao final reconhecido pelo espólio e que ensejou a nova adjudicação, em favor da credora, da meação do autor da herança no imóvel, a adjudicação do bem em ação de execução de alimentos e a adjudicação em arrolamento de bens são atos jurídicos distintos, representados por diferentes títulos de transmissão do domínio. Diante disso, sendo prenotada a carta de adjudicação extraída da ação de arrolamento de bens, neste procedimento de dúvida somente é possível analisar as razões apresentadas pelo Oficial para a recusa do registro desse título. E o registro da carta de adjudicação extraído da ação ARISP JUS 21


de arrolamento de bens não se mostra possível porque não foi levada à partilha a totalidade do imóvel, de modo a permitir a extinção da meação com a atribuíção à cônjuge sobrevivente e aos herdeiros (ou à credora) dos quinhões que lhe corresponderão no bem anteriormente comum, e porque não houve prova do pagamento do respectivo imposto de transmissão. A única ressalva cabível, neste caso concreto, é que na partilha foi reconhecida a existência de débito do autor da herança e foi a sua meação no imóvel atribuído diretamente à credora para pagamento do valor devido, o que equivaleu, em outros termos, à realização de pagamento para credor habilitado no processo. Em razão disso, pela adjudicação do quinhão do imóvel equivalente à meação do autor da herança, feita em favor da credora, deverá ser comprovada a declaração e pagamento do imposto de transmissão “inter vivos”, ou a sua isenção conforme for previsto na legislação municipal. Ainda neste caso concreto, em relação ao ITCMD prevalecerá a r. decisão prolatada pelo Juízo da ação de inventário de bens, da qual foi determinada ciência à Fazenda do Estado e que constitui peça do processo que instruiu a carta de adjudicação (fls. 308), por se cuidar de ato jurisdicional cujo mérito não é possível reapreciar no presente procedimento que, por seu lado, tem natureza administrativa (art. 204 da Lei nº 6.015/73). Ante o exposto, nego provimento ao recurso e mantenho a recusa do registro do título. PINHEIRO FRANCO Corregedor Geral da Justiça e Relator

DECISÃO ADMINISTRATIVA #2 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1033886-29.2017.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que são apelantes PAULO FERRACINI JUNIOR e CRISTINA REGINA GINÉ FERRACINI, é apelado 4º OFICIAL DE 22 ARISP JUS

REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS. ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL). São Paulo, 4 de outubro de 2018. PINHEIRO FRANCO CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR Apelação nº 1033886-29.2017.8.26.0114 Apelantes: Paulo Ferracini Junior e Cristina Regina Giné Ferracini Apelado: 4º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas Voto nº 37.570 Registro de Imóveis – Escritura pública de compra e venda de imóvel – Vendedor casado sob o regime da comunhão parcial de bens ao tempo da celebração do negócio – Necessidade de anuência da esposa do vendedor ou de suprimento judicial – Óbices apresentados pelo registrador mantidos - Apelação não provida.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Cristina Regina Giné Ferracini e Paulo Ferracini Júnior contra a sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 4º Oficial de Registro de Imóveis de Campinas/SP, que confirmou o óbice imposto pelo registrador referente à falta de outorga uxória da esposa do vendedor, ou alvará judicial para supri-la. Alegam os apelantes, em síntese, que não sendo proprietária do imóvel, visto que adquirido antes da celebração do casamento, mostra-se desnecessária a outorga uxória da cônjuge casada com o vendedor pelo regime da comunhão parcial de bens.


A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso. É o relatório. O dissenso versa sobre a registrabilidade da escritura de venda e compra lavrada em 29 de março de 2010, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 13.053 junto ao 4º Oficial de Registro de Imóveis de Campinas/SP. O registrador entendeu pela necessidade de constar a outorga uxória da esposa do vendedor ou de alvará judicial para supri-la, uma vez que, embora o vendedor tenha sido qualificado como separado judicialmente, constatou-se que, ao tempo da celebração do negócio, era em verdade casado, em novas núpcias, com Denise Cardillo Barbosa, sob o regime da comunhão parcial de bens. Da análise dos documentos apresentados, depreendese que Luiz Antonio Guimarães Ferreira adquiriu, em 11 de novembro de 2005, o imóvel descrito na Matrícula nº 13.053 do 4º Oficial de Registro de Imóveis de Campinas/ SP, certo que o adquirente, à época, encontrava-se separado judicialmente (R-4/13053). Em 12 de janeiro de 2006, Luiz Antonio Guimarães Ferreira contraiu novas núpcias, pelo regime da comunhão parcial de bens, com Denise Cardillo Barbosa, que veio a falecer em 17 de junho de 2010. Em que pese o entendimento dos apelantes, os óbices apresentados pelo registrador estão corretos. Assim se afirma, pois a exigência de outorga uxória decorre do texto legal do art. 1.647 do Código Civil, que assim dispõe: “Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta: I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; (...)”

Veja-se que a única exceção diz respeito aos bens dos cônjuges casados em regime da separação absoluta, sem qualquer ressalva, porém, quanto aos bens particulares ou em comunhão nos demais regimes. Isso se justifica na medida em que, embora a pessoa casada possa, livremente, praticar os atos necessários à manutenção do casal, alguns negócios jurídicos são tão relevantes para o

patrimônio do casal e manutenção do núcleo familiar que, bem por isso, dependem da expressa anuência do outro cônjuge. Por outro lado, se um dos cônjuges não quer, ou não pode, anuir à venda que o outro pretende realizar e para a qual a lei exige a vênia conjugal, permite o Código Civil, em seu art. 1.648, o suprimento judicial da outorga uxória. Nesse cenário, não há como se concluir pela superação do óbice apontado pelo registrador. Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso. PINHEIRO FRANCO Corregedor Geral da Justiça e Relator

DECISÃO ADMINISTRATIVA #3 CONCLUSÃO Em 11 de julho de 2018 , conclusos ao Excelentíssimo Senhor Doutor JOSÉ MARCELO TOSSI SILVA, MM. Juiz Assessor da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. (406/2018 -E) Registro de Imóveis – Procedimentos administrativo e de dúvida que visaram o cancelamento de registro contido em matrícula e o posterior registro de título apresentado pelo requerente. Procedimento de dúvida julgado procedente por r. sentença que foi mantida em sede de apelação. Contrato particular de compra e venda de dois apartamentos celebrado entre o recorrente e o incorporador original – Posterior cessão da incorporação imobiliária, com transmissão da propriedade do imóvel ao cessionário – Recusa do novo incorporador em ratificar o contrato – Princípio da continuidade – Cessão dos direitos e deveres decorrentes da incorporação que impediu o registro de contrato celebrado com quem não era mais proprietário do imóvel, o que levou à procedência da dúvida e à manutenção da recusa do registro do título apresentado pelo recorrente. Procedimento administrativo – Registro de contrato ARISP JUS 23


de compra e venda e alienação fiduciária em garantia celebrado pelo novo incorporador – Existência de anterior prenotação do contrato apresentado pelo recorrente, configurando-se a hipótese de títulos representativos de direitos reais contraditórios – Princípio da prioridade – Bloqueio de matrícula desnecessário, uma vez que nenhum outro título representativo de direito real poderá ingressar enquanto não for cancelada a prenotação daquele apresentado pelo recorrente – Nulidade do registro do contrato de compra e venda e alienação fiduciária que estaria configurada na hipótese de improcedência da dúvída, posto que a procedência teve como efeito o cancelamento da prenotação do título apresentado pelo recorrente – Recurso pretendendo o bloqueio de matrícula e o cancelamento de registro não provido. Disciplinar – Reclamação contra procedimento de Oficial de Registro de Imóveis que não observou prioridade decorrente da ordem cronológica de protocolos de títulos representativos de direitos reais contraditório – Recurso provido em parte para que seja instaurado procedimento administrativo disciplinar.

Trata-se de recurso interposto por Fábio Duarte contra r. decisão, reproduzida às fls. 232/237. que julgou procedente dúvida suscitada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tatuí para manter a recusa oposta ao registro de contrato particular de compra e venda dos apartamentos nºs 121 e 172 do “Residencial Life Tatuí”, objeto, respectivamente, das matrícula nºs 91.881 e 91.902, e para indeferir pedido de providências, formulado no presente procedimento, consistentes em declaração da nulidade de registro, bloqueio de matrícula e adoção de medidas disciplinares contra o Oficial de Registro de Imóveis (fls. 1/11). Foi interposto recurso administrativo contra a r. decisão que indeferiu os pedidos de bloqueio de matrícula, cancelamento de registros e aplicação de sanção disciplinar de perda de delegação contra o Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tatuí alegando o recorrente, em suma, que em 18 de novembro de 2016 promoveu a prenotação, sob nº 253.605, de instrumento particular de compromisso de compra e venda relativo aos apartamentos nºs 121 e 172 do “Edifício Residencial Life Tatuí”, objeto das matrículas 91.881 e 91.902, que foram celebrados na fase de incorporação imobiliária. Afirmou que o registro foi negado mediante exigência de aditamento do contrato para figurar como vendedora a cessionário da incorporadora original, sendo a exigência incorreta porque a cessão da incorporação transmitiu à nova incorporadora todos os deveres e obrigações relativos 24 ARISP JUS

aos contratos celebrados anteriormente. Em razão disso, em 06 de dezembro de 2016 requereu a suscitação de dúvida que, porém, não foi apresentada pelo Oficial de Registro de Imóveis apesar do decurso do prazo de mais de três meses. Ademais, no curso do prazo de validade da prenotação nº 253.605 foi promovido o registro de outro contrato de compra e venda do imóvel objeto da matrícula nº 91.811, celebrado pela cessionária da incorporação em 24 de janeiro de 2017, sendo esse registro nulo em razão da violação da prioridade existente em favor do título protocolado em primeiro lugar. Diante do ocorrido, requereu o bloqueio das matrículas, o cancelamento dos registros feitos com violação da prioridade, e a apuração da responsabilidade disciplinar do Oficial de Registro com aplicação da pena de perda da delegação (fls. 127/135). O presente procedimento foi reunido com o procedimento da dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Tatuí em razão da recusa do registro do contrato de compromisso de compra e venda dos apartamentos objeto das matrículas nºs. 91.881 e 91.901, prenotado em 18 de novembro de 2016 sob nº 253.605 (Proc. nº 10086789.2017.8.26.0624). A dúvida, por sua vez, foi julgada procedente para manter a recusa do registro do contrato de compra e venda apresentado pelo recorrente, como se verifica na r. sentença e no v. acórdão reproduzidos às fls.232/237 e 262/274. A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls.161/164). Os processos foram reunidos para julgamento conjunto dos recursos (fls. 151). O Colendo Conselho Superior da Magistratura, a seguir, negou provimento à apelação interposta no procedimento de dúvida, o que fez ressalvando a competência da Corregedoria Geral da Justiça para o julgamento do presente recurso administrativo (fls. 262/274). É o relatório. A dúvida suscitada mediante provocação do recorrente foi julgada procedente por r. sentença que foi mantida pelo Col. Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 1001867-89.2017.8.26.0624 (fls. 262/274). Resta, diante disso, o julgamento do recurso apresentado no presente procedimento que diz respeito aos pedidos


de bloqueio e cancelamento de registros e adoção de providências de natureza disciplinar contra o Oficial de Registro de Imóveis. Neste procedimento não há providência a ser tomada em relação ao apartamento 172 do “Condomínio Residencial Life Tatuí”, objeto da matrícula nº 91.902.

Assim ocorrendo, foi violado o princípio da prioridade que segundo Narciso Orlandi Neto: “...determina que, no confronto de direitos contraditórios submetidos simultaneamente à qualificação, os registros seguem a ordem de prenotação dos respectivos títulos” (Retificação do Registro de Imóveis, Ed. Oliveira Mendes-Livraria Del Rey Editora, 1997, pág. 62).

Como decorre da certidão de fls. 22, e do julgamento do processo de dúvida, o referido imóvel se tornou de propriedade da empresa “PW5 Incorporadora e Participação Ltda.” desde o registro da compra e venda realizada em conjunto com a cessão da incorporação, e, neste caso concreto, não estão presentes os requisitos para o bloqueio administrativo da matrícula visando garantir o resultado de eventual ação jurisdicional que tenha por objeto o litígio existente entre o recorrente e o titular do domínio quanto aos efeitos de contrato de compra e venda dos apartamento. Desse modo, eventual bloqueio, ou outra medida de natureza cautelar relativa ao apartamento 172 do “Condomínio Residencial Life Tatuí”, objeto da matrícula nº 91.902, deverá ser pleiteado pelo recorrente em ação própria, contenciosa.

Em razão disso, foi requerida a declaração da nulidade dos R.2 e 3 e da Av.4 da matrícula nº 91.881, com restabelecimento da prenotação nº 253.605 a fim de possibilitar o registro do contrato de compromisso de compra e venda do apartamento 121 do “Residencial Life Tatuí”.

Em relação ao apartamento 121 do “Condomínio Residencial Life Tatuí”, objeto da matrícula nº 91.881, o contrato de compra e venda para a empresa “GIM Negócios e Empreendimentos Imobiliários Ltda. EPP” e o de constituição de alienação fiduciária em garantia em favor de “Bradesco Administradora de Consórcios Ltda.” foram registrados em 17 de fevereiro de 2017, data do protocolo a que retroagiram os registros (fls. 19/21).

O resultado da dúvida suscitada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis de Tatuí repercute de forma direta sobre os pedidos administrativos de bloqueio de matrículas e cancelamento dos registros realizados na matrícula nº 91.881 do Registro de Imóveis de Tatuí, relativa ao apartamento 121 do “Condomínio Residencial Life Tatuí”, pois não se pode ignorar seus efeitos concretos sobre a prenotação do contrato de compra e venda apresentado pelo recorrente.

Na referida data estavam vigentes os efeitos da prenotação do contrato de compromisso de compra e venda apresentado pelo recorrente que foi realizada em 18 de novembro de 2016 conforme o Protocolo nº 253.605 (fls. 12/13) e que teve seu prazo prorrogado em razão do requerimento de suscitação de dúvida.

Tal porque a procedência da dúvida terá como efeito direto o cancelamento da prenotação nº 253.605, de 18 de novembro de 2016 (fls. 12/13), na forma do art. 203, inciso I, da Lei nº 6.015/73:

Destarte, não se observou o art. 182 da Lei nº 6.015/73 que confere prioridade aos títulos ingressados no protocolo conforme a rigorosa ordem cronológica de apresentação: “Todos os títulos tomarão, no Protocolo, o número de ordem que lhes competir em razão da seqüência rigorosa de sua apresentação”.

Contudo, o registro do contrato de compromisso de compra e venda celebrado pelo recorrente com “Residencial Life Tatuí SPE Ltda.” não se mostra possível, ao menos na forma pretendida, porque não observa a continuidade do registro imobiliário. Nesse sentido foi o julgamento da Apelação Cível nº 1001867-89.2017.8.26.0624 cujo resultado não pode ser revisto nesta sede recursal.

“Art. 203. Transitada em julgado a decisão da dúvida, proceder-se-á do seguinte modo: I - se for julgada procedente, os documentos serão restituídos à parte, independentemente de traslado, dando-se ciência da decisão ao oficial, para que a consigne no Protocolo e cancele a prenotação;”.

Com o cancelamento da prenotação nº 253.605 deixará de existir impedimento para a validade dos Registros 2 e 3 e ARISP JUS 25


da Averbação 4 da matrícula nº 91.881. Ademais, o cancelamento desses registros acarretaria o obrigatório restabelecimento dos efeitos da prenotação nº 255.574 que são relativas aos títulos que originaram os R.2 e 3 e a Av.4 da referida matrícula, pois essas prenotações são válidas e os títulos a que se referem deveriam ser qualificados na sequência da cessação da prenotação nº 253.605. E os títulos objeto da prenotação nºs 255.574 já foram qualificados positivamente pelo Oficial de Registro de Imóveis de Tatuí, não havendo nos autos elementos para inferir que o resultado de nova qualificação será diferente. Em consequência, o cancelamento dos R. 2 e 3 e da Av. 4 da matrícula nº 91.881 não afastaria os direitos reais já constituídos em relação aos seus respectivos titulares, pois na sequência deveria ser feito o restabelecimento da prenotação nº 255.574, com novos registros e averbação dos mesmos títulos. Portanto, a manutenção dos referidos registros é a medida que melhor se coaduna com o resultado do julgamento da Apelação Cível nº 1001867-89.2017.8.26.0624 pelo Col. Conselho Superior da Magistratura e, mais do que isso, prestigia o princípio “pas de nullité sans grief ”. Por seu turno, nada impede que mediante uso de ação própria o requerente pleiteie a anulação do R.2 e da Av.3 da matrícula nº 91.881 e promova o registro da citação para referida ação, ou requeira outra medida cautelar que considerar pertinente. Contudo, para essa finalidade deverá ser movida ação contenciosa de que participem os titulares dos direitos reais de que o recorrente pretende o cancelamento, sendo de se observar que o respeito ao contraditório também seria necessário para o eventual cancelamento administrativo como previsto no art. 214, parágrafo 1º, da Lei nº 6.015/73: “Art. 214. As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta. § 1º A nulidade será decretada depois de ouvidos os atingidos”.

Desse modo, a manutenção da recusa do registro do título apresentado pelo recorrente, que terá como efeito o cancelamento do protocolo nº 253.605, acarreta a 26 ARISP JUS

manutenção dos registros já promovidos na matrícula nº 91.881 do Registro de Imóveis de Tatuí. Por seu lado, o bloqueio da matrícula nº 91.881 somente se justificaria se o resultado da dúvida fosse favorável ao recorrente, o que não ocorreu. De qualquer modo, como esclarecido no v. acórdão prolatado pelo Col. Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 1001867-89.2017.8.26.0624 (fls. 262/274), a suscitação da dúvida ensejou a prorrogação do prazo do protocolo nº 253.605, o que impede o registro de novo título representativo de direito real contraditório, qualquer que seja seu outorgante, até o trânsito em julgado do v. acórdão prolatado pelo Col. Conselho Superior da Magistratura. Desse modo, nenhum outro título ingressará na matrícula nº 91.881 do Registro de Imóveis de Tatuí enquanto estiverem vigentes os efeitos da prenotação nº 253.605, cabendo ao recorrente o recurso às vias ordinárias, ou seja, à ação contenciosa que se mostrar pertinente, caso pretenda obter medida de natureza cautelar relativa à disponibilidade do imóvel objeto da referida matrícula e ao cancelamento dos registros e da averbação nela realizadas. Por fim, no que se refere ao aspecto disciplinar, uma vez demonstrados o atraso na suscitação da dúvida e o desrespeito à análise dos títulos conforme a ordem cronológica de apresentação, o que caracteriza violação dos arts. 30, incisos X e XIV, e 31, incisos I e V, ambos da Lei nº 8.935/94, determinase a imediata instauração de procedimento administrativo disciplinar por meio de Portaria a ser baixada pelo MM. Juiz Corregedor Permanente. Ante o exposto, o parecer que apresento à elevada consideração de Vossa Excelência é no sentido de dar parcial provimento ao recurso administrativo somente para determinar a instauração de procedimento administrativo disciplinar contra o Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tatuí, na forma acima prevista, formando-se expediente de acompanhamento nesta Corregedoria Geral da Justiça. Sub censura. São Paulo, 1º de outubro de 2018. José Marcelo Tossi Silva Juiz Assessor da Corregedoria


CONCLUSÃO Em 02 de outubro de 2018, conclusos ao Excelentíssimo Senhor Desembargador GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, DD. Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria, por seus fundamentos que adoto, e dou parcial provimento ao recurso somente para determinar a instauração de procedimento administrativo disciplinar contra o Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Tatuí, na forma prevista no parecer. Desde logo, forme-se expediente de acompanhamento nesta Corregedoria Geral da Justiça, com cópias de fls. 01/22, 127/135, 169/274, do parecer e desta decisão. Oficie-se ao MM. Juiz Corregedor Permanente, com as cópias indicadas, para as providências desde logo cabíveis. Oportunamente, remetam-se os autos à Vara de origem. Intimem-se. São Paulo, 5 de outubro de 2018 . GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO Corregedor Geral da Justiça

DECISÃO JURISDICIONAL #1 RECURSO ESPECIAL Nº 1.709.128 - RJ (2017/0051348-2) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE: ANDREA DE ASSIS PACHECO MORAIS ADVOGADOS: GERALDO MERCADANTE SIMÕES RJ055625 - GERALDO BEIRE SIMÕES - RJ013748 RECORRIDO: ALESSANDRA JORDAN DA SILVA CAMPOS RECORRIDO: GIULIA JORDAN MACHADO COSTA ADVOGADO: PEDRO MORAND MAGNO - RJ092700

RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por ANDREA DE ASSIS PACHECO MORAIS, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, contra acórdão do TJ/RJ. Ação: embargos de terceiros opostos por ALESSANDRE JORDAN DA SILVA CAMPOS e GIULIA JORDAN MACHADO CAMPOS, contra penhora realizada a pedido da recorrente em imóvel que se encontra em posse das recorridas. Sentença: julgou procedentes os embargos para desconstituir a penhora sobre o imóvel de posse das recorridas. Acórdão: após a interposição de apelação e agravo interno, o TJ/RJ negou provimento ao recurso as recorrentes, em julgamento assim ementado: AGRAVO LEGAL. TERCEIRO. IMÓVEL. PENHORA. TÍTULO NÃO REGISTRADO. POSSE. A posse do imóvel do donatário, que não é parte no processo, mesmo se ainda não registrado o título no Registro de Imóveis, aliada à ausência de indícios de fraude à execução, enseja o acolhimento do pedido formulado em embargos de terceiros de proteção possessória contra ato de constrição judicial.

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram rejeitados pelo Tribunal de origem. Recurso especial: alega violação ao art. 1245 do CC/2002 e ao art. 42 do CPC/73. Sustenta, ainda, a existência de dissídio jurisprudencial. Em suas razões recursais, afirma que a qualidade de coisa litigiosa segue o bem imóvel adquirido por meio de hasta pública e, além disso, que as recorridas não teriam legitimidade para opor embargos de terceiros. Por esses motivos, afirma que não poderia ser aplicado à hipótese o conteúdo da Súmula 84/STJ. É O RELATÓRIO. RECURSO ESPECIAL Nº 1.709.128 - RJ (2017/00513482) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI ARISP JUS 27


EMENTA RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. DOAÇÃO DE BEM IMÓVEL. AUSÊNCIA DE REGISTRO. POSSUIDORAS DE BOA-FÉ. LEGITIMIDADE ATIVA. PRESENÇA. 1. Embargos de terceiros opostos em 04/11/2013. Recurso especial interposto em 07/04/2016 e atribuído a este Gabinete em 17/03/2017. 2. O propósito recursal consiste em determinar a possibilidade de aplicação da Súmula 84/STJ, para as hipóteses em que ocorreu a doação do imóvel, sem o posterior registro. 3. A existência dos embargos de terceiro decorre do princípio de que a execução deve atingir apenas os bens do executado passíveis de apreensão. 4. A legitimidade para a oposição dos embargos de terceiros recai sobre o senhor e possuidor ou sobre apenas o possuidor, nos termos do art. 1.046, § 1º, CPC/73. A posse que permite a oposição desses embargos é tanto a direta quanto a indireta. 5. As donatárias-recorridas receberam o imóvel de pessoa outra que não a parte com quem a recorrente litiga e, portanto, não é possível afastar a qualidade de “terceiras” das recorridas, o que as legitima a opor os embargos em questão. 6. Ao analisar os precedentes que permitiram a formação da mencionada Súmula 84/STJ, pode-se verificar que esta Corte Superior há muito tempo privilegia a defesa da posse, mesmo que seja em detrimento da averbação do ato em registro de imóveis. 7. Recurso especial conhecido e não provido.

VOTO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): O propósito recursal consiste em determinar a possibilidade de aplicação da Súmula 84/STJ (“É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro”), para as hipóteses em que ocorreu a doação do imóvel, sem o posterior registro. 1. DA DELIMITAÇÃO DA CONTROVÉRSIA Na hipótese dos autos, o imóvel objeto desta demanda foi arrematado em leilão judicial realizado no dia 19/02/04 e doado às embargantes/recorridas no dia 06/08/04, sem registro no cartório imobiliário competente. Posteriormente, 28 ARISP JUS

no bojo da ação de execução do título extrajudicial n. 0032843-36.1988.8.19.0001, foi objeto de penhora realizada em dia 29/01/10. O Tribunal de origem manteve a sentença de procedência dos embargos de terceiros, utilizando - por analogia - a Súmula 84/STJ, cujo teor foi transcrito acima. Nota-se, contudo, que súmula citada se refere à promessa de compra e venda, no entanto a presente demanda reporta-se à doação de imóvel adquirido em hasta pública. 2. DOS EMBARGOS DE TERCEIROS A existência dos embargos de terceiro decorre do princípio de que a execução deve atingir apenas os bens do executado passíveis de apreensão. Se incidir sobre bens de outros, o interessado possui a prerrogativa de se opor a essa ordem judicial, por meio de “ação defensiva da posse”, independente da outra em que foi praticado o ato judicial, mas que a pressupõe. Neste ponto, é interessante a nota doutrinária acerca das origens históricas do mecanismo processual: Não se discute que os embargos, como instrumento processual para obstar ou impedir os efeitos de um ato ou decisão, são criação original do direito lusitano reinol, sem qualquer antecedente conhecido, afirmando os especialistas que de análogo remédio não se encontra o menor vestígio no direito romano, no germânico ou no canônico, e tampouco nos ordenamentos jurídicos da civilização ocidental, construídos em decorrência da influência daqueles três grandes sistemas, de que a rigor todos são derivados. (José Rogério Cruz e Tucci. Embargos de Terceiro: Questões polêmicas. RT, v. 94, n. 833, mar. 2005).

Seu âmbito de eficácia está adstrito à proteção do interesse ilegitimamente afetado por decisão judicial, sem o condão de desconstituir o próprio título. Nas palavras do Min. Ruy Rosado: Os embargos de terceiro atacam o ato do juiz e a sentença que ao acolher atuará sobre o outro processo não para afastar o título ou o próprio processo, como ocorre nos embargos de devedor, mas apenas para cortar a lesão que deriva do ato judicial, contrário ao interesse do embargante. (Ruy Rosado de Aguiar Jr. Embargos de terceiros. RT, v. 77, n. 36, p. 17-24, out. 1988)


A legitimidade para a oposição dos embargos de terceiros recai sobre o senhor e possuidor ou sobre apenas o possuidor, nos termos do art. 1.046, § 1º, CPC/73. A posse que permite a oposição desses embargos é tanto a direta quanto a indireta.

Como mencionado acima, a Súmula 84/STJ afirma ser admissível a oposição de embargos de terceiro, que tenham fundamento em posse originada no compromisso de compra e venda de imóvel, mesmo que desprovido de registro.

Além disso, é cediço que o embargante não pode ser parte do processo onde foi praticado o ato impugnado. Em realidade, o conceito de terceiro é simplesmente processual, independe de relação jurídica de direito material.

Trata-se, em realidade, da discussão em torno da legitimidade ativa para a oposição dos embargos de terceiros na hipótese, que apresenta peculiaridade frente às circunstâncias mais frequentes. Isso porque, como relatado acima, as autoras são donatárias de bem imóvel que foi, anteriormente à doação, arrematado em leilão judicial.

Esse ponto é relevante para o julgamento do presente recurso especial, em razão da alegação pelo recorrente de ausência de legitimidade para oposição dos embargos de terceiro. De fato, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de permitir a oposição de embargos de terceiros por possuidores, cuja boa-fé é presumida, contra ato judicial que determina a penhora de bem. Veja-se, a título de exemplo, o julgado abaixo: RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. EMBARGOS DE TERCEIRO. PENHORA. DOAÇÃO DO IMÓVEL. FILHOS BENEFICIADOS. SENTENÇA DE DIVÓRCIO ANTERIOR À EXECUÇÃO. PENHORA POSTERIOR. FRAUDE À EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA. BOA-FÉ. PRESUNÇÃO. SÚMULA Nº 7/STJ. 1. A promessa de doação de imóvel aos filhos comuns decorrente de acordo judicial celebrado por ocasião de divórcio é válida e possui idêntica eficácia da escritura pública. 2. Não há falar em fraude contra credores em virtude da falta de registro da sentença homologatória da futura doação realizada antes do ajuizamento da execução. 3. A penhora pode ser afastada por meio de embargos de terceiros, opostos por possuidores que se presumem de boa-fé. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido. (REsp 1634954/SP, Terceira Turma, DJe 13/11/2017)

Percebe-se, assim, a discussão em torno da legitimidade ativa para a oposição dos embargos de terceiros e, como consequência, a possibilidade de aplicação do conteúdo da Súmula 84/STJ à hipótese. 3. DA LEGITIMIDADE ATIVA PARA OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIROS: APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 84/STJ

A doutrina ressalta que aquele que adquire coisa litigiosa, mesmo que não intervenha em juízo, deve ser considerada como parte e, assim, fica impossibilitada de utilizar os embargos de terceiros, como meio de defesa, conforme a lição de Ministro Ruy Rosado: 8.2 O adquirente da coisa litigiosa, pendente a lide, ainda que não intervenha em juízo, é parte, ficando excluído dos embargos de terceiro contra ato praticado naquele processo; mas tem embargos de terceiro o adquirente de boa-fé (art. 648 do CCivil). (Ruy Rosado de Aguiar Jr. Embargos de terceiros. RT, v. 77, n. 36, p. 17-24, out. 1988).

No entanto, a mesma abalizada doutrina afirma também que “adquirente de coisa litigiosa de um outro que não seja parte é terceiro”, o que se aplica à hipótese, considerando que as donatárias-recorridas receberam o imóvel de pessoa outra que não a parte com quem a recorrente litiga. Em conclusão sobre este ponto, portanto, não é possível afastar a qualidade de “terceiras” das recorridas, o que as legitima a opor os embargos em questão. Deve-se analisar, a seguir, se o fato de a doação não estar devidamente registrada seria óbice ao emprego dos embargos de terceiro. Neste quesito, deve-se debruçar sobre a aplicação analógica da Súmula 84/STJ, que dispensa o registro do compromisso de compra e venda para que seja utilizado como fundamento dos embargos de terceiros. Ao analisar os precedentes que permitiram a formação da mencionada Súmula, pode-se verificar que o STJ há muito tempo privilegia a defesa da posse, mesmo que seja em detrimento da averbação do ato em registro de imóveis. Nesse sentido, mencione-se os trechos dos votos transcritos abaixo:

ARISP JUS 29


Pode manifestar embargos de terceiro o possuidor, qualquer que seja o direito em virtude do qual tenha a posse do bem penhorado ou por outro modo constrito. O titular de promessa de compra e venda, irrevogável e quitada, estando na posse do imóvel, pode-se opor à penhora deste mediante embargos de terceiro, em execução intentada contra o promitente vendedor, ainda que a promessa não esteja inscrita. (REsp 226-SP, Terceira Turma, DJ 30.10.1989. Grifou-se) Sobre a possibilidade de exercer o promissário comprador, quitado de sua obrigação e, pois, com caráter de irrevogabilidade da avença, estando na posse do bem imóvel, por força desse contrato, a ação de embargos de terceiro, para a garantia de sua posse, já se apresenta farta a jurisprudência das duas Turmas deste Tribunal especializadas em direito privado. Com efeito, a ação de embargos de terceiro pode ser aviada pelo só possuidor, sem importar a existência ou não de título que não a posse, daí apresentar-se uma demasia exigir-se para aquele com posse titulada, a inscrição do título, para ser oposto contra todos, como condição para o exercíco da proteção possessória, pela via dos embargos de terceiro.(REsp 8.598-SP, Terceira Turma, DJ 06.05.1991. Grifou-se) Embargos de terceiro possuidor, opostos por comprador ante penhora do imóvel prometido comprar. O comprador, devidamente imitido na posse do imóvel, pode opor embargos de terceiro possuidor – CPC, art. 1.046, § 1º – para impedir penhora promovida por credor do vendedor. A ação do comprador não é obstada pela circunstância de não se encontrar o contrato registrado no ofício imobiliário. Inocorrência de fraude. O registro imobiliário somente é imprescindível para a oponibilidade face aqueles terceiros que pretendam sobre o imóvel direito juridicamente incompatível com a pretensão aquisitiva do comprador. Não é o caso do credor do comprador.(REsp n. 6.128-PR, j. 05.03.199, DJ 1º.04.1991. Grifou-se)

Por fim, cumpre afastar, desde já, a aplicação à hipótese de alguns julgados mencionados nas razões recursais pelo recorrente em suporte a seu argumento, por ausência de similitude fática e jurídica. O primeiro deles é REsp o 1238502/MG (DJe 13/06/2013), julgado por esta Terceira Turma. Desse julgamento, não se extrai qualquer parâmetro de aplicação do Direito à hipótese, pois naquela oportunidade a controvérsia se cingia a determinar se é necessário o registro da carta de arrematação perante o Registro de Imóveis para que o adquirente possa se imitir na posse do bem arrematado judicialmente, e não 30 ARISP JUS

sobre a legitimidade ativa para a oposição dos embargos de terceiros. Veja-se, para esse fim, a ementa do julgamento: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 282/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SIMILITUDE FÁTICA NÃO DEMONSTRADA. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. IMISSÃO NA POSSE. CARTA DE ARREMATAÇÃO. REGISTRO. NECESSIDADE. 1. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. 2. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. 3. A pretensão de quem objetiva a imissão na posse fundamenta-se no direito de propriedade. Visa à satisfação daquele que, sem nunca ter exercido a posse, espera obtê-la judicialmente. 4. Logo, na medida em que a transferência da propriedade imobiliária ocorre com o registro do título aquisitivo - no particular, a carta de arrematação - perante o Registro de Imóveis, somente depois da prática desse ato é que o arrematante estará capacitado a exigir sua imissão na posse do bem. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1238502/MG, Terceira Turma, DJe 13/06/2013)

De igual modo, não se aplica à hipótese as razões do REsp 1045258/MA (Quarta Turma, DJe 10/12/2013), pois, naquele recurso, a controvérsia estava adstrita entre dois arrematantes do mesmo imóvel, especificamente qual das arrematações deveria prevalecer, levando em consideração as circunstâncias da hipótese. Conforme se verifica no trecho de sua longa ementa transcrito abaixo: Hipótese em que a ação ordinária é promovida pelo primeiro arrematante, a fim de reconhecer a nulidade da segunda arrematação e, por conseguinte, a invalidade da transmissão da propriedade a terceiros. Sentença de procedência confirmada pelo Tribunal de origem, ao fundamento de que a segunda arrematação foi realizada em fraude, a considerar a discrepância das avaliações e valores de arrematação, bem como pelo fato de o bem não mais pertencer ao devedor comum, quando da segunda alienação judicial. (REsp 1045258/MA, Quarta Turma, DJe 10/12/2013)

Para o deslinde deste julgamento, ainda, é de interesse o julgamento da 1ª Turma do STJ em que se rejeitou os


embargos de terceiros, em execução fiscal, por penhora de imóveis entregues por sócios para o aumento de capital da pessoa jurídica executada, mas ainda ausente a devida averbação no registro de imóveis. Nesse recurso, o STJ considerou a ausência de registro um elemento superável para permitir o prosseguimento da execução fiscal. (...) 1. Controverte-se, no âmbito de embargos de terceiros, acerca da validade de penhora incidente sobre imóveis entregues por sócios para aumento de capital de sociedade limitada, quando não registrada no cartório de imóveis a respectiva alteração contratual, cumprindo realçar que a conexa execução fiscal foi proposta exclusivamente contra a sociedade devedora. 2. É verdade que, nos termos do § 1º do art. 1.245 do CC, “Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel”. O caso concreto, porém, reveste-se de peculiaridades que impõem o afastamento da literalidade desse regramento. (...)6. Em tal cenário, tendo o aumento de capital (mediante o aporte de imóveis pelos sócios) sido regularmente formalizado perante a junta comercial, válida se revela a penhora levada a cabo sobre tais bens de raiz, no âmbito da reportada execução fiscal movida contra a sociedade, ainda que ausente o posterior registro da respectiva alteração contratual no cartório de registro de imóveis, porquanto presente a boa-fé do Fisco exequente. (...) 8. Por fim, caso os sócios, ora agravados, desejassem recuar do intento de consolidar a incorporação dos imóveis entregues à sociedade para aumento de capital, dispunham da possibilidade de promover nova e tempestiva alteração do contrato social, desta feita para implementar a redução de capital, com a exclusão dos mesmos imóveis antes entregues para o seu aumento, cuja providência, entretanto, não chegaram a adotar. 9. Agravo interno provido. (AgInt no AREsp 126.003/RS, Primeira Turma, DJe 29/06/2017)

Por todo o exposto acima, conclui-se que não é imprescindível que o ato de doação esteja devidamente averbado em registro de imóveis para que o legítimo possuidor de imóvel seja legitimado a opor embargos de terceiros contra ato que determinou a penhora do bem. Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE PROVIMENTO, com fundamento no art. 255, § 4º, II, do RISTJ. Considerando-se que à hipótese é aplicável o CPC/2015, os honorários sucumbenciais devem ser majorados para 10%

(dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85, § 2º, do CPC/2015, que – mesmo sendo fixado no valor mínimo legal – é superior àquele estipulado pelo Juízo de 1º grau de jurisdição e confirmado pelo Tribunal de origem.

DECISÃO JURISDICIONAL #2 RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI AGRAVANTE: SUPERMERCADO OASIS LTDA - ME EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL ADVOGADOS: CLOVIS SGUAREZI MUSSA DE MORAES - MT014485 VITTOR ARTHUR GALDINO - MT013955 - AUGUSTO MARIO VIEIRA NETO MT015948 - JOÃO TITO SCHENINI CADEMARTORI NETO - MT016289A AGRAVADO: BANCO TRIANGULO S/A ADVOGADO: ADAHILTON DE OLIVEIRA PINHO SP152305 RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de agravo interposto por SUPERMERCADO OASIS LTDA - ME - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL contra decisão unipessoal que conheceu e deu provimento ao recurso especial interposto por BANCO TRIANGULO S/A. Ação: de recuperação judicial de SUPERMERCADO OASIS LTDA - ME - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Decisão agravada: acolheu o pedido formulado pela empresa recuperanda para proceder à penhora on line do valor de R$ 87.421,93 (oitenta e sete mil, quatrocentos e vinte e um reais e noventa e três centavos) da conta do banco agravado. Acórdão: negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelo agravado, nos termos da seguinte ementa: RECURSO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – DECISÃO QUE DETERMINOU A PENHORA NA CONTA DO AGRAVANTE ON LINE – CÉDULA DE CRÉDITO COM GARANTIA DE CESSÃO FIDUCIÁRIA – PEDIDO ARISP JUS 31


DE DESBLOQUEIO DE RECEBÍVEIS DE CARTÃO DE CRÉDITO RETIDOS NA FONTE EM VIRTUDE DA INADIMPLÊNCIA – TRAVA BANCÁRIA LIBERADA – CONSTRIÇÃO DE VALORES MANTIDA – AUSÊNCIA DE REGISTRO DO CONTRATO ENTABULADO ENTRE AS PARTES, DE MODO A IMPOSSIBILITAR A VERIFICAÇÃO DA GARANTIA OFERECIDA – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. A toda evidência, o Juízo liberou a trava bancária referente ao contrato a quo havido entre as partes, de modo que se mostra prudente manter a penhora dos valores on line retidos indevidamente pelo banco na conta da empresa recuperanda. (e-STJ Fl. 300) Recurso especial: alega violação dos arts. 49, § 3º, da Lei 11.101/05 e 66-B da Lei 4.728/65. Assevera não ser necessário o registro do instrumento de cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis e sobre títulos de crédito para que se constitua validamente a titularidade fiduciária, sendo relevante apenas para produzir efeitos em relação a terceiros, dando-lhe publicidade. Decisão unipessoal: deu provimento ao recurso especial interposto pelo agravado. Agravo interno: nas razões do presente recurso, a agravante sustenta que a ausência de juntada do contrato que indicaria a existência de garantia fiduciária à instituição financeira impede, por si só, o provimento do apelo especial. É o relatório. EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO GARANTIDO POR CESSÃO FIDUCIÁRIA. DISSONÂNCIA ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência do STJ se consolidou no sentido de que o crédito garantido por cessão fiduciária não se submete ao processo de recuperação judicial, independentemente de registro em Cartório de Títulos e Documentos, pois possui natureza jurídica de propriedade fiduciária. 2. Agravo interno no recurso especial não provido.

32 ARISP JUS

VOTO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): O propósito recursal consiste no reconhecimento da ausência de juntada do contrato aos autos para que seja reformada a decisão que deu provimento ao recurso especial interposto pelo agravado. A decisão agravada foi assim fundamentada, na parte em que impugnada pela agravante: - Julgamento: CPC/15 - Do registro dos contratos de cessão fiduciária em garantia e dos efeitos da recuperação judicial sobre os créditos subjacentes O TJ/MT, ao entender que os efeitos da recuperação judicial atingiriam a recorrente, pois o registro dos contratos de cessão fiduciária em Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor seria requisito necessário à constituição da propriedade fiduciária, contrariou o entendimento do STJ no sentido de que o crédito garantido por cessão fiduciária não se submete ao processo de recuperação judicial independentemente de registro em Cartório de Títulos e Documentos, pois possui natureza jurídica de propriedade fiduciária. Nesse sentido: AgInt no AREsp 884.153/SP, 3ª Turma, DJe de 28/09/2017 e AgInt no REsp 1508155/PR, 4ª Turma, DJe 22/02/2017. Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial para DAR-LHE PROVIMENTO, com fundamento no art. 255, § 4º, III, do RISTJ, determinando o retorno dos autos ao TJ/MT para que proceda novo julgamento do agravo de instrumento interposto pelo recorrente, na esteira do devido processo legal, à luz da jurisprudência do STJ. Publique-se. Intimem-se. (e-STJ Fls. 356/357)

Pela análise das razões recursais apresentadas no agravo interno, verifica-se que a agravante não trouxe qualquer argumento novo capaz de ilidir os fundamentos da decisão agravada. 1. Do registro dos contratos de cessão fiduciária em garantia e dos efeitos da recuperação judicial sobre os créditos subjacentes.


De fato, o TJ/MT, ao entender que os efeitos da recuperação judicial atingiriam o agravado, pois o registro dos contratos de cessão fiduciária em Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor seria requisito necessário à constituição da propriedade fiduciária, contrariou o entendimento do STJ no sentido de que o crédito garantido por cessão fiduciária não se submete ao processo de recuperação judicial independentemente de registro em Cartório de Títulos e Documentos, pois possui natureza jurídica de propriedade fiduciária. Nesse sentido: AgInt no AREsp 884.153/SP, 3ª Turma, DJe de 28/09/2017 e AgInt no REsp 1508155/PR, 4ª Turma, DJe 22/02/2017. Ademais, saliente-se que o Tribunal de origem expressamente consignou no acórdão recorrido que “o contrato havido entre as partes que permitia a concessão dos direitos creditórios não foi registrado, o que impede a sua exclusão do procedimento de recuperação judicial. Ademais, o valor do débito realizado pelo banco agravante na conta da empresa recuperanda perfaz quase que o triplo do valor de sua dívida”. (e-STJ Fl. 306) Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao agravo interno no recurso especial.

DECISÃO JURISDICIONAL #3 RECURSO ESPECIAL Nº 1.677.079 - SP (2017/0026538-5) RECORRENTE : FERNANDO RICARDO FRARE FARES ADVOGADO : FELLIPE JUVENAL MONTANHER E OUTRO(S) - SP270555 RECORRIDO : GABRIELA CARDOZO SECOMANDI ADVOGADO : BEATRIZ D´AVILA CANTONI LOPES SP296628 RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): Trata-se de recurso especial interposto por FERNANDO RICARDO FRARE FARES, com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da Constituição Federal contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim ementado:

“Agravo de instrumento. Exceção de pré-executividade rejeitada. Penhora que recaiu sobre os direitos do devedor sobre imóvel alienado fiduciariamente. Possibilidade. Discussão acerca da impenhorabilidade do bem de família que não tem razão de ser neste momento, vez que a constrição não recaiu sobre a propriedade do imóvel. Decisão mantida. Recurso não provido” (fl. 109 e-STJ). Os embargos de declaração foram rejeitados (fls. 120-123 e-STJ).

Nas razões recursais (fls. 126-140 e-STJ), o ora recorrente alega violação dos arts. 1º, 3º e 5º da Lei nº 8.009/1990. Sustenta, em síntese, que os direitos do devedor fiduciante sobre o imóvel, objeto do contrato de alienação fiduciária em garantia, não pode ser penhorado, por ser considerado como bem de família. Afirma que, “apesar de o Recorrente ser o depositário e ter sua posse direta, trata-se de única morada, de modo que não é bem hábil para garantir a presente execução”. Acrescenta que “a possibilidade de restringir os direitos constantes em contrato de alienação fiduciária sequer está prevista no rol de exceção constante na Lei do Bem de Família” (fl. 135 e-STJ). Pondera que “se o objetivo do contrato de alienação fiduciária, do qual o Recorrente é parte, é justamente a consolidação da propriedade plena em seu favor, é inteiramente desarrazoado admitir penhora sobre correlatos direitos do devedor, atrelados a tal imóvel” (fl. 135 e-STJ). Aduz, ainda, a existência de dissídio jurisprudencial com o acórdão proferido nos autos do Agravo de Instrumento nº 2015.073535-0, oriundo do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Após as contrarrazões (fls. 159-166 e-STJ), o Tribunal de origem não admitiu o apelo especial (fls. 191-193 e-STJ), ascendendo os autos a esta Corte com o agravo em recurso especial (fls. 195-201 e-STJ). Diante das peculiaridades da causa, esta relatoria deu provimento ao agravo para determinar a conversão em recurso especial com vistas ao melhor exame da controvérsia (fl. 211 e-STJ). É o relatório. ARISP JUS 33


EMENTA RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. BEM IMÓVEL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DIREITOS DO DEVEDOR FIDUCIANTE. PENHORA. IMPOSSIBILIDADE. BEM DE FAMÍLIA LEGAL. LEI Nº 8.009/1990. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se os direitos (posse) do devedor fiduciante sobre o imóvel objeto do contrato de alienação fiduciária em garantia podem receber a proteção da impenhorabilidade do bem de família legal (Lei nº 8.009/1990) em execução de título extrajudicial (cheques). 3. Não se admite a penhora do bem alienado fiduciariamente em execução promovida por terceiros contra o devedor fiduciante, haja vista que o patrimônio pertence ao credor fiduciário, permitindo-se, contudo, a constrição dos direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária. Precedentes. 4. A regra da impenhorabilidade do bem de família legal também abrange o imóvel em fase de aquisição, como aqueles decorrentes da celebração do compromisso de compra e venda ou do financiamento de imóvel para fins de moradia, sob pena de impedir que o devedor (executado) adquira o bem necessário à habitação da entidade familiar. 5. Na hipótese, tratando-se de contrato de alienação fiduciária em garantia, no qual, havendo a quitação integral da dívida, o devedor fiduciante consolidará a propriedade para si, deve prevalecer a regra de impenhorabilidade. 6. Recurso especial provido.

VOTO O EXMO. SR. MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA (Relator): A irresignação merece prosperar. O acórdão impugnado pelo recurso especial foi publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). Cinge-se a controvérsia a definir se os direitos (posse) do devedor fiduciante sobre o imóvel objeto do contrato de alienação fiduciária em garantia podem receber a proteção da impenhorabilidade do bem de família legal (Lei nº 8.009/1990) em execução de título extrajudicial (cheques).

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1. Histórico Na origem, FERNANDO RICARDO FRARE FARES (ora agravante) opôs exceção de pré-executividade alegando a ilegitimidade ativa de GABRIELA CARDOZO SECOMANDI (ora agravada) para promover a execução dos títulos (cheques) e a impossibilidade de penhora dos direitos sobre bem de família (fls. 25-30 e-STJ). O magistrado de primeiro grau rejeitou a referida impugnação e determinou o prosseguimento da execução nos seguintes termos: “(...) Embora o alegado pelo excipiente, verifico que os cheques nºs 010145 e 010147 são de fato nominais a Nelson Tetsuo. Ocorre, contudo, que não são esses os cheques que dão azo à presente Execução. Na verdade, os cheques executados são os de nºs 010154, 010155, 010156, 010157, 010158, 010159 e 010160, nos quais não consta, apesar de seu valor, o nome do beneficiário (v. fls. 17/30). Por isso, não prospera a alegação de ilegitimidade ativa. Também sem razão o excipiente no que tange à alegação de impenhorabilidade do imóvel indicado para arresto, sob o argumento de se tratar de ‘bem de família’. Note-se que considerar impenhorável o imóvel dado em hipoteca ou, como é o caso, em alienação fiduciária, conduz à fraude. Ora, se o próprio devedor nomeia o imóvel para garantir a obrigação assumida, não pode considerá-lo como impenhorável. Saliente-se, aliás, que a impenhorabilidade conferida pela Lei nº 8.009/90 não restringe o poder de disponibilidade que tem o proprietário maior e capaz sobre seus bens. Assim, se o executado consentiu na alienação fiduciária do bem, evidencia-se que ele renunciou ao privilégio da impenhorabilidade, não podendo argui-la posteriormente. Pelo exposto, REJEITO esta Exceção de Pré-Executividade. Prossiga-se com a Execução” (fls. 16-17 e-STJ).

Interposto agravo de instrumento (fls. 1-11 e-STJ), o Tribunal de origem negou provimento ao recurso com base nos seguintes fundamentos: “(...) De fato, a alienação fiduciária transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa, tornando o adquirente devedor um mero depositário e possuidor direto. Em outras palavras, significa dizer que, com a celebração do contrato de alienação fiduciária, ocorre a transferência da propriedade do bem ao credor fiduciário até a liquidação da dívida, sem a qual o devedor fiduciante exerce somente a posse, uso, gozo e fruição do imóvel.


No caso sub judice, tem-se que, no curso da execução, foram penhorados os direitos que o agravante possui sobre o imóvel indicado no processo de origem, vez que, conforme se verifica da matrícula do bem, se encontra ele alienado fiduciariamente ao Banco ABN Amro (fls. 37 destes). Assim, a penhora não recaiu sobre a propriedade do imóvel, mas tão somente sobre os direitos obrigacionais que o agravante possui sobre ele, remanescendo assegurado o domínio, ao credor, relativamente ao bem alienado. Lembre-se que o inciso XI do artigo 655 do Código de Processo Civil autoriza a penhora sobre direitos. (...) No mais, inadequada qualquer alegação, neste momento, de impenhorabilidade amparada na Lei nº 8009/90. Ora, a propriedade (direito real) do bem alienado fiduciariamente, por não integrar o patrimônio do devedor, não pode ser objeto de penhora. Mas seus direitos pessoais, decorrentes das parcelas até então pagas, pode sofrer a constrição. E não estão tais referidos direitos obrigacionais abrangidos pela legislação invocada (Lei nº 8009/ 90), que trata da impenhorabilidade de bens (e não de direitos) de família” (fls. 110-112 e-STJ). Os embargos de declaração foram rejeitados (fls. 120-123 e-STJ). 2. Da impossibilidade de penhora dos direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária em garantia O ora recorrente alega, em síntese, que os direitos do devedor fiduciante sobre o imóvel, objeto do contrato de alienação fiduciária em garantia, não podem sofrer penhora em execução de título extrajudicial por constituir bem de família legal. De início, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento no sentido da impossibilidade de penhora do bem alienado fiduciariamente em execução promovida por terceiros contra o devedor fiduciante, haja vista que o patrimônio pertence ao credor fiduciário. Permite-se, contudo, a constrição dos direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária. A propósito: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. BEM MÓVEL COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CONSTRIÇÃO DOS DIREITOS. POSSIBILIDADE.

1. O STJ firmou o entendimento de que o bem alienado fiduciariamente, por não integrar o patrimônio do devedor, não pode ser objeto de penhora. Nada impede, contudo, que os direitos do devedor fiduciante oriundos do contrato sejam constritos. 2. Recurso Especial provido.” (REsp 1.646.249/RO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 3/4/2018, DJe 24/5/2018 - grifou-se)

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. ALUGUÉIS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS 282 E 356 DO STF. PENHORA. DIREITOS. CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. Incidem os enunciados 282 e 356 da Súmula do STF quanto aos temas insertos nos textos da legislação federal apontados, pois são estranhos ao julgado recorrido, a eles faltando o indispensável prequestionamento, do qual não estão isentas sequer as questões de ordem pública. 2. Como a propriedade do bem é do credor fiduciário, não se pode admitir que a penhora em decorrência de crédito de terceiro recaia sobre ele, mas podem ser constritos os direitos decorrentes do contrato de alienação fiduciária. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (AgInt no AREsp 644.018/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 2/6/2016, DJe 10/6/2016 - grifou-se) No mesmo sentido: REsp 1.646.249/RO, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 3/4/2018, DJe 24/5/2018; AgRg no REsp 1.55.9131/RS, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/12/2015, DJe 3/2/2016; AgRg no REsp 1.459.609/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, julgado em 11/11/2014, DJe 4/12/2014; REsp 1.171.341/DF, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 6/12/2011, DJe 14/12/2011; REsp 910.207/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 9/10/2007, DJ 25/10/2007, e REsp 679.821/DF, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 23/11/2004, DJ 17/12/2004. Todavia, a hipótese dos autos distingue se dos casos já apreciados por esta Corte Superior porque está fundada na ARISP JUS 35


possibilidade, ou não, de estender eventual proteção dada ao bem de família legal sobre o direito que o devedor fiduciante tem sobre o imóvel alienado fiduciariamente e utilizado para sua moradia. De acordo com a Lei nº 9.514/1997, “(...) a alienação fiduciária é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel” (art. 22, caput). Como consequência, ocorre o “desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel” (art. 23, parágrafo único). Resolve-se o negócio com pagamento integral da dívida garantida. Segundo o art. 1º, caput, da Lei nº 8.009/1990, “O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam” (grifou-se), ressalvadas as hipóteses previstas em lei. Para a aplicação da regra de impenhorabilidade do bem de família, a lei exige, em regra, que a propriedade pertença ao casal ou à entidade familiar, pois o legislador utilizou o termo “imóvel residencial próprio”. Por conseguinte, se o imóvel sobre o qual incidiu a constrição pertence a terceiro não integrante do grupo familiar, este não pode, em regra, alegar a referida proteção legal. A partir da interpretação literal da Lei nº 8.099/1990, Álvaro Villaça Azevedo leciona que “um dos requisitos a que se constitua, em bem de família, esse mesmo imóvel é que deva ser de propriedade do casal, ou da entidade familiar, diz o dispositivo legal sob estudo” (Bem de família - 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, pág. 159-160). Com idêntico raciocínio é a doutrina de Luiz Rodrigues Wambier, in Hipóteses peculiares da aplicação da Lei nº 8.009/1990 (São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, pág. 161). Por sua vez, Luiz Guilherme Marinoni, alicerçado nos propósitos sociais tutelados pela Lei nº 8.099/1990, afirma que a proteção da impenhorabilidade também visa proteger a posse da família sobre o imóvel utilizado para a sua moradia, ainda que não tenha o título de propriedade:

36 ARISP JUS

“(...) É claro que a Lei 8.009, de 29 de março de 1990, ao referir-se ao imóvel residencial próprio da entidade familiar, não deixou de abranger a posse da família sobre o bem que lhe serve de residência. Ora, a lei visa salvaguardar a ‘moradia’ da família, não importando, por óbvio, se o imóvel que concretiza a ‘moradia’ é de ‘propriedade’ da família. Essa interpretação, aliás, somente reforça os propósitos - eminentes sociais - da própria lei.” (Considerações acerca dos embargos de terceiro possuidor à penhora e da impossibilidade de expropriação do bem de família já penhorado quando da edição da Lei n. 8.009/90. Jurisprudência Brasileira: Curitiba, ano 8, n. 6, págs. 59-62, 1992 - grifou-se) Na mesma esteira, confiram-se as seguintes lições doutrinárias: “(...) ‘In casu’, deve prevalecer a interpretação que melhor atenda ao objetivo da legislação em questão, qual seja, o resguardo da moradia onde reside o conjunto familiar, independentemente da natureza do título da ocupação, se propriedade ou posse, pois o benefício patrimonial daí decorrente é mera consequência, e não sua finalidade precípua.” (SANTOS, Marcione Pereira dos. Bem de família: voluntário e legal. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 191 - grifou-se) “(...) Mas não só a propriedade é protegida pela impenhorabilidade legal; também a posse é abrangida pelo benefício. (...) A expressão ‘imóvel residencial próprio’, vale dizer, compreende também o imóvel que está sendo adquirido, desde que incontroverso e devidamente registrado o compromisso de compra e venda.” (VASCONCELOS, Rita de Cássia Corrêa. A impenhorabilidade do bem de família e as novas entidades familiares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, pág. 48) Nesse contexto, a exegese que melhor representa o objetivo legal compreende que a expressão “imóvel residencial próprio” engloba a posse advinda de contrato celebrado com a finalidade de transmissão da propriedade, a exemplo do compromisso de compra e venda ou de financiamento de imóvel para fins de moradia. Isso porque não se pode perder de vista que a proteção abrange o imóvel em fase de aquisição, sob pena de impedir que o devedor adquira o bem necessário à habitação da entidade familiar. Sobre o tema, esta Corte já se pronunciou no seguinte sentido:


“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL NÃO VINCULADO AO OBJETO DA AÇÃO. PENHORA SOBRE OS DIREITOS ADVINDOS DO PACTO AVENÇADO. IMPENHORABILIDADE AFASTADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM POR AUSÊNCIA DE REGISTRO DO DOMÍNIO. POSSIBILIDADE DE SE CONSIDERAR COMO BEM DE FAMÍLIA OS DIREITOS ADVINDOS DO COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA, DESDE QUE VERIFICADOS OS REQUISITOS PARA TANTO, DENTRE OS QUAIS NÃO SE INSERE O REGISTRO DO DOMÍNIO. RETORNO DOS AUTOS À CORTE ESTADUAL PARA QUE PROSSIGA NO EXAME DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À CONFIGURAÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO. 1. A ausência de registro de domínio não impede a realização de penhora dos direitos decorrentes do compromisso de compra e venda de imóvel (art. 655, XI, do CPC - penhora de outros direitos). Partindo dessa premissa, não há como considerar impossível a impenhorabilidade desses direitos, por falta de registro de domínio. 2. Afastado tal óbice, torna-se necessário o retorno dos autos à Corte estadual para que prossiga no exame dos requisitos necessários à configuração do bem de família. 3. Agravo regimental provido.” (AgRg no REsp 512.011/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 17/3/2011, DJe 23/3/2011 - grifou-se) Há doutrina com idêntico raciocínio:

nhorabilidade amparada na Lei nº 8009/90”, haja vista que “a propriedade (direito real) do bem alienado fiduciariamente, por não integrar o patrimônio do devedor, não pode ser objeto de penhora” (fl. 111 e-STJ). Portanto, o autos deverão retornar à Corte local para que seja analisada a presença dos demais requisitos legais para o reconhecimento do imóvel como bem de família, nos termos da Lei nº 8.009/1990. 3. Do dispositivo Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para que o Tribunal de origem analise a presença dos demais requisitos previstos na Lei nº 8.009/1990 para o reconhecimento da impenhorabilidade do bem de família. É o voto.

“(...) Embora não tenham a posição de propriedade plena, os direitos pertinentes ao compromisso de venda e compra de imóvel (arts. 1.417 e 1.418 do CC) residencial familiar e outros contratos de financiamento da casa de moradia somente serão apreendidos judicialmente na execução que se promover pelo crédito do promitente vendedor, do incorporador ou do financiador da casa própria, na forma do inciso II do art. 3º da Lei n. 8.009/90. Outro tipo de dívida, alheio à aquisição da habitação, exclui da execução este bem de família.” (CREDIE, Ricardo Arcoverde. Bem de família - teoria e prática. São Paulo, Editora Saraiva, 2004, pág. 51) No caso, trata-se de contrato de alienação fiduciária em garantia, no qual, havendo a quitação integral da dívida, o devedor fiduciante consolidará a propriedade para si (art. 25, caput, da Lei nº 9.514/1997). Assim, havendo a expectativa da aquisição do domínio, deve prevalecer a regra de impenhorabilidade. Nesse aspecto, o Tribunal de origem apenas destacou que “inadequada qualquer alegação, neste momento, de impeARISP JUS 37


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