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Artigo - O intolerável peso da feiúra

Profª Drª Angela Neves (EsEFEx)

...das rugas, das manchas na pele, da calvície, dos dentes não perfeitamente brancos e alinhados, das orelhas de abano e o especial intolerável o peso de pesar quilos a mais... todos, em maior ou menor grau, contribuem para o sofrimento contemporâneo, tempo no qual o corpo objetificado (algo a ser moldado e consumido) tem seu palco e seu valor.

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O belo tem sido, via de regra, associado a algo bom. Essa associação oferece uma explicação simples, porém plausível, para a busca do corpo perfeito que se observa entre homens e mulheres – sim, não é uma exclusividade só do público feminino essa preocupação.

Alcançar o ideal seria alcançar a perfeição, a harmonia e a beleza. Seria a realização da essência do homem divino no corpo, o que aproximaria o sujeito da participação do eterno, como diria Humberto Eco.

A preocupação e o investimento em relação à aparência estabelecem-se num continuum, que varia desde os cuidados necessários e saudáveis em relação ao corpo ao excesso, no qual a saúde é colocada em risco e o sujeito vivencia perdas sociais e afetivas, podendo evoluir para quadros clínicos como de dismorfia corporal, dismorfia muscular e transtornos alimentares. Na dismorfia corporal, os defeitos reais ou imaginários do corpo tornam-se o foco da vida do sujeito. Na dismorfia muscular, a preocupação centra-se na quantidade de massa muscular e sua definição, sendo julgada sempre pouca e inadequada. Nos transtornos alimentares (em especial na Anorexia Nervosa e na Bulimia Nervosa) a preocupação e a insatisfação com o peso e a forma do corpo é uma questão central. Nestes três quadros clínicos, a vida social, as relações afetivas e a vida financeira podem ruir frente à busca pelo corpo ideal, através de dietas, exercícios físicos excessivos e cirurgias plásticas.

Não é incomum ao profissional de educação física receber alunos na academia com o objetivo de alcançar o corpo físico ideal. Veja, não é “errado” querer ficar com o corpo em forma, ter uma aparência melhor. O que preocupa e prolifera nas academias é a fixação em um ideal de corpo no qual leva a pessoa a ignorar seu bem-estar, sua saúde, suas relações pessoais em função de alcançar o corpo perfeito. O profissional de educação física deve ser sensível o suficiente na abordagem ao aluno e coerente com a prescrição de exercícios. Perpetuar e incentivar a compulsão por exercício físico e sua execução desvinculada à realidade corporal, mas presa num ideal

“Berço do Ensino Metódico e Racional da Educação Física no Brasil”

“Alcançar o ideal seria alcançar a perfeição, a harmonia e a beleza. Seria a realização da essência do homem divino no corpo, o que aproximaria o sujeito da participação do eterno.”

Humberto Eco

narcísico são ações pouco colaborativas para o desenvolvimento humano.

Não se deve perder de vista que o desenvolvimento da identidade corporal está diretamente relacionado às experiências corporais, e que o movimento é a fonte primordial destas vivências. É através dele que existimos e agimos no mundo. Se bem conduzido, o exercício físico permite vivenciar sensações singulares capazes de propiciar um melhor reconhecimento do próprio corpo, seus limites e suas possibilidades.

Todo o sistema motor está envolvido em expressar aspectos da existência que podem ser lidos por meio do movimento, postura, padrões de extensão e flexão corporais. Pensamentos, sentimentos e imagens que emergem quando um músculo é ativado – sendo tocado ou estando em ação contrátil – revelam a experiência relacionada àquela função motora ou por ela representada. Quando o sujeito se movimenta, a vergonha e a culpa do corpo “não-perfeito” acompanham seu movimento, e o profissional atento a estes aspectos pode promover situações que ressignifiquem estas emoções.

Assim, a prática de atividade física pode ser um momento de evocação do potencial de resiliência e, consequentemente, um meio para retomar o desenvolvimento da identidade corporal, de abandono de um ideal narcísico para um reconhecimento da própria realidade corporal, pois permite ao sujeito encontrar lugares de afeto e novas experiências corporais. O profissional de educação física tem a oportunidade de ser um recurso ao seu aluno/cliente na promoção de hábitos saudáveis e no reconhecimento e valorização de si mesmo.

Para saber mais, leia também:

Cyrulnik, B. Os Patinhos Feios. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

Sykes,H., McPhail,D. Unbearable lessons: Contesting fat phobia in physical education. Sociology of Sport Journal, v.25, n.1,p. 66-96, 2008.

Tavares, M.C.G.C.F. Imagem Corporal: conceito e desenvolvimento. Barueri: Manole, 2003.

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