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Ano III

No 29 SETEMBRO/2018

Informativo jurĂ­dico especializado

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JOSÉ RENATO NALINI ENTREVISTA RICARDO LEWANDOWSKI Ministro do Supremo Tribunal Federal

O Ministro Lewandowski foi presidente do Supremo Tribunal Federal, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, presidente da República e, interinamente, presidiu o processo do Impeachment e foi presidente do CNJ. Destas suas funções, qual delas tem marcas mais decisivas? É histórico que uma pessoa ocupe os cinco cargos previstos na Constituição. Três seriam normais, a partir de 10 anos de carreira: presidente do TSE, presidente do Supremo, presidente do CNJ. Mas, evidentemente, os outros dois cargos são ocupados em caráter excepcional. Precisa ter uma conjunção políticoinstitucional raríssima, e isso aconteceu quando eu ocupei a presidência da República interinamente. Era um momento eleitoral em que a presidente da República tinha saído do Brasil em uma missão oficial, 2

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e o vice-presidente Michel Temer estava no Uruguai em uma missão oficial. Além disso, o presidente do Senado, que era o Renan Calheiros, não podia concorrer porque tinha um filho que era candidato a governador de Alagoas. Já Henrique Alves, que era presidente da Câmara, também era candidato a governador do Rio Grande do Norte, então, todos da cadeia sucessória estavam impedidos. Fui chamado a ocupar este posto, que é algo extremamente difícil. Tanto é que a presidente da República me ligou dizendo que eu iria assumir e, eu, com toda certeza, achei que era um trote porque muita gente imitava-a. Trinta minutos depois me tiraram do cargo e me botaram em um carro oficial, com seguranças muito rígidos. Agora, no processo de impeachment seguimos todo o rito, e foi um rito extremamente complicado. Primeiro, a Constituição


não traz nenhum detalhe sobre o caso concreto. é convivência. Tenho uma visão muito particular do Segundo, a lei que rege o impeachment é de 1950, e está Poder Judiciário – digo isso sempre que posso aos meus totalmente ultrapassada. Não havia nenhum precedente alunos na pós-graduação –, que o juiz é um agente porque o impeachment do Collor não chegou ao fim. pacificador, é um homem que deve procurar fazer Na hora de presidir, eu tive de concatenar todas as com que a paz social possa prosperar. O juiz, antes de regras: as posições constitucionais legais e regimentais, mais nada, é um pacificador. E em segundo lugar, é um o julgado do Superior Tribunal Federal, o Código de juiz de garantias, aquele que faz com que os direitos Processo Penal no que diz respeito ao júri, sem falar fundamentais da constituição tenham concreção. de toda a principiologia da ampla defesa. Para ser favorável, a presidente tinha que ter O Supremo brasileiro tem uma ampla defesa. Foi um processo não conformação atípica, porque ele é só do ponto de vista político, mas (...) O juiz, antes a segunda instância dos juizados em um ambiente emocionalmente Algo que o Tribunal local de mais nada, é um especiais. conturbado, exigiu-se muita não decide, o STJ também não negociação com os senadores e pacificador. E em decide e isso vai parar na Corte as suas respectivas lideranças. Foi Isso não mereceria uma segundo lugar, é um Suprema. extremamente complexo, porque revisão? quando a presidente se colocou à juiz de garantias, Ricardo Lewandowski: Eu penso disposição dos senadores, ainda que que muita gente deve estar imaginando aquele que faz com que, em 2019, quando tivermos na qualidade de presidente, embora afastada do cargo, ela tem de ser que os direitos um novo parlamento, o sistema tratada com toda a deferência. Houve fundamentais da judiciário deverá ser repensado. uma negociação muito intensa para Alguns propõem que a Suprema que ela tivesse o espaço, para que constituição tenham Corte se transforme em uma corte pudesse falar tranquilamente. O exclusivamente constitucional para concreção. momento do impeachment foi o discutir teses abstratas e, portanto, mais complexo para mim. um órgão fora da estrutura do Poder Judiciário. Eu estive na Suprema Vossa Excelência também integrou Corte da Inglaterra. Lá eles julgam 70 o Tribunal de Alçada Criminal, o Tribunal de Justiça, processos ao ano. Atualmente, no STF, julgamos mais e nunca deixou de exercer uma militância associativa. de 100 mil processos. É necessário que tenhamos dois O que isso facilitou em sua carreira? órgãos judicantes para que façam uma uniformização Eu sempre entendi que precisamos participar da jurisprudencial. Temos o STJ, que é o Superior Tribunal vida em sociedade. Hoje, estamos em um momento de Justiça e que faz a uniformização da legislação federal, conturbado da história do Brasil. Muitos reclamam, e o Supremo, que faz a interpretação constitucional. querem reformar o país, mas eu digo: você já foi síndico Agora, eu penso que o Supremo poderia, talvez, pinçar do seu prédio? Comece sendo síndico, faça parte da aquelas questões que lhe parecem relevantes, como é no sociedade dos amigos do bairro, associação de pais e sistema americano. mestres. Eu mesmo fundei a associação dos amigos do meu bairro, fui conselheiro da seccional da ordem de O setor extrajudicial é um setor que vem ganhando São Paulo, fui diretor da Associação dos Magistrados algumas atribuições, mas talvez pudesse ainda e possuo quase 30 anos de magistratura. Sinto que receber acréscimos para aliviar o judiciário. O que o precisamos participar desta vida em sociedade; diálogo senhor pensa sobre isso? ARISP JUS 3


Na Inglaterra, e em outros países, eu diria que 90% dos litígios não passam pelo Poder Judiciário. Assim como nós temos a cultura do encarceramento, nós também temos a cultura da litigiosidade, a ponto de verificarmos que no Brasil tramitam 100 milhões de processos para apenas 17 mil Juízes Federais, Estaduais, do Trabalho e Eleitorais. Esse número cresce em progressões geométricas. É claro que vai chegar um momento em que os juízes não darão mais conta, então, precisaremos partir para os métodos alternativos: conciliação, mediação, arbitragem e, neste aspecto, o setor extrajudicial pode prestar um serviço de extrema importância. As faculdades de Direito do Brasil estão preparadas para as transformações e para os desafios de alunos que vão estudar Direito e nem sempre são tão bem alfabetizados, não se dedicam à leitura ou também não querem nada além do mínimo necessário para obterem a aprovação? Essa questão da leitura é muito interessante. Eu sou professor Universitário, talvez, há quatro décadas. O lapso de atenção que os alunos dedicam hoje é muitíssimo menor. Eu lembro que aulas de uma hora eram comuns, especialmente na pós-graduação. Hoje na graduação nenhum professor consegue falar e manter a atenção dos alunos por mais de 5 ou 10 minutos. Eles já vão lá para o WhatsApp, para o Facebook. Esta visão bacharelesca, onde tudo tem que ser requisitado, requerido e o Estado tem que decidir tudo, nós temos que modificar também. Para ser Juiz, em um número muito grande de países, não necessita ser Bacharel em Direito, a pessoa pode ser um cidadão comum, mas com muito bom senso, até porque, das nossas decisões, 99% são de bom senso, o senso comum. As questões mais técnicas que vem para o Judiciário, nós temos os peritos que nos auxiliam. Em sua opinião, o que o Brasil precisa no âmbito da educação, da lei, da politização? Nem tudo se resolve através de mudanças legislativas. É preciso que haja realmente uma conscientização nacional em torno de certos objetivos. Com isso, eu 4

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ousaria dizer que o que falta aqui no Brasil é uma politização qualificada no sentido amplo da palavra e não partidária. Seria uma politização no sentido de opinião aos grandes temas nacionais.


CONTRATO DE OPÇÃO DE COMPRA DE IMÓVEL E QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA: ANÁLISE DE CASO E ENSAIO SOBRE A TEORIA APLICADA Por Plinio Schenk Junior 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE MOGI DAS CRUZES - SP

INTRODUÇÃO O contrato de opção de compra de imóvel, espécie de negócio jurídico não muito presente no dia a dia dos trabalhos desempenhados pelos Registros Imobiliários, de longa data, contudo, tem mostrado tratar-se de importante instrumento utilizado no mercado imobiliário, principalmente no âmbito das operações comerciais que envolvam empreendimentos de porte. Após os primeiros momentos de negociação e superadas as tratativas preliminares, o processo negocial pode posicionar as partes num grau mais elevado de seriedade, mas ainda não maduro o suficiente para que

deliberem decisivamente formalizar um contrato de compra e venda. Se, de um lado, os motivos que movem alguém a vender um dado imóvel são geralmente mais simples, isto é, o ânimo de despedir-se da coisa em troca da liquidez representada pelo dinheiro, por sua vez, os motivos que movem alguém a comprar um dado imóvel mediante disposição pecuniária podem estar subordinados a certas condicionantes antecedentes, como a avaliação das circunstâncias econômicas que possibilitarão ou não pagar pela compra, ou, como sucede nos empreendimentos imobiliários, a dependência de estudos e prospecção quanto à viabilidade do que se intenta produzir. A importância do contrato de opção de compra de imóvel surge como fator que capacita a sustentação de um negócio potencial, que se aperfeiçoa na medida em que as circunstâncias acenam favoravelmente à realização dos interesses das partes envolvidas: ao vendedor, uma oferta que, se aceita, seja-lhe satisfativa, principalmente se considerar a economia de tempo e esforços já despendidos para superação de entraves solucionados nos entendimentos iniciais, e, ao comprador, um tanto mais, que é a possibilidade de, num certo tempo, tomar as providências e cautelas necessárias para exarar, com maior segurança, sua decisão de se vincular ao contrato de compra e venda projetado. Portanto, a utilidade do contrato de opção de compra de imóvel está bem visível no fim a que tende, qual seja, a de manter ativa a possibilidade da conclusão do contrato-alvo (= de compra e venda) na fase imediatamente anterior à sua formalização. Nesse afã, o vendedor lança a oferta firme e séria, vinculando-se voluntariamente durante um certo tempo, e assegurando ao comprador o exercício de um direito potestativo que consiste na faculdade de declarar se aceita ou não a oferta durante o período concedido. O contrato de opção de compra vincula com maior tenacidade o vendedor, uma vez que o sujeita a um ARISP JUS 5


direito formativo gerador (i.e., um direito potestativo) outorgado ao comprador-optante. Em outras palavras, por esse contrato, o vendedor fica desde logo vinculado à obrigação ativa de adimplir, mas o adimplemento só deverá ocorrer se o comprador exercer sua opção no sentido de declarar formado o vínculo contratual. E, para exercer essa faculdade, não depende de qualquer colaboração do vendedor, que estará sujeito a simples manifestação do comprador. Por isso é contrato que se forma bilateralmente, como qualquer outro, mas unilateral em seus efeitos, porque a obrigação vigora apenas contra o vendedor, enquanto temporariamente pendente o direito do comprador, que é a faculdade de exercer a opção. É negócio jurídico bilateral de assentimento especial, em função de sua peculiaridade, pois é da sua natureza ser o antecedente causal imediato que desencadeia um outro negócio como corolário do exercício da opção. Contudo, esse modo de ser preordenado e de ter destacada feição unilateral, aliás, projetada pelo contrato-alvo, que é o de compra e venda, levou Serpa Lopes a assimilar o contrato de opção como espécie do gênero dos contratos preliminares, ou melhor, como contrato preliminar unilateral: O contrato de opção, como o de promessa de compra e venda, pertence à categoria dos contratos preliminares. A doutrina e prática acolhem a locução – contrato preliminar – para significar o acordo das pactuantes destinado à conclusão de um contrato futuro. (...) Não se confunde o contrato preliminar com as obrigações precontratuais, pois o contrato preliminar é um ato preparatório do contrato, até a sua última fase, representando, porém, um acordo de vontades completo; acordo das partes quando não se pode ou não se quer concluir um contrato; reserva-se o direito de dar o seu consentimento; a outra parte obriga-se a esperar esse consentimento; opera-se, deste modo, um contrato em que alguém se obriga a contratar – um contrato de contrato. Daí representar o contrato preliminar um ato jurídico, ser uma convenção cujo objetivo consiste em 6

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assegurar a conclusão de um contrato definitivo, mediante a obtenção do consentimento de uma das partes. (...) Assim, do contrato preliminar, surgem duas espécies: a promessa de compra e venda e a opção. (...) O contrato preliminar pode ser bilateral ou unilateral; o bilateral, na promessa de compra e venda; unilateral na opção. O contrato preliminar é unilateral (opção), quando vincula apenas uma das partes contratantes.1

Não obstante as digressões que possamos extrair da compreensão desse contrato, o objeto do presente artigo consiste, em verdade, em realizar, de maneira não delongada, um breve ensaio suscitado pela casuística pautada na Apelação Cível nº 001022663.2014.8.26.03612, julgado pelo Conselho Superior da Magistratura do TJSP, mas focado em demonstrar a permeabilidade do contrato de opção de compra de imóvel pelo assento registrário, como meio instrumental de aperfeiçoar a segurança e eficácia dos negócios que dele se valem como valioso ajuste interposto ao contrato-alvo, que é o de compra e venda. FUNDAMENTOS TEÓRICOS Cumpre-nos, a princípio, discernir os elementos teóricos nos quais se estrutura o conceito de contrato de opção de compra, pelo menos o suficiente para determinar sua natureza e substância. Antecede o conceito de algo o entendimento da causa que lhe dá origem3. Isso ajuda na compreensão do objeto examinado, no caso, o contrato de opção de compra de imóvel. 1 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Tratado dos Registros Públicos. Vol. III, 2ª ed. rev. e aum., Ed. A Noite, Rio de Janeiro: 1950, p. 234. 2 Acórdão relatado pelo então Exmo. Corregedor Geral, Des. PEREIRA CALÇAS, tendo a participação dos Exmos. Desembargadores, PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), SALLES ABREU, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE

GODOY, ADEMIR BENEDITO e RICARDO DIP. 3 Todo fato está submetido a uma matriz de causalidades inseparável, mas distinguível. Originalmente estruturada por Aristóteles, o sistema de causalidades articula-se em causa-final, causa-eficiente,


Desse modo, partimos da análise da causa final do contrato de opção de compra. Para conhecermos a causa final de algo basta que perguntemos acerca do móvel, isto é, dos motivos, em outras palavras: por que...? para que...? A causa final é a primeira causa, pois nela reside as razões ou motivações que movem o agente rumo a um determinado fim, enquanto produto dela; logo, cuidese da finalidade de algo, isto é, para aquilo que tende. Em sentido positivo, a causa final, ou finalidade, do contrato de opção de compra é o de estabelecer a possibilidade real de se formar um contrato de compra e venda como fim a partir do próprio contrato de opção. Em sentido negativo, não é o de produzir efetivamente o contrato de compra e venda, porque o não exercício da opção não o gera – se a causa final fosse produzir efetivamente o contrato de compra e venda, então produziria, e não seria contrato de opção de compra, mas autêntico contrato de compre e venda. Também não se confunde com a obrigação de celebrar um outro contrato, como ocorre com a promessa de contratar, que implica na necessidade de emissão bilateral de um novo consentimento. Por sua vez, a causa eficiente (o efetível) é o movimento que dá efeito (o efetivo) àquilo que é querido pela causa final (o produto). Aplicado ao contrato de opção de compra, a causa eficiente é a de produzir o efeito que consubstancia o contrato de compra e venda se a opção for exercida. Evidencia-se, assim, um elemento condicional inerente ao contrato de opção de compra, que é a faculdade do optante exercer a opção, se quiser, pois se trata de um direito potestativo seu. Nesse sentido, quanto ao aspecto condicional, explica-nos Serpa Lopes: causa-formal e causa-material. Para o presente estudo, destacamos apenas as duas primeiras.

A obriga-se para com B a vender-lhe determinado imóvel dentro de certo prazo, sem que A receba de B a co-respectiva obrigação de adquirir. Assim sendo, o contrato preliminar unilateral [i.e., o contrato de opção] aparece subordinado a uma condição potestativa do estipulante: si volet. Em sentido lato, a palavra – opção – representa a faculdade atribuída a uma pessoa, quer pela lei, quer por uma convenção, de escolher entre duas situações jurídicas diferentes; mas em sentido estrito, a opção interpreta-se como sinônimo de promessa unilateral de compra e venda.4

Portanto, da causa eficiente do contrato de opção de compra gera-se efeito dual, conforme exercita-se ou não o direito de opção. Em sentido negativo, o efeito do não exercício da opção no prazo concedido, expresso ou tácito, resolve a relação jurídica em marcha e as partes são restituídas ao status quo ante, podendo o contrato de opção prever, em caráter transitório, as responsabilidades de cada parte para a decomposição negocial. Em sentido positivo, com o exercício da opção, gerase o contrato querido, o contrato-alvo, que é o contrato de compra e venda. Em outras palavras, o contrato de compra e venda, existente enquanto potência, isto é, enquanto possibilidade de vir a ser, atualiza-se como efeito produzido pela declaração livre e aquiescente do optante, de maneira que a efetivação da relação negocial outrora mantida como uma possibilidade – uma opção do comprador – torna-se uma realidade, permanecendo as partes vinculadas, doravante, a um contrato de compra e venda. Pelo exercício da opção, transmuta-se, portanto, o contrato de opção de compra de imóvel em contrato de compra e venda de imóvel. Tem-se, assim, um contrato atual, que é o contrato de opção de compra, e um contrato virtual ou potencial, 4 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. Vol. III, 3ª ed. rev. e aum., Ed. Freitas Bastos, Rio de Janeiro: 1961, p. 241. ARISP JUS 7


que é o contrato de compra e venda. Este último, como efeito, atualizar-se-á com a declaração positiva de opção do comprador. De ver-se, por isso, que o contrato de opção de compra de imóvel deve conter todos os requisitos inerentes ao contrato de compra e venda, ou seja, partes, preço, coisa, circunstâncias, inclusive observando-se a forma, solene ou não solene, de conformidade com o estatuído no art. 108, do Código Civil. Do exposto, podemos extrair o conceito do contrato de opção de compra, bem colecionado e sintetizado na lavra do insigne Corregedor Geral, relator da Apelação Cível nº 0010226-63.2014.8.26.0361, Des. Manuel de Queiroz Pereira Calças, in verbis: A opção de compra ou de venda, negócio jurídico, em sua formação, bilateral, é considerada, sob a perspectiva de seus efeitos, contrato unilateral. E isso porque, para uma das partes, há apenas vantagens, a constituição de direito formativo, enquanto, para a outra, estabelece-se uma situação de sujeição [fazendo referência às lições de Antonio Junqueira de Azevedo]. Orlando Gomes também a conceitua como contrato e, particularmente, negócio precursor de outro distinto: “a opção é um negócio jurídico bilateral, mediante o qual estipulam as partes que uma delas permanece vinculada à própria declaração de vontade, enquanto a outra se reserva faculdade de aceitá-la, ou não. Caracteriza-se por ser proposta irrevogável de contratar decorrente de mútuo consenso”. (...) Em outras palavras, é um contrato preliminar que, sob o ângulo de seus efeitos, a distingui-lo da promessa (compromisso) de venda e compra, gera obrigações para somente um dos contratantes: o outro, esclarece Caio Mário, a quem então se atribui, mediante ajuste, a preferência para realizar o contrato definitivo, tem liberdade de efetuá-lo ou não, de acordo com suas conveniências. 8

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Portanto, como contrato, depende, na sua formação, de consentimento especial de se pactuar a opção, cujo fenômeno jurídico importa na imediata sujeição de uma parte (vendedor) à obrigação projetada no contrato virtual (contrato de compra e venda), segundo o alvedrio da contraparte (comprador) de exercer o ânimo (a opção) de gerar a correspondente relação jurídica. Como função do contrato virtual a se atualizar, o contrato de opção (antecedente) separa as vontades no tempo, a do vendedor, que principia o contrato, e a do comprador, que se reserva o direito de declarar posteriormente formada a relação jurídica de compra e venda (consequente). Nas Palavras de Pontes de Miranda: Com ele, a vida dos negócios, em sua sutileza de cindir, própria ao trato pontuado das avenças e convenças, separou a declaração de vontade de vender e a declaração de vontade de comprar. Separação no tempo. Em vez de cortar as promessas, ou declarações, em duas promessas do vendedor e duas do comprador. – desligou, temporalmente, a declaração do outorgante e a do outorgado5. O direito do comprador é, portanto, direito formativo gerador (= direito potestativo), porque, para exercer a opção, não depende de qualquer providência voluntária do vendedor, senão da vontade mesma do comprador. Exercida a opção, o contrato se convola em contrato de compra e venda; não exercida a opção, não se forma o consentimento do contrato de compra e venda, cessando a eficácia do contrato de opção. Assim compreendido o contrato de opção de compra de imóvel, temos de considerar o seu resultado prático, notadamente pelo vértice da qualificação registrária, 5 MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo XIII. Campinas: Bookseller, 2001, p. 188.


que aqui interessa-nos examinar. QUALIFICAÇÃO REGISTRÁRIA DO CONTRATO DE OPÇÃO DE COMPRA DE IMÓVEL Já apontava Pontes de Miranda ser a opção de compra espécie de contrato, pouco conhecido, porém, muito utilizado, que nasceu no direito comercial para atender as necessidades da vida prática6. E, de fato, já revelou ser de elevada utilidade no comércio imobiliário. Seu emprego pode ser otimizado na medida em que sejam adotados certos cuidados e providências relativos à sua formação. No que concerne às cautelas necessárias ao aperfeiçoamento formal do contrato de opção, as partes devem atentar-se de que sejam bem estipuladas todas as cláusulas e condições inerentes ao contrato virtual, que é o contrato de compra e venda, segundo a capacidade e legitimidade dos contratantes (vendedor e comprador), a determinação, idoneidade e liceidade do objeto (in commercium), o ajuste do preço em moeda corrente nacional, e a forma estabelecida em lei para lídima veiculação do contrato, nos termos do art. 108, do Código Civil. Quanto à segurança jurídica na realização de seus efeitos, em caso de exercício positivo da opção, notadamente na proteção do interesse do comprador perante terceiros, cabe, então, considerar acerca da plausibilidade de acesso tabular do título. Primeiro, temos de considerar a qualidade dos efeitos do contrato de opção de compra de imóvel, que, como sabemos, possui natureza estritamente obrigacional. Entretanto, para o bom entendimento do tema, temos de recordar que, em nosso ordenamento, é próprio de todos os contratos produzir efeitos obrigacionais. 6 Ib idem, p. 188.

Contudo, dizemos que um determinado contrato produz efeito estritamente (ou puramente) obrigacional no sentido de que este, em si mesmo, não pode ser causa mediata de direitos reais. E, quanto aos que podem ser essa causa, não dizemos que o contrato gera direito real, porque a qualidade desse direito – real – é efeito da inscrição. Em outras palavras, o registro é causa imediata do direito real enquanto esses contratos – ditos inscritíveis – são causa mediata (ou causa remota da causa próxima). Se os contratos que têm aptidão de ser causa da causa de direito real não são levados a registro, então não causam senão efeitos puramente obrigacionais. Portanto, há identidade na natureza dos efeitos entre o contrato de compra e venda e o contrato de opção de compra, a saber, a geração de direitos obrigacionais – aliás, são participantes de um mesmo gênero e de uma mesma substância, muito embora se distingam quanto ao fim. Os contratos, enquanto negócios jurídicos, são frutos da volição e atividade criadora dos particulares no exercício da autonomia da vontade e em consonância com os princípios e preceitos ditados pelo ordenamento jurídico. Os direitos reais, por sua vez, estão adstritos ao princípio da tipicidade, razão pela qual não podem, em nosso ordenamento, ser produzidos pela virtude da vontade dos particulares, mas devem estar expressamente previstos em lei. Nesse sentido, o direito de propriedade, que é direito real por excelência, tem previsão legal expressa (art. 1.225, I, do CC), e, nas transmissões entre vivos, constitui-se mediante o registro do título translativo no competente Registro de Imóveis (art. 1.245, do CC). Entretanto, para o contrato de compra e venda, naturalmente, há previsão expressa para admiti-lo como título translativo acessível ao registro de imóveis (art. 167, I, 29, da Lei nº 6.015/73). Não há, porém, previsão legal semelhante ao ARISP JUS 9


contrato de opção de compra de imóveis, e, por essa razão, tais contratos não podem ser objetos de registro em sentido estrito. Retomando os termos da Apelação Cível mencionada alhures, destaca-se a criteriosa análise do insigne Relator, in verbis: De todo modo, ainda que irrevogável e integrada pelos elementos essenciais da compra e venda de bem imóvel, a opção de compra não é suscetível de registro em sentido estrito. E não porque privada de sua eficácia, já que, ao reverso, subsiste operante enquanto não vencido seu prazo; tampouco porque estaria (o que não é verdade, acima se destacou) subordinada a uma condição legal (conditio iuris), presente que se encontra a manifestação de vontade do optante, que participa da formação desse negócio jurídico; mas sim porque, a par da falta de previsão legal, supõe, para fins de constituição do direito real, opção a ser feita, o exercício do direito potestativo de preferência, nela, por sua essência, não contemplado. Vale dizer: a opção de compra de bem imóvel é, por si, por sua natureza, um título desprovido de vocação para a constituição de direito real; não é, assim, título hábil à constituição de um direito real de aquisição, então ao contrário do compromisso irretratável de venda e compra de bem imóvel. Portanto, o contrato de opção de compra de imóvel não pode, por si mesmo, antes de exercida a opção, ser admitido a registro em sentido estrito, diante da ausência de previsão legal, em outras palavras, no plano formal não é título indicado para inscrição obrigatória no rol dos títulos registráveis (numerus clausus), e no plano material não é título apto a causar por efeito da inscrição um direito real.

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Serpa Lopes, particularmente, por considerar o contrato de opção de compra espécie de contrato preliminar unilateral, pois, como visto acima na introdução, o autor distingui os contratos preliminares em unilaterais (opção) e bilaterais (promessa de compra e venda), entende pela possibilidade de registro em sentido estrito desse contrato, por coincidir com a previsão legal de admissibilidade do registro das promessas de compra e venda que não contenham cláusula de arrependimento. São suas palavras: De tudo que fica exposto, depreende-se, conforme já se ressaltou, que a diferença intercorrente entre promessa de compra e venda e opção está em que a primeira se apresenta como um contrato bilateral, enquanto a segunda – opção – ou – promessa unilateral de venda – surge como um contrato unilateral, em que só existe de um lado credor e de outro devedor. O promitente vendedor assume a obrigação perante a outra parte – o optante – não só de não alienar o imóvel a terceiro durante um certo período, como ainda de outorgar a escritura definitiva ao credor da opção, se este lh’a exigir dentro no prazo determinado, ou dentro nas condições estabelecidas no contrato. Desde que a promessa unilateral se revista de todos os requisitos da promessa bilateral, desde que assuma a forma de instrumento público, se de valor superior a hum mil cruzeiros, desde que no ato haja intervindo a mulher do promitente vendedor, não há como se negar a inscrição, para os seus devidos efeitos. Uma e outra forma podem e devem ser equiparadas, pois as diferenças não são substanciais, e os efeitos reais são perfeitamente compatíveis, sem qualquer prejuízo. Nem se argua a falta de disposição legal expressa, porquanto a lei fala em promessa de venda, e promessa de venda é a opção, ainda que classificada como unilateral. Nem essa unilateralidade pode servir de estorvo sério à extensabilidade da inscrição, dado que praticamente desaparecem todas as diferenças entre ambas as formas – a unilateral e a bilateral –, quando, nesta última, o compromissário, v.g., realiza o preço ajustado, exaurindo, assim e completamente, todas as suas obrigações, tornando um contrato unilateral a promessa de compra e venda bilateral.


A admissão dessa interpretação lata só benefícios pode trazer, por ir ao encontro das necessidades práticas, vulgarizada, como se encontra, a forma da opção, na circulação imobiliária. Uma coisa apenas é de exigir-se: é que a promessa unilateral contenha, na substância como na forma, todos os requisitos exigidos no contrato de promessa de compra e venda bilateral, inclusive a renúncia ou o direito de arrependimento.7

Em que pese a fonte citada seja extraída da 2ª edição de sua obra, publicada em 1950, a atualidade de seu pensamento se sustenta, não apenas por seu brilhantismo, mas segundo se extrai do disposto no art. 167, I, 9, da Lei nº 6.015/73. Em que pese possa-se objetar a inscrição por registro em sentido estrito do contrato de opção, sem embargo aos poderosos argumentos de Serpa Lopes, é de todo conveniente a sua admissão por meio de averbação. Aliás, nos termos do precedente aqui considerado, o insigne Relator admite, mormente em tese, a possibilidade de se averbar o contrato de opção de compra de imóvel, com fundamento na largueza de sentido prevista no art. 246, da Lei nº 6.015/73, a indicar que o rol dos títulos averbáveis contido no art. 167, II, da LRP, é numerus apertus. E assim fundamenta: Na realidade, a opção de compra de imóvel seria, em tese, somente averbável, e aí com respaldo na abertura positivada no art. 246 da Lei n.º 6.015/1973, a indicar que o rol dos títulos passíveis de averbação (art. 167, II) é meramente exemplificativo. E justificar-se-ia, à vista do direito de preferência nela previsto e para atribuir-lhe mais extensa eficácia, pois, conforme oportuno escólio de Francisco Loureiro, “hoje corretamente se admite a averbação de situações jurídicas que necessitam ganhar realidade ou eficácia contra terceiros, como eficiente mecanismo de prevenção e publicidade de tudo aquilo que diz respeito diretamente ao imóvel.” 7 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Tratado dos Registros Públicos. Vol. III, 2ª ed. rev. e aum., Ed. A Noite, Rio de Janeiro: 1950, p. 236.

No escólio de Pontes de Miranda, o contrato de opção é averbável, embora seria mais acertado de lege ferenda a sua inscrição pelo registro. Todavia, destaca com proficiência que o ato de averbação é para o contrato de opção enquanto pendente o exercício do direito formativo gerador pelo optante. Evidentemente. Pois, do contrário, feita a opção e, em seguida, prenotado no Registro de Imóveis, o ato a ser praticado é o de registro em sentido estrito, pois já não se tem o contrato de opção, mas o contrato de compra e venda: Resta saber se o contrato de opção tem de ser averbado, ou tem de ser registrado. O problema é de direito dos registros, porque, havendo, como há, no contrato de opção, desde já direito formativo gerador, que prescinde de qualquer colaboração do vendedor, esse direito obtém eficácia em relação a terceiros, qualquer que seja a forma do registro (transcrição e inscrição, englobadas pela Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 168, na designação genérica de registro, ou averbação). Mas, de lege data, os direitos formativos geradores podem ser registrados? Somente se hão de registrar as vendas e compras puras e condicionais, e, sob a Lei nº 6.015, art. 167, I, 20, as promessas de compra e venda. E os contratos de opção? a) São contratos de venda e compra, se o comprador quer? b) Ou são contratos em que a conclusão mesma é que ficou com o comprador? Se a), o registro tem de ser feito conforme o art. 167, I, 29, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Se b), ainda não se transferiu a propriedade e o registro é o averbacional, e não o do art. 167, I, 29 (Lei nº 6.015, art. 246, verbis “outras ocorrências”).

O meio que a nossa lei dá é a averbação, enquanto não ocorre a opção. Optando o contraente, a sua declaração é bastante para que, com o contrato de opção, se registre: as duas declarações de vontade compõem o que se exige para a transferência. Perfaz-se o acordo de transmissão. No direito anterior, a inscrição, em analogia com as promessas de venda e compra, se não houvesse inscrição do loteamento, era recomendável. Seria, então, no Livro nº 4 (Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, art. 186). ARISP JUS 11


A eficácia da averbação é a de extensão da eficácia do contrato em relação a terceiros; de modo que, se houver alienação, ou oneração, é ineficaz quanto ao optante. De iure condendo, seríamos pelo registro. O direito positivo obriga-nos a adotar a averbação, que – em todo caso – tem a vantagem de frisar a existência de direito formativo gerador, e não de direito real8.

contrato de compra e venda não se distingue nem na substância nem na forma, mas apenas na qualidade acidental hipotético-temporal da declaração de vontade de uma das partes, a saber, o exercício do direito formativo gerador pelo comprador, necessário à composição do consentimento e, consequentemente, da relação jurídica inerente à compra e venda.

De ver-se, assim, que o contrato de opção prenotado no Registro de Imóveis com a opção já efetivamente realizada pelo comprador, não deverá ser qualificado como um contrato de opção, segundo a sua formação, mas como um contrato de compra e venda – de conformidade com o art. 167, I, 29, da LRP –, eis que a opção, como temos repetido amiúde, atualiza este contrato, que era virtual, isto é, uma possibilidade de vir a ser, tornando-o presente, atual e real no momento mesmo em que a opção é exercida – não vigora mais o antecedente, mas o consequente. As declarações de vontade, separadas no tempo, são idoneamente justapostas, conciliando o espírito positivo dos contratantes segundo a essência do consentimento necessário à formação da relação jurídica do negócio de compra e venda.

Contudo, com a devida vênia ao pensamento de Serpa Lopes, atendido os requisitos legais, não se inscreve por ato de registro em sentido estrito o contrato de opção, mas por ato de averbação.

Se, nesse caso, não há dificuldade prática em se proceder ao registro do contrato de opção acompanhado da opção positivamente exercida, desde que, como aludido alhures, o contrato atenda todos os requisitos formais necessários à sua perfeita formação e aptidão à transferência da propriedade imobiliária (arts. 104 e 108, do CC), por outro lado, questões poderão ser levantadas quanto à qualificação do contrato de opção cuja declaração facultada ao comprador ainda não foi exercida. Sobre isso procuraremos adiante justificar. Da mesma maneira que o contrato de compra e venda deve atender todos os requisitos legais necessários à sua perfeita formação (i.e., nos três planos: existência, validade e eficácia), também, da mesma forma, deve o contrato de opção espelhar os mesmos caracteres e com os mesmos rigores exigidos pela técnica, pois do 8 MIRANDA, Pontes de. Op. Cit.. p. 189-190 12 ARISP JUS

Como sabido e já acima tratado, a averbação do contrato de opção não é causa geradora de direito real, embora passe a produzir eficácia contra terceiros que, posteriormente à averbação, possam ter interesse negocial com a coisa. Não fosse pelos argumentos de autoridade dos doutos (argumentum magister dixit), admite-se a averbação por fundamento legal, nos termos do art. 246, da Lei nº 6.015/73, especialmente porque, além de se cuidar de rol exemplificativo o disposto no art. 167, II, da citada lei, compatibiliza-se coerentemente com o propósito do sistema jurídico-registral, segundo a natureza de sua arte na atividade geradora de segurança, prudência, precaução, proteção e preservação9. Publicada, pela averbação, a existência do contrato de opção de compra, embora não possua aptidão para produzir direito real, contudo, algum efeito produz, que é o de tornar conhecida a existência de uma relação jurídica adrede entabulada, a qual, em caso de exercício 9 “A ação [práxis] é diferente da produção [poíesis]. A arte é uma capacidade de produzir com raciocínio reto. É a produção e não ação. A carência de arte é uma disposição acompanhada de falso raciocínio” (Aristóteles in Ética a Nicômaco, apud JOSEPH, Miriam, O Trivium: as artes liberais da lógica, gramática e retórica: entendendo a natureza e a função da linguagem. São Paulo: É Realizações, 2008, p. 36). Todos os juízos contidos em segurança, prudência, precaução, proteção e preservação estão conexionados em elos consequenciais, a começar pela segurança, que é um dos fundamentos intensistas mais caros ao homem nas suas relações ad


do direito formativo gerador pelo optante, aperfeiçoará uma compra e venda. Dessa maneira, resta analisar se eventuais disposições, após a averbação do contrato de opção, serão eficazes, ou não, contra o optante. Pela logicidade do sistema registral, as disposições que se fizerem posteriormente, à revelia do optante, ser-lhe-ão ineficazes, máxime porque em virtude da averbação do contrato de opção de compra de imóvel convém10, pela natureza ativa do registro lato sensu, cingir a respectiva obrigação com algum efeito real, de sorte que a eficácia do contrato de opção estende-se indivisivelmente ao contrato virtual que lhe é imanente, isto é, a compra e venda. Esse contrato virtual que pode atualizar-se (compra e venda) não é latente, mas clarividente, e pronunciado pela altissonante eficácia da averbação. Essa positividade da inscrição averbativa atribui maior vigor, utilidade e valor prático tanto ao contrato de opção de compra como meio valioso de negociação disponível no mercado jurídico-imobiliário, quanto à função social, econômica e jurídica da atividade registral. Como acima citado, nas palavradas de Pontes de Miranda, “a eficácia da averbação é a de extensão da eficácia do contrato em relação a terceiros; de modo que, se houver alienação, ou oneração, é ineficaz quanto ao optante”. Assim, tal seria a sorte do contrato de opção semelhantemente ao que ocorre com o contrato de compra e venda celebrado sob condição suspensiva, intra et ad extra, corroborada pela prudência, enquanto raciocínio reto concernente às ações, acautela-se o espírito humano rumo a um estado de proteção, indispensável à preservação de seus interesses positivos. 10 No sentido semântico do verbo convir, que, conforme Dicionário Houaiss, advém do étimo latino convenìo,is,véni,ventum,veníre, o qual aponta para “vir juntamente, afluir, encontrar-se, competir, ir ter com”.

quando, para preservação dos direitos da parte a quem aproveita a condição, estiver devidamente inscrito no Registro de Imóveis (arts. 125 e 130, do CC c/c art. 167, I, 29, segunda figura, da Lei nº 6.015/73), de maneira que, não obstante venha ocorrer disposição do direito por negócio jurídico de alienação em favor de terceiros, verificada a condição, resolvem-se todos os direitos constituídos posteriormente ao registro do contrato condicional (art. 126, do CC). E, se é assim para o contrato de compra e venda feito sob condição suspensiva, mais bem importa ser para o contrato de opção de compra, que possui maior concreção em relação àquele. Contudo, a questão é realmente complexa e não goza de univocidade hermenêutica, pois quer parecer-nos que se admita a defesa da tese contrária, no sentido de que o contrato de opção, mesmo que averbado, não possui eficácia para resolver os negócios dispositivos registrados posteriormente, uma vez que a relação jurídica mantida entre vendedor e optante está delimitada na órbita do contrato de opção enquanto tal, constituindo-se relação jurídica de compra e venda apenas após o exercício da opção. Assim, enquanto não exercida essa faculdade conferida ao optante, não se tem atual o título de transmissão (i.e., a compra e venda), e, consequentemente, a disposição da coisa pelo atual proprietário em favor de terceiro, se efetivada pelo registro do respectivo título translatício no Registro de Imóveis, importará em quebra da cadeia de continuidade, se a opção for exercida posteriormente a essa outra inscrição. E, não havendo em benefício do contrato de opção de compra disposição expressa e semelhante àquela positivada no art. 126, do CC – para os negócios celebrados sob condição suspensiva –, ao optante caberia imputar ao vendedor e, em tese, ao terceiro comprador, a responsabilidade pelo evento, seja para perpetrar a anulação do negócio jurídico doloso, se for o caso, ou as perdas e danos correspondentes. De lege ferenda, a oportuna regulamentação poderá fornecer uniformidade de tratamento à matéria, estabelecendo maior segurança jurídica quanto à ARISP JUS 13


aplicação e aos efeitos do contrato de opção de compra. De qualquer maneira, tem-se de considerar, necessariamente, que uma das funções do Registro de Imóveis é a de ser promotor da estabilidade das relações jurídico-imobiliárias, como de fato a experiência tem demonstrado. Daí decorrer a validez e utilidade da averbação do contrato de opção de compra. Como corolário, não se pode conceber que seja legítimo a terceiros, devidamente cientificados de uma determinada situação negocial que circunda o bem da vida, imprimir conduta que sabidamente importará na frustração de negócios já encetados com antecedência, em deliberada contrariedade aos valores éticos e sociais protegidos pelos postulados jurídicos que visam a manutenção do bem comum e, mais especificamente, a função social dos contratos, a preservação dos contratos e o estabelecimento da boa-fé entre os partícipes das relações jurídicas. Se assim fosse, premiar-se-ia o comportamento indolente ou malicioso, priorizando um direito antinômico (= um anti-direito) do agente que assim deseje atuar. A completa eficácia da averbação tem de tender contrariamente a esse fim, servindo de desestímulo a tais condutas. Se a averbação não gerar efeito algum, ou se se tratar de inútil notícia tabular, isto é, desprovida de qualquer valor prático, então o ato registral é indevido11. Porém, a defesa teórica da inutilidade da averbação do contrato de opção de compra, ora imaginada apenas para fins de argumentação, parece-nos vazia, pois, nesse 11 Aqui vale a sempre oportuna lição do Des. Ricardo Dip: “É contraeconômico, para logo, em todos os aspectos (economia de esforços, de tempo e de custos), efetivar-se uma inscrição registrária destituída de toda eficácia atual. Mais agudamente, o princípio da legalidade impõe que apenas se efetuem inscrições eficazes in actu, de modo que o registro não se converta em local de acesso para não importa quais títulos ou mesmo se confunda com um mero arquivo de informações. Daí o aforismo: inutilitates in tabulâ illicita sunt.” (in 14 ARISP JUS

caso, ter-se-ia de sustentar, de algum modo, nos limites do subjetivismo, quais atos de averbação concernentes a situações jurídicas relativas a imóveis seriam admissíveis ao fólio, e quais não seriam, sem perder de vista que o rol do art. 167, II, da Lei nº 6.015/73, é numerus apertus. A utilidade do ato de registro em sentido amplo revela-se pelo valor que este agrega à ordem social, jurídica e econômica (o axio-antropológico). E não nos é desconhecido que há situações jurídicas não expressamente elencadas na lei e que são objetos de averbação, pela importância do significado que apontam, ou seja, segurança ou conveniente controle, a exemplo do que acontece com as averbações de inexistência de licitantes em público leilão ao final das execuções extrajudiciais das alienações fiduciárias em garantia12. Portanto, se a averbação é possível, e julgamos sê-la, algum efeito tem de produzir, e, embora não produza um direito real típico, sustenta em si, aliás, como toda obrigação com efeito real, a aptidão de: (i) tornar o contrato de opção de compra de imóvel inexoravelmente conhecido perante terceiros, em virtude da excelência da publicidade registral; (ii) imprimir, no pensamento de terceiros que na coisa tiverem interesse, o reto e justo raciocínio concernente às deliberações e ações a adotar, que é o juízo da prudência; (iii) exigir destes e do vendedor conduta de conformidade com o direito; (iv) proteger a relação jurídica subjacente, graduandolhe a eficácia e preservando os interesses do optante e potencial comprador; (v) enfim, estabelecer o respeito à ordem jurídica que ampara e sustenta o desenvolvimento das obrigações livremente ajustadas entre os contratantes. Apelação Cível nº 1025597.86.2015.8.26.0564 12 Que acena: (i) para o cumprimento da lei, consequentemente, (ii) para a inexistência de situação indevida que é própria da cláusula comissória, como também (iii) para a supressão do estado resolúvel da propriedade fiduciária, que perdura mesmo após a consolidação e antes da conclusão dos leilões, (iv) para a estabilidade da relação jurídico-dominial (ius in re plena) decorrente da inexistência de licitantes, (v) para a disponibilidade e legitimidade do ato de alienação livre, que poderá ser posteriormente realizado.


De qualquer modo, averbado o contrato de opção de compra, aguarda-se a deliberação do optante. Em não querendo exercer a opção, manifesta-se expressamente o optante, autorizando, ademais, ao vendedor, em proceder o respectivo cancelamento no Registro de Imóveis (art. 250, II e III, da Lei nº 6.015/73). Também caducará o direito formativo gerador se a opção não for exercida no prazo combinado, ou de conformidade com as cláusulas ou circunstâncias adrede convencionadas no contrato de opção. Não havendo critério objetivo que permita seguramente ao Oficial de Registro determinar o desinteresse do optante ou decaimento de seu direito formativo gerador, nem documentos que possam seguramente assim demonstrar, ao vendedor caberá requerer judicialmente o cancelamento (art. 250, I, c/c art. 259, da Lei nº 6.015/73), da mesma forma como ocorrem com os contratos sinalagmáticos que se resolvem por inadimplemento de uma das partes, quando uma delas é contumaz ou intransigente. Vale lembrar que o fato de o contrato de opção ter eficácia unilateral porque obriga, com maior vigor, o vendedor, não significa que o optante é livre para agir da maneira que bem quiser. O gozo de avantajada situação jurídica que detém consiste apenas na possibilidade de exercer um direito potestativo, de cujos efeitos sujeita-se o vendedor independentemente de qualquer providência sua, qual seja, o de estabelecer uma relação jurídica de compra e venda incontinenti à opção declarada. Entretanto, há obrigações que lhe são impostas, tanto pela lei, que é de agir com hombridade e probidade (arts. 186, 187, 389, 391, 421, 422, 927, 2.035, do CC), como pelo contrato, que são as sanções pactuadas em razão de seu inadimplemento (art. 402, do CC). Assim, o abuso de direito do optante, como o de procrastinar indevida e injustificadamente o exercício

da opção; o espírito resoluto e encoberto de não exercer o seu direito, embora nutra dissimuladamente a expectativa do vendedor; o não fornecimento de documento ou declaração de que não quer ou não quis exercer o seu direito no prazo contratualmente estipulado para os fins de direito, inclusive de cancelamento do ato de averbação; a postura negligente, omissa ou de não adoção das providências necessárias à formação de seu convencimento para o exercício da opção, que são aquelas cautelas que demandam tempo e trabalho para apurar a viabilidade do negócio ou os benefícios do contrato de compra e venda, e por isso conduzem as partes, vendedor e comprador, inutilmente, a celebrar o contrato de opção; enfim, para não esgotar outras possibilidades enquanto atividades negativas, juridicamente antitéticas e contraeconômicas, importam em responsabilidade civil do optante faltoso, seja por dolo ou por culpa. Todavia, se o optante vier a exercer o seu direito tempestivamente, ou de conformidade com o modo contratualmente estabelecido, como já aludido alhures, o contrato de compra e venda exsurge em toda a sua eficácia, e isso pode ser verificado pela expressa declaração de vontade do comprador ou pela prova do pagamento do preço do negócio com o recolhimento do imposto de transmissão inter vivos. Assim, considerando que o contrato de opção já esteja averbado, sendo posteriormente prenotado documento que demonstre o exercício da opção, o ato a ser praticado será o de registro em sentido estrito, não como ato de registro da opção em si mesma assimilada, eis que, como se tem aqui dito, a opção atualiza o contrato de compra e venda, fá-lo surgir concreta e materialmente no mundo jurídico, de maneira que atividade qualificadora conduz à razão da espécie do contrato que passa a ser sustentado pela ordem jurídica, logo, o registro em sentido estrito vocacionado será o de compra e venda; aliás, in casu, a compra e venda é o título translativo com aptidão para constituir o direito real de propriedade por efeito do registro – não da averbação. ARISP JUS 15


Registra-se, portanto, a compra e venda, da mesma forma como se registraria a compra e venda se o contrato de opção ingressasse no Registro de Imóveis acompanhado da declaração positiva do exercício da opção, evidentemente, pois já não mais se trataria de contrato de opção, mas de contrato de compra e venda. Quer parecer-nos, ademais, que o exercício da opção, isto é, do direito formativo gerador outorgado ao optante, dependa de forma especial, mas não necessariamente de forma solene. Ou seja, deverá vir por escrito, de modo que se possa, com a devida segurança, perquirir a autenticidade da declaração. Poderá, também, ser feita por procurador com poderes bastantes, pois não se trata de ato personalíssimo, devendo ser apresentado o respectivo instrumento procuratório. Outra possibilidade seria o comparecimento direto do comprador, ou de seu procurador, perante o Oficial de Registro, o qual poderá tomar daquele a declaração em sua presença, recomendavelmente mediante termo lavrado. CONCLUSÃO O objeto do presente artigo visa não só abordar o tema concernente aos contratos de opção de compra, com ênfase no mercado imobiliário, mas também fomentar o debate e produzir soluções consistentes. Como já percebia Pontes de Miranda, é instrumento muito utilizado, mas pouco conhecido. Isto é, por ser pouco abordado, pouca precisão há quanto ao modo adequado de se valer desse importante recurso. Por isso, não é incomum que os contratos de opção de compra de imóveis acabem permanecendo depositados nas gavetas dos escritórios das partes que deles se valem, sem conhecer do poderoso efeito prático que esses instrumentos possuem. 16 ARISP JUS

O bom entendimento e conceituação dessa espécie de contrato evitará as deficiências formais quanto à sua estrutura elementar, bem como as confusões com os contratos de promessa de compra e venda que possam ocorrer, muitas vezes gerando dificuldades ao intérprete quanto à matéria do que se convencionou: se um contrato de opção de compra, se um contrato de promessa de compra, se uma minuta de contrato, ou um pacto de intenções a contratar. Por isso procuramos, neste artigo, apresentar os fundamentos do contrato de opção de compra, conceituá-lo e conduzi-lo à aplicação prática, aferindose, desse modo, a extensão de sua validez econômicojurídica. No aspecto registral, para o qual tendeu as nótulas deste artigo, segundo o quanto pudemos expor, o contrato de opção deve receber o devido trato, de lege ferenda, pelo registro, contudo, pela sistemática ora vigente, pela averbação. Essa providência, dotada de positividade, atribui ao contrato de opção efeitos perante terceiros. O registro, em sentido amplo, não pode retornar vazio, sob pena de se pretender estabelecer uma atividade registral inútil e indevida. E, em virtude da averbação do contrato de opção de compra de imóvel, desde que atendidos os requisitos legais, sem deixar de considerar, também, a natureza, propósito e finalidade do sistema registral, quer parecer-nos, com a máxima vênia às discussões que o tema possa absorver, atribuir à obrigação efeito real, de maneira que terceiros, eventualmente interessados na coisa, cientes da relação negocial pendente, sujeitemse à eficácia do exercício da opção feita posteriormente pelo optante-comprador, perante o qual serão, assim, ineficazes as disposições que forem feitas ulteriormente à averbação. Esse modo de conceber os efeitos do contrato de opção de compra de imóvel averbado parece-nos tanto


mais idôneo quanto econômico, seja pela função que é própria contrato, como pela função que é própria do registro. A uma porque pode-se ter notícia com antecedência da relação negocial adrede encetada. A duas porque não se impele o optante frustrado à demorada e difícil via judicial decorrente de aleivosa ou negligente conduta de terceiros. E, finalmente, porque o panorama gerado pelas circunstâncias do contrato de opção de compra de imóvel, devidamente qualificado e averbado, além da segurança que cinge o espírito das partes quanto à validez e utilidade do negócio, exigirá, tanto do vendedor que tiver tardiamente seu ânimo alternado como de terceiros que manifestarem desejo de contratar sobre a coisa previamente ofertada a outrem, comportamento e diligências de conformidade com o direito, indispensáveis ao respeito mútuo dos interesses em jogo e à ordem jurídico-econômica. O tema, pela envergadura que comporta, poderá ser melhor regulado por trabalhos legislativos porvindouros. De qualquer modo, encerramos o presente artigo na expectativa de que possa gerar frutos e ser continuado, especialmente na seara dos Registros de Imóveis, sem o que o valor utilitário do contrato de opção de compra de imóvel não estará aperfeiçoado à estatura que deve alçar. BIBLIOGRAFIA MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Tomo XLIII. Campinas: Bookseller, 2001. SERPA LOPES, Miguel Maria de. Tratado dos Registros Públicos. Vol. III, Rio de Janeiro: Ed. A Noite, 1950. SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. Vol. III, Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos, 1961. JOSEPH, Miriam, O Trivium: as artes liberais da lógica, gramática e retórica: entendendo a natureza e a função da linguagem. São Paulo: É Realizações, 2008. ARISP JUS 17


RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS Por Ricardo Felício Scaff Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da comarca de Guarulhos. Especialista em Direito Processual Civil da Escola Paulista da Paulista - EPM. Especialista em Direito Notarial e Registral da Escola Paulista da Magistratura - EPM.

nossos Tribunais Pátrios, abalizadas na responsabilidade civil objetiva das instituições bancárias que, superiores no aspecto econômico e técnico do assunto, detêm toda a tecnologia e conhecimento sobre as operações e serviços que realizam, ao contrário do consumidor que, muitas vezes, não conhecem os serviços postos à sua disposição. Nesse contexto, e dada a importância de tais entes no funcionamento da estrutura econômico-financeira do país, analisaremos o tema objeto de discussão. 2. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL Com os avanços tecnológicos, houve uma inovação quanto ao modo das pessoas se relacionarem, dando origem a uma sociedade muito mais consumista, face ao crescente número de produtos e serviços oferecidos. Diante dessa evolução, a relação fornecedor e consumidor se mostrou desequilibrada, com a vulnerabilidade deste último, o que deu ensejo à necessidade de se tutelar esse direito.

1. INTRODUÇÃO Em benefício do desenvolvimento econômico, as instituições bancárias desenvolvem um importante papel na mobilização do crédito, não se limitando mais em serem meras guardiãs de depósitos de valores de sua clientela. Nessa perspectiva, e para se amoldarem à realidade e ao dinamismo frenético do mercado, os bancos promoveram o alargamento de suas atividades, passando a disponibilizar uma variada gama de serviços, guiados, quase sempre, sob a égide de contrato em condições gerais. E conquanto estejam aparelhadas com o avanço tecnológico de seus sistemas, com resultados otimizados, falhas amiudadas vêm sendo objeto de reparações pelos 18 ARISP JUS

A par de erigir a defesa do consumidor como direito fundamental, a Carta Magna. também o elevou à categoria de princípio geral da atividade econômica, de forma a consagrar a responsabilidade civil dos estabelecimentos bancários imprescindível ao mecanismo de defesa do consumidor, parte fraca da relação jurídico-processual. 3. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS: O ALCANCE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR As atividades das instituições financeiras, reguladas pela Lei nº 4.595/64, são fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil (BACEN), que pode editar normas complementares de regulamentação, com força de lei, sobre todas as instituições sob sua égide. Ocorre que o BACEN não emanou nenhuma


disposição normativa acerca da responsabilidade civil das instituições bancárias, restando à doutrina e à jurisprudência o deslinde das causas dessa natureza. A par disso, o Código de Defesa do Consumidor equiparou a prestação dos serviços bancários às relações de consumo, o que causou polêmica quanto à sua aplicação, já que as instituições financeiras se mostraram contrárias à responsabilidade objetiva adotada. Pois bem. Em que pese não haver aceitação pacífica pelas instituições bancárias quanto à submissão à legislação de proteção ao consumidor, resta superada a controvérsia jurisprudencial acerca do tema, após decisão do STF julgar improcedente pedido formulado pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras, in verbis: Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro - CONSIF contra a expressão constante do § 2° do art. 3° do Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei 8.078/90) que inclui, no conceito de serviço abrangido pelas relações de consumo, as atividades de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária (Lei 8.078/90: ‘Art. 3°, § 2° Serviço, é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.’) - v. Informativos 264,417 e 425. Entendeu-se não haver conflito entre o regramento do sistema financeiro e a disciplina do consumo e da defesa do consumidor, haja vista que, nos termos do disposto no art.192 da CF, a exigência de lei complementar refere-se apenas à regulamentação da estrutura do sistema financeiro, não abrangendo os encargos e obrigações impostos pelo CDC às instituições financeiras, relativos à exploração das atividades dos agentes econômicos que a integram - operações bancárias e serviços bancários -, que podem ser definidos por lei ordinária. Vencidos, em parte, os Ministros Carlos Velloso e Nelson Jobim, que julgavam o pedido parcialmente procedente para

emprestar interpretação conforme a CF ao § 2° do art. 3° da Lei 8.078/90, respectivamente, no sentido de excluir da sua incidência a taxa dos juros reais nas operações bancárias, ou a sua fixação em 12% ao ano, e no de afastar da sua exegese as operações bancárias (ADI 2591/DF, rel. orig. Min. Carlos Velloso, rel. p/ o acórdão Min. Eros Grau, 7.6.2006. (ADI-2591).

O Col. Superior Tribunal de Justiça também já se posicionou a respeito quando da edição da Súmula nº 297 ao prever que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Certo é também que, nos dizeres de Silvio Venosa1, “(...) toda atividade dos bancos e das instituições financeiras é atingida pelos princípios do Código de Defesa do Consumidor, se mais não fora pelos princípios gerais dessa lei, por disposição expressa (art. 3°, § 2°)”. Ainda assim, porém, observa-se a impropriedade de alguns doutrinadores em sustentar que o Código de Defesa Consumidor não se aplica a todas as operações bancárias, sob o argumento de que o crédito e o dinheiro não constituem produtos adquiridos ou usados pelo destinatário final, sendo, na verdade, meios de pagamentos, que circulam na sociedade. Nessa perspectiva, a posição do setor bancário a esse dispositivo é manifesta, sob o argumento de que não há relação de consumo nos contratos bancários por não haver destinatário final ao crédito. Apesar de razoáveis as ponderações feitas, indene de dúvida que esse entendimento não merece prevalecer, pois, conforme ensina Luiz Rodrigues Wambier2, os contratos bancários estão sujeitos ao CDC. “Se, todavia, o tomador dos recursos se utilizou do montante obtido por meio de operação de crédito (em sentido amplo) para a realização de atividades próprias, tanto de produção quanto de consumo, estará efetivamente consumindo aqueles recursos e, com isso, sujeitando a 1 Direito Civil. Vol. IV, p. 167. 2 Os Contratos Bancários e o Código de Defesa do Consumidor, p. 1 25-13 2. ARISP JUS 19


operação bancária ao crivo do CDC”. Este, aliás, é o posicionamento da jurista Cláudia Lima Marques3 ao aduzir que “O CDC rege as operações bancárias, inclusive as de mútuo ou de abertura de crédito, pois relações de consumo”. Concluindo com a mesma destreza, Arruda Alvim4 assegura que “tal opção de política legislativa revela a preocupação de não se dar azo a divergente exegese, que pudesse vir a excluir do conceito geral atividades de grande movimentação de consumo, como as relacionadas, notadamente os bancos e as seguradoras, sejam públicos ou privados”. Logo, não há como negar a aplicação das regras protetivas do Código de Defesa do Consumidor à atividade bancária e suas operações correlatas. 4. CONCEITO E REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL Segundo entendimento esposado por Sérgio Cavalieri Filho5, a responsabilidade civil é o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico, tendo por função restabelecer o equilíbrio econômico anteriormente existente à lesão. Prescinde para a sua caracterização dos seguintes elementos: conduta humana, nexo de causalidade e dano. A conduta humana se verifica quando alguém por ação ou omissão viola um dever jurídico preexistente. Tem por núcleo a noção de voluntariedade, ou seja, o agente tem que ter consciência daquilo que está fazendo. O nexo de causalidade é o vínculo ou liame existente entre a conduta humana e o resultado danoso. Este 3 Contratos no Código de Defesa do Consumidor , p. 143. 4 Código de Defesa do Consumidor comentado, p. 40. 5 Programa de Responsabilidade Civil, p. 20. 20 ARISP JUS

ato, entretanto, tem que gerar um dano, lesionar um interesse jurídico tutelado para assim ser considerado um ilícito civil passível de ser reparado. É classificada em relação aos seus requisitos, no Código Civil, em subjetiva ou objetiva, conforme seja necessário ao intérprete do ato praticado aferir a intenção do agente em praticar ou não o ato. A responsabilidade civil subjetiva exige não só a aferição do dano e o nexo causal entre ambos, mas também a comprovação da culpa do agente como condição para o dever de indenizar. Sobre o tema, ensina Sílvio Rodrigues6: se diz ser subjetiva a responsabilidade quando se inspira na ideia de culpa e que de acordo com o entendimento clássico a concepção tradicional da responsabilidade do agente causador do dano só se configura se agiu culposa ou dolosamente. De modo que a prova da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar. A responsabilidade, no caso, é subjetiva, pois depende do comportamento do sujeito.

Já a responsabilidade civil objetiva a culpa e é excluída dentre os elementos caracterizadores da responsabilidade Civil, exigindo-se do lesado tão somente a comprovação da ação ou omissão praticada pelo agente, o dano e o nexo de causalidade entre ambos. Baseada na teoria do risco do art. 927 do Código Civil dispõe que “existe obrigação de reparar, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. Ainda lecionando sobre o tema, Silvio Rodrigues7 aduz que “segundo essa teoria, aquele que, através de sua atividade, cria risco de dano para terceiros deve 6 Direito Civil, Volume IV, p. 11. 7 ibidem, p.10.


ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele”. 4.1. DA RESPONSABILIDADE CIVIL DAS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS A atuação da atividade bancária no mercado sofreu inúmeras modificações e ganhou maior amplitude no ordenamento jurídico brasileiro, com a notória modernização e diversificação dos serviços disponibilizados. E foi nesse contexto que o art. 3°, parágrafo 2°, do Código de Defesa do Consumidor equiparou a prestação dos serviços bancários de natureza onerosa às relações de consumo, in verbis: Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Assim, sendo a atividade bancária considerada como serviço, os bancos são responsáveis pelos incidentes que causarem aos consumidores independentemente da existência de culpa do agente causador do dano, conforme art. 14 da legislação em comento, in verbis: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua função e riscos.

Trata-se assim, na verdade, da teoria do risco, fundada no pressuposto de que o banco assume os riscos pelos danos que vier a causar a terceiros ao exercer atividades com fins lucrativos. Assim, basta a

existência de nexo causal entre a ação ou omissão e o dano para que exista a obrigação de indenizar. Em relação ao risco esposado, Vilson Alves8 pronuncia que: Implica riscos para os direitos alheios não apenas a atividade perigosa, mas toda e qualquer atividade que, em sendo exercida, possa gerar situação fática de dano potencial àquele exposto à sua prática, como se as operações bancárias que se efetivem, ou os serviços bancários que se prestem, o sejam defeituosamente, de modo lesivo ao interesse alheio. Os estabelecimentos bancários, ao dedicarem-se a atividades financeiras em seu funcionamento, hão de responder civilmente pelos eventos danosos que no exercício de tais atividades gerarem para clientes e não clientes, independentemente de serem eles irradiados de conduta positiva ou negativa culposa, ou não, de seus agentes.

lndene, pois, de dúvida que os bancos devem suportar os riscos inerentes à sua atividade financeira, de modo a prover a segurança do patrimônio que se encontra aplicado em seu estabelecimento e, desse modo, zelar pela adoção de medidas que inibam as práticas delituosas noticiadas todos os dias pelos meios de comunicação, sob pena de arcarem com os danos causados aos seus consumidores. 4.2. HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA Inúmeras são as quantidades de ações ajuizadas contra bancos que desrespeitam os deveres impostos pelo CDC, causando danos aos seus clientes­ -consumidores. Dentre tais situações, as mais comuns são: 4.2.1. ASSALTO A CLIENTE EM CAIXA ELETRÔNICO É cediço que um dos serviços mais utilizados pelos 8 A Responsabilidade Civil dos Estabelecimentos Bancários, p 88. ARISP JUS 21


clientes de bancos é o terminal de autoatendimento, no interior das agências bancárias, ainda que fora do horário de expediente.

no acórdão estadual, eis que o mesmo enfrentou, suficientemente, a matéria controvertida, apenas que com conclusões desfavoráveis à parte ré.

No entanto, não raro são as ocorrências de assaltos em tais ambientes, em que os bancos tentam se isentar do encargo pelo horário avançado com que seus usuários utilizam o serviço e/ou pela localidade do estabelecimento.

II - Inocorrendo o assalto, em que houve vítima fatal, na via pública, porém, sim, dentro da agência bancária onde o cliente sacava o valor de caixa eletrônico após o horário do expediente, responde a instituição ré pela indenização respectiva, pelo seu dever de proporcionar segurança adequada ao local, que está sob a sua responsabilidade exclusiva.

Todavia, esses argumentos vêm sendo rejeitados pelos nossos Tribunais Pátrios e com o devido acerto. Pois, nada mais justo que, ao disponibilizarem a exploração dos terminais telefônicos no conceito de risco criado9, os bancos devam responder pelos danos causados aos seus clientes, usuários desse tipo de serviço. Assim, é dever do banco garantir a incolumidade do patrimônio de seus clientes, mantendo estrita vigilância em suas dependências e dotando seus sistemas eletrônicos de segurança e eficiência, de molde a impedir que seja o consumidor lesado pelo simples fato de utilizar os meios que lhe são postos à disposição. Nesse sentido, é a ementa do julgado do Col. Superior Tribunal deJustiça, in verbis: CIVIL E PROCESSUAL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE NÃO CONFIGURADA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL ASSALTO EM CAIXA ELETRÔNICO OCORRIDO DENTRO DA AGÊNCIA BANCÁRIA. MORTE DA VÍTIMA. DEVER DE INDENIZAR. I - Não há omissão, contradição ou obscuridade

III - Recurso especial não conhecido (STJ, Resp 488310/RJ, Rel. Ministro Aldir Passarinho, julgado em 28/10/2003).

Dessa linha não diverge Carlos Alberto Bittar10: (...) aquele que exerce atividade de que retira resultado econômico deve suportar os respectivos riscos que insere na sociedade. Fundada nas ideias de justiça distributiva e de completa proteção da vítima - como centro de preocupação do Direito, no respeito à pessoa humana - essa diretriz tem imposto o sancionamento civil às empresas nos danos decorrentes de suas atividades apenas em função do risco(...).

Desta feita, é certo que os estabelecimentos bancários devem responder pelo risco decorrente da instalação desses postos de autoatendimento, uma vez que sendo utilizados como atrativo de angariar clientela e, por consequência, obter lucro, devendo os bancos zelar pela segurança de sua utilização. 4.2.2. ABERTURA DE CONTA BANCÁRIA COM DOCUMENTOS FALSOS

9 Segundo Paulo Sérgio Gomes, “a noção central da

Ainda que não se identifique falsificação grosseira, a contratação firmada por falsários caracteriza a negligência da instituição quando da conferência da autenticidade dos documentos que lhe são apresentados.

10 Revista do s Tribunais, p. 35.

teoria do risco criado está no elemento perigo, existente em algumas atividades, em razão da sua natureza ou dos meios utilizados, está inserido, sujeitando o homem a riscos de toda ordem, inclusive sua própria vida” (Pressupostos da responsabilidade civil objetiva, p. 12). 22 ARISP JUS


A desatenção à análise de tais dados implica na responsabilidade civil das instituições bancárias, de forma objetiva, em função das atividades por elas empreendidas, nos termos do art. 14 da legislação consumerista. Assim, já decidiu o nossos Tribunais, in verbis: STJ. RECURSO ESPECIAL REPERTITIVO. CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. BANCO. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. ABERTURA E CONTA CORRENTE. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNI. RISCO DO EMPRENDIMENTO. VERBA FIXADA EM R$ 15.000,00. PRECEDENTES DO ATJ. SÚMULA 28/STF. CPC, ART 543-C. CDC, ARTS. 6°, VIII, 14, 17 E 39,III. CCB/2002, ARTS.186 E 927,PARÁGRAFOÚNICO. CF/88,ART.5°, VEX.

1. Para efeito do art. 543-C do CPC: As instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros - como, por exemplo, abertura de contacorrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos-, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno. 2. Recurso especial provido”(STJ, Resp 01113250/2010, Rel. Ministro Luís Felipe Salomão,julgado em 24/08/2011) (grifo nosso). AGRAVO REGIMENTAL. CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABERTURA DE CONTA CORRENTE COM DOCUMENTOS FALSOS. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. ORIGEM DOS DOCUMENTOS. AGRAVO REGIMENTAL NÃO-PROVIDO.

A instituição bancária é responsável em relação à abertura de conta por terceiros mediante utilização de documentos falsos, mostrando­ -se irrelevante a circunstância de tais documentos advirem de furto ou falsificação.

Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no Resp 1189734/PR 2010/0071904-8, Rel. Ministro Luiz Felipe Salomão, julgado em 09/11/2010) (grifo nosso). 4.2.3. SAQUES REALIZADOS EM CONTA BANCÁRIA SEM AUTORIZAÇÃO DO CONSUMIDOR Considerando a possibilidade de violação do sistema eletrônico e tratando­ -se de sistema próprio das instituições financeiras, a retirada de numerário da conta bancária do cliente, não reconhecida por este, acarreta o reconhecimento da responsabilidade objetiva do fornecedor do serviço, somente passível de ser elidida nas hipóteses do § 3° do art. 14 do CDC (STJ, Resp 1155770/PB, rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 15/12/2011). Assim, deve o banco, diante da negativa do clienteconsumidor quanto a sua responsabilidade frente ao débito gerado, o ônus de provar a regularidade dos saques realizados. Isso porque não se pode imputar ao consumidor o encargo de produzir prova negativa, consistente na comprovação de que não efetuara os inquinados saques. Ao revés, com respaldo numa concepção de carga probatória dinâmica, a transferência de tal ônus probandi aos bancos mostra-se mais razoável, sobretudo por dispor de informações privilegiadas acerca do local em que ocorrem as retiradas, equipado com sistema de vigilância. Logo, tem-se que os saques fraudulentos, de cuja existência não se mais duvida, decorrem unicamente da falta de segurança do sistema de transação das instituições bancárias. Ademais, a ação criminosa do terceiro responsável pelo saque não se equipara a fato de terceiro justamente porque o sistema de segurança é falho e porque a instituição financeira é depositária do dinheiro do cliente contra terceiros criminosos, pois do contrário ARISP JUS 23


não haveria razão de ser a contratação de um banco. Ao caso objeto de discussão, aplica-se, portanto, a teoria do risco: na medida em que o banco, que incrementa seus lucros exorbitantes com a disponibilização de um serviço a mais, captando maior clientela justamente pela facilidade decorrente desse serviço, deve arcar com os riscos de fraudes daí decorrentes. E o banco tem muito mais condições de suportar essa fraude do que o simples consumidor. Logo, seria demasiado severo imputar à vítima a responsabilidade por tais danos, baseada unicamente na falta de guarda e manutenção do cartão e sigilo da senha, tendo em vista que esta não tem como controlar esse tipo de atuação delituosa em suas contas bancárias. Ao contrário, as instituições financeiras é que têm a responsabilidade pela guarda do dinheiro de seus clientes, bem ainda a implementação de sistemas de segurança para proteção dos serviços eletrônicos que oferece. Nesse passo, cabe à instituição bancária restituir os clientes pelos prejuízos decorrentes de falha de sistema eletrônico e buscar, por seus próprios meios, descobrir os verdadeiros responsáveis pela retirada do dinheiro e ressarcir-se dos prejuízos decorrentes. 4.3. DO ÔNUS DA PROVA Sendo a atividade bancária um negócio que contém riscos decorrentes da deficiência do próprio sistema operacional, cabe à instituição financeira a prova de que não houve falha na prestação do serviço (TJMG, 17ª Câmara Cível, Ap. 1002407462106-1/001, Rel. Des. (a) Márcia de Paoli Balbino, julgado em 29/05/2008). Isso porque, tratando-se a relação de banco e correntista uma típica relação de consumo, é perfeitamente possível a inversão do ônus da prova, a teor do quanto previsto pelo art. 6°, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, face à hipossuficiência técnica do consumidor, notadamente 24 ARISP JUS

pelo seu total desconhecimento acerca dos mecanismos de segurança utilizados pelas instituições financeiras no controle de seus procedimentos e das possíveis formas de combater eventuais fraudes. Presume-se, pois, que o fornecedor do bem ou serviço, por ser detentor dos elementos de controle da atividade, ser dotado de maiores possibilidades de impugnar, por meio de provas, as irresignações formuladas pelo consumidor. Assim, é o decisium da Colenda Corte da Cidadania, in verbis: Direito Processual Civil. Saques sucessivos em conta corrente. Negativa de autoria do correntista. Inversão do ônus da prova. É plenamente viável a inversão do ônus da prova (art.333, II do CPC) na ocorrência de saques indevidos de contas-correntes, competindo ao banco (réu da ação de indenização) o ônus de provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor. Incumbe ao banco demonstrar, por meios idôneos, a inexistência ou impossibilidade de fraude, tendo em vista a notoriedade do reconhecimento da possibilidade de violação do sistema eletrônico de saque por meio de cartão bancário e/ou senha. Se foi o cliente que retirou o dinheiro, compete ao banco estar munido de instrumentos tecnológicos seguros para provar de forma inegável tal ocorrência. Recurso especial parcialmente conhecido, mas não provido (STJ, Resp 727843, Rel. Des. Nancy Andrighi, publicado em 01/02/2006) (grifo nosso).

4.4. EXCLUDENTES DE

RESPONSABILIDADE

Embora a responsabilidade civil das instituições bancárias seja de natureza objetiva, é certo que se trata de uma responsabilidade objetiva mitigada, admitindose excludentes de responsabilidade, nos casos previstos em lei. Segundo o art. 14, § 3°, do Código de Defesa do Consumidor, no que diz respeito aos defeitos no serviço,


o fornecedor de serviço só não será responsabilizado quando provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste ou quando for caso de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Observa-se, todavia, que na seara consumerista, o Código de Defesa do Consumidor não considera, de forma expressa, como hipóteses de excludentes o caso fortuito e a força maior. No entanto, a interpretação sistemática do ordenamento jurídico vigente permite que se considerem essas conjecturas como excludentes de responsabilidade civil no âmbito das relações de consumo, na medida em que afasta o nexo de causalidade, indispensável para que haja responsabilização civil. Perfilhando esse entendimento, o Col. STJ, conforme ementa que se colaciona, assim decidiu: O fato de o art.14, § 3° do Código de Defesa do Consumidor não se referir ao caso fortuito e à força maior, ao arrolar as causas de isenção de responsabilidade do fornecedor de serviços, não significa que, no sistema por ele instituído, não possam ser invocadas (Resp 120647/ SP, julgado em 15/05/2000).

4.5. DO QUANTUM INDENIZATÓRIO A violação à norma jurídica, causadora de prejuízo de outrem, gera a responsabilidade civil do agente que praticou o ilícito e, dessa forma, ele terá o dever de reparar o dano, seja patrimonial e/ou moral, causado para restaurar o status quo ante, para só assim, se alcançar a pacificação social pretendida pelo Direito. Na reparação do dano moral, o juiz determina, por equidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, o quantum da indenização devida, que deverá corresponde à lesão e não ser equivalente, por ser impossível, tal equivalência. A reparação pecuniária do dano moral é um misto de pena e satisfação compensatória. Não se pode negar sua função:

penal, constituindo uma sanção imposta ao ofensor; e compensatória, sendo uma satisfação que atenue a ofensa causada, proporcionando uma vantagem ao ofendido, que poderá, com a soma de dinheiro recebida, procurar atender a necessidades materiais ou ideais que repute convenientes, diminuindo, assim, seu sofrimento11.

No entanto, deve haver razoabilidade no valor da compensação, de modo que o valor arbitrado não seja demasiadamente inexpressivo, por desservir o seu fim pedagógico, advindo do ordenamento jurídico atinente à espécie, nem elevado ao ponto de culminar em aumento patrimonial indevido ao lesado, pois, se assim o for, estará a indesejada indústria do dano moral sendo fomentada, desvirtuando a legítima proteção em favor de golpistas que se aproveitam do excesso de rigor exigido aos bancos, para simular danos de consumo a fim de obterem indenizações destituídas de fundamento. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com o aumento das relações sociais e de consumo nas atividades bancárias, surgiu também, uma elevação expressiva das falhas cometidas pelos estabelecimentos bancários fazendo surgir, daí, a responsabilidade civil. Nota-se, todavia, que essa responsabilidade tem recebido interpretação bastante ampla pelos nossos Tribunais Pátrios, na medida em que o notório poderio econômico e o acesso de informações privilegiadas pelas instituições bancárias que, ainda, auferem lucros astronômicos com as atividades de risco que desenvolvem, as colocam em situação privilegiada frente ao consumidor. Nesse contexto, é que se estabeleceu a responsabilidade civil objetiva dos estabelecimentos bancários, com obrigações severas em relação ao aspecto de segurança e incolumidade do patrimônio, 11 Maria Helena Diniz, A Responsabilidade Civil por Dano Moral, p. 9. ARISP JUS 25


em proteção do consumidor, parte mais fraca da relação jurídico-processual. Logo, e na qualidade de prestadores de serviços, as instituições bancárias, ao dedicarem-se a atividades financeiras em seu funcionamento, hão de responder civilmente pelos eventos danosos que no exercício de tais atividades gerarem para seus clientes, e da qual somente se desincumbirão se comprovarem uma das causas excludentes de sua responsabilidade. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Vilson Rodrigues. A responsabilidadecivil dos estabelecimentos bancários. 3ª ed., Campinas: Servanda, 2005. ALVIM, Arruda. Código de defesa do consumidor comentado. 2ª ed.,São Paulo: RT, 1994. BITTAR, Carlos Alberto. Responsabilidade civil dos bancos na prestação de serviços. Revista dos tribunais,nº 75, vol. 614, dez.1986. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2ª ed., Rio de Janeiro: Malheiros, 2000. DINIZ, Maria Helena. ln: Revista literária de direito, ano II, nº 9,jan./fev. 1996. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais.2ªed., [s.1]:RT, 1995. NUNES, Lui Antônio Rizzatto. Manual de monografia jurídica . 5ª ed. rev., atual. e reform. São Paulo: Saraiva, 2007. RODRIGUES, Silvio. Direito civil.Vol. IV. 19ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002. VENOZA, Silvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. Vol. IV.10ª ed., São Paulo: Atlas, 2010. WAMBIER, Luiz Rodrigues Wambier. ln.Revista de direito do consumidor. São Paulo: RT, Vol. 18, Abr./Jun.1996.

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DECISÕES EM DESTAQUE

ÍNDICE DECISÃO ADMINISTRATIVA #1 Processo n. 0040360-77.2006.8.26.0224 - Pág. 28

DECISÃO ADMINISTRATIVA #2 Apelação nº 1007423- 92.2017.8.26.0100 - Pág. 31

DECISÃO ADMINISTRATIVA #3 Apelação nº 1047825-76.2017.8.26.0114 - Pág. 34

DECISÃO ADMINISTRATIVA #4 Apelação nº 1004329-04.2017.8.26.0047 - Pág. 36

Selecionadas por Alberto Gentil de Almeida Pedroso

DECISÃO ADMINISTRATIVA #5 Recurso Administrativo nº 0001065-51.2017.8.26.0352- Pág. 39

DECISÃO JURISDICIONAL #1 Recurso Especial 2008/0197935-0 - Pág. 40

DECISÃO JURISDICIONAL #2 Recurso Especial 2017/0232634-4 - Pág. 41

DECISÃO JURISDICIONAL #3 Recurso Especial 2017/0235953-0 - Pág 42

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DECISÃO ADMINISTRATIVA #1 Vistos. Trata-se de dúvida inversa suscitada por GALDINO LOPES DE OLIVEIRA contra notas devolutivas exaradas pelo senhor 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE GUARULHOS, objetivando o registro da carta de sentença referente ao lote 15, da quadra 6, setor A, do loteamento Cidade Parque São Luiz, extraída dos autos da ação de adjudicação compulsória, processo n. 004036077.2006.8.26.0224, da 6ª Vara Cível desta Comarca. O interessado argumentou que as exigências feitas pelo registrador foram sendo superadas e modificadas até que se tornaram insuperáveis, haja vista que o processo de adjudicação foi ajuizado exatamente pela falta dos documentos exigidos pelo registrador. Acrescentou que as questões levantadas pelo senhor Oficial revolvem a coisa julgada e o mérito da ação de adjudicação e que, por ser pessoa idosa, está respaldado por Estatuto próprio e superior à lei registrária. Aduziu ser desnecessária a extração de carta de sentença da ação de separação da cedente do imóvel, pois o casal faleceu antes da formalização e divisão de bens, e o imóvel em questão nem fez parte do arrolamento e se não bastasse, os herdeiros participaram do polo passivo da ação de adjudicação. Requereu, portanto, a improcedência da dúvida do registrador e levantamento dos óbices para o registro do título (fls. 01/13). O senhor oficial ofereceu manifestação, informando que prenotou o título sob o n. 416.274. Em sede de preliminar, observou que não consta dos autos a integralidade da carta de adjudicação, tampouco documentos apresentados anteriormente. No mérito, reiterou as razões da última nota devolutiva, argumentando que, para o registro do título, há necessidade de se promover o reconhecimento das firmas apostas no instrumento particular de compra e venda. Ademais, com vistas ao princípio da continuidade, é necessário o prévio registro da escritura de compra e venda. Sendo esse o caso, também é necessária a apresentação da carta de sentença decorrente do desquite da compromissária compradora Maria Apparecida Bueno, pois não há qualquer prova de que os herdeiros compareceram nos autos e se 28 ARISP JUS

manifestaram (fls. 53/158). A representante do Ministério Público apresentou parecer em consonância com a manifestação do registrador, opinando pela improcedência da dúvida inversamente suscitada (fls. 162/167). O interessado apresentou nova manifestação, reiterando os termos do pedido inicial (fls. 171/177). É o relatório. Decido. A dúvida do registrador é procedente e, como corolário lógico, a suscitação de dúvida inversa ofertada pelo interessado não merece guarida. De início, observa-se dos autos que, pela escritura de compra e venda lavrada em 29 de setembro de 1978 pelo 3º Tabelião de Notas de Guarulhos, o ESPÓLIO DE LUIZ FRANCO vendeu a MARIA APPARECIDA BUENO o indigitado imóvel (fls.85/89). Posteriormente, MARIA APPARECIDA BUENO, por meio de instrumento particular de compromisso de compra e venda, datado de 13 março de 1985, compromissou o imóvel a GALDINO LOPES DE OLIVEIRA e seu cônjuge CARMELITA SANTOS DE OLIVEIRA, e JOSÉ ALFREDO LOPES e seu cônjuge IVONETE PILON LOPES (fls. 82/84). Assim, GALDINO LOPES DE OLIVEIRA e IVONETE PILON ajuizaram ação de adjudicação compulsória contra os espólios de MARIA APPARECIDA BUENO e LUIZ FRANCO, que restou julgada procedente (fls.140/141). Ato contínuo, consta da última nota de devolução, prenotada sob o n. 24.171, de 28 de setembro de 2016 (fls. 16) que, para o registro da carta de adjudicação, seria necessário o prévio registro da escritura lavrada em 29/09/1978. Sendo esse o caso, o estado civil da adquirente MARIA APPARECIDA BUENO diverge da averbação feita à margem da inscrição e nesses termos, é necessário que se proceda às averbações do casamento, desquite e da partilha à margem da inscrição do loteamento no 1º Oficial de Registro de Imóveis de Guarulhos, com a apresentação pelo interessado da certidão atualizada expedida por aquele registrador.


Na mesma data, foi exarada nota devolutiva, prenotada sob o n. 24.172 (fls. 17), referente te ao instrumento particular datado de 13/03/1985. E consta da nota que o ingresso do título está condicionado ao prévio atendimento da nota devolutiva de n. 24.171, bem como ao reconhecimento das firmas dos contratantes e das testemunhas. Pois bem. A ação de adjudicação compulsória é ação pessoal que tem o promissário-comprador contra o titular da outorga, mediante sentença constitutiva com a mesma eficácia do ato não praticado, ou seja, quando, por qualquer razão, uma vez quitado o débito, não ocorre a outorga da escritura definitiva. Desta feita, o interessado faz confusão com o mérito da ação de adjudicação compulsória e o ato do registro do título, pois ainda que ,segundo entendimento jurisprudencial, não seja necessária a participação do cedente na cadeia dominial, para o registro do título há que se observar o princípio da continuidade, com atenção ao critério cronológico dos atos. Quanto a isso muito bem obtemperou o registrador ao afirmar que “a sentença proferida na adjudicação compulsória apenas e tão somente substitui a manifestação de vontade não cumprida, ou seja, a sentença produz o mesmo efeito do contrato que deveria ter sido firmado, tratando-se, assim, de modo derivado de aquisição, devendo haver o cumprimento de todas as exigências legais atinentes ao registro, com o atendimento a todos os princípios registrários, dentre os quais a especialidade, objetiva e subjetiva, disponibilidade continuidade (...). A sentença substitutiva de vontade não permite ao adjudicante obter vantagens que não alcançaria caso houvesse o cumprimento voluntário da obrigação” (fls. 155/56). Nessa ordem de ideias, o registro de imóveis se presta a anotar no fólio registral a realidade fática, perseguindo sempre a tangência entre as informações prestadas e a realidade. Ocorre que, para tanto, certas formalidades devem ser observadas, com prejuízo de se perturbar a segurança jurídica. E indubitavelmente, a figura do registrador é imprescindível à segurança jurídica e à guarda dos princípios registrais. Nesse sentido são os ensinamentos de Luiz Guilherme

Loureiro: “O registro de imóveis é fundamentalmente um instrumento de publicidade, portanto, é necessário que as informações nele contidas coincidam com a realidade para que não se converta em elemento de difusão de inexatidões e fonte de insegurança jurídica.” (LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: Teoria e Prática. 2. Ed. ver. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, p. 230). A propósito do tema, ilustre magistério preconiza que: A segurança jurídica é a finalidade dos registros públicos, realidade que, pois, sub modo intencional, tem o primado de iluminar e orientar os meios da ação da entidade registral e de dar consistente permanência a seu resultado. A segurança jurídica dá completeza ao registro, é sua perfeição (ou enteléquia): exatamente por sua relevante função iluminativa e condutora das práticas registrais, a segurança jurídica não opera sobre um ou mais aspectos isolados do registro, mas, isto sim, atua sobre cada registro integralmente −seja em seu processo (in itinerē), seja em seu termo (in facto esse)− influindo-o, dinamicamente, enquanto registro em curso, e concluindo-o de modo perfectivo (coisa acabada, ultimada − res effecta). Daí o acerto da afirmação corrente de que todo o registro e cada registro sejam coisas juridicamente certas −res iure certæ: em seu aspecto processual, na medida em que são coisas nas quais se dá fiel observância da lei −res observans legis; em seu aspecto conclusivo ou de objeto terminativo, porque são coisas juridicamente estabilizadas −res iure solidæ sive stabilis. Em outros termos, a segurança jurídica influi nos registros públicos tanto sobre a dinâmica de sua operação (res in fieri), quanto sobre os resultados correspondentes (res aliquæ): há de ser segurança nos meios e segurança final. Isto implica a persistência do influxo da finalidade em todos os atos do processo registral, desde a recepção dos títulos (onde se põe o problema da “prioridade de fato” −na linguagem de Pelayo Hore, a angústia de “encontrar um táxi a tempo”), passando pelo desfecho da inscrição, e, a partir daí, projetando-se − com efeitos extrarregistrários− para o futuro, até eventual regular alteração. (DIP, Ricardo. Registro sobre Registros, jun., 2017. Disponível em: http://iregistradores.org.br/ricardo-dipregistros-sobre-registros-4/ Acesso em 09 set. 2017). Nessa senda, “Incumbe ao registrador, no exercício do dever de qualificar o título que lhe é apresentado, examinar o aspecto formal, extrínseco, e observar os princípios que regem e norteiam os registros públicos, dentre eles, o da legalidade, que consiste na aceitação para registro somente do título que estiver de acordo com a lei. Consoante lições da Afrânio de Carvalho, o Oficial tem o dever de proceder o ARISP JUS 29


exame da legalidade do título e apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e sua formalização instrumental (Registro de Imóveis, editora Forense, 4ª edição).” (CSM-SP, Apelação Cível n. 000195874.2014.8.26.0634, Rel. José Carlos Gonçalves Xavier de Aquino, j. 15/12/2015). Ainda, a ressaltar a importância da figura do registrador, também em louvável doutrina, ensina o Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Dr. Ricardo Dip, que o “registrador produz documentos – na verdade, ele os age e os faz. Porque ele representa externamente coisas que, uma vez pretéritas, importam socialmente para o futuro. Ageos, porque antes de fazê-los, julga prudencialmente se deve fazê-los e como deve fazer” (Registro de imóveis (princípios). Descalvado- SP. Editora Primus: 2017. p. 119; Série Registro sobre registros, 1). (grifo nosso) Assim, em que pese o interessado se recorrer ao Estatuto do Idoso e às facilitações trazidas pela Lei n. 13.465/2017, nem mesmo o cumprimento de decisões judiciais não está imune à observância de certas formalidades, visto que os títulos judiciais, com alguma mitigação, também são passíveis de qualificação negativa, mesmo porque a independência jurídica do registrador é garantida pelo item 9 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça. Por certo, o estado civil dos envolvidos, a especificação do regime dos bens, e, a depender disso, a necessária participação dos cônjuges, são informações que repercutem sobremaneira no direito imobiliário. Destarte, corretas as exigências do registrador lançadas nas indigitadas notas devolutivas, com vistas ao princípio da continuidade e especialização subjetiva, quando sustenta ser necessário o reconhecimento de firmas e o lançamento de averbações na margem da transcrição do loteamento com relação ao estado civil de MARIA APPARECIDA BUENO, eis que, a despeito de o interessado afirmar que os sucessores anuíram com a adjudicação compulsória, na própria sentença constou que os herdeiros foram citados por edital e apresentaram defesa escrita por negativa geral (fls. 25). Veja-se que nem mesmo foi abojado aos autos a integralidade das cópias da carta de sentença ou as principais pelas dos autos do processo de adjudicação. Com efeito, O Código Civil, artigo 215, dispõe sobre a 30 ARISP JUS

obrigatoriedade de se constar das escrituras públicas lavradas nos tabelionatos de notas a qualificação completa das partes, inclusive quanto ao regime de bens, in verbis: Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena. § 1o Salvo quando exigidos por lei outros requisitos, a escritura pública deve conter: I - data e local de sua realização; II - reconhecimento da identidade e capacidade das partes e de quantos hajam comparecido ao ato, por si, como representantes, intervenientes ou testemunhas; III - nome, nacionalidade, estado civil, profissão, domicílio e residência das partes e demais comparecentes, com a indicação, quando necessário, do regime de bens do casamento, nome do outro cônjuge e filiação; IV - manifestação clara da vontade das partes e dos intervenientes; V - referência ao cumprimento das exigências legais e fiscais inerentes à legitimidade do ato; VI - declaração de ter sido lida na presença das partes e demais comparecentes, ou de que todos a leram; VII - assinatura das partes e dos demais comparecentes, bem como a do tabelião ou seu substituto legal, encerrando o ato. § 2o Se algum comparecente não puder ou não souber escrever, outra pessoa capaz assinará por ele, a seu rogo. § 3o A escritura será redigida na língua nacional. § 4o Se qualquer dos comparecentes não souber a língua nacional e o tabelião não entender o idioma em que se expressa, deverá comparecer tradutor público para servir de intérprete, ou, não o havendo na localidade, outra pessoa capaz que, a juízo do tabelião, tenha idoneidade e conhecimento bastantes. (grifo nosso)

Desta feita, são pertinentes as exigências do oficial registrador, que devem ser cumpridas pelo interessado sob pena de se intentar contra os princípios da especialidade e da continuidade registral ou como diz a boa doutrina, consecutividade ou continuidade ininterrupta (DIP, Ricardo. Registro de imóveis (princípios). Descalvado- SP. Editora Primus: 2017. p. 181; Série Registro sobre registros, 1). (grifo nosso) O entendimento proclamado é compartilhado pela representante do Ministério Público que registrou: “Da análise do presente feito, verifica-se que é fundamental o atendimento das exigências apresentadas pelo ilustre oficial, a fim de preservar a veracidade e a continuidade registrária. Embora não se desconheça o fato de a sentença que julgou procedente ação de adjudicação compulsória seja sub outros requisitos formais cujo atendimento é necessário à


preservação da veracidade e continuidade registraria. E, no presente caso, é certo que questões atinentes ao estado civil das partes, umas das quais inclusive falecida à época da propositura da ação sem participação de seus herdeiros da ação, são necessárias à regularidade do registro.” (fls. 166). Ante o exposto e considerando que mais dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a dúvida do 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE GUARULHOS e, como corolário lógico, IMPROCEDENTE a dúvida inversamente suscitada por GALDINO LOPES DE OLIVEIRA, mantendo-se o óbice registrário. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento administrativo. Ricardo Felicio Scaff Juiz Corregedor Permanente Dê-se ciência à representante do Ministério Público. Dê-se ciência ao senhor 2º Oficial de Registro de Imóveis de Guarulhos. Oportunamente, arquivem-se os autos. P.R.I.C.

DECISÃO ADMINISTRATIVA #2 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1007423- 92.2017.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que são partes são apelantes BANESTES S/A - BANCO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO e ALBERTO LUIZ DE OLIVEIRA, é apelado 14º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL. ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso e mantiveram a recusa do registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL). São Paulo, 24 de julho de 2018. PINHEIRO FRANCO CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR Apelação nº 1007423-92.2017.8.26.0100 Apelantes: Banestes S/A - Banco do Estado do Espírito Santo e Alberto Luiz de Oliveira Apelado: 14º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital Voto nº 37.314 Registro de Imóveis – Alienação fiduciária em garantia – Ausência de prova da publicação do edital dos leilões no local da situação do imóvel – Leilão realizado em local diverso daquela em que situado o imóvel, sem previsão legal ou contratual – Registro inviável – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Banestes S/A – Banco do Estado do Espírito Santo e Alberto Luiz de Oliveira contra r. sentença que julgou procedente a dúvida inversa e manteve a negativa do registro de instrumento particular de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia, celebrado entre os apelantes, relativo aos imóveis objeto das matrículas nºs 39.015 e 39.016 do 14º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo. A recusa do registro decorreu do fato de que os imóveis foram objeto de anterior contrato de alienação fiduciária em garantia em que houve a consolidação da propriedade em favor do credor fiduciário, Banestes S/A – Banco do Estado do Espírito Santo, que após promoveu leilões, sem licitantes, em comarca diversa daquela em situados os bens. Os apelantes alegam, em suma, que não há previsão contratual para a realização dos leilões no local de situação dos imóveis e que essa obrigação não decorre da legislação que regulamenta a alienação fidicuária. Aduzem que o ARISP JUS 31


credor e o devedor fiduciante têm suas sedes em Vitória, Espírito Santo, e que os editais dos leilões foram publicados naquela Comarca e na Comarca da situação do imóvel, em conformidade com o previsto em contrato e para evitar alegação de desconhecimento pelo devedor. Afirmam que os leilões foram realizados na comarca das sedes do credor e do devedor e que em razão da ausência de licitantes foi movida ação de imissão de posse, julgada procedente por r. sentença que foi mantida pelo Eg. Tribunal de Justiça de São Paulo, com posterior venda dos imóveis ao apelante Alberto Luiz de Oliveira. Asseveram que em razão da consolidação da propriedade deram quitação do débito em favor do devedor. Requereram a reforma da r. sentença para que a dúvida seja julgada improcedente (fls. 287/295). A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (fls. 330/333) É o relatório. As certidões das matrículas de fls. 25/34 e 158/168 demonstram que o apelante Banestes S/A – Banco do Estado do Espírito Santo recebeu em alienação fiduciária em garantia, contratada com “Taura Trading Ltda.”, os imóveis objeto das matrículas nºs 39.015 e 39.016 do 14º Registro de Imóveis de São Paulo e que em razão do não pagamento do débito pelo devedor fiduciante teve a propriedade desses bens consolidada em seu favor. Referidos imóveis consistem no apartamento 93 do 9º andar do Edifício Navarra (Matrícula nº 39.015) e em vaga de garagem indeterminada (Matrícula nº 39.016) do Edfiício Navarra, situados na Rua Rouxinol, 407, Saúde, São Paulo (fls. 158 e seguintes). Com a consolidação da propriedade a apelante Banestes S/A – Banco do Estado do Espírito Santo promoveu os leilões dos imóveis, na forma do art. 27 da Lei nº 9.514/97: “Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel. § 1º Se, no primeiro público leilão, o maior lance oferecido for inferior ao valor do imóvel, estipulado na forma do inciso VI do art. 24, será realizado o segundo leilão, nos quinze dias seguintes. § 2º No segundo leilão, será aceito o maior lance 32 ARISP JUS

oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais”. A Lei nº 9.514/97 não dispõe de forma específica sobre os procedimentos para a realização dos leilões, prevendo somente que devem ser objeto de fixação no contrato, mas por se tratar de medida de proteção do devedor a fixação desses requisitos não pode ser dispensada pelas partes, nem ser previsto que serão fixados por ato unilateral do credor. Sobre o tema, manifesta-se Melhim Namem Chalhub: “A lei não dispõe sobre os procedimentos para a realização do leilão, determinando, entretanto, que eles devem ser explicitados em cláusula do contrato de alienação fiduciária. Devem as partes, obviamente, ater-se asos princípios gerais que regem a matéria, já consagrados no Código de Processo Civil, na Lei 4.591/64 e no Decreto-lei 70/66. Assim, em atenção à segurança jurídica, os procedimentos do leilão deverão estar explicitamente previstos no contrato, podendo-se considerar, a título de sugestão os seguintes procedimentos: (...)” (“Negócio Fiduciário”, 3ª ed., Rio de Janeiro: RENOVAR,, 2006, p. 295). O contrato celebrado entre as partes, ou seja, entre o apelante Banestes S/A – Banco do Estado do Espírito Santo e “Taura Trading Ltda.”, prevê que os leilões deveriam ser precedidos da publicação de edital em jornal de grande circulação no local dos imóveis, ou em de comarca de fácil acesso se inexistente jornal com circulação diária no local dos imóveis: “17) O público leilão (primeiro e segundo) será anunciado mediante edital único com prazo de 10 (dez) dias, contados da primeira divulgação, publicado em um dos jornais de maior circulação no local do(s) imóvel(s) ou noutro de comarca de fácil acesso, se, no local do(s) imóvel(s), não houver imprensa com circulação diária” (fls. 48 e 172 – grifei). Contudo, a petição inicial deste procedimento de dúvida inversa e os documentos prenotados pelo Sr. 14º Oficial de Registro de Imóveis (fls. 141 e 189) os apelantes somente demonstram a publicação de edital no jornal “A Gazeta”, sem comprovar que se trata de jornal com grande circulação na Comarca de São Paulo que, como sabido, conta com vários


jornais que atendem esse requisito. Com efeito, os documentos de fls. 141 e 189 não demonstram a cidade em que circulou o jornal onde publicado o edital, contendo, apenas, certidão de autenticação realizada pelo 2º Tabelião de Notas da Comarca de Vitória, Espírito Santo. A prova da regular publicação do edital era atribuição dos apelantes e deveria instruir o título apresentado para registro, o que não ocorreu. Sem a prova da publicação do edital no local da situação dos imóveis, conforme previsto no contrato, não se mostra possível o registro do posterior contrato de compra venda celebrado entre os apelantes (fls. 200 e seguintes). E essa prova não pode ser agora suprida porque o procedimento de dúvida somente comporta duas soluções que são a possibilidade, ou não, do registro do título protocolado e prenotado que, por sua vez, deve analisado tal como se encontrava no momento em que surgida a dissensão entre a apresentante e o Oficial de Registro de Imóveis. Cabe também observar que a qualificação do titulo realizada no julgamento da dúvida é devolvida por inteiro ao Órgão para tanto competente, sem que disso decorra decisão extra petita ou violação do contraditório e ampla defesa, como decidido por este Colendo Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 33.111-0/3, da Comarca de Limeira, em v. acórdão de que foi relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha: “Inicialmente, cabe ressaltar a natureza administrativa do procedimento da dúvida, que não se sujeita, assim, aos efeitos da imutabilidade material da sentença. Portanto, nesse procedimento há a possibilidade de revisão dos atos praticados, seja pela própria autoridade administrativa, seja pela instância revisora, até mesmo de ofício (cf. Ap Civ 10.880-0/3, da Comarca de Sorocaba). Não vai nisso qualquer ofensa ao direito de ampla defesa e muito menos se suprime um grau do julgamento administrativo. O exame qualificador do título, tanto pelo oficial delegado, como por seu Corregedor Permanente, ou até em sede recursal, deve necessariamente ser completo e exaustivo, visando escoimar todo e qualquer vício impeditivo de acesso ao cadastro predial. Possível, portanto, a requalificação do título nesta sede, ainda que de ofício, podendo ser levantados óbices até o momento

não argüidos, ou ser reexaminado fundamento da sentença, até para alteração de sua parte dispositiva” (“Revista de Direito Imobiliário”, 39/339).

A ausência da prova da publicação do edital dos leilões no local da situação dos imóveis, na forma prevista no contrato de alienação fiduciária em garantia, basta para impedir o registro do novo contrato de compra e venda celebrado entre os apelantes. Isso porque a regularidade dos leilões dos imóveis dados em alienação fiduciária em garantia, decorrentes do não pagamento das prestações pelo devedor fiduciante, diz respeito ao atendimento de norma de ordem pública e constitui matéria que deve ser apreciada de ofício. Não bastasse, os leilões foram realizados na Comarca de Vitória, Espírito Santo (fls. 184/185), ou seja, em local distinto da situação dos imóveis, sem que para isso existisse previsão legal ou contratual. A realização dos leilões no local da situação do imóvel, com divulgação mediante prévia publicação de edital no mesmo local, constitui medida de proteção ao devedor que tem direito à venda do imóvel pelo maior valor possível, uma vez que deverá receber a quantia que sobejar depois do pagamento do débito e encargos, como disposto nos §§ 4º e 5º do art. 27 da Lei nº 9.514/97: “§ 4º Nos cinco dias que se seguirem à venda do imóvel no leilão, o credor entregará ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos de que tratam os §§ 2º e 3º, fato esse que importará em recíproca quitação, não se aplicando o disposto na parte final do art. 516 do Código Civil. § 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º. § 6º Na hipótese de que trata o parágrafo anterior, o credor, no prazo de cinco dias a contar da data do segundo leilão, dará ao devedor quitação da dívida, mediante termo próprio”.

Por esse motivo, não pode a fixação do local do leilão ser atribuída à deliberação unilateral do credor que, neste caso concreto, o promoveu em cidade e Estado distintos daquele onde localizado os imóveis porque assim entendeu ARISP JUS 33


conveniente. Lembra-se novamente, nesse ponto, que o contrato deve dispor sobre os requisitos previstos no art. 24 da Lei nº 9.514/97, não podendo as partes dispensá-los, nem proceder de forma contrária às normas contratuais, pois como esclarece José de Mello Junqueira: “Todos esses elementos exigidos pelo art. 24 são obrigatórios e devem constar do contrato, e ainda o prazo de carência previsto no § 2º do art. 26. “São requisitos de validade para o título de constituição da propriedade fiduciária e que deverão ser observados, rigorosamente, pelas partes, Tabeliães e Registros de Imóveis e para que nasça o direito e garantia real nele representado”(“Alienação Fiduciária de Coisa Imóvel”, ARISP, 1998, pág. 46). Essa solução não se altera pela quitação dada pelo credor fiduciário, após os leilões, uma vez que não decorreu de aceitação pelo devedor do procedimento que foi adotado unilateralmente pelo credor (fls. 180), mas foi feita em atendimento ao previsto no art. 27, § 6º, da Lei nº 9.514/97. Por fim, a ação de imissão de posse teve como único fundamento a consolidação da propriedade dos imóveis em favor do credor fiduciário (fls. 72/74 e 299/302) e antecedeu os leilões que, portanto, não tiveram seu procedimento analisado naquele feito. Ante o exposto, nego provimento ao recurso e mantenho a recusa do registro do título. PINHEIRO FRANCO Corregedor Geral da Justiça e Relator

DECISÃO ADMINISTRATIVA #3 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1047825-76.2017.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que são partes é apelante BANCO DO BRASIL S/A, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS. 34 ARISP JUS

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U. Deram provimento à apelação, para o fim de julgar improcedente a dúvida registral e determinar o registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL). São Paulo, 2 de agosto de 2018. PINHEIRO FRANCO CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR Apelação nº 1047825-76.2017.8.26.0114 Apelante: Banco do Brasil S/A Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas Voto nº 37.515 Registro de Imóveis – Cédula de crédito bancário – Desqualificação do título, exigindo-se certidão positiva com efeitos negativos de débitos relativos a tributos federais e à dívida ativa da União em nome da empresa alienante – Impossibilidade – Item 119.1, do Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ – Registrador que não pode assumir o papel de fiscal dos tributos não vinculados ao ato registrado – Dúvida improcedente – Apelação provida.

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Banco do Brasil S/A. em face da r. sentença a fls. 173/175, que manteve a recusa ao registro da cédula de crédito bancário nº 496.902.506, emitida pela pessoa jurídica Engendar Engenheiros Associados Ltda., sob argumento de que é correta a exigência contida na nota de devolução expedida pelo Registrador, consistente na apresentação de “Certidão Positiva com efeitos Negativos de Débitos Relativos aos Tributos Federais e à Dívida Ativa da União em nome da empresa alienante (...)” (fls. 24/26).


Argui o apelante, preliminarmente, a nulidade da sentença proferida e, no mérito, requer seja dado provimento ao recurso, ao argumento de que as certidões negativas federais são inexigíveis, tal como previsto nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça e pela jurisprudência do C. Conselho Superior da Magistratura (fls. 191/212). Manifestação do Oficial registrador a fls. 218/219. A D. Procuradoria de Justiça opinou pelo provimento da apelação (fls. 231/238). É o relatório. Desde logo, há que ser afastada a alegada nulidade da sentença proferida. Embora sucinta, a decisão está fundamentada conforme o entendimento do magistrado, com a exposição das razões que o levaram a concluir pela manutenção do óbice imposto pelo registrador. No mais, assiste razão ao apelante. Com efeito, não se justifica a exibição de CNDs (certidões negativas de débitos previdenciários e tributários) diante da contemporânea compreensão do Colendo Conselho Superior da Magistratura, iluminada por diretriz estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal (ADI n.º 173/DF e ADI n.º 394/STF, rel Min. Joaquim Barbosa, j. 25.9.2008), que dispensa a exigência formulada pelo Oficial, porquanto, uma vez mantida, estaria sendo prestigiada vedada sanção política (Apelação Cível n.º 0013759-77.2012.8.26.0562, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n.º 0021311-24.2012.8.26.0100, rel. Des. Renato Nalini, j. 17.1.2013; Apelação Cível n.º 0013693-47.2012.8.26.0320, rel. Des. Renato Nalini, j. 18.4.2013; Apelação Cível n.º 9000004-83.2011.8.26.0296, rel. Des. Renato Nalini, j. 26.9.2013; e Apelação Cível n.º 0002289-35.2013.8.26.0426, rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. 26.8.2014; Apelação Cível n.º 14803-69.2014.8.26.0269, rel. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. 30.6.2016). Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, já se posicionou pela inconstitucionalidade de atos do Poder Público que traduzam exercício abusivo e coercitivo de exigência de obrigações tributárias, inclusive com natureza de contribuições previdenciárias. Tal entendimento se encontra consubstanciado em enunciados da Suprema Corte (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de

restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas ora referidas (RTJ 125/395, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI), conforme voto do E. Ministro CELSO DE MELLO: “O fato irrecusável, nesta matéria, como já evidenciado pela própria jurisprudência desta Suprema Corte, é que o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendoos em instrumentos de acertamento da elação tributária, para, em função deles e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso.”1

Na situação em apreço, a confirmação da exigência representa indevida restrição ao acesso de título à tábua registral, imposta como forma oblíqua e instrumentalizada para, ao arrepio e distante do devido processo legal, forçar o contribuinte ao pagamento de tributos. Caracteriza, em síntese, limitação a interesses privados em desacordo com a orientação do E. STF, à qual se alinha este Colendo Conselho Superior da Magistratura, mascarando uma cobrança por quem não é a autoridade competente, sem observância do procedimento adequado à defesa dos direitos do contribuinte, em atividade estranha à fiscalização que lhe foi cometida, certo que as obrigações tributárias em foco não decorrem do ato registral buscado. Segundo lição de Humberto Ávila, “a cobrança de tributos é atividade vinculada procedimentalmente pelo devido processo legal, passando a importar quem pratica o ato administrativo, como e dentro de que limites o faz, mesmo que - e isto é essencial - não haja regra expressa ou a que seja prevista estabeleça o contrário.” (Sistema Constitucional Tributário, 5ª. Ed., São Paulo. Saraiva, 2012, p. 173). Nessa mesma direção, sob inspiração desses precedentes, assim dispõe o subitem 119.1. do Cap. XX das NSCGJ: “com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.” 1 STF, RE 666405/RS. ARISP JUS 35


À dispensa afirmada também leva a intelecção do parágrafo único do art. 21 da Lei n.º 9.393/1996, que, ao fazer remissão ao art. 134 do CTN, condicionou a responsabilidade solidária (e subsidiária) dos tabeliães e registradores pelas obrigações não cumpridas pelo contribuinte à existência de um vínculo entre o tributo não pago e o ato praticado, ausente, em se tratando dos tributos federais, cujo fato gerador é alheio ao registro da carta de adjudicação. Acrescente-se que, mais recentemente, o C. Conselho Nacional de Justiça - CNJ, no julgamento do Pedido de Providências n° 0001230-82.2015.2.00.000, por votação unânime, firmou entendimento de que, reconhecida a inconstitucionalidade do art. 1°, inciso IV, da Lei n° 7.711/88 (ADI 394), não há mais que se falar em comprovação de quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições para o ingresso de qualquer título no registro de imóveis. Com essas considerações, suficientes para afastar, in concreto, toda e qualquer exigência ligada à comprovação de pagamento ou de inexistência de débitos fiscais desatrelados do registro idealizado, conclui-se, respeitado o entendimento do MM. Juiz Corregedor sentenciante, que a recusa não deve prevalecer. Em suma, afastada a exigência, o ingresso do título se impõe. Diante do exposto, dou provimento à apelação, para o fim de julgar improcedente a dúvida registral e determinar o registro do título. PINHEIRO FRANCO Corregedor Geral da Justiça e Relator

DECISÃO ADMINISTRATIVA #4 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1004329-04.2017.8.26.0047, da Comarca de Assis, em que são partes é apelante/requerido ANDERSON CARLOS DE BRITO e Apelante/Requerente OFICIAL DE REGISTRO DE 36 ARISP JUS

TITULOS E DOCUMENTOS DE ASSIS. ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso. V. U. Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL). São Paulo, 19 de julho de 2018. PINHEIRO FRANCO CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR Apelação nº 1004329-04.2017.8.26.0047 Apelante/Requerente: Oficial de Registro de Titulos e Documentos de Assis Apelante/Requerido: Anderson Carlos de Brito Voto nº 37.505 REGISTRO DE IMÓVEIS - Carta de Arrematação – Título judicial sujeito à qualificação registral – Forma derivada de aquisição de propriedade - Desqualificação por ofensa ao princípio da continuidade - Necessidade de registro do instrumento anterior a fim de viabilizar o encadeamento dos títulos - Dúvida julgada procedente – Recurso não provido. Inconformado com a r. sentença que confirmou o juízo negativo de qualificação registral1, ANDERSON CARLOS DE BRITO interpôs apelação2 objetivando o registro da carta de arrematação expedida em seu favor nos autos do processo nº 0016083-72.2008.8.26.0047, que tramitou perante o SEF Setor de Execuções Fiscais da Comarca de Assis/SP, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 62.303 junto ao Cartório de Registro de Imóveis daquela cidade. Alega, em síntese, que 1 Fls. 156/159 2 Fls. 176/190


não há que se falar em ofensa ao princípio da continuidade, eis que a arrematação judicial é forma originária de aquisição de propriedade. O Oficial do Registro de Imóveis manifestou-se nos autos, pugnando pela manutenção da sentença proferida3. A Procuradoria Geral da Justiça, em seu parecer, opinou pelo não provimento da apelação4. É o relatório. No caso concreto, a nota de devolução expedida pelo registrador está assim redigida: “Consta da Carta de Arrematação que a ação foi proposta em face de Neuza Aparecida Viana Miranda. Porém, o imóvel ora arrematado, objeto da matrícula n.º 62.303, deste Serviço Registral, é de propriedade da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo- CDHU, sendo que o mesmo não é parte na ação de Execução Fiscal que originou a arrematação. Assim, primeiramente, é necessário apresentar para registro o título aquisitivo de Neuza Aparecida Viana Miranda, em obediência ao Princípio da Continuidade Registral”5. Entende a apelante que o óbice apresentado pelo registrador deve ser afastado, na medida em que a Carta de Arrematação foi expedida nos autos ação de execução fiscal movida contra Neusa Aparecida Viana Miranda, ajuizada em virtude de débitos de IPTU. Aduz que a executada era mutuária do imóvel e que a mutuante ainda figura como proprietária junto ao fólio real, de forma que ambas são solidariamente responsáveis pelo débito tributário, independentemente do registro do contrato de mútuo. Acrescenta que a CDHU foi intimada a respeito da realização do leilão judicial e que, no entanto, não se manifestou nos autos. Assim, entende que a Carta de Arrematação foi regularmente expedida, ressaltando que aquisição do imóvel em hasta pública é forma originária de aquisição de propriedade, por romper a cadeia de transmissão pretérita.

3 Fls. 206/209 4 Fls. 218/221 5 Fls. 13

Desde logo, importa lembrar que a origem judicial do título não o torna imune à qualificação registral, ainda que limitada aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais, conforme o disposto no item 119, do Capítulo XX, das NSCGJ6. Este C. Conselho Superior da Magistratura tem decidido, inclusive, que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial7. Da análise da documentação trazida aos autos, é possível constatar que imóvel objeto da Matrícula nº 62.3038, registrado em nome da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo - CDHU, foi arrematado pela parte apelante no bojo de ação de execução fiscal movida contra Neuza Aparecida Viana Miranda. Como se vê, a devedora, na ação de execução em que havida a arrematação, é pessoa diversa daquela que ainda figura, perante o fólio real, como titular de domínio do imóvel arrematado. Nesse cenário, não há como se afastar o óbice apresentado pelo registrador, sob pena de se configurar injustificado rompimento na cadeia de sucessão dos titulares do bem. Trata-se de obedecer ao princípio da continuidade registrária, previsto no art. 195 da Lei de Registros Públicos: “Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.”

De seu turno, dispõe o art. 237 do mesmo diploma legal: “Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”

Sobre o tema, de rigor lembrar que a arrematação judicial constitui forma de alienação forçada, que, segundo Araken

6 119. Incumbe ao oficial impedir o registro de título que

não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais. 7 Apelação Cível n° 413-6/7; Apelação Cível n° 000396852.2014.8.26.0453. 8 Fls. 34. ARISP JUS 37


de Assis, revela negócio jurídico entre o Estado, que detém o poder de dispor e aceita a declaração de vontade do adquirente (“Manual da Execução”. Editora Revista dos Tribunais; 14ª edição; São Paulo. 2012. p. 819). É ato expropriatório por meio do qual “o órgão judiciário transfere coativamente os bens penhorados do patrimônio do executado para o credor ou para outra pessoa”. Não se desconhece que, em data relativamente recente, este C. Conselho Superior da Magistratura chegou a reconhecer que a arrematação constituía modo originário de aquisição da propriedade9. Contudo, tal entendimento acabou não prevalecendo, pois o fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não é o quanto basta para afastar o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade. E se assim é, tratando-se a arrematação judicial de modo derivado de aquisição de propriedade, mantido o vínculo com a situação pretérita do bem, há que ser respeitado o princípio da continuidade. Consoante ensina o magistrado Josué Modesto Passos: “Diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária”10.

E, então, enfatiza: “A arrematação não pode ser considerada um fundamento

autônomo do direito que o arrematante adquire. A arrematação é ato que se dá entre o Estado (o juízo) e o maior lançador (arrematante), e não entre o maior lançador (arrematante) e o executado; isso, porém, não exclui que se exija - como de fato se exige -, no suporte fático da arrematação (e, logo, no suporte fático da aquisição imobiliária fundada na arrematação), a existência do direito que, perdido para o executado, é então objeto de disposição em favor do arrematante. Ora, se essa existência do direito anterior está 9 Apelação Cível n.° 0007969-54.2010.8.26.0604. 10 PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, pp. 111/112. 38 ARISP JUS

pressuposta e é exigida, então - quod erat demonstrandum a aquisição é derivada (e não originária)”11.

No mesmo sentido, é pacífica a atual jurisprudência deste C. Conselho Superior da Magistratura: “REGISTRO DE IMÓVEIS - CARTA DE ARREMATAÇÃO - FORMA DERIVADA DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE - EXECUTADA QUE NÃO FIGURA COMO PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL NA RESPECTIVA MATRÍCULA - AFRONTA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE RECURSO DESPROVIDO.12” REGISTRO DE IMÓVEIS - ARREMATAÇÃO EM HASTA PÚBLICA - FORMA DERIVADA DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE EXECUTADA - QUE NÃO FIGURA COMO PROPRIETÁRIA DO IMÓVEL NA RESPECTIVA MATRÍCULA - AFRONTA AO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE - CARTA DE ADJUDICAÇÃO DO IMÓVEL PREVIAMENTE EXPEDIDA EM FAVOR DA EXECUTADA, MAS NÃO LEVADA A REGISTRO, QUE NÃO BASTA PARA PERMITIR EXCEÇÃO À CONTINUIDADE - RECURSO DESPROVIDO13. Veja-se que o apelante tinha meios de verificar, antes da arrematação, que o imóvel não era de propriedade da executada. Por conseguinte, imprescindível o prévio registro do título por meio do qual Neuza Aparecida Viana Miranda adquiriu a propriedade para, então, ser possível o registro da Carta de Arrematação expedida na ação de execução que lhe foi movida. Nesse cenário, justifica-se a confirmação da r. sentença proferida pela MM.ª Juíza Corregedora Permanente e, portanto, do juízo negativo de qualificação, em atenção ao princípio da continuidade registral. 11 Op. cit., p. 118.

12 TJSP; Apelação 1047731-10.2016.8.26.0100; Relator (a):

Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro Central Cível - 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 29/09/2017; Data de Registro: 16/10/2017 13 13TJSP; Apelação 1009832-65.2014.8.26.0223; Relator (a): Pereira Calças; Órgão Julgador: Conselho Superior de Magistratura; Foro de Guarujá - 3ª Vara Cível; Data do Julgamento: 30/09/2016; Data de Registro: 06/10/2016


Diante do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação. PINHEIRO FRANCO Corregedor Geral da Justiça e Relator

DECISÃO ADMINISTRATIVA #5 CONCLUSÃO Em, 17 de abril de 2018, conclusos ao Excelentíssimo Senhor Doutor PAULO CÉSAR BATISTA DOS SANTOS, MM. Juiz Assessor da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo. (284/2018-E) REGISTRO DE IMÓVEIS. Cédula de Crédito Rural Pignoratícia. Pretensão de Averbação de Certidões de Objeto e Pé no Livro n° 3 - Registro Auxiliar. Impossibilidade. Recurso Desprovido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça: Trata-se de recurso administrativo interposto por SAMUEL MARCOS DOURADO contra a r. sentença que julgou procedente a dúvida inversa formulada em face da Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoal Jurídica da Comarca de Miguelópolis, buscando a averbação de certidões de objeto e pé no Registro n° 11.331 do Livro n° 3 - Registro Auxiliar. Segundo a recorrente alega, a averbação se faz necessária, dada à necessidade de se emprestar publicidade às ações referidas nas certidões, sendo possível tal medida, com base no art. 167, I, 13 e 21, e inciso II, 12, todos da Lei n° 6.015/73. A D. Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo desprovimento do recurso. Opino. Preliminarmente, não se tratando de procedimento de dúvida, cujo cabimento é restrito aos atos de registro em sentido estrito, verifica-se que o recurso foi denominado

erroneamente de “pedido de reconsideração”. Isso porque se busca a averbação de certidões de objeto e pé em cédula de crédito rural, registrada no Livro n° 3 Registro Auxiliar da serventia imobiliária. Todavia, tendo em vista a sua tempestividade, possível o conhecimento e processamento do pedido como recurso administrativo, nos termos do art. 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo (Decreto-Lei Complementar nº 3/1969). O recurso não comporta provimento. A cédula de crédito rural pignoratícia com penhor em 1° grau e sem concorrência de terceiros n° 20/21.759 (fl. 09) foi levada a registro sob o nº 11.331, no Livro n° 3 - Auxiliar do Registro de Imóveis de Miguelópolis. O recorrente busca averbar no referido registro duas ações envolvendo o contrato de mútuo e a garantia pignoratícia estampados na cédula, quais sejam, a ação n° 0002599-78.2011.8.26.0210 e n° 0002873-71.2013.8.26.0210 (fl. 18/20), execução de título extrajudicial e os embargos à execução, respectivamente. Ao tratar do Registro Auxiliar, Livro n° 3, a Lei n° 6.015/73 assim dispõe: Art. 177 - O Livro nº 3 - Registro Auxiliar - será destinado ao registro dos atos que, sendo atribuídos ao Registro de Imóveis por disposição legal, não digam respeito diretamente a imóvel matriculado. Art. 178 - Registrar-se-ão no Livro nº 3 - Registro Auxiliar: (...) II - as cédulas de crédito rural e de crédito industrial, sem prejuízo do registro da hipoteca cedular;

Já as Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, em seu Capítulo XX, tratam do Livro 3 da seguinte forma: 79. O Livro nº 3 será destinado ao registro dos atos que, sendo atribuídos ao Registro de Imóveis por disposição legal, não digam respeito diretamente a imóvel matriculado. ARISP JUS 39


80. Serão registrados no Livro nº 3: a) as cédulas de crédito rural, de crédito industrial, de crédito à exportação e de crédito comercial, sem prejuízo do registro da hipoteca cedular;

Observa-se, assim, que a possibilidade de inscrição das cédulas de crédito rural e das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis (art. 167, I, 13 e 21), não autoriza a averbação buscada, já que tal previsão legal diz respeito ao Livro n° 2 - Registro Geral, não ao Livro n° 3 - Registro Auxiliar. Nos termos da Lei Regente, o Registro Geral será destinado à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 da Lei n° 6.015/73, e que não sejam atribuídos ao Livro nº 3. Inaplicável, outrossim, o Item 12, inciso II, do art. 167 da Lei n° 6.015/73, já que ligado ao Registro Geral e às decisões judiciais transitadas em julgado ou àquelas cujus recursos não estejam sujeitos a efeitos suspensivo. Assim, a menos que houvesse determinação específica do Juízo no qual tramitam as referidas ações, não há espaço para tal inscrição no Livro Auxiliar. Aliás, a cédula rural registrada no Livro n° 3 - Registro Auxiliar, lá está justamente porque não possui vinculação com qualquer garantia real imobiliária (hipoteca ou alienação fiduciária em garantia), mas sim garantia pignoratícia. Justamente por essa razão, a ela não se aplica o registro no Livro n° 2. E muito embora seja de conhecimento comum que os atos de averbação não possuam rol taxativo, podendo ser alargado eventualmente, não se pode perder de vista que o inciso II do art. 167 trata de atos de averbação que envolvam direitos reais imobiliários, não direitos reais pignoratícios. Por essas razões, de fato, a averbação buscada não tem ingresso no Livro n° 3 - Registro Auxiliar, devendo ser mantida a recusa. Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é pelo conhecimento do pedido de reconsideração como recurso administrativo, nos termos do art.

40 ARISP JUS

246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo, e, no mérito, pelo seu desprovimento. Sub censura. São Paulo, 16 de julho de 2018. Paulo Cesar Batista dos Santos Juiz Assessor da Corregedoria CONCLUSÃO Em 23 de julho de 2018, conclusos ao Excelentíssimo Senhor Desembargador GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, DD. Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo. Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, recebo o pedido de reconsideração como recurso administrativo e a ele nego provimento. Publique-se. São Paulo, 26 de julho de 2018 GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO Corregedor Geral da Justiça

DECISÃO JURISDICIONAL #1 JURISPRUDÊNCIA/STJ - ACÓRDÃOS Processo REsp 1089827 / RJ RECURSO ESPECIAL 2008/0197935-0 Relator(a) Ministra REGINA HELENA COSTA (1157) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA


Data do Julgamento 07/08/2018 Data da Publicação/Fonte DJe 13/08/2018

em juízo de retratação (art. 1.040, II, do CPC/15), nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Gurgel de Faria, Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves e Sérgio Kukina votaram com a Sra. Ministra Relatora.

DECISÃO JURISDICIONAL #2

Ementa TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1.040, II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. IMÓVEL DE PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO CEDIDO À PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. IPTU. INCIDÊNCIA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO. CESSIONÁRIA. ENTENDIMENTO FIRMADO EM SEDE DE REPERCUSSÃO GERAL. I - Por primeiro, consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015, para o juízo de retratação, embora o recurso especial esteja sujeito ao CPC de 1973. II - Esta Corte, após o julgamento do RE n. 601.720/ RJ, diante do efeito vinculante dos pronunciamentos emanados em sede de repercussão geral, passou a adotar o entendimento do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual incide IPTU sobre o imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido à pessoa jurídica de direito privado, sendo a empresa cessionária a devedora do tributo. III - Recurso Especial de MEDISE MEDICINA DIAGNÓSTICOS E SERVIÇOS LTDA, improvido e recurso especial do MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO prejudicado, em juízo de retratação, nos termos do art. 1.040, II, do CPC/15. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça acordam, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial de Medise Medicina Diagnósticos e Serviços Ltda e julgar prejudicado o recurso especial do Município do Rio de Janeiro,

Processo AgInt nos EDcl no REsp 1698143 / DF AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL 2017/0232634-4 Relator(a) Ministro MOURA RIBEIRO (1156) Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA Data do Julgamento 07/08/2018 Data da Publicação/Fonte DJe 14/08/2018 Ementa AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE LEILÃO VERIFICADO EM EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL DE IMÓVEL DADO EM GARANTIA FIDUCIÁRIA. IRRESIGNAÇÃO SUBMETIDA AO NCPC. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA E FORMAL ACERCA DO LEILÃO. CONHECIMENTO ACIDENTAL. NULIDADE NÃO DECLARADA. PRINCÍPIO DA INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS. DECISÃO MANTIDA. 1. Aplicabilidade do NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário ARISP JUS 41


do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Discute-se nos autos a nulidade de leilão extrajudicial levado a efeito com fundamento na Lei nº 9.514/97 por falta de notificação prévia dos devedores que, todavia, tiveram conhecimento acidental do certame com antecedência de cinco dias. 3. De acordo com o princípio processual da instrumentalidade das formas, sintetizado pelo brocardo pas de nullité sans grief, positivado nos arts. 249 e 250 do CPC/73, e acolhido em diversos precedentes desta Corte, não é possível declarar a nulidade quando não verificado nenhum prejuízo efetivo. 4. Agravo interno não provido, com aplicação de multa. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Senhores Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, em negar provimento ao agravo interno, com aplicação de multa, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

DECISÃO JURISDICIONAL #3 Processo AgInt no AREsp 1169567 / RS AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2017/0235953-0 Relator(a) Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES (1141)

42 ARISP JUS

Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 10/04/2018 Data da Publicação/Fonte DJe 16/04/2018 Ementa PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MUNICÍPIO DE PORTO ALEGRE. LOTEAMENTO IRREGULAR. REASSENTAMENTO. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E URBANÍSTICA. DEVER DO MUNICÍPIO. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO AFIRMADA COM BASE NO CONJUNTO FÁTICO E PROBATÓRIO CONSTANTE DOS AUTOS. SÚMULA 7/STJ. 1. A jurisprudência deste Sodalício orienta no sentido de que o Município é titular do dever de regularizar loteamentos clandestinos ou irregulares, mas a sua atuação deve-se restringir às obras essenciais a serem implantadas, em conformidade com a legislação urbanística local (art. 40, § 5º, da Lei 6.799/1979), em especial à infraestrutura necessária para melhoria na malha urbana, como ruas, esgoto, energia e iluminação pública, de modo a atender aos moradores já instalados (AgInt no REsp 1338246/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/03/2017, DJe 20/04/2017). 2. No caso dos autos, o acórdão recorrido concluiu pela responsabilidade do ente público municipal quanto ao loteamento irregular, “devendo providenciar a regularização do loteamento, bem como custear e promover as obras de infra-estrutura exigidas pela legislação vigente”. 3. Não é possível a revisão deste fundamento de que que houve inércia administrativa no dever do ente municipal de fiscalização do ente público, tendo em vista a necessidade de revolvimento do conjunto fático e probatório constante dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Agravo interno não provido.


Acórdão Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” A Sra. Ministra Assusete Magalhães, os Srs. Ministros Francisco Falcão (Presidente), Herman Benjamin e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator.

Referência Legislativa LEG:FED SUM:****** ANO:**** ***** SUM(STJ) SÚMULA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA SUM:000007

SUPERIOR

Veja (LOTEAMENTO IRREGULAR - RESPONSABILIDADE DO ENTE PÚBLICO MUNICIPAL) STJ - AgInt no

ARISP JUS 43


44 ARISP JUS


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