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Ano III

No 29 SETEMBRO/2018

Informativo jurĂ­dico especializado

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ENTREVISTA:

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Como o excelentíssimo corregedor iniciou a carreira? Na verdade, não existem coincidências na vida, é a lógica de Deus. Por quê? Eu, simplesmente, me preparei para prestar o vestibular de Medicina, e na hora de me inscrever, acabei prestando para Direito. E para o espanto de todos e, claro, o meu também, eu passei em Direito. Meu pai, à época, ficou mais do que feliz, pois acabei seguindo sua carreira. Na magistratura, eu iniciei no litoral de São Paulo, especificamente, em Santos; depois Guarujá e Iguape, município do Vale do Ribeira. Após isso, vindo à capital, iniciei nas Varas Cíveis e Fazenda Pública, onde proporcionou o contato com o Direito Público. Além disso, também trabalhei na Corregedoria da Polícia Judiciária de São Paulo, embora não exercia tanto conhecimento. Mas, com conjuntura, acabei acatando uma oportunidade que me valeu a chance de conhecer o lado da atividade penal. Posteriormente, migrei para a Segunda instância, onde trabalhei nas três seções: Direito Público, Privado e Criminal. Atualmente, eu completo 17 anos atuando no Criminal. E, algo que eu gostaria de ressalvar, é a alegria que a magistratura me proporciona ao longo da jornada; os amigos que colecionamos, os servidores Entrevista com Corregedor - Desembargador que carregamos. E o que me vem à memória é que em Geraldo Francisco Pinheiro Franco 1988, eu tive a oportunidade única de trabalhar com o ilustríssimo desembargador Milton Evaristo dos Nasceu em 17 de dezembro de 1956 na capital Santos, um dos nomes importantes da magistratura. paulista. Formou-se pela Faculdade de Direito da Que alegria! Universidade de São Paulo, turma de 1979. Antes de ingressar na Magistratura, trabalhou como procurador Qual a sua opinião sobre os concursos públicos? do Estado. Em 1981, assumiu o cargo de juiz substituto Justiça sem sensibilidade deixa muito a desejar. Eu da 25ª Circunscrição Judiciária, com sede em Ourinhos. sou um adepto concreto dos concursos públicos. E Ao longo de sua trajetória foi juiz em Santos, Santo mais, nós precisamos aprimorar as técnicas de seleção André, Paraibuna, Vicente de Carvalho e São Paulo. em todas as carreiras jurídicas, não só nas delegações Também foi juiz efetivo do Tribunal Regional Eleitoral, do extrajudiciais, mas, também, na seleção de pessoas na classe de Juiz de Direito, eleito em 1994 e reeleito que compreendam que cada ser humano possui um em 1996. Foi promovido em 2001 para o Tribunal de conflito e, para isso, ele espera uma resolução. A Alçada Criminal. Em 2005 foi elevado ao posto de preocupação do TJSP em relação aos concursos, às desembargador do TJSP. Presidiu a Seção de Direito delegações, à magistratura é de extrema importância Criminal da Corte no biênio 2014/2015. e vigor. Conversando com juízes que passaram recentemente em concursos e, também, com juízes em

CORREGEDOR-GERAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

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fase de vitaliciamento, insisto em privilegiar a educação, a cordialidade, e o sentimento que devemos ter com os direitos e deveres de cada cidadão. Afinal, todas as áreas do judiciário e do extrajudicial prestam um serviço público e essencial para o país, algo que reforço como de extrema importância para a sociedade. A Corregedoria Geral da Justiça é uma das funções mais relevantes dentro do judiciário, como vê isso? A corregedoria é uma personalidade sensível, humana e ética. Tenho comigo que o corregedor é o coração do Tribunal de Justiça. É o braço técnico. Com isso, eu sempre procurei me aproximar do juiz. Ele não pode ter receio da corregedoria, nem o receio de perguntar ou manifestar dúvidas. Eu, ao longo do meu biênio, tenho procurado ajudar a essência da atividade, que é orientar, regrar; como exemplo, prestar ao juiz o apoio que ele precisa prontamente. Os juízes estão entendendo essa situação e, mesmo perante as exigências de comportamento impecável, queremos certificar que eles saibam: nós, corregedores, estamos sempre ao lado dos juízes, trabalhando todos com excelência.

ocorrem de maneira eficiente e centrada. Nas correições ordinárias que eu vi ao longo do tempo, concretamente, observei a preocupação do serviço extrajudicial com a paz social, com o investimento da atividade, estruturas prediais, sistemas de cursos para colaboradores e, sim, na prestação de um serviço seguro à sociedade. Isso é com certeza uma resposta segura e objetiva para o Estado que, não somente reconhece isso, como entende também que ele não tem meios para tratar de todas essas questões sozinho.

Quando iniciei na magistratura, quem cuidava do serviço judicial também era o tabelião, o notário, o registrador. Depois houve a oficialização das serventias judicias e, aparentemente, alguns ficaram sentindo esse divórcio. Penso, com a longa experiência, que não há nada mais judicial do que extrajudicial, o que falaria sobre? Eu sou da época que o escrevente era contratado pelo Oficial de Registro de Imóveis - por assim dizer, e os serviços sempre foram muito bem executados. Ao meu ver, com toda a certeza, o judicial e o extrajudicial fazem parte da mesma família. Quer um exemplo? A Audiência de Custódia só foi viabilizada, aqui em São Paulo, porque o extrajudicial operacionalizou o trâmite. Eu considero a mais inteligente estratégia da Constituinte de 1988; ela entrega o serviço estatal para um particular, que vai, com isso, exercê-lo em caráter privado – por sua conta e risco. Além do estado não por nenhum centavo nos serviços executados, eles ainda ARISP JUS 3


APLICAÇÃO POSSE E EFEITOS REGISTRAIS Por Júlio Cesar Sanchez ADVOGADO

A teoria objetiva foi a adotada pelo Código Civil, na exata medida em que considera possuidor todo aquele que exercer algum dos poderes que concernem ao direito de propriedade. Necessárias algumas observações para discernir a posse da detenção, pois aparentemente, aos olhos de quem vê de fora a relação jurídica, tanto o possuidor como o detentor agem e se apresentam como se donos da coisa fossem. Há cenários em que uma pessoa, malgrado exerça poderes de fato sobre um bem, não é alçada ao status de possuidora, permanecendo em patamar inferior. Posta assim a questão, podemos afirmar que o detentor, também conhecido como fâmulo da posse, é o sujeito que exerce poderes inerentes a quem é possuidor, mas a mando deste. Noutros dizeres, o detentor não é possuidor, mas mero mandatário do exercício da posse.

Importante lembrar o conceito de posse, pois duas teorias gerais a respeito de tal instituto, uma subjetiva e outra objetiva. Segundo a teoria subjetiva, alicerçada por Friedrich von Savigny, caracteriza-se a posse pela existência do corpus (ter o bem ou nele estar) e do animus (vontade de ter a coisa e dela cuidar como se fosse sua). De acordo com essa teoria, somente seria considerado possuidor aquele que tivesse a vontade de ter a coisa para si. O locatário, p. ex., teria de ter o interesse na propriedade para ser considerado possuidor. Se não tivesse, mero detentor seria. Ao revés, conforme a teoria objetiva apadrinhada por Kudolf von Ihering, para que se configure a posse basta a existência do corpus (externar conduta de dono, não significando contato físico com a coisa, tal como sustentava Savigny), estando o animus subsumido naquele elemento. 4

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São detentores, por exemplo, os empregados domésticos em relação aos móveis que guarnecem imóvel que se encarregam de limpar, dos funcionários públicos em relação à mobília que utilizam para o exercício de suas funções, do caseiro em relação sítio, cuja posse é exercida por seu patrão etc. A rigor, afiguram-se como objeto de posse os direitos reais vinculados aos bens corpóreos suscetíveis de apropriação. Nesse passo, é possível inferir que a propriedade, “o usufruto, o uso, a habitação, penhor e a anticrese são exemplos de direitos reais que figuram como objeto de posse”. Significa dizer, seguindo a assertiva acima, que é possível o exercício da posse sobre bens sujeitos à incidência de direitos reais. Nesse passo, há posse de um apartamento, tendo em vista a possibilidade de figurar como objeto de direito real de habitação, assim como é possível ser possuidor de uma bicicleta ou de um cão, ambos sujeitos ao direito de propriedade.


Todavia, de acordo com a mais moderna doutrina, o exercício da posse não está limitado aos bens corpóreos, partindo-se do pressuposto de que os incorpóreos também se sujeitam ao domínio. Enfim, em qualquer caso, para que alguém seja considerado possuidor deve ser evidenciada a exteriorização ou aparência da posse, elementos sem o quais não haverá que se falar em posse. A posse pode ser adquirida de forma originária e de forma derivada. No primeiro caso, cujas hipóteses são apreensão da coisa, exercício de um direito e disposição da coisa, a posse será adquirida liberta das impurezas que a contaminavam, tendo em vista que não haverá liame entre a posse anterior e a perdida. O possuidor não herdará a posse do antigo possuidor com os vícios que a atingiam. Ao contrário, adquirirá a posse contra a vontade do antigo possuidor. Não há, pois, transmissão, cuidando-se, assim, de aquisição unilateral. Nas formas derivadas de aquisição da posse, como a tradição e a sucessão, haverá, de outro lado, transmissibilidade, estabelecendo-se indissolúvel elo entre a posse pretérita e a futura. Nesses casos a posse vindoura manterá os mesmos caracteres da posse anterior, ou seja, eventuais vícios que a inquinavam não serão soterrados. O domínio possui um sentido totalmente diverso da posse, pois o domínio gera publicidade e segurança jurídica. Dessa forma a posse possui diversos conceitos importante e reconhecidos, mas somente poderá utilizada em objeto de procedimento de usucapião judicial ou extrajudicial para que tenha efeitos no sistema registral.

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ASPECTOS DO DIREITO FUNDAMENTAL - DADOS PESSOAIS Por Frederico Assad 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE RIBEIRÃO PRETO - SP

o ser humano, transformando-o em números, e criando um determinismo tecnológico1 que desconstrói a pessoa, reduzindo-a em uma mera representação, uma sombra de seu comportamento. A premissa adotada para este artigo é a de que a sociedade de consumo capitalista torna o ser humano mero elemento amorfo de uma civilização massificada. Assim como os demais aspectos da vida, a massificação também se faz representar na transformação de dados de identificação, características, preferências e pensamentos como mera matéria prima para o direcionamento publicitário, quer seja da atividade privada, quer seja do poder público, que detém o monopólio de dados econômicos relevantes, como aqueles sujeitos ao sigilo fiscal, eleitoral. Há, no entanto, uma resistência à massificação. Segundo Hannah Arendt (2007,p. 31), é somente através das relações sociais que o homem pode desenvolver suas potencialidades em sua máxima expressão, como ser dotado de razão, uma vez que se relaciona com seus semelhantes, trocando experiências e informações2.

INTRODUÇÃO Há alguns meses foi destaque na imprensa nacional e internacional o depoimento de Mark Zuckerberg, Presidente do Facebook, a maior rede social do mundo, na comissão de informática do Senado dos Estados Unidos da América, em razão do escândalo de venda de dados e preferências pessoais de milhões de usuários para a empresa “Cambridge Analytics”. Estes dados foram utilizados para a criação de perfis ideológicos, visando o direcionamento de publicidade política durante as eleições americanas. Esta notícia representa tão somente uma pequena fração da importância e do poder que tem a informação, ou de forma específica, os “dados”. Observa-se, atualmente, um decréscimo do valor dos bens materiais singularmente considerados e passa a ser valorizada, de forma ainda mais aguda, a “informação” relativa aos indivíduos. Isto porque técnicas cada vez mais poderosas permitem que sejam feitas relações estatísticas necessárias para se desnudar 6

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Os indivíduos são, assim, constantemente identificados pelos elementos de informações que colocam à disposição, sejam aos diferentes agentes do Estado e/ou dos mercados com quem exercem relações. Da imensa importância da disponibilização pelos próprios indivíduos destas informações, surge a também importante temática da “proteção dos dados pessoais” 1 Foi atribuída a Andrew Grove, ex-presidente da Intel Corporation a frase “Uma regra fundamental em tecnologia diz que qualquer coisa que possa ser feita será feita”. Esta frase revela aspectos dos tempos atuais, em que a tecnologia passou a ser a força dominante, bem como joga luz sobre um aspecto ainda obscuro da revolução tecnológica: a de que a tecnologia orienta de forma determinante todas as atividades, limitando assim o espectro da liberdade do homem. 2 Segundo Hannah Arendt, a referida ação se traduz na expressão “vita activa” como aspecto essencial para uma vida plena, que se traduz, além do labor e trabalho, em especial na “ação”, no aspecto da pluralidade da vida em sociedade. A condição humana: tradução de Roberto Raposo, posfácio de Celso Lafer. – 10.ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007


no contexto da defesa de direitos fundamentais, em especial da dignidade da pessoa humana. Para o observador dos fenômenos jurídicos, dá-se a impressão de existir um imenso descompasso entre a dogmática jurídica tradicional e as novas tecnologias. O Direito, que tradicionalmente se constrói a partir das demandas surgidas no meio social, passou a não ser capaz de acompanhar o construto tecnológico gerado pelo próprio ser humano. Está-se, pois, no limiar de uma mudança social profunda e sobre a qual ainda falta algum grau de compreensão. Para além das relações pessoais que se dão no mundo físico, no mundo tecnológico, surge a persona, a imagem que a pessoa se apresenta em público, que se reflete na mensagem, em um fenômeno que se amplifica com as novas formas de relacionamento traduzidas nas “redes sociais”, nas quais somos aquilo que mostramos e que representa importante aspecto do desenvolvimento da identidade pessoal. Em outras palavras, a identidade passa a ser o reflexo dos dados que a pessoa fornece e que transitam no ambiente cibernético, ou seja, a sua representação virtual ou um avatar3. Para fins metodológicos será adotada a revisão bibliográfica dos materiais publicados e como método de abordagem o dedutivo, visando, a partir das premissas investigadas, alcançar conclusões gerais sobre o tema utilizando-se a premissa estabelecida de que a proteção de dados pessoais consiste em faceta da cláusula geral de proteção integral da dignidade humana.

3 De acordo com o Dicionário Merrian-Webster de língua inglesa: o vocábulo avatar tem origem na religião hinduísta, no termo sânscrito “avatära”, que significa “descida” e se refere à encarnação material de uma deidade na terra, especialmente Vishnu. No contexto informacional, utilizado para os fins deste artigo, significa “uma imagem eletrônica que representa e é manipulada por um usuário de computador em um ambiente virtual e que interage com outros objetos no referido ambiente”. Disponível em <https://www. merriam-webster.com/dictionary/avatar>, acesso em: 08/07/2018.

1) A DIMENSÃO HUMANA DOS DADOS PESSOAIS Cada indivíduo tem uma identidade ou várias identidades? A rigor, todos dispões de diferentes personas que transitam no tecido social: Cada um pode ser, ao mesmo tempo, “pai”, “filho” “trabalhador”, “contribuinte”, “fornecedor”, “credor”, “devedor”... É infinito o número de representações que cada um assume para atuar na sociedade e cada uma destas facetas faz parte indelével da individualidade. E o homem dever ter a liberdade para atuar segundo a sua individualidade, sendo esta indispensável para que seja assumida na integralidade a personalidade de cada um. Para além das relações pessoais que se dão no mundo físico, no mundo tecnológico, surge a persona, a imagem que a pessoa se apresenta em público, que se reflete na mensagem, em um fenômeno que se amplifica com as novas formas de relacionamento traduzidas nas “redes sociais”, nas quais somos aquilo que mostramos e que representa importante aspecto do desenvolvimento da identidade pessoal. Segundo Westin: “O sentimento do indivíduo de que é ele próprio que decide o que, ou quando, algo se torna público, é aspecto essencial da construção da personalidade, da sensação de autonomia do ser humano. Sem privacidade não há individualidade” (WESTIN, 1967, p. 37).

O mesmo autor resume bem a importância da privacidade na liberdade política, citando Clinton Rossiter, em sua ideia da autonomia: “Privacidade é um tipo especial de independência, entendida como uma tentativa de assegurar autonomia em pelo menos alguns aspectos pessoais e espirituais, se necessário em desafio às pressões da sociedade moderna. Ela procura construir um muro inviolável de dignidade e reserva contra de todo o mundo. O homem livre é o homem privado, o homem que guarda alguns ARISP JUS 7


de seus pensamentos e julgamentos inteiramente para si mesmo...”4 (CLINTON apud WESTIN, 1967, p. 37).

Tomando-se em conta somente a face visível pela qual o sujeito se apresenta no corpo social, na vida cotidiana há necessariamente o fornecimento de “dados”, em sentido amplo, ou seja, porções de informações necessárias para a interação com as entidades e os demais indivíduos. Assim, os indivíduos preenchem formulários, tiram fotos, fornecem digitais para o Poder Público, assinam documentos, fazem exames de sangue, casam-se, etc. Há uma infinidade de ações que consistem em espelho da nossa identidade, seja civil, religiosa, política, social ou biológica e, com o novo paradigma das novas tecnologias, cada vez mais a informação se transmuda para o meio eletrônico, que se torna o modo de guarda principal de tais dados. A complexidade da vida moderna ainda adiciona uma variável que gera a necessidade de reflexão e representa mais um aspecto na dificuldade da dogmática jurídica no tratamento do tema de proteção aos dados pessoais: a maior parte dos dados são fornecidos pelos próprios indivíduos, seja por vontade própria, por meio das ferramentas de interação social em rede, ou obrigados, seja pelo Estado ou pelas corporações. Trata-se de um novo paradigma a ser tratado pelo Direito. 2) CONCEITO DE DADOS PESSOAIS E DADOS SENSÍVEIS O surgimento da Internet e a sua disseminação consistiram nos eventos mais importantes do fim do 4 No original “Privacy is a special kind of Independence, which can be understood as an attempt to secure autonomy in at least a few personal and spiritual concerns, if necessary in defiance of all the pressures of modern society….[I]t seeks to erect an unbreachable wall of dignity and reserve against the entire world. The free man is the private man, the man who still keeps some of his thoughts and judgments entirely to himself….” Tradução livre do autor. ROSSITER, Clinton. The Pattern of Liberty. M. R. Konvitz and Clinton Rossiter (eds.). Aspects of Liberty. Ithica, Nova York, 1958.

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século XX e início do século XXI, forçando a dogmática jurídica, diante do fenômeno que transformou a sociedade humana em uma “aldeia global”5 a concentrar-se na construção de mecanismos jurídicos para a solução dos inevitáveis conflitos. Com o advento do que alguns chamam de quarta revolução industrial (SCHWAB, 2016, p. 35), o Direito passa por um estágio de aparente torpor, tendo que se estruturar e regulamentar fenômenos multidisciplinares e complexos, como o alcance do conceito de privacidade e proteção de dados individuais. A construção de bancos de dados com informações sobre os indivíduos não é fenômeno puramente contemporâneo6. No decorrer da história, foi sendo realizada a colheita de dados relativos a seus cidadãos, seus bens e famílias visando realizar o controle social, demográfico e econômico de suas respectivas populações. Conforme Danilo Doneda, a primeira entidade que voltou seus interesses para os dados pessoais foi o Estado. “[...]a constatação de que um pressuposto da administração pública eficiente é o conhecimento tão acurado e profundo quanto possível da 5 O termo “aldeia global” foi cunhado por Marshall Mcluhan em sua obra “A galáxia de Gutenberg” (MCLUHAN, 1972, p. 270), na qual advoga que “[...]depois do aparecimento do telégrafo e do rádio, o globo contraiu-se especialmente formando a única e grande aldeia. O tribalismo é o nosso único recurso depois da descoberta eletromagnética. ” 6 Podemos citar, para contextualizar historicamente, o denominado “Domesday Book” ou “livro de Winchester”, um registro escrito do grande censo feito na Inglaterra por ordem de Guilherme, O Conquistador, terminado em 1086. Conforme citado na “Crônica Anglo-Saxã”, nota-se o objetivo explícito de controle por parte dos conquistadores normandos: “Then, at the midwinter [1085], was the king in Gloucester with his council [...] . After this had the king a large meeting, and very deep consultation with his council, about this land; how it was occupied, and by what sort of men. Then sent he his men over all England into each shire; commissioning them to find out “How many hundreds of hides were in the shire, what land the king himself had, and what stock upon the land; or, what dues he ought to have by the year from the shire”. Disponível em <http:// www.gutenberg.org/cache/epub/657/pg657-images.html>, acesso em 08/07/2018.


população (não por acaso, à formação do ‘wellfare state’ seguiu-se um período de voraz demanda por informação por parte do Estado), que implica, por exemplo, na realização de censos e pesquisas e no estabelecimento de regras para tornar compulsória a comunicação de determinadas informações pessoais à administração pública, visando sua maior eficiência. (DONEDA, 2006, p. 13).

A utilização maciça de sistemas informatizados e de relações estatísticas com imensos volumes de dados, o que é possível em razão da utilização do “Big Data”, que segundo Mayer-Schonberger e Cukier, (2013), trabalha somente em grande escala de dados, para extrair novas ideias e criar novas formas de valor de maneira que alterem os mercados, as organizações e as relações entre cidadãos e governos”, acarretam não somente no armazenamento estático das informações, como, especialmente, permitem a antecipação de tendências e a criação de perfis, tornando todos em meros consumidores e, portanto, objeto valioso para a realização de campanhas publicitárias, tanto comerciais quanto política. Ontologicamente, o sentido de dados se mistura ao sentido de informação, tendo o primeiro um sentido não organizado, uma espécie de pré informação. Assim, organizando-se os dados, tem-se a informação, que denota utilidade. Sobre o tema Norbert Wiener menciona que a informação seria o vocábulo que indica o objeto permutado com o mundo exterior ao nos integrarmos a ele permitindo que essa nossa integração seja percebida. “O processo de receber e utilizar informações é o processo de nosso ajuste às contingências do meio ambiente e do nosso efetivo viver neste ambiente. As necessidades e a complexidade da vida moderna aumentam o fenômeno do intercâmbio de informações de forma mais intensa do que em qualquer outra época7” (WIENER, 1958). 7 Él proceso de recibir y utilizar informaciones consiste em ajustarnos a las contingencias de nuestro médio y de vivir de manera

Com efeito, nesse contexto temos que informação é o objeto da comunicação. A partir dessa premissa, Danilo Doneda apresenta sua construção sobre informação pessoal nos seguintes termos: “Uma determinada informação pode possuir um vínculo objetivo com uma pessoa, revelando algo sobre ela. Este vínculo significa que a informação se refere às características ou ações desta pessoa, que podem ser a ela atribuídas em conformidade com a lei, como no caso do nome civil ou domínio, ou então, às informações provenientes de seus atos, como os dados referentes ao seu consumo, informações provenientes de suas manifestações, como as opiniões que manifesta, e tantas outras” (DONEDA, 2006, p. 156).

Assim, pode-se dizer que as informações qualificadas pelo vínculo com determinada pessoa ganham a adjetivação de “informações pessoais”, criando desse modo um atributo especial. A informação obtida através dos dados identifica, mesmo que indiretamente, a pessoa, revelando aspecto essencial de sua personalidade. Assim, a partir do conceito de pessoa integral contida do vetor axiológico adotado atualmente pelo constitucionalismo pós-positivista, conclui-se que o direito à proteção de tais informações pode ser entendido como Direito da Personalidade, ou seja, direito fundamental. Informação pessoal (ou dado pessoal) portanto, vincula objetivamente a uma pessoa, um indivíduo, revelando algo sobre ela. De acordo com Danilo Doneda, o vínculo objetivo é característica relevante pois ele afasta outras categorias de informações. Em resumo, dado é uma informação em estado potencial, antes de ser transmitida e em um estado anterior à interpretação e elaboração. A informação, por sua vez, chega ao limiar da cognição, carregando um conteúdo instrumental, sendo capacitada a reduzir um estado de incerteza. A informação pessoal está ligada intimamente efectiva dentro de él”. O referido autor ainda remata, “Las necessidades y la complejidad de la vida moderna plantean a este fenómeno del intercambio de informaciones demandas más intensas que em cualquer outra época [...]” (WIENER, 1958). Tradução livre. ARISP JUS 9


à privacidade, sendo a sua proteção reflexo da tutela do direito à privacidade, plasmando o seu próprio conceito (DONEDA, 2006, p. 157).

à disposição de todos que assim o queiram saber. É a dimensão pública do indivíduo, como este se apresenta na “polis”.

Dentro dessa linha de ideias, o novíssimo regulamento europeu relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados (Regulamento (EU) 2016/679), também conhecido como Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GPDR) assim define “dados pessoais”:

A teoria das esferas foi merecedora de diversas críticas, em especial por desconsiderar, ao tratar de forma relativamente superficial cada uma das esferas, que a gradação de eventual lesão aos direitos fundamentais encarnados na privacidade do indivíduo representada pelos círculos concêntricos pode se revelar desequilibrada. Segundo Leonardi,

“Artigo 4º. Para efeitos do presente regulamento, entende-se por: 1) ‘Dados pessoais’, informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (‘titular dos dados’); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrônica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular” (EUROPA, 2016).

Diante do exposto, pode-se afirmar que na Europa já se reconhece o “right to privacy” aplicável aos dados pessoais. Uma das teorias mais influentes no desenvolvimento histórico do conceito jurídico de privacidade foi a teoria das esferas de Hubmann e Henkel, citadas por Maurício Leonardi. Segundo a referida teoria, referendada pelo Tribunal Constitucional Alemão e com influência no direito brasileiro, a privacidade é dividida em três esferas concêntricas, com influência crescente dos mecanismos de tutela do Direito (LEONARDI, 2011, p. 58). Inicialmente, considera-se a esfera interior, consistente na intimidade, ideologia e nos segredos de pensamento do próprio indivíduo. Posteriormente, cobrindo o núcleo, há uma camada intermediária, ou esfera privada, que representa o círculo íntimo do indivíduo, seu núcleo familiar, seus amigos mais próximos, cujas relações têm tutela especial pelo estado, e finalmente, como uma crosta, considera-se a esfera social, que representa tudo aquilo que o indivíduo não deseja que seja reservado e que fica 10 ARISP JUS

“Ocorre, porém, que não há uma relação necessária entre o “grau de intimidade” de determinada informação e os danos causados por sua divulgação. Por meio da agregação de dados isolados e fragmentos de informação aparentemente irrelevantes, é possível montar perfis completos a respeito de um indivíduo, revelando inúmeros aspectos de sua personalidade, sem que se tenham coletado quaisquer informações íntimas de seu exclusivo conhecimento” (LEONARDI, 2011, p. 60).

É a expressão do alerta de Stefano Rodotà, já na década de 1970, sobre o fato de que o aumento da capacidade técnica poderia permitir a construção de perfis individuais, a partir da correlação de dados8, antecipando em cerca de duas décadas o que se conhece hoje por “big-data”9. 8 Segundo Marcel Leonardi, “Stefano Rodotà já advertia havia tempo que a proteção da privacidade nesses casos decorria da dispersão dos dados pessoais. Ao serem centralizados e atualizados continuamente, certos dados permitem visualizar um dossiê completo do indivíduo: “Cada um dos dados, considerado em si, pode ser pouco ou nada significativo: ou melhor, pouco ou nada diz além da questão específica a que diretamente se refere. No momento em que se torna possível conhecer e relacionar toda a massa de informações relativas a uma determinada pessoa, do cruzamento dessas relações surge o perfil completo do sujeito considerado, que permite sua avaliação e seu controle por parte de quem dispõe do meio idôneo para efetuar tais operações” (LEONARDI, 2011, p. 60). 9 Pode-se citar sobre o tema, o excelente artigo do Professor Márcio Pugliesi e de André Martins Brandão denominado “Uma conjectura sobre as tecnologias de big data na prática jurídica”. Segundo os referidos autores, as tecnologias de big data são uma mudança na maneira como se processa dados pois a partir da metodologia de


Estabelecida a distinção entre dado e informação e estabelecida a necessidade de vínculo objetivo entre a pessoa e o dado para este receber o adjetivo de “dado pessoal”, pode-se ainda classificar os dados pessoais como “dados de identificação”, ou seja, qualquer dado que permita a identificação direta da pessoa como nome, números de documentos, impressão digital, e “dados sensíveis”, traduzidos como aqueles que podem revelar informações que integram o âmago da personalidade do indivíduo, tais como origem racial ou étnica, convicções religiosas, políticas, filosóficas ou morais, adesões partidárias ou relativas a qualquer aspecto da saúde ou vida sexual. Nesse contexto, dados sensíveis são aqueles que podem implicar, a depender da forma pela qual são utilizados ou expostos, em perseguição a minorias sociais e políticas. Daí a necessidade de tratamento especial pelo ordenamento jurídico, tendo em vista serem expressão clara da própria personalidade do indivíduo, merecendo um tratamento distinto em virtude de seu maior peso valorativo. 3) A AMPLITUDE DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL AO SIGILO DE DADOS PESSOAIS Conforme exposto anteriormente, de acordo com a moderna doutrina, a proteção ao sigilo de dados pessoais é direito fundamental subjetivo, na medida em que a representação que se constrói do indivíduo por meio de seus dados, reflete parcela relevante de sua personalidade e, atualmente, consiste em elemento indispensável no mundo moderno, uma vez que grande parte das relações pessoais ocorrem no mundo virtual. No direito à privacidade, objeto é, sinteticamente, a integridade moral do sujeito. Conforme Tércio Sampaio Ferraz Júnior indução, e com a utilização de algoritmos cada vez mais especializados, torna-se possível a reprodução de fenômenos observados, extrapolando-os por meio de generalização para a criação e observação de perfis de massas. Há a criação de informação imperfeitos, porém útil – “com a finalidade de predizer o futuro e servir como guia no oceano repleto de uma massiva quantidade de dados” (PUGLIESI; BRANDÃO, 2015).

“A privacidade, como direito, tem por conteúdo a faculdade de constranger os outros ao respeito e de resistir à violação do que lhe é próprio, isto é, das situações vitais que, por dizerem a ele só respeito, deseja manter para si, ao abrigo de sua única e discricionária decisão” (FERRAZ JÚNIOR,1993).

Dentro do sistema jurídico brasileiro o tema da proteção dos dados pessoais passa necessariamente pelo inciso X do Art. 5º da Constituição Federal, que determina a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando a estas o domínio exclusivo de tais aspectos em vários sentidos10, e pelo inciso XII do mesmo dispositivo constitucional, que determina a inviolabilidade da comunicação dos dados11. O destaque aplicado indica que o legislador constituinte protegeu especificamente a transmissão e não os dados já armazenados nos bancos de dados. Tem-se, portanto, que o direito à proteção de dados pessoais não é absoluto; deve ser considerado em relação à sua função na sociedade e ser equilibrado com outros direitos fundamentais, em conformidade com o princípio da proporcionalidade. A questão do sigilo de dados é, pois, hipótese trazida pela Constituição Federal de 1988 e está relacionada de forma intrínseca com o direito fundamental de intimidade. A informação pessoal está ligada intimamente à privacidade, sendo a sua proteção reflexo da tutela do direito à privacidade, plasmando o seu próprio conceito. O objeto da proteção não se refere aos dados pessoais em si considerados, mas sim ao direito inerente ao indivíduo de controlar as finalidades e as formas de utilização de seus dados.

10 “Art. 5º, X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. (BRASIL, Constituição Federal, 1988) 11 “[...], XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”. ARISP JUS 11


Sobre o tema a Corte Constitucional Brasileira já foi, por diversas vezes, chamada a se manifestar. O primeiro caso de relevo sobre o tema foi a Ação Penal nº 307 – do Distrito Federal (caso Collor), que debateu a validade de prova obtida por meio de decodificação de dados armazenados em microcomputador apreendido. No caso foi reconhecida a ilegalidade da prova em virtude de ser decorrente da apreensão de computador realizada sem mandado de busca e apreensão. Destacase, em especial no voto do revisor ministro Moreira Alves que afirma “Ainda que se pretendesse que a apreensão do microcomputador fosse lícita, dando margem posteriormente à declaração de perdimento dele em favor do Estado, nem por isso poderia a Polícia Federal apoderar-se dos dados contidos nesse microcomputador, mandando decodificá-lo para deles utilizar-se como prova em processo penal. [...]. Com efeito, também com relação aos dados em geral — e, consequentemente, os constantes de computador que pode armazenar as mais sigilosas informações de seu proprietário —, estão eles cobertos pela garantia do disposto no inciso XII do artigo 5º da Constituição (...). Pelos termos em que está redigido esse dispositivo, que só abre exceção para as comunicações telefônicas, é possível sustentar-se que as demais inviolabilidades só admitem sejam afastadas por texto constitucional expresso. Mas, ainda quando se admita que possam ser postas de lado nas hipóteses e na forma prevista na lei, o que é certo é que não há lei que disponha a respeito no concernente — que é o que importa no momento — à inviolabilidade dos dados aludidos no citado texto constitucional”.

De grande importância para a construção jurisprudencial do tema ainda o Recurso Extraordinário nº 418.416, no qual se avaliou a validade das provas obtidas por meio da análise pericial de dados gravados em microcomputador apreendido por meio de mandado regularmente expedido. Na ocasião entendeu-se que o sigilo de dados não é absoluto e o inciso XII protege apenas a comunicação dos dados. O Supremo Tribunal Federal adotou o entendimento pelo qual o sigilo 12 ARISP JUS

mencionado no inciso XII do artigo 5º trata apenas da comunicação de dados12. Além do marco constitucional há que se destacar que o desenvolvimento legislativo no Brasil tem se colocado em consonância com as práticas internacionais, tendendo a proteger com maior ênfase o direito ao sigilo de dados e à autodeterminação informacional. Pode-se citar como relevante o Art. 3º da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), que coloca a proteção à privacidade e o sigilo de dados como aspectos principiológicos na disciplina do uso da internet13. Sob a ótica dos riscos à proteção da privacidade, no contexto da colheita de informações para alimentar bancos de dados, há que se fazer um parêntese crítico ao projeto atual do denominado “Cadastro Positivo Obrigatório”. Sumariamente, encontra- se em trâmite no congresso nacional o Projeto de Lei do Senado (PLS) 212/2017 que altera a Lei Complementar 105/2001, relativamente ao sigilo bancário bem como a lei do cadastro positivo. O aspecto que merece maior atenção é o que estabelece que “não constitui violação de sigilo pelas instituições financeiras o compartilhamento de informações destinadas a bancos de dados referentes a 12 STF - RE: 418416 SC, Relator: Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 10/05/2006, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 19-12-2006 PP-00037 EMENT VOL-02261-06 PP-

01233. 13 LEI Nº 12.965, DE 23 DE ABRIL DE 2014. Art. 3o A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal; II - proteção da privacidade; III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei; IV - preservação e garantia da neutralidade de rede; V - preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas; VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei; VII - preservação da natureza participativa da rede; VIII - liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei. Parágrafo único. Os princípios expressos nesta Lei não excluem outros previstos no ordenamento jurídico pátrio relacionados à matéria ou nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. (BRASIL, 2014).


adimplemento e histórico de crédito, e que a abertura de cadastro em tais bancos de dados independe de autorização prévia da pessoa física ou jurídica que será cadastrada” (BRASIL, Senado Federal, 2018). Na vigência da lei atual (Lei 12.414/2011) o consumidor opta por ingressar no cadastro de bons pagadores. É o denominado “Opt-in”, no qual há proibição para o acesso e compartilhamento de informações de crédito sem a expressa autorização do indivíduo. Pelo projeto aprovado no senado e encaminhado para a câmara, os denominados birôs de crédito, tais como Serasa Experian e SCPC Boavista ficam dispensados de solicitar o consentimento do consumidor para que se realize a coleta, tratamento e compartilhamento de dados. É a institucionalização do denominado “Opt-out”. A despeito do referido projeto prever expressamente a exclusão de dados sensíveis no cálculo do “score” do consumidor, fugindo à construção europeia de proteção aos direitos fundamentais do indivíduo, o consumidor ficaria obrigado a optar expressamente pela sua saída do banco de dados. Hoje o Cadastro Positivo conta com cerca de cinco milhões de pessoas cadastradas. Com a aprovação do projeto, a perspectiva é que por volta de 120 milhões de brasileiros passem a fazer parte do banco de dados, com informações concentradas em poucos agentes e com a possibilidade de compartilhamento entre as entidades bancárias, o que constitui claro risco à privacidade do indivíduo. 4) O MODELO EUROPEU DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS A proteção dos dados pessoais encontra sua dimensão no papel de direito fundamental que surge no ambiente da sociedade da informação. Os dados assumem um papel de relevo nas interações humanas, criando um mundo cada vez mais complexo e sujeito aos impérios da evolução tecnológica, fato que tanto pode se revestir de um papel libertador, ao vislumbrarse a facilidade de interação e troca de informações, bem como pode assumir o oposto: a figura de elemento de dominação sobre os indivíduos.

Assim, é possível afirmar que há um “direito à autodeterminação informativa”, em um momento em que se constata a construção de uma nova economia, que se utiliza das informações fornecido pelos próprios sujeitos e que hoje se mostram indispensáveis para o funcionamento das empresas e do próprio Estado. No âmbito do direito comparado, pode-se citar como indispensável à compreensão do tema a doutrina e jurisprudência da Alemanha, como a consolidação da ideia de valoração máxima da privacidade digital e à “autodeterminação informativa” (1983), considerando que “um dado em si insignificante, pode adquirir um novo valor: desse modo, não existem mais dados insignificantes no contexto do processamento eletrônico de dados”14. Para o sistema europeu, dessa forma, são considerados dados pessoais tanto os dados relativos à comunicação privada, correspondência, endereço e telefone da pessoa, como dados referentes a opiniões políticas, opção religiosa, sexual, hábitos, gostos e interesses da pessoa. A título de ilustração, pode-se mencionar o Art. 35.º da Constituição da República Portuguesa de 197615 devido às novas tecnologias. O referido artigo leva o título de “Utilização da informática” e demonstra preocupação com a manutenção de garantias contra informações incorretas, tratamento de dados e dados sensíveis, havendo inclusive proibição expressa de atribuição de número único de identidade aos cidadãos. 14 BVERFGE 65, 1 (VOLKSZÄHLUNG). MARTINS, Leonardo (Org.). Cinquenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional federal Alemão. Montevidéu: Fundação Konrad Adenauer, 2005, p. 244 e 245. Artigo 35.º (Utilização da informática) 1. Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, podendo exigir a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei. 2. A lei define o conceito de dados pessoais, bem como as condições aplicáveis ao seu tratamento automatizado, conexão, transmissão e utilização, e garante a sua protecção, designadamente através de entidade administrativa independente. 3. A informática não pode ser utilizada para tratamento de dados referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem étnica, salvo mediante ARISP JUS 13


Há a garantia do direito de acesso aos registros informatizados para conhecimento dos dados pessoais deles constantes e a vedação ao acesso não autorizado de dados de terceiros. No sistema jurídico português, ainda existe a proibição expressa de tratamento de dados sensíveis, especialmente tendo em vista que tais dados, a depender do tratamento, podem dar azo à perseguição de minorias. De extrema relevância na discussão hodierna sobre proteção de dados pessoais é o Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 201, que entrou em vigor em 25 de maio de 2018, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados. Referido regulamento do Parlamento Europeu, que estabelece os elementos fundamentais para proteção das pessoas naturais relativamente ao tratamento de dados pessoais. Tal proteção traz reflexos para a visão econômica e jurídica do tema da proteção dos dados pessoais, em virtude da globalização econômica. Nota-se no texto que há a consolidação do aspecto axiológico de que a proteção aos dados pessoais é um direito fundamental do homem16, repetindo o que já se integrava na legislação comunitária pela anterior Diretiva 95/46/CE. Permeia toda a construção legislativa da referida normativa a ideia de que o tratamento dos dados pessoais deve ser concebido para servir às pessoas e não o contrário. Ainda com base no consentimento do consentimento expresso do titular, autorização prevista por lei com garantias de não discriminação ou para processamento de dados estatísticos não individualmente identificáveis. 4. É proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excepcionais previstos na lei. 5. É proibida a atribuição de um número nacional único aos cidadãos. 6. A todos é garantido livre acesso às redes informáticas de uso público, definindo a lei o regime aplicável aos fluxos de dados transfronteiras e as formas adequadas de protecção de dados pessoais e de outros cuja salvaguarda se justifique por razões de interesse nacional. 7. Os dados pessoais constantes de ficheiros manuais gozam de protecção idêntica à prevista nos números anteriores, nos termos da lei. 16 É uma das considerações adotadas pelo legislador europeu, para o Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de abril de 2016 relativo à proteção das pessoas singulares no 14 ARISP JUS

titular ou em fundamento legítimo previsto na lei de cada país. O tratamento de dados pessoais para outras finalidades exige compatibilidade entre a finalidade inicial e a finalidade posterior, sendo admitido tratamento posterior, desde que o interessado tenha dado o seu consentimento ou o tratamento se baseie em disposições legais de interesse público geral (EUROPA, 2016). 5) NOVA LEI BRASILEIRA DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS É mandatório que seja feito um destaque à recente aprovação do PLC 53/2018, pelo Senado Federal em 10 de julho de 2018, que inseriu no sistema jurídico brasileiro legislação temática específica sobre a proteção de dados pessoais dos cidadãos e foi inspirado no sistema europeu de proteção de dados pessoais, aplicando-se os princípios consagrados, como proporcionalidade no tratamento de dados, finalidade do recolhimento e o tratamento futuro, qualidade dos dados armazenados, autorização da pessoa titular dos dados, anonimização17, que se relaciona com o direito ao esquecimento18. Ainda merece de apontamento o fato de que que a previsão do tratamento de dados, em princípio, passa a exigir o consentimento do titular, indicando convergência com a legislação europeia. De acordo com a nova lei de proteção de dados, são considerados dados sensíveis todos os dados que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) que “A proteção das pessoas singulares relativamente ao tratamento de dados pessoais é um direito fundamental. O artigo 8.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («Carta») e o artigo 16.o, n.o 1, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) estabelecem que todas as pessoas têm direito à proteção dos dados de caráter pessoal que lhes digam respeito” (EUROPA, 2016). 17 A anonimização significa dados pessoais relativos a um titular que não possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento 18 “Art. 6º As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios: I– finalidade: realização do tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos


pessoais sobre a origem racial ou étnica, as convicções religiosas, as opiniões políticas, a filiação a sindicatos ou a organizações de caráter religioso, filosófico ou político, dados referentes à saúde ou à vida sexual, dados genéticos ou biométricos, quando vinculados a uma pessoa natural. A nova lei aprovada dispõe, de forma expressa, sobre o tratamento de dados pessoais em qualquer mídia, não se aplicando somente aos meios digitais, e tem por objetivo expresso a proteção dos “direitos fundamentais de liberdade e privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural” (SENADO, 2018), trazendo como fundamentos, dentre outros a privacidade, a autodeterminação informativa e a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem. Outro destaque a ser feito é que a nova lei tem vigência inclusive em relação às empresas domiciliadas no exterior, fato comum quando se trata das grandes corporações que lidam com dados, sempre que o tratamento se der em território nacional, ou os dados e informados ao titular, sem possibilidade de tratamento posterior de forma incompatível com essas finalidades; II – adequação: compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas ao titular, de acordo com o contexto do tratamento; III – necessidade: limitação do tratamento ao mínimo necessário para a realização das suas finalidades, com abrangência dos dados pertinentes, proporcionais e não excessivos em relação às finalidades do tratamento de dados; IV – livre acesso: garantia aos titulares de consulta facilitada e gratuita sobre a forma e a duração do tratamento, bem como sobre a integralidade dos seus dados pessoais; V – qualidade dos dados: garantia aos titulares de exatidão, clareza, relevância e atualização dos dados, de acordo com a necessidade e para o cumprimento da finalidade de seu tratamento; VI – transparência: garantia aos titulares de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial; VII – segurança: utilização de medidas técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão; VIII – prevenção: adoção de medidas para prevenir a ocorrência de danos em virtude do tratamento de dados pessoais; IX – não discriminação: impossibilidade de realização do tratamento para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos; e X – responsabilização e prestação de contas: demonstração pelo agente da adoção de medidas eficazes e capazes de comprovar a observância e o cumprimento das normas de proteção de dados pessoais, inclusive da eficácia das medidas.”

pessoais objeto do tratamento tenham sido coletados no território nacional. São estabelecidas regras expressas para tratamento de dados pelo Poder Público: que deverá se dar dentro do contexto da finalidade do órgão responsável pela qualificação dos dados, de modo informado ao cidadão titular das informações, vedado o seu compartilhamento para finalidade diversa, destacando-se que inclusive os serviços notariais e de registro serão tratados como as Pessoas Jurídicas de Direito Público e que deverão fornecer o acesso aos dados por meio eletrônico para a administração pública para a consecução de suas atividades. CONCLUSÃO A partir da segunda metade do século XX, com a aceleração do fenômeno técnico e com a criação e o desenvolvimento de mecanismos informatizados de comunicação, armazenamento e processamento de dados, o mundo encontra-se em um processo de incremento das possibilidades trazidas pela técnica computacional, mas ao mesmo tempo, sob uma ótica humanística, verifica-se que há, potencialmente, uma ampliação nos possíveis atentados aos direitos fundamentais relacionados à personalidade, notadamente ao direito à privacidade, que não se circunscreve ao “light to privacy” do onipresente e histórico artigo de Warren e Brandeis (WARREN; BRANDEIS, 1890, p. 193), mas adquire um componente axiológico no respeito à dignidade humana. Os dados pessoais, mais do que simplesmente informações necessárias ao mundo tecnológico atual, tem a característica intrínseca de representarem a pessoa no mundo virtual e, portanto, merecem do Direito o mais elevado grau de proteção. São extensões do indivíduo e servem como elementos de construção da própria imagem da pessoa. O sistema brasileiro, notadamente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, desde a Constituição Federal de 1988, tem refletido, ainda, que de forma ARISP JUS 15


titubeante, a doutrina abalizada que coloca o direito à proteção de dados pessoais como elemento do direito à privacidade. A evolução do instituto no Brasil passou por diversas evoluções, tais como o Marco Civil da Internet, passando por legislação protetiva, como o Código de Defesa do Consumidor, chegando finalmente na opção legislativa da nova Lei de Proteção de Dados Pessoais, que em muito remete ao atual Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016 relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que é merecedor de aplausos, na medida em que equaciona de forma equilibrada tanto à proteção individual quanto as necessidades que empresas e Governo tem de dados, no primeiro caso para a realização de negócios, e no segundo caso, do exercício de suas funções públicas, ou seja, visando o bem comum. REFERÊNCIAS ANDRADE, Frederico Pupo Carrijo. Análise comparativa do tratamento de dados pessoais à luz do direito de personalidade. In Direito Digital, editora Atlas, São Paulo, 2013. AZEVEDO, João Fábio A. Sigilo das comunicações eletrônicas diante do marco civil da internet. Direito e Internet III, tomo II, editora Quartier Latin, São Paulo, 2015. ARENDT, H. A condição humana (10ª Edição ed.). Rio de Janeiro: Editora Forense, 2007. DONEDA, Danilo. O direito fundamental à proteção de dados. In Direito privado e internet, editora Atlas, São Paulo, 2014. ___________.A proteção dos dados pessoais como um direito fundamental. Revista Espaço Jurídico. UNOESC. Joaçaba, jul. /dez.2011. DONEDA, Danilo. Da Privacidade à proteção de dados pessoais. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. ELLUL, J. A técnica e o desafio do século. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968. EUROPA. (27 de abr. de 2016). REGULAMENTO (UE) 2016/679 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados e que revoga a Diretiva 95/46/CE 16 ARISP JUS

(Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado. Revistada Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, v.88, p.439-459, jan.1993. ___________. A ciência do Direito (3ª Edição ed.). São Paulo: Atlas, 2014. LEONARDI, Marcel. Tutela e Privacidade na Internet. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. MARTINS, Leonardo (Org.). Cinquenta anos de Jurisprudência do Tribunal Constitucional federal Alemão. Montevidéu: Fundação Konrad Adenauer, 2005 MAYER-SCHÖNBERGER; CUKIER, Kenneth. Bigdata: como extrair volume, variedade, velocidade e valor da avalanche de informação cotidiana. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. Livro eletrônico. MCLUHAN, M. A galáxia de Gutenberg. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1972. MENDES, L. S., & DONEDA, D. Marco jurídico para a cidadania digital: uma análise do Projeto de Lei 5.276/2016. Revista de Direito Civil Contemporâneo, 9, pp. 35- 48, 2016. PINHEIRO, Alexandre Sousa. Privacy e proteção de dados pessoais: A construção de uma identidade informacional, AAFDL, Lisboa,2015. PUGLIESI, Márcio; BRANDÃO, André Martins. Uma conjectura sobre as tecnologias de big data na prática jurídica. Revista da Faculdade de Direito da UFMG (67), p. 453. Jul. / dez. 2015. SENADO (jul. 2018). Dispõe sobre a proteção de dados pessoais e altera a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. SCHWAB, Klaus. Aplicando a quarta revolução industrial. São Paulo. Edipro, 2018 WARREN, S. D., & BRANDEIS, L. D. The Right to Privacy. Harvard Law Review, 1890. WESTIN, A. Privacy and Freedom. Nova York: ig Publishing, 1967. WIENER, Norbert. Cibernética y Sociedad. Buenos Aires. Editorial Sudamericana.1958


DECISÕES EM DESTAQUE

ÍNDICE DECISÃO ADMINISTRATIVA #1 Apelação nº 1008007-61.2017.8.26.0068 - Pág. 18

DECISÃO ADMINISTRATIVA #2

Apelação nº 1000237-38.2018.8.26.0664 - Pág. 21 DECISÃO ADMINISTRATIVA #3 Apelação nº 1000036-33.2018.8.26.0539 - Pág. 22

DECISÃO ADMINISTRATIVA #4 Apelação nº 1035964-72.2016.8.26.0100- Pág. 25

DECISÃO ADMINISTRATIVA #5 Apelação nº 1024562-15.2017.8.26.0405 - Pág. 26

DECISÃO JURISDICIONAL #1

Selecionadas por Alberto Gentil de Almeida Pedroso

Recurso Especial 2018/0204984-2 - Pág 28

DECISÃO JURISDICIONAL #2 AgInt no REsp 1755648 / SP - Pág. 29

DECISÃO JURISDICIONAL #3 Apelação nº 1027421-34.2017.8.26.0007- Pág 30

DECISÃO JURISDICIONAL #4 Apelação nº 1047517-12.2017.8.26.0576 - Pág. 32

DECISÃO JURISDICIONAL #5 Apelação nº 1072911- 91.2017.8.26.0100 pág. 35 ARISP JUS 17


DECISÃO ADMINISTRATIVA #1 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1008007-61.2017.8.26.0068, da Comarca de Barueri, em que é apelante ARACO PROPERTIES LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BARUERI. ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro da carta de arrematação, v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL). São Paulo, 30 de outubro de 2018. PINHEIRO FRANCO CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR Apelação nº 1008007-61.2017.8.26.0068 Apelante: Comercial Araco Ltda Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Barueri Voto nº 37.580. Registro de imóveis – Carta de Arrematação. Alienação Forçada. Aquisição Derivada. Domínio Útil. A aquisição de imóvel mediante alienação forçada em processo judicial não pode ser totalmente equiparada a alienação voluntária para fins de exigências do Oficial do Registro Imobiliário. Consideradas as particularidades não cabe prova do recolhimento do laudêmio e do cumprimento de demais obrigações perante a SPU em razão dessas obrigações do falido terem sido sub-rogadas no preço pago pelo arrematante - Recurso provido. 18 ARISP JUS

Trata-se de apelação interposta por Araco Properties Ltda contra r. sentença que julgou procedente a dúvida e manteve a recusa do registro de carta de arrematação do domínio útil de imóvel de propriedade da União por não cumprimento das disposições do artigo 3º, parágrafo 2º, inciso I, do Decreto- Lei no 2.398, de 1987. A apelante sustenta a regularidade do título e o cabimento do registro em razão da legislação incidente e por se cuidar de arrematação em processo de falência. A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 424/427). É o relatório. A natureza judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 119, do Capítulo XX, das NSCGJ. Este C. Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial. As exigências do Sr. Registrador foram as constantes do artigo 3º, parágrafo 2º, inciso I, do Decreto-Lei n. 2.398, de 1987, o qual prescreve: § 2o Os Cartórios de Notas e Registro de Imóveis, sob pena de responsabilidade dos seus respectivos titulares, não lavrarão nem registrarão escrituras relativas a bens imóveis de propriedade da União, ou que contenham, ainda que parcialmente, área de seu domínio: I - sem certidão da Secretaria do Patrimônio da União - SPU que declare: a) ter o interessado recolhido o laudêmio devido, nas transferências onerosas entre vivos; b) estar o transmitente em dia com as demais obrigações junto ao Patrimônio da União; e c) estar autorizada a transferência do imóvel, em virtude de não se encontrar em área de interesse do serviço público;

A alienação forçada em processo judicial encerra transmissão derivada do direito de propriedade imóvel por envolver manifestação de vontade do adquirente e do Estado, pressupondo relação jurídica anterior, donde emerge o caráter bilateral da aquisição, apesar da ausência de manifestação


de vontade do titular do direito real. Essa situação tem natureza de negócio jurídico entre o adquirente e o Estado, caracterizando aquisição derivada. Esse o entendimento de Araken de Assis (Manual da execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, itens 339 e 340.1), conforme segue: Seguramente, essa construção enfatiza aspecto deveras relevante na alienação forçada: o ato do Estado e o ato do adquirente se mostram heterogêneos. O poder de quem aliena (Estado) é indiscutivelmente público, jurisdicional, sub-rogatório da vontade do executado ou, trilhando o percurso da ação material, do agir do exequente, impedido de agir de mão própria pelo veto à autotutela. E a declaração de vontade do terceiro, que lança e arremata (ou do exequente e do terceiro que adjudicam) ostenta cunho privado. A conciliação é intuitiva, demonstrando a excelência da explicação seu cabal ajuste à realidade. Há oferta no lanço, e, no pedido de adjudicação, declaração de vontade que o Estado aceita, e, portanto, surge um típico negócio bilateral. Não existe contrato, porém: o negócio é de direito público e processual, classificado em categoria distinta. Em seu estilo característico, o autor da tese estigmatiza os críticos, acentuando: “Quando algum jurista investe, armas em riste, contra a afirmação de ser negocial a arrematação, ataca o quartel vizinho àquele que tinha de atacar, aquele que pertence aos contratos”. Enfim, a reunião do poder de expropriar do Estado, prestando tutela jurídica ao exequente, e a declaração de vontade do adquirente, movido pelo seu próprio interesse, revela-se flagrante. Outra razão plausível para rejeitar a engenhosa explicação oposta consiste na observação trivial de que, na compra e venda em que os atos são “homogêneos”, também a aceitação (pelo vendedor) da oferta (feita pelo comprador) condiciona a consumação do negócio. Por conseguinte, na alienação forçada se descortina negócio jurídico entre o Estado, titular do poder de expropriar o poder de dispor do executado, e o adquirente. (...) Quem equipara a alienação forçada à compra e venda, sem maiores hesitações, oferece ao quesito resposta tranquila: cuida-se de aquisição derivada, como é da índole do seu modelo privado. Em contrapartida, os adeptos de primeira hora do caráter público do negócio, radicalizando a ideia de que o Estado substitui o proprietário, cindindo a continuidade da cadeia de transmissões, estimam originária a aquisição. Claro está que, nesta última perspectiva, despreza-se o caráter negocial da alienação forçada.

Respeitando a correlação entre dívida e responsabilidade (art. 789), ao Estado não cabe expungir dos bens do executado alguns ônus (v.g., servidão de passagem que grava o imóvel penhorado), que beneficiam a terceiros, ou assegurar, tout court, o domínio apenas aparente do devedor em face do verus dominus. Também aqui calha o velho brocardo: não se transfere mais do que se tem (nemo plus iuris in alios transferre potest quam ipse haberet). Em outras palavras, a transmissão é feita a título derivado ao arrematante.

Apesar da natureza derivada da aquisição ela não é uma aquisição derivada voluntária em conformidade com a faculdade de dispor do proprietário do bem imóvel frente ao caráter forçado da alienação. Este C. Conselho Superior da Magistratura, em sua atual composição, analisou a situação da responsabilidade do arrematante pelas dívidas do executado, na Apelação Cível n. 1000063-31.2017.8.26.0319, j. 15.05.2018, como se observa do extrato do voto de minha relatoria: Contudo, independentemente de se tratar de aquisição derivada de propriedade, o caso concreto envolve, em verdade, a limitação de eventual responsabilidade do arrematante por eventual débito existente em desfavor do titular da propriedade do bem alienado judicial. E aqui, há de se observar que o arrematante não assume, de forma alguma, qualquer ônus ou responsabilidade sobre débitos do executado que tem seu imóvel levado a leilão judicial, Para além da inexistência de responsabilidade a qualquer título pelo arrematante por débitos pessoais do executado que tem o bem arrematado em leilão judicial, exceção óbvia às obrigações ambulatórias que figurem no edital, observa-se de fato que não existe qualquer registro ou averbação de ações reais ou reipersecutórias junto à matrícula do imóvel objeto do loteamento, além de inexistirem quaisquer ônus reais, tais como penhora, hipoteca, alienação fiduciária ou decretação de indisponibilidade (fl. 13/16). E, mesmo que existissem alguma oneração sobre o bem, haveria se de avaliar, em concreto, se não se enquadraria naqueles casos em que a arrematação transfere o direito de garantia sobre o bem para o saldo obtido com a arrematação, entregando-se o bem isento de ônus ao arrematante. (...) Pensar de forma diversa seria responsabilizar o arrematante, que confiou na segurança jurídica estatal, pagou o preço e arrematou o bem, por todos os encargos vinculados ao anterior proprietário, o que comprometeria a eficiARISP JUS 19


ência da tutela executiva, em ofensa à segurança jurídica. E refoge à lógica da arrematação judicial de bem por particular, no âmbito de processo executivo, a permanência dos efeitos de garantia patrimonial do bem sobre as dívidas que, em verdadeiro concurso de credores, haveriam de ser pagas com o saldo da arrematação, sendo impossível nova penhora sobre o bem arrematado por conta de débitos anteriores ou atuais havidos pelo devedor executado (STJ, REsp 866.191/SC 1ª T. rel. Min. Teori Albino Zavascki j. 22.02.2011 DJe 28.02.2011).

Compete, portanto, analisar as exigências legais sob o prisma da aquisição do imóvel em arrematação judicial. O artigo 3º, caput, do Decreto-Lei n. 2.398, de 1987, dispõe: Art. 3o A transferência onerosa, entre vivos, do domínio útil e da inscrição de ocupação de terreno da União ou de cessão de direito a eles relativos dependerá do prévio recolhimento do laudêmio pelo vendedor, em quantia correspondente a 5% (cinco por cento) do valor atualizado do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias.

Assim, a obrigação do recolhimento do laudêmio, compete ao vendedor, no caso, a massa falida executada. A falência da titular do direito real em questão, igualmente, pressupõe a existência de diversas dívidas e modo específico de sua satisfação no processo de falência. Nessa perspectiva, considerada a alienação forçada do direito real em processo de falência, haveria dificuldade, senão impossibilidade, da adquirente (arrematante) satisfazer exigências concernentes a prova do recolhimento do laudêmio e da quitação das demais obrigações junto ao Patrimônio da União (v. certidão de débitos de fls. 331), justamente, em razão dessas obrigações competirem à massa falida. De forma geral, o artigo 130, parágrafo único, do Código Tributário Nacional estabelece: Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação. 20 ARISP JUS

Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço. (grifos meus)

De forma específica, igualmente, o artigo 141, inciso II, da Lei n. 11.101/05, estabelece: Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo: (..) II o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.

Desse modo, as obrigações, cuja prova do adimplemento é exigida, são da alçada da falida e não da arrematante; somente teria lugar tais exigências na hipótese de alienação voluntária, o que não é a situação desta dúvida. As exigências do Sr. Oficial do Registro Imobiliário devem ser afastadas, sob pena de jamais haver arrematantes em situações semelhantes frustrando a efetividade do sistema legal incidente. A autorização da transferência, pelo fato do imóvel não se encontrar em área de interesse do serviço público é absolutamente indevida, pois, cumprida por meio da apresentação da Certidão de Autorização para Transferência CAT (a fls. 41/42). Por fim, o ora decidido já tinha sido reconhecido pela Secretaria de Patrimônio da União quando da expedição da CAT (a fls. 41/42) inclusive com posteriores esclarecimentos (a fls. 348/349), não tendo havido ilegalidade alguma. Ante o exposto, dou provimento ao recurso para julgar improcedente a dúvida e determinar o registro da carta de arrematação. PINHEIRO FRANCO Corregedor Geral da Justiça e Relator


DECISÃO ADMINISTRATIVA #2 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1000237-38.2018.8.26.0664, da Comarca de Votuporanga, em que é apelante WALTER FERNANDES, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE VOTUPORANGA.

Trata-se de apelação interposta por Walter Fernandes contra r. sentença que julgou procedente a dúvida, manteve a recusa do registro de escritura pública de compra e venda por violação ao princípios da continuidade e disponibilidade por não ter sido registrada a partilha do divórcio dos proprietários e recair indisponibilidade sobre o imóvel. O apelante sustenta o cabimento do registro em virtude da indisponibilidade não atingir a meação da vendedora e por ter havido a partilha do bem quando do divórcio dos proprietários (a fls. 280/285).

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

A douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 299/300).

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

Como consta da matrícula n. 2.089, o imóvel está registrado em nome de Aureo Ferreira e Maria Apparecida Rivera Ferreira (a fls. 16/21).

São Paulo, 12 de novembro de 2018. PINHEIRO FRANCO CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR Apelação nº 1000237-38.2018.8.26.0664 Apelante: Walter Fernandes Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Votuporanga Voto nº 37.584. REGISTRO DE IMÓVEIS – Imóvel registrado em nome de pessoas casadas. Escritura de compra e venda celebrada somente pela mulher na condição de divorciada. Necessidade do prévio registro da partilha do imóvel havida na ação de divórcio. Princípio da Continuidade. Além disso, inscrição de várias ordens de indisponibilidade sem indicação expressa de envolver a totalidade ou metade do imóvel. Impossibilidade da consideração de situações jurídicas não inscritas no registro imobiliário – Recurso não provido.

É o relatório.

O título apresentado encerra escritura de compra e venda de metade do referido imóvel por Maria Apparecida Zeitune Rivera, na condição de divorciada, em favor do Sr. Walter Fernades (a fls. 22/24). O artigo 195 da Lei de Registros Públicos estabelece: Art. 195 - Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.

Essa previsão normativa estabelece o princípio da continuidade, o qual é objeto das seguintes considerações de Valmir Pontes (Registro de imóveis. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 92): O sistema do Registro Imobiliário, entre nós, é rígido e fechado, sujeito ao princípio da continuidade do registro, de rigorosa observância. Por esse princípio, só a pessoa nominalmente referida no registro como titular do domínio de um imóvel pode transmitir a outrem esse seu direito ou onerá-lo de qualquer modo, pouco importando que o domínio lhe resulte de ato do próprio registro, como as transmissões inter vivos, ou independa dele, como no usucapião ou na sucessão hereditária. O essencial é que o nome do outorgante figure no registro como titular da propriedade ou do direito real, em cada caso. ARISP JUS 21


Desse modo, o registro pretendido depende do ingresso do título atinente à partilha do imóvel na ação de divórcio havida entre os proprietários constantes do registro. Sem essa providência, como bem decidiu o MM Juiz Corregedor Permanente, merece ser mantida a qualificação registral negativa, sob pena de violação do Princípio da Continuidade. Isso já seria suficiente para negar o registro. Seja como for, também há inscrições de diversas ordens de indisponibilidade sem indicação expressa de atingir a totalidade do imóvel ou apenas sua meação, apesar da menção somente do nome de Aureo Ferreira; o que, igualmente, demandaria a necessidade de especificação dos limites da eventual disponibilidade do bem. As razões recursais tratam de fatos que, até o momento, não foram objeto de registro em sentido amplo no registro imobiliário e, portanto, não podem ser consideradas na forma pretendida. Ante o exposto, nego provimento ao recurso. PINHEIRO FRANCO Corregedor Geral da Justiça e Relator

DECISÃO ADMINISTRATIVA #3 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1000036-33.2018.8.26.0539, da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, em que é apelante JT - LOTEADORA E INCORPORADORA LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISRTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE SANTA CRUZ DO RIO PARDO. ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso e julgaram improcedente a dúvida, v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

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O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL). São Paulo, 12 de novembro de 2018. PINHEIRO FRANCO CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR Apelação nº 1000036-33.2018.8.26.0539 Apelante: Jt - Loteadora e Incorporadora Ltda Apelado: Oficial de Regisrtro de Imóveis e Anexos da Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo Voto nº37.583 REGISTRO DE IMÓVEIS. Loteamento. Art. 18, § 2,° da Lei n° 6.766/79. Item 181 do Capítulo XX das NSCGJ. Ação de conhecimento na qual houve condenação dos sócios da loteadora em quantia pecuniária. Pendência de julgamento de recurso pela apelação cível na qual se discute o valor da indenização. Pretensão fundada em direito pessoal. Inexistência de plausibilidade suficiente de direito à indenização em valores que possam atingir os futuros adquirentes dos lotes. Recurso provido.

A JT LOTEADORA E INCORPORADORA LTDA. interpõe recurso de apelação contra r. sentença de fls. 1091/1094, que manteve o óbice levantado pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de Santa Cruz do Rio Pardo, obstando registro de loteamento, diante da falta de comprovação de que a ação de conhecimento que tramitou naquela Comarca não prejudicará os futuros adquirentes dos lotes. Sustenta a recorrente que está cabalmente comprovado que a ação que obsta o registro (Proc. n° 100015244.2015.8.26.0539) se limita à discussão a respeito de qual das partes tem culpa na rescisão contratual, se o lucro do empreendimento deverá ser partilhado pelos litigantes e se a parte lesada com a rescisão terá ou não direito à indenização. Diz, ainda, que o registro do loteamento é necessário, inclusive, para tornar viável o resultado da ação, à míngua de


interesse de qualquer das partes na paralisação do empreendimento. Sustenta, por fim, que há garantias suficientes para o débito eventualmente imposto em futura condenação. D. Procuradoria opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 1125/1131). É o relatório. DECIDO. Presentes os pressupostos processuais e administrativos, conheço do recurso. No mérito, a r. sentença, respeitosamente, deve ser reformada. A recorrente protocolou junto à serventia imobiliária pedido de registro do Loteamento Residencial Jardim América, Comarca de Santa Cruz do Rio Pardo, matrícula n° 8.148, a ser implantado pela proprietária, ora recorrente. Pelas notas devolutivas de fls. 684/686, 704/706 e 1013/1014, o ingresso foi negado por não haver comprovação de que a loteadora possuiria patrimônio suficiente para garantir eventual condenação decorrente da ação n°100015244.2015.8.26.0539, que tramitou perante a 2ª Vara Cível daquela Comarca. Na referida ação, Maria Aparecida de Lima Tavares, Roselene Aparecida Tavares Lippman (sócias da apelante), Antônio Geraldo Lippman, Claiton de Almeida Tavares e Cláudia Cristiane Pegorer Tavares litigam com Murilo Scatamburlo EPP. O litígio envolve a resolução do contrato e discussão de culpa pelo inadimplemento da avença firmada para o desenvolvimento do projeto do loteamento. A empresa Murilo Scatamburlo EPP seria responsável pelos custos de comercialização, que englobava desde o desenvolvimento de projetos até a contratação de força de vendas para a comercialização dos lotes. Na referida ação, uma parte imputa à outra a culpa pelo inadimplemento contratual, e tanto no pedido inicial como na reconvenção, ambas buscam a condenação dos adversá-

rios ao pagamento pela reparação material e moral. Durante o trâmite da referida ação, fora interposto agravo de instrumento n° 2221774-49.2015.8.26.0000, que fora provido pela 1a. Câmara de Direito Privado, em decisão definitiva, para que a apelante continuassem com a execução do projeto do loteamento, sem prejuízo de participação dos litigantes nos resultados eventualmente daí advindos (fls. 875/880). E pelo que se colhe dos autos, a r. sentença proferida naquela ação julgou procedente em parte os pedidos (fls. 855/863), rescindido o contrato entabulado entre as partes e condenando os sócios da apelante ao pagamento de R$ 250.000,00. O MM. Juiz reconheceu que os sócios da apelante não cumpriram sua obrigação de tempestiva retificação do registro das áreas contratuais, na forma prevista, e que somente a matrícula n. 8.148, que é aquela relativa a este procedimento, estava devidamente retificada. Os autores também teriam deixado de entregar procuração à Murilo Scatamburlo EPP, instrumento esse necessário às providências de implantação e administração do empreendimento (fl. 860). Por outro lado, a r. sentença também reconhece que a Murilo Scatamburlo EPP não cumpriu seu dever contratual de cuidar da implantação do loteamento, elaboração e aprovação de projetos, custeio de despesas de aprovação e gerenciamento das obras de infraestrutura (fl. 861). Reconhece, também, que a Murilo Scatamburlo EPP não tomou qualquer providência, face ao descumprimento contratual pelos sócios da apelante, já que deveria ao menos notificá-los para que cumprissem sua parte no contrato (fl. 862). Noutras palavras, a r. sentença da ação de reparação de danos decretou a resolução do contrato e condenou os autores, em reconvenção, à restituição, em favor da Murilo Scatamburlo EPP, apenas do sinal oferecido na celebração do contrato, no importe de R$ 250.000,00, com atualizações. Em consulta realizada nesta data, verificou-se que a apelação cível interposta contra a r. sentença ainda se encontra pendente de julgamento. E, ao menos do que consta dos autos, face à decisão lançada no referido agravo de instrumento, as obras de infraestrutura continuam. ARISP JUS 23


Quanto à obrigatoriedade de se fazer prova da ausência de risco aos adquirentes dos lotes, além da previsão expressa contida no § 2° do art. 18 da Lei n° 6.766/79, o Item 181 do Capítulo XX das NSCGJ assim dispõe: 181. As certidões de ações pessoais e penais, inclusive da Justiça Federal, e as de protestos devem referir-se ao loteador e a todos aqueles que, no período de 10 (dez) anos, tenham sido titulares de direitos reais sobre o imóvel; serão extraídas, outrossim, na comarca da situação do imóvel e, se distintas, naquelas onde domiciliados o loteador e os antecessores abrangidos pelo decênio, exigindo-se que as certidões tenham sido expedidas há menos de 6 (seis) meses.

O Sr. Oficial entendeu não ser possível avaliar os reflexos decorrentes dessa condenação, na hipótese de eventual reforma da sentença, posto que a decisão poderá elevar, de forma considerável, o valor da condenação em desfavor dos sócios da recorrente, podendo alcançar a cifra de R$ 26.000.000,00. Ocorre que, no quadro atual, não existe risco de insolvência por parte da apelante. O valor eventualmente cabível em indenização decorrerá da venda dos lotes aos futuros compromissários compradores, com base no lucro dessas vendas que ainda acontecerão, em caso de êxito do empreendimento, tratando-se, assim, de obrigação condicional, não obrigação a termo. Não se cuida, outrossim, de ação real que atinja o imóvel em que será implantado o loteamento, nem se comprovou que dela decorre, até o momento, determinação de bloqueio da matrícula que impeça a livre alienação de lotes. A pretensão de recebimento de indenização por perdas e danos pelo não cumprimento de contrato entabulado não se mostra suficiente para impedir o registro do loteamento, especialmente porque, ao menos em cognição inicial, a extensão do dano a ser reparado já está delimitada. Não há plausibilidade, até o momento, de direito da parte adversária ao recebimento de indenização com valor que possa ensejar risco aos futuros adquirentes dos lotes, ou de ausência de patrimônio do loteador de forma suficiente a suportar o hipotético pagamento. Ao revés, o que existe até o momento é decisão monocrática, embora provisória, afirmando que esse direito não 24 ARISP JUS

existe, mas tão somente a retenção do sinal dado em garantia ao negócio jurídico. Não bastasse, o patrimônio apresentado pela apelante, até o momento, supera em muito o valor da condenação, já que comprovada a propriedade do imóvel da matrícula n. 25.239, do mesmo registro imobiliário, avaliado em R$ 5.764.600,00 (fls. 695/701). Até o momento, portanto, não há que se falar em risco aos futuros adquirentes dos lotes, já que os pedidos de reparação material e moral, formulados pelos autores na ação e pela reconvinte, foram julgados improcedentes. O argumento do N. Oficial Registrador, no sentido de que, até o momento, não existe decisão definitiva quanto ao litígio, embora cautelosa, não pode servir de óbice ao registro do parcelamento. Ainda que julgado o recurso de apelação interposto, a decisão definitiva somente viria após o esgotamento de todas as vias recursais, com possibilidade, em tese, de interposição de Recursos Especial e Extraordinário. E, ainda que se fale em trânsito em julgado, restaria também o prazo da ação rescisória, sem prejuízo de propositura de ação de querela nullitatis, que é imprescritível. Não bastasse, é razoável a alegação da apelante no sentido de que a remuneração aos autores da ação de indenização decorreria justamente do sucesso na venda dos lotes. Ainda que eventualmente se venha a reconhecer o direito ao recebimento de perdas e danos, ou lucros cessantes, deve o empreendimento prosseguir de forma a permitir que a arrecadação de recursos por meio das futuras alienações dos lotes, que somente serão individualizados a partir do registro pretendido. Por fim, não há que se falar em depósito nestes autos da receita das vendas dos futuros lotes, a título de caução, ou mesmo oferta de garantia real, já que o procedimento administrativo da dúvida não comporta essa espécie de medida acautelatória. O procedimento de dúvida é reservado à análise da discordância do apresentante com os motivos que levaram à recusa do registro do título. De seu julgamento, decorrerá a manutenção da recusa, com cancelamento da prenotação, ou a improcedência da dúvida, que terá como consequência a


realização do registro (art. 203, II, da Lei nº 6.015/73). Afora o exame técnico da qualificação levada a efeito pelo oficial, e eventualmente a determinação de bloqueio da matrícula, esse procedimento administrativo não admite qualquer espécie de medida voltada à garantia de eventuais futuros interessados. Sendo assim, mostra-se viabilizado o registro do loteamento, sendo o provimento do recurso medida que se impõe. Ante o exposto, dou provimento ao recurso e julgo improcedente a dúvida. PINHEIRO FRANCO Corregedor Geral da Justiça e Relator Assinatura Eletrônica

DECISÃO ADMINISTRATIVA #4 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação nº 1035964-72.2016.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante PAULO EDUARDO NORI MORTARI, é apelado 4º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE SÃO PAULO. ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento à apelação, v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL). São Paulo, 12 de novembro de 2018. PINHEIRO FRANCO CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação nº 1035964-72.2016.8.26.0100 Apelante: Paulo Eduardo Nori Mortari Apelado: 4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo Voto nº 37.589. Registro de Imóveis – Compromisso de cessão de direitos de unidade autônoma – Desqualificação do título – Necessidade de prévio registro da incorporação, além do registro dos títulos aquisitivos em nome da transmitente e da apresentação de prova de sua representação – Precedentes deste C. Conselho Superior da Magistratura – Apelação desprovida. Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente do 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital1, que manteve a recusa ao registro de instrumento particular de compromisso de cessão de direitos das unidades nos 51 e 52 do empreendimento a ser construído no imóvel objeto das matrículas nos 150.508, 146.952, 178.056 e 45.066, sob o fundamento de ser necessário o prévio registro da incorporação imobiliária, além do registro dos títulos aquisitivos em nome da transmitente e da apresentação de prova de sua representação. Sustenta o apelante, em síntese, que a responsabilidade pela falta de registro de incorporação não lhe pode ser imputada, ressaltando tratar-se de uma exigência impossível de ser cumprida. Diz que não há ofensa ao princípio da continuidade registral, pois o título que pretende registrar identifica os sujeitos participantes do negócio jurídico. Afirma, ainda, que há excesso de formalismo e que não há fundamento legal para a exigência da prova da representação da promitente vendedora. A Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso. É o relatório. O apelante, por meio de instrumento particular de compromisso de cessão de direitos, adquiriu duas unidades autônomas de um empreendimento a ser edificado na Rua Casa do Ator, nº 228/232.

1 Fls. 120/124. ARISP JUS 25


No entanto, da análise das matrículas nos 150.508, 146.952, 178.056 e 45.066 do 4º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, é possível constatar que a incorporação imobiliária não foi objeto de registro. Ademais, no fólio real não consta como titular de domínio a pessoa jurídica que, no contrato celebrado entre as partes, figurou como promitente cedente. Assim sendo, sob pena de violação ao princípio da continuidade, não há como se afastar as exigências referentes ao prévio registro do título aquisitivo da promitente cedente. E por força de expressa disposição legal, mostra-se correto o óbice relativo à ausência do registro do memorial de incorporação, ante o disposto no art. 32 da Lei nº 4.591/64. Quanto às razões que justificam a exigência do prévio registro da incorporação, ensina Caio Mário da Silva Pereira: “No entanto, a grande inovação, diríamos mesmo, a revolução operada pela Lei nº 4.591/64, no sistema vigente, foi a fixação dos requisitos para que uma incorporação seja lançada e as unidades comprometidas ou vendidas. Ao contrário do que antes ocorria, quando o incorporador negociava sem oferecer garantias e o adquirente realizava verdadeiro salto no escuro, sob todos os aspectos a lei nova cuidou particularmente do assunto fez dele um capítulo, imprimindo-lhe ênfase toda especial” (Condomínio e Incorporações: 12ª ed. rev. e atual. Forense; fls. 210). Sobre o tema, já ficou decidido que: Registro de Imóveis – Compromisso de cessão de direitos de unidade autônoma – Pedido de registro do instrumento – Desqualificação – Necessidade de prévio registro da incorporação – Inteligência do artigo 32 da Lei nº 4.591/64 – Precedentes deste Conselho Superior – Apelação desprovida. (TJSP; Apelação 100915460.2016.8.26.0100; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível - 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 10/11/2016; Data de Registro: 12/12/2016).

Por fim, também cabível a exigência de prova da representação da promitente cedente, a teor do quanto previsto no art. 1.060 do Código Civil: Art. 1.060. A sociedade limitada é administrada por uma ou mais pessoas designadas no contrato social ou em ato separado. Parágrafo único. A administração atribuída no contrato 26 ARISP JUS

a todos os sócios não se estende de pleno direito aos que posteriormente adquiram essa qualidade. Desse modo, somente com a apresentação do contrato social atualizado da pessoa jurídica cedente estaria comprovado que o subscritor do contrato de cessão de direitos efetivamente tinha poderes para representar a cedente. Corretos, pois, os óbices apresentados ao pretendido registro. Diante do exposto, nego provimento à apelação. PINHEIRO FRANCO Corregedor Geral da Justiça e Relator

DECISÃO ADMINISTRATIVA #5 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1024562-15.2017.8.26.0405, da Comarca de Osasco, em que são apelantes VAILTON IDELMAR GONÇALVES e ROSELIA MENDES FERREIRA GONÇALVES, é apelado 1° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS TITULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURIDICA OSASCO. ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento ao recurso e julgaram improcedente a dúvida, com observação, v.u.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL). São Paulo, 12 de novembro de 2018. PINHEIRO FRANCO CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR


Apelação nº 1024562-15.2017.8.26.0405 Apelantes: Vailton Idelmar Gonçalves e Roselia Mendes Ferreira Gonçalves Apelado: 1° Oficial de Registro de Imóveis Titulos e Documentos e Civil de Pessoa Juridica Osasco Voto nº37.636 REGISTRO DE IMÓVEIS. Usucapião. Ausência de citação do titular do domínio. Questão processual que escapa à análise do registrador. Vício que não macula o mandado de registro, até que desfeita, por iniciativa do prejudicado, a coisa julgada material. Registro devido. Caráter originário da aquisição por usucapião obsta questionamentos acerca da continuidade registral. Recurso provido, com determinações.

Trata-se de apelação interposta por VAILTON IDELMAR GONÇALVES e ROSELIA MENDES FERREIRA GONÇALVES, contra a r. sentença de fls. 95/96, que manteve a recusa levantada pelo 1° Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Osasco, negando registro de sentença proferida em ação de usucapião judicial. Os recorrentes afirmam que a usucapião é forma de aquisição originária de propriedade, na qual não há observância do princípio da continuidade, tratando-se de exigência impossível de ser cumprida, já que a ação está transitada em julgado. A D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 141/144). É o relatório. Presentes os pressupostos recursais e administrativos, conheço do recurso. No mérito, o recurso deve ser provido. Os títulos judiciais também não escapam ao crivo da qualificação registral, de modo que o registrador deverá examinar se estão atendidos os princípios registrais pertinentes ao caso, para seu perfeito ingresso no fólio real. Contudo, isso não significa que caiba ao registrador questionar o conteúdo da decisão e tampouco o seu mérito, apesar de sua reconhecida cautela e prudência tomadas na hipótese.

A usucapião traduz forma originária de aquisição de propriedade, desvinculada de conteúdo declaratório de vontade de anteriores proprietários, sem necessidade de observância do princípio do trato sucessivo. De fato, o titular do domínio, José Pereira dos Santos, não foi citado nos autos da ação de usucapião. E isso aconteceu porque, quando solicitadas informações à serventia imobiliária, em dezembro de 2009, foi expedida certidão negativa relativa ao imóvel usucapiendo (fl. 34), havendo citação dos proprietários da transcrição da área maior, do 16º Registro de Imóveis da Capital. Somente após o trânsito em julgado da sentença, em fevereiro de 2013, a serventia disse sobre a existência de matrícula do imóvel usucapiendo lá registrada, fornecendo o nome do titular do domínio, José Pereira dos Santos. Este Eg. Conselho Superior da Magistratura tem entendido que não cabe ao Registrador rever o procedimento jurisdicional, apontando e utilizando eventuais vícios processuais como causa de recusa. Confira-se: "Registro de Imóveis − Usucapião − Ausência de parte dos coproprietários registrais no pólo passivo da lide − Questão processual, que escapa à análise do registrador − Vício que não macula a carta de sentença − Registro devido Títulos judiciais não escapam à qualificação registral − Todavia, a qualificação limita-se a questões formais − Não compete ao Sr. Registrador recusar registro com base em suposta nulidade do procedimento, por não constar parte dos proprietários registrais no pólo passivo da lide − O caráter originário da aquisição por usucapião obsta questionamentos acerca da continuidade registral − Recurso provido. (Apelação nº 1006009-07.2016.8.26.0161,15 de agosto de 2017)."

No voto do E. Relator, Des. PEREIRA CALÇAS, foi esclarecido que: "Por se cuidar de forma originária de aquisição da propriedade, indagação alguma haverá de ser feita acerca da continuidade. Rompem-se todos os vínculos preteritamente havidos sobre o bem, de tal arte que prescindível a estrita observância da continuidade, diversamente do quanto afirmado pela Oficial. Estes os magistérios do Eminente Desembargador Benedito Silvério Ribeiro: “No ARISP JUS 27


referente ao cumprimento de mandado expedido em processo de usucapião, cabe ao oficial verificar se há menção ao trânsito em julgado da sentença transcribenda no seu aspecto formal, isto é, em relação às partes que foram chamadas e acudiram ao chamamento. Questões mais complexas, tais como aquelas derivadas de citações que deveriam ter sido feitas e não o foram, essas escapam ao âmbito da instância administrativa, sob pena de se erigir esta em obstáculo à força da coisa julgada, em seu aspecto material e formal.” (Tratado de Usucapião, São Paulo: Saraiva. 6ª ed., p. 1469). Em seguida, versando especificamente acerca de eventual falta de citação de coproprietário do imóvel usucapido, pondera: “A ausência de convocação edital verificada pelo oficial do registro não rechaça o trânsito em julgado e, portanto, não impede o cumprimento do mandado. Trata-se de ineficácia relativa da sentença, como assinala Pontes de Miranda, podendo ser rescindida por infração do art. 942 e §§ 1º e 2º do Código de Processo Civil (art. 485, V). Da mesma forma, não cabe afastar o registro, se não foi citado no processo de usucapião o titular da transcrição constante do cadastro tabular, o cônjuge ou os confinantes” (Op. cit., p. 1470). (g.n)."

Caberá aos eventuais prejudicados, titular do domínio, seus herdeiros ou sucessores, pleitear a nulidade da ação de usucapião, via ação rescisória ou mesmo com a propositura de ação de querela nullitatis, buscando o desfazimento da coisa julgada material. Não cabe, na hipótese, sequer o bloqueio da matrícula na qual será registrada a usucapião, já que não se sabe se o proprietário atingido pela usucapião tomará alguma iniciativa de reversão do julgado, não sendo razoável permaneça a matrícula bloqueada sine die. Apenas por cautela, deverá o Sr. Oficial comunicar ao MM. Juiz da ação de usucapião, autos n° 001778864.2009.8.26.0405, 1ª. Vara Cível da Comarca de Osasco, sobre o registro que será realizado. De outra parte, a conduta do 1° Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Osasco precisa ser apurada, face à possibilidade de falha de serviço quando das primeiras informações sobre o imóvel usucapiendo, expedindo-se certidão negativa quando, em verdade, ele estaria matriculado na serventia imobiliária. Ante o exposto, dou provimento ao recurso e julgo improcedente a dúvida. 28 ARISP JUS

Determino a expedição de ofício ao MM. Juiz Corregedor Permanente do 1° Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Osasco, com cópia integral desses autos, para apuração de eventual falta disciplinar do Sr. Oficial, assim como o Titular da Serventia deverá comunicar ao MM. Juiz da ação de usucapião sobre o registro realizado, tudo na forma acima descrita. PINHEIRO FRANCO Corregedor Geral da Justiça e Relator

DECISÃO JURISDICIONAL #1 PROCESSO REsp 1767186 / SE RECURSO ESPECIAL 2018/0204984-2 RELATOR(A) Ministro HERMAN BENJAMIN (1132) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA DATA DO JULGAMENTO 08/11/2018 DATA DA PUBLICAÇÃO/FONTE DJe 19/11/2018 EMENTA ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. LAUDÊMIO. TERRENO DE MARINHA. CRIAÇÃO DE NOVA PESSOA JURÍDICA. INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL. ONEROSIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. TEMA 332. 1. Trata-se, na origem, de Mandado de Segurança com o objetivo de dispensar o pagamento de laudêmio à União em razão da transferência de imóvel, como integralização do capital social, em terreno de marinha entre empresas do mesmo grupo econômico. 2. A sentença concedeu a segurança "para determinar que a autoridade impetrada expeça os competentes RIP´s relativos às unidades habitacionais que compõem o Empreendimento Imobiliário Mansão Carlos Melo, sem condicionar tal ato ao pagamento do laudêmio exigido". O Tribunal de origem manteve a sentença. 3. O acórdão recorrido afastou a aplicação do Tema 332 fir-


mado no Recurso Especial Repetitivo 1.165.276/PE que entende devido o pagamento do laudêmio nas situações em que o imóvel foi utilizado na integralização do capital social da empresa. 4. Não se desconhece a jurisprudência do STJ que afasta a aplicação do precedente firmado no Recurso Especial Repetitivo 1.165.276/PE nos casos em que há incorporação de empresas por outra sociedade empresária, entendendo não haver onerosidade na operação empresarial (AgInt no REsp 1.647.790/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 8/6/2017). 5. Ocorre que o caso concreto não trata de incorporação de empresas, mas da criação de nova empresa para obter financiamentos bancários, a viabilização da incorporação imobiliária e a alienação das unidades autônomas a terceiros. 6. A criação de uma nova pessoa jurídica, mesmo que possua como sócia outra pessoa jurídica que atua no mesmo ramo ou atividade comercial, implica individualização de direitos e obrigações. Não há sentido em excetuar a tese firmada no REsp Repetitivo 1.165.276/PE, de que o núcleo essencial é o reconhecimento da onerosidade do negócio jurídico empresarial que transfere o domínio útil de imóvel da União (terreno de marinha) para terceiros, compondo o imóvel o capital social da pessoa jurídica criada. Nesse sentido, mutatis mutandis: AgRg no AREsp 429.801/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 18/2/2014; AgRg no AREsp 401.691/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 5/12/2013; EDcl no AgRg no Ag 977.663/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16/5/2013; AgRg no REsp 1.338.919/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 25/9/2012, REsp 1.280.740/ PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 8/11/2011; AgRg no REsp 1.209.294/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 7/12/2010; EREsp 1.104.363/PE, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Corte Especial, julgado em 29/6/2010. 7.Recurso Especial da União provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: ""A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Francisco Falcão."

DECISÃO JURISDICIONAL #2 PROCESSO AgInt no REsp 1755648 / SP AGRAVO INTERNO NO 2018/0184764-0

RECURSO

ESPECIAL

RELATOR(A) Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE (1150) ÓRGÃO JULGADOR T3 - TERCEIRA TURMA DATA DO JULGAMENTO 12/11/2018 Data da Publicação/Fonte DJe 16/11/2018 EMENTA AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. 1. LOTEAMENTO URBANO. TAXAS DE MANUTENÇÃO. CAUSA DE PEDIR. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL. REGISTROS PÚBLICOS. CONTRATO-PADRÃO. IMÓVEL TRANSMITIDO POR SUCESSÃO. VINCULAÇÃO OBRIGATÓRIA. SÚMULA 83/STJ. 2. AFERIÇÃO DA AVERBAÇÃO, NA MATRÍCULA DO IMÓVEL, DA OBRIGAÇÃO QUE DEU ENSEJO À COBRANÇA DAS TAXAS DE MANUTENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. 3. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Nos termos do entendimento deste Tribunal, "por força do disposto na lei de loteamento, as restrições e obrigações constantes no contrato-padrão, depositado em cartório como condição para o registro do projeto de loteamento, incorporam-se ao registro e vinculam os posteriores adquirentes, porquanto dotadas de publicidade inerente aos registros públicos" (REsp 1.422.859/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 3/11/2015, DJe 26/11/2015). 2. O quadro fático delineado nos autos difere-se daquele constante dos recursos repetitivos (REsp n. 1.439.163/SP e n. 1.280.871/SP), uma vez que, não obstante a autora seja associação de moradores, as despesas cobradas não decorrem de taxas por ela criadas, mas, sim, de obrigação constante em contrato-padrão, depositado em cartório como condição ARISP JUS 29


para o registro do projeto de loteamento fechado, sendo, com isso, exigíveis os débitos buscados na presente ação de cobrança, nos termos da cognição exarada pela Terceira Turma no REsp 1.422.859/SP. 3.A modificação da conclusão delineada no acórdão recorrido - acerca da existência de adesão, na matrícula do imóvel adquirido pelo agravante por sucessão, ao ato que instituiu o encargo oriundo do loteamento fechado - demandaria necessariamente o revolvimento dos fatos e das provas dos autos, atraindo, assim, o óbice disposto na Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno desprovido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Moura Ribeiro.

DECISÃO JURISDICIONAL #3 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1027421-34.2017.8.26.0007, da Comarca de São Paulo, em que é apelante CLÁUDIA DE SOUZA ORTIZ FRANÇA (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A. ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 32ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores LUIS FERNANDO NISHI (Presidente), CAIO MARCELO MENDES DE OLIVEIRA E RUY COPPOLA. São Paulo, 21 de novembro de 2018. Luis Fernando Nishi Relator

30 ARISP JUS

Voto nº 26284 Apelação Cível nº 1027421-34.2017.8.26.0007 Comarca: São Paulo - Foro Regional de Itaquera 5ª Vara Cível Apelante(s): Claudia De Souza Ortiz França Apelado(a)(s): Banco Santander Brasil S/A Juiz(a) 1ª Inst.: Dr(a). Daniel Fabretti APELAÇÃO ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE IMÓVEL ANULAÇÃO DE PROCEDIMENTO DE EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL Alegação de ausência de intimação acerca da realização dos leilões Intimação realizada por meio de telegrama enviado ao imóvel - Desnecessário o recebimento pessoal para produzir efeitos - RECURSO IMPROVIDO.

Vistos. Trata-se de apelação interposta por CLAUDIA DE SOUZA ORTIZ FRANÇA, contra respeitável sentença de fls. 276/283, que, nos autos da ação anulatória de execução extrajudicial que movem contra BANCO SANTANDER BRASIL S/A, julgou improcedente o pedido. Irresignada, apela a parte autora (fls. 401/428), sustentando, em síntese, vícios no procedimento de execução extrajudicial, que deve ser anulado, sob pena de violar o princípio do contraditório e da ampla defesa; ausência de intimação pessoal acerca das datas de realização do leilão, não comprovada pelos documentos de fls. 82/84, extraídos do site do leiloeiro; a intimação para purga da mora foi enviada para antigo endereço e intimação ao endereço do imóvel não foi entregue pessoalmente à devedora, sendo recebido por pessoa estranha à relação contratual firmada entre as partes; o livro de correspondências do condomínio comprova que a intimação não foi entregue à autora; a purgação da mora deve se dar pelas prestações vencidas e pode ocorrer até a data da assinatura do auto de arrematação. Recurso processado, com contrarrazões (fls. 323/331). É o relatório, passo ao voto. As partes firmaram instrumento particular para aquisição de imóvel, com cláusula de alienação fiduciária em garantia e, diante da inadimplência da autora, o Banco providenciou sua notificação para purgação da mora. Quedando-se inerte a devedora, operou-se a consolidação da propriedade do imóvel


em nome da instituição financeira, autorizando-a a efetuar o leilão extrajudicial do bem. A autora alega ausência de intimação pessoal acerca das datas de realização do leilão, requerendo, diante de tal vício, que seja anulado o procedimento de execução extrajudicial, sendo certo que não alega irregularidade quanto à notificação para purgação da mora (fls. 408). Restou demonstrado, porém, que a autora foi intimada através de telegrama endereçado ao imóvel e entregue no local, desnecessário que seja recebido e assinado pessoalmente pela devedora, desde que regularmente entregue no endereço de seu domicílio, tal como se deu na hipótese dos autos. Intimada a se manifestar a respeito da contestação e dos documentos comprobatórios da sua intimação, a autora silenciou a respeito, limitando-se a afirmar, contrariamente à prova dos autos, que o réu não teria trazido aos autos “nenhum documento que comprove tais notificações” (fls. 331), deixando, ainda, de apresentar, no momento oportuno, quaisquer documentos capazes de infirmar a prova produzida pelo réu. A autora, portanto, não se desincumbiu do ônus de provar o fato constitutivo da sua pretensão. Nas razões recursais, traz aos autos livro de correspondências do condomínio, que, a rigor, corrobora a entrega da correspondência. A alegação de que o documento não lhe teria sido entregue pessoalmente, fundada na mera divergência entre a rubrica ali aposta e a assinatura da procuração, além de não se mostrar plausível, dependeria de prova não pleiteada oportunamente pela autora, além de ser irrelevante para que a intimação produza efeitos. Nesse sentido: em>Alienação fiduciária de imóvel. Mora da devedora. Ação anulatória de ato jurídico com pedido de tutela para suspensão dos efeitos do leilão e exercício de purga da mora, mediante planilha de débito. Improcedência da ação. Preliminar nas contrarrazões de falta de interesse de agir. Não ocorrência. Duas apelações protocoladas pela autora. Princípio da unirrecorribilidade. Conhecimento apenas do primeiro recurso. Alegação de nulidade do procedimento para consolidação da propriedade em favor

do banco. Procedimento previsto em lei e em total consonância ao devido processo legal. Alegação de notificação desacompanhada da planilha atualizada do débito. Indicação da dívida pendente para fins de purga da mora comprovada pela instituição financeira. Intimação quanto às datas dos leilões designados comunicada por telegrama entregue no endereço da devedora. Formalidades legais preenchidas. Ausência de nulidade. Depósito parcial do débito. Impossibilidade de purgação da mora. Sentença mantida. Recurso desprovido, com observação. De início, afasta-se a preliminar nas contrarrazões de falta de interesse de agir. Pretende a autora pagamento da dívida pendente, com depósito de parte da dívida, havendo interesse, inclusive, na quitação do débito pretérito e manutenção do contrato firmado, inexistindo qualquer óbice à propositura da ação. "Só cabe um único recurso para a mesma decisão, pois exercida a atividade recursal, opera-se a preclusão consumativa, não sendo possível a interposição de qualquer outro recurso contra o mesmo pronunciamento, diante do princípio da unirrecorribilidade ou unicidade do recurso" (Agravo de Instrumento 1.262.432 -0/5, relator o Desembargador Walter Zeni). Nos termos do art. 26 da Lei 9514/97 a intimação para purga da mora traz a possibilidade de o devedor satisfazer as prestações vencidas e vincendas até a data do pagamento, com os encargos, o que implica na necessidade de ser apresentada a planilha da dívida, o que foi comprovado pela instituição financeira na contraminuta. De outra parte, consoante entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça e desta Câmara, mesmo na vigência da Lei 9.514/97, há necessidade de intimação pessoal do devedor acerca da data de realização do leilão extrajudicial (AgRg no REsp. 1357704/RS, Min. Paulo de Tarso Sanseverino e REsp. 1447687/DF, Min. Ricardo Villas Bôas Cueva). E, com a atual redação dada pela Lei 13.465/2017, art. 27-A, resta expressa a necessidade de comunicação do leilão no endereço do devedor, a fim de possibilitar o direito de preferência, o que ocorreu através de telegrama entregue no endereço da devedora. A autora teve ciência do prazo para purgação da mora, mas não realizado o pagamento integral, limitando-se ao depósito de parte do valor, não faz jus à extinção da dívida. (TJSP;

Apelação 1026398-31.2017.8.26.0564; Relator (a): Kioitsi Chicuta; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro de São Bernardo do Campo - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/08/2018; Data de Registro: 13/08/2018) Assim, realizada a intimação acerca do leilão do imóvel, ARISP JUS 31


era mesmo de rigor a improcedência da ação. Ante o não provimento do recurso, majoro os honorários advocatícios do patrono da parte ré para 12,5% sobre o valor da causa, em consideração ao trabalho adicional desenvolvido em sede recursal, nos termos do §11 do art. 85 do CPC, observada a gratuidade. Ante o exposto, e pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao recurso. LUIS FERNANDO NISHI Relator

DECISÃO JURISDICIONAL #4 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1047517-12.2017.8.26.0576, da Comarca de São José do Rio Preto, em que é apelante ALAN RAFAEL DA SILVA (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S/A. ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Observada a determinação prevista no artigo 942/CPC (prosseguimento em caso de resultado não unânime), deram provimento ao recurso, por maioria de votos, vencidos o 2º juíz (que declara) e o 3º juiz, de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores PAULO ALCIDES (Presidente sem voto), RODOLFO PELLIZARI, VITO GUGLIELMI, PERCIVAL NOGUEIRA E EDUARDO SÁ PINTO SANDEVILLE. São Paulo, 1º de novembro de 2018. Ana Maria Baldy Relator Apelação nº 1047517-12.2017.8.26.0576 Apelante : Alan Rafael da Silva (Justiça Gratuita) Advogado : Felipe Augusto Tadini Martins (Fls: 12) Apelado : MRV Engenharia e Participações S/A 32 ARISP JUS

Advogados : Fabiana Barbassa Luciano e outro Comarca: São José do Rio Preto Voto nº 03461 AÇÃO DE COBRANÇA – TAXA DE ATRIBUIÇÃO DE UNIDADE – Ilegitimidade passiva da ré não configurada – Cobrança pela incorporadora/apelada do valor referente ao cancelamento da hipoteca do imóvel adquirido pelo apelante. Art. 44 da Lei de Incorporação Imobiliária (4.591/64) que prevê a responsabilidade da incorporadora em individualizar as matrículas – Sentença de improcedência reformada – RECURSO PROVIDO.

Trata-se de ação de cobrança que Alan Rafael da Silva move em face de MRV Engenharia e Participações S/A. Aduz o autor que celebrou com a ré contrato de promessa de compra e venda da unidade 106, bloco 04, Parque Rio Porteño, São José do Rio Preto/SP. Afirma que foi compelido pela ré a arcar com o valor de R$ 1.536,38 a título de cancelamento de hipoteca de sua unidade. Entendendo pela responsabilidade da ré em arcar com tais valores, propôs a presente ação. Contestação fls. 60/68. Réplica fls. 118/126. Adveio a r. sentença que julgou improcedente a ação, condenando o autor ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 937,00, ressalvada a isenção da gratuidade. Inconformado, apela o autor, objetivando em síntese, o reexame e a reversão do julgado com fundamento na responsabilidade da ré em arcar com as despesas oriundas do cancelamento da hipoteca firmada entre ela e o agente financeiro. O recurso foi regularmente processado e respondido (fls. 180/187), suscitando a apelada sua ilegitimidade passiva, tendo em vista que a cobrança dos valores não foi efetuada por ela. É o relatório. Por primeiro, afasto a preliminar arguida em contrarrazões de ilegitimidade passiva da requerida MRV, isso porque o caso em comento é regido pelo Código de Defesa do Consumidor, respondendo a requerida solidariamente com todos os envolvidos da cadeia de serviços em face do consumidor. Ademais, observa-se que foi a ré quem arcou com as despesas do cancelamento de hipoteca (fls. 74), fazendo a co-


brança do autor posteriormente, o que demonstra sua legitimidade em figurar no polo passivo da demanda. As despesas com o cancelamento da hipoteca, ou as chamadas “Taxas de Atribuição de Unidade” são a cobrança feita pelo cartório de registro de imóvel para individualizar uma matrícula, de uma fração ideal do terreno. A cláusula 8 do contrato celebrado entre as partes dispõe que “todos os impostos, tributos e quaisquer despesas decorrentes da transferência do imóvel, tais como: escritura, ITBI, registro, despachante, cadastro, despesas com Alienação Fiduciária em Garantia e outras” são de responsabilidade do PROMITENTE COMPRADOR (fls. 26), assim a “Taxa de Atribuição de Unidade”, não pode ser entendida como incluída em tal previsão. Isto porque, o Artigo 44 da Lei Federal nº. 4.591/64 (lei da Incorporação Imobiliária) dispõe que a responsabilidade para a individualização das matrículas é da incorporadora: Art. 44. Após a concessão do "habite-se" pela autoridade administrativa, o incorporador deverá requerer, (VETADO) a averbação da construção das edificações, para efeito de individualização e discriminação das unidades, respondendo perante os adquirentes pelas perdas e danos que resultem da demora no cumprimento dessa obrigação.

Tem reiteradamente esta Colenda 6ª Câmara de Direito Privado, bem como os demais órgãos deste E. Tribunal, decidido que a responsabilidade pelas referidas despesas é da incorporadora, pois são custos inerentes à atividade de incorporação, in verbis: Agravo de instrumento. Venda e compra de imóvel. Cobrança pela incorporadora de "Taxa de Atribuição de Unidade". Tutela antecipatória para suspensão da exigibilidade e abstenção de negativação dos nomes dos autores indeferida. Insurgência. Cabimento. Presença dos elementos autorizadores da medida. Fumus boni iuris. Artigo 44 da Lei Federal nº 4.591/1964 determina que a incorporadora requeira a individualização e discriminação das unidades, após a concessão do "habite-se". Entendimento assente neste Tribunal de que as despesas cartorárias a ela compete, posto que inerentes à atividade de incorporação imobiliária. Atribuição das unidades autônomas que é mero desdobramento da atividade desenvolvida. Abusividade da cláusula contratual que transfere a obrigação de pagamento ao adquirente. Periculum in mora. Risco de dano em incluir o nome dos autores no rol de inadimplentes. Reversibilidade

da medida, ante sua natureza pecuniária. Tutela antecipatória deferida para declarar a inexigibilidade do débito relativo à "Taxa de Atribuição de Unidade", impedindo a negativação do nome dos agravantes. Interlocutória reformada. Recurso PROVIDO. (TJSP; Agravo de Instrumento 223108411.2017.8.26.0000; Relator (a): Rodolfo Pellizari; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de Taubaté - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/02/2018; Data de Registro: 15/02/2018)

Ação monitória Tutela de urgência objetivando suspensão da cobrança de "atribuição de unidade" Probabilidade do direito, pois por força do disposto no artigo 44 da lei 4.591/64 é do incorporador a responsabilidade pela individualização da matrícula Recurso provido. (TJSP; Agravo de Instrumento 2134711-15.2017.8.26.0000; Relator (a): Eduardo Sá Pinto Sandeville; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José do Rio Preto - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/10/2017; Data de Registro: 17/10/2017) COMPROMISSO DE VENDA DE COMPRA. Incorporação imobiliária. Cobrança de despesas com a instituição de condomínio edifício e abertura de matricula individualizada da unidade autônoma. Impossibilidade de transferir ao consumidor os custos inerentes à atividade própria de incorporação. Dever da ré de restituir de modo simples os valores pagos tal título. Sentença reformada em parte - Recurso parcialmente provido. (Apelação nº. 0056239-56.2012.8.26.0405, Relator(a): Francisco Loureiro; Comarca: Osasco; Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 09/04/2015; Data de registro: 09/04/2015) Dessa forma, observada a responsabilidade da apelada em pagar a referida taxa, deve esta ser condenada a devolver a quantia paga pelo apelante a este título, devidamente atualizada e acrescida de juros de mora desde a citação. Ressalte-se que esta devolução deverá ser feita de modo simples, visto que não houve a demonstração de má-fé por parte da apelada. No mais, para viabilizar eventual acesso às vias extraordinária e especial, considero prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitucional, observando o pacífico entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido decidida (EDROMS 18205 / SP, Ministro FELIX FISCHER, DJ 08.05.2006 p. 240). ARISP JUS 33


Do exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso, para julgar a ação procedente e condenar a ré a devolver os valores pagos a título de cancelamento de hipoteca no valor de R$ 1.536,38, atualizados desde o desembolso e acrescido de juros de mora de 1% ao mês, desde a citação.

a determinada restituição. Com efeito, aquilo que o art. 44 da Lei Federal nº. 4.591/64 impõe ao incorporador é a averbação da construção e o registro da especificação do condomínio, para efeito de individualização e discriminação das unidades na matricula "mãe", in verbis:

Ante a procedência da ação e a inversão do resultado, deverá a ré a arcar com as custas e despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em R$ 1.100,00.

Art. 44. Após a concessão do "habite-se" pela autoridade administrativa, o incorporador deverá requerer, (VETADO) a averbação da construção das edificações, para efeito de individualização e discriminação das unidades, respondendo perante os adquirentes pelas perdas e danos que resultem da demora no cumprimento dessa obrigação.

ANA MARIA BALDY Relatora Apelação nº 1047517-12.2017.8.26.0576 Apelante: Alan Rafael da Silva (Justiça Gratuita) Advogado: Felipe Augusto Tadini Martins (fls: 12) Apelado: MRV Engenharia e Participações S/A Advogados: Fabiana Barbassa Luciano e outro Comarca: São José do Rio Preto DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE E CONVERGENTE n° 05683 Com sobejo respeito aos fundamentos exarados no voto da Excelentíssima Relatora Ana Maria Baldy, com a costumeira percuciência e propriedade, roga-se vênia para dela dissentir, considerando que, a meu ver, o apelo deveria ter sido PROVIDO por fundamentos diversos, e com a condenação da construtora em restituir os custos efetivamente direcionados com o levantamento da hipoteca, qual seja, R$ 174,62, e não no valor que constou do julgado. Isso porque, pela análise do recibo oficial do Primeiro Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São José do Rio Preto (fls.33) depreende-se que o valor efetivamente pago a título de cancelamento da hipoteca foi de R$ 174,62, e não de R$ 1.536,38, como constou do v. acórdão. Aquele montante, inclusive, é o que corresponde ao valor da causa, conforme se constata da inicial: “Dá-se à causa o valor de R$ 174,62. Termos em que. Pede deferimento. São José do Rio Preto/SP, 11 de setembro de 2017.” Ademais, o art. 44 da Lei Federal nº. 4.591/64 (Lei da Incorporação Imobiliária) não serve como justificativa para 34 ARISP JUS

Neste condão, depreende-se que a averbação da construção das unidades e o cancelamento da hipoteca constituída em favor do agente financiador da obra são etapas e processos distintos, motivo pelo qual o fundamento exarado não se subsume ao caso concreto. De fato, o cancelamento da hipoteca é providência da promitente vendedora, uma vez que o comprador pague o preço integral do bem. Contudo o motivo pelo qual deve ocorrer a restituição dos valores pagos a este título é que, aquele que quitou o preço ajustado possui, incontroversamente, o direito de obter o título dominial do bem adquirido, sem o gravame que lhe pesa. Ora, a remissão da hipoteca é dever da vendedora e apenas a esta aproveita, razão pela qual a transmissão ao comprador de fato é descabida e ilegal. Esse entendimento, inclusive, foi consolidado pelo A. Superior Tribunal de Justiça: “Súmula nº 308, STJ: A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.

No caso, irrelevante que a cláusula oitava do contrato tenha expressamente previsto que correm por conta exclusiva do promitente comprador “todos os impostos, tributos e quaisquer despesas decorrentes da transferência do imóvel”, posto que nula de pleno direito, já que coloca o consumidor em posição de desvantagem excessiva, cabendo a interpretação restritiva de suas cláusulas, sob pena de ofender o disposto no Artigo 51, inciso IV do CDC:


Art. 51, CDC: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

Não se desmemore que a hipoteca, na condição de garantia real sobre direito alheio, é o instrumento por meio do qual o empreendedor se utiliza para financiar a obra, representando, ao certo, custo exclusivo que não pode ser repassado ao comprador. Por fim, mister salientar que o dever de cancelamento da hipoteca não possui qualquer relação com as despesas referentes à transferência do domínio prevista no Artigo 490 do Código Civil: Salvo cláusula em contrário, ficarão as despesas de escritura e registro a cargo do comprador, e a cargo do vendedor as da tradição. Assim, não havendo qualquer subsunção da norma ora apontada ao caso concreto - custas com baixa de gravame hipotecário -, não se pode acolher qualquer argumento da requerida MRV Engenharia, de modo que o caso demanda mesmo mitigação do princípio do pacta sunt servanda. Postas tais premissas, por meu voto, DAVA PROVIMENTO ao recurso de apelação, por fundamentos diversos, e para condenar a ré a restituir ao autor o valor pago a título de levantamento da hipoteca, qual seja, R$ 174,62, que corresponde ao próprio valor da causa (fls. 11) e ao recibo do oficial de registro de imóveis de fls. 33. RODOLFO PELLIZARI Segundo Juiz

ACORDAM, em 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ANDRADE NETO (Presidente) e MARIA LÚCIA PIZZOTTI. São Paulo, 21 de novembro de 2018. Marcos Ramos RELATOR Apelação nº 1072911-91.2017.8.26.0100 Comarca: São Paulo Juízo de origem: 30ª Vara Cível Central Apelante: Itaú Unibanco S/A Apelados: Sérgio de Andrade Novaes e outra Classificação: Alienação fiduciária em garantia - Bem imóvel Declaratória EMENTA: Alienação fiduciária em garantia – Bem imóvel – Ação declaratória de anulação de leilões extrajudiciais – Demanda de devedores fiduciantes em face de banco credor fiduciário – Sentença de procedência – Manutenção do julgado – Cabimento – Segundo leilão designado para data posterior à vigência da Lei nº 13.465/2017, que alterou o art. 27, da Lei nº 9.514/1997, no sentido de determinar que os devedores sejam pessoalmente intimados acerca da realização dos leilões, a fim de que exerçam o direito de preferência na aquisição do imóvel pelo valor da dívida – Providência não tomada pelo banco credor – Irregularidade – Correto reconhecimento pelo Juízo da causa.

Apelo do réu desprovido.

DECISÃO JURISDICIONAL #5 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1072911- 91.2017.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ITAÚ UNIBANCO S/A, é apelado SÉRGIO DE ANDRADE NOVAES.

VOTO DO RELATOR Cuida-se de recurso de apelação interposto em ação declaratória fundada em contrato de compra e venda de imóvel, com cláusula de alienação fiduciária em garantia, ajuizada por Sérgio de Andrade Novaes e Luciane Costa dos Santos Novaes em face de “Itaú Unibanco S/A”, onde proferida sentença que, ao entendimento no sentido de que os devedores não foram intimados dos leilões, anulou o procedimento extrajudicial nesse aspecto, além de condenar o réu no pagaARISP JUS 35


mento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa. Aduz o banco réu que o julgado merece integral reforma à argumentação, em apertada síntese, de que inexiste obrigatoriedade legal quanto à intimação dos devedores fiduciantes acerca dos leilões extrajudiciais, na medida em que houve notificação para que purgassem a mora no prazo de 15 (quinze) dias, a teor do que determina o art. 26, § 1º, da Lei nº 9.514/97, que decorreu sem nenhum pagamento. Sustenta a inaplicabilidade das modificações operadas no art. 27, § 2º, dessa lei, pela Lei nº 13.465/17, já que a instauração do procedimento extrajudicial é anterior à vigência desta última. Por fim, defende que aquele primeiro artigo somente impõe a intimação dos devedores para que satisfaçam as prestações vencidas e vincendas até a data do efetivo pagamento. Após contrarrazões, vieram os autos conclusos a este relator. É o relatório. O apelo não comporta acolhimento, com a máxima vênia. Demanda ajuizada mediante afirmação de que em 16.09.2013 os autores entabularam contrato particular de venda e compra do bem imóvel descrito na petição inicial, garantido por cláusula de alienação fiduciária, para pagamento em 360 (trezentas e sessenta) parcelas fixas, mensais e consecutivas, mas entraram em situação de inadimplemento a partir da 35ª (trigésima quinta), vencida em 16.09.2016. Uma vez notificados extrajudicialmente para purgarem a mora, assim não o fizeram, o que gerou a consolidação da propriedade em mãos do banco réu e a designação de leilões a cargo de empresa especializada, porém, sem a intimação pessoal dos ora autores acerca desses atos, o que os levou a propugnar pela anulação de todo o procedimento extrajudicial. O digno Juízo da causa houve por bem atender parcialmente ao pedido, de forma a anular apenas e tão somente os leilões, e com acerto, no caso. A matéria em discussão se submete a regramento próprio e específico, vale dizer, à Lei nº 9.514/97, a qual estipula que, uma vez inadimplente o fiduciante, para efeito de excussão 36 ARISP JUS

extrajudicial da garantia fiduciária deve seguir-se o seguinte procedimento: - o credor fiduciário deverá notificá-lo pessoalmente, via Cartório de Registro de Imóveis, para purgá-la em 15 dias (art. 26); - não purgada a mora, a propriedade do imóvel, antes transferida ao devedor fiduciante, será consolidada em nome do credor fiduciário; - a seguir, o art. 27 determina que, com a consolidação da propriedade em nome do credor, este deverá, no prazo de 30 dias, promover público leilão para a venda do bem; - dois leilões são realizados: o primeiro deles terá como preço mínimo o montante da avaliação do imóvel; o segundo, 15 dias depois, terá como preço mínimo o valor da dívida mais despesas, seguro, tributos e demais encargos incidentes. Essa Lei, portanto, em sua redação original, apenas previa a intimação pessoal do fiduciante para efeito de purgação da mora, sendo que inexistia obrigatoriedade legal de intimação pessoal acerca da realização dos leilões. Conforme deixava assentado o Colendo Superior Tribunal de Justiça, inexistia razão jurídica relevante que justificasse a necessidade de intimação do fiduciante da realização dos leilões. Confira-se: “ ... Ora, se o credor fiduciário tem em seu favor a consolidação da propriedade do imóvel no caso de não purgação da mora , é por esta razão que a Lei nº 9.514/97 não impôs a necessidade de intimação do devedor fiduciante para o leilão do imóvel, o qual só ocorre depois da recuperação da propriedade, tendo-se por incabível a aplicação do Código de Processo Civil ou de qualquer outra lei especial para declarar a nulidade do leilão, ante a ausência da sua intimação pessoal. Sob tal ordem de ideias, é de se concluir que os leilões extrajudiciais realizados pelo credor fiduciário pautaram-se pelos ditames legais que regulam o contrato de compra e venda de imóvel por alienação fiduciária. Assim, tal razão não padecem de vício e nem de nulidade.” (Agravo em Recurso Especial nº 388.817/ GO - 2013/0270892-9, Relator Min. Sidney Benetti - j. em 10/09/2013) Ocorre que sobreveio a Lei nº 13.465, que entrou em vigor em 11.07.2017, que alterou a redação do art. 27, daquela Lei, que passou a ter a seguinte redação: “Art. 27. ... § 2-A Para fins do disposto nos §§ 1º e 2º deste artigo, as datas horários e locais dos leilões serão comunicados ao devedor mediante correspondência dirigida aos endereços constantes do contrato, inclusive


ao endereço eletrônico. § 2-B Após a averbação da consolidação da propriedade fiduciária no patrimônio do credor fiduciário e até a data da realização do segundo leilão, é assegurado ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel por preço correspondente ao valor da dívida, somado aos encargos e despesas de que trata o § 2º deste artigo, aos valores correspondentes ao imposto sobre transmissão inter vivos e ao laudêmio, se for o caso, pagos para efeito de consolidação da propriedade fiduciária ao patrimônio do credor fiduciário, e às despesas inerentes ao procedimento de cobrança e leilão, incumbindo, também, ao devedor fiduciante o pagamento dos encargos tributários e despesas exigíveis para a nova aquisição do imóvel, de que trata este parágrafo, inclusive custas e emolumentos.” (grifos não originais) No caso dos autos, resta incontroverso que o primeiro leilão, designado para o dia 21.06.2017, não foi concretizado por falta de licitantes, e o segundo para o dia 31.07.2017, data esta em que essa nova Lei já se encontrava em plena vigência, mas o banco apelante deixou de observar seus ditames e não procedeu à intimação dos devedores fiduciantes, o que constituiu irregularidade, na medida em que não puderam exercer seu direito de preferência, conforme acima explicitado. Por derradeiro, em observância ao comando do art. 85, § 11, do Código de Processo Civil, majoro a verba honorária advocatícia da sucumbência para 12% sobre o valor da causa. Ante o exposto, nego provimento ao apelo. MARCOS RAMOS Relator Assinatura Eletrônica

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