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Influências Ficcionais Ano XII – Janeiro|Fevereiro 2012 €11,00 (continente) – €16,00 Espanha

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arqa100 ARQUITETURA E ARTE

Influências Ficcionais

Peter Zumthor

Ensamble Studio R&Sie(n) Philippe Rahm BIG John Körmeling Tham & Videgård Jorge Figueira Bernardo Rodrigues Pedro Gadanho Jane Rendell Jonathan Charley Neil Spiller Wes Jones Jimenez Lai Filip Dujardin Os Espacialistas

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ISSN: 1647- 077X

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Os artigos assinados são da inteira responsabilidade dos autores

ARQUITETURA E ARTE

Propriedade:

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Influências Ficcionais

R. Alfredo Guisado, 39 – 1500-030 LISBOA Telefone: 217 703 000 (geral) 217 783 504/05 (diretos) Fax: 217 742 030 futurmagazine@gmail.com

Peter Zumthor

Ensamble Studio R&Sie(n) Philippe Rahm BIG John Körmeling Tham & Videgård Jorge Figueira Bernardo Rodrigues Pedro Gadanho Jane Rendell Jonathan Charley Neil Spiller Wes Jones Jimenez Lai Filip Dujardin Os Espacialistas

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ISSN: 1647- 077X

Diretor Geral Edmundo Tenreiro etenreiro@revarqa.com

Foto: FG+SG

Influências Ficcionais

matérias

Ano XII – Janeiro|Fevereiro 2012 �11,00 (continente) – �16,00 Espanha

ÍNDICE

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PEDRO GADANHO - CASA GMG

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News

A R Q U I T E T U R A

Atualidades e agenda

www.revarqa.com – futurmagazine@gmail.com

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A R T E

Editorial

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Diretor Luís Santiago Baptista lsbaptista@revarqa.com

Luís Santiago Baptista – Influência Ficcionais

Entrevistas

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Influências Ficcionais: Perspetivas Críticas – Jane Rendell, Jonathan Charley, Pedro Gadanho, Neil Spiller, Wes Jones, Jimenez Lai, François Roche + Stéphanie Lavaux, Philippe Rahm

40 42 50 56 60 68 74 78 86 92

Projetos Biografias Ensamble Studio – Casa Turfa, Costa da Morte R&Sie(n) – Casa “I’m Lost in Paris” Philippe Rahm – Instalação Domestic astronomy, Louisiana Museum of Modern Art, Humlebæk BIG – Pavilhão da Dinamarca XPO, EXPO 2010, Xangai John Körmeling – Pavilhão da Holanda HappyStreet, EXPO 2010, Xangai Tham & Videgård – Tree Hotel em Harads Jorge Figueira – Edifício Interdepartamental, Universidade dos Açores, Angra do Heroísmo, Açores Bernardo Rodrigues – Casa do Voo dos Pássaros, São Miguel, Açores Pedro Gadanho – Casa GMG, Torres Vedras

Narrativa

98

Peter Zumthor – Contextualização do Memorial “Julgamento das Bruxas”

Investigações

104

Pedro Bandeira e Ana Laureano Alves – Casa elefante: Domesticar o indomesticável

Crítica

108

Gonçalo Furtado – A Ficção Tardomoderna: Derivações Pós-modernas e o nosso Transitório Presente

Design

110

Carla Carbone – Bouroullec Brothers: Formas do futuro ou vários futuros possíveis

Artes

114 118

David Santos – Pedro Cabral Santo: Pedro e o lobo Sandra Vieira Jürgens – Nuno Sousa Vieira: Investigação, a relação com os outros, o presente e o ausente

Fotografia

122

Fernando Guerra – FG+SG – Casa de Jeju, Coreia do Sul

Dossier

123 131

1 - Filip Dujardin – “FICTIONS” 2 - Os Espacialistas na Red Bull House of Art Mário Chaves Luís Santiago Baptista e Paula Melâneo – Reescrever o Pós-Moderno, Jorge Figueira Luís Santiago Baptista – GERAÇÃO Z #3 – Breve relato crítico do evento

Marketing

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arqa Janeiro|Fevereiro 2012

Edição Digital Ricardo Cardoso Comunicação e Marketing Maria Rodrigues (Diretora) mrodrigues@revarqa.com Carmen Figueiredo - cfigueiredo@revarqa.com Publicidade – PORTUGAL Tel. +351 217 783 504 Fax +351 217 742 030 futurmagazine@gmail.com Publicidade – BRASIL Jorge S. Silva Tel. +55 48 3237 - 9201 Cel. +55 48 9967 - 4699 jssilva@matrix.com.br Impressão OffsetMais - Artes Gráficas, S.A. Rua Latino Coelho, nº 6 - Venda Nova 2700-516 Amadora Distribuição Logista Portugal Área Ind. Passil, lt 1-A, Palhavã 2894-002 Alcochete

Periodicidade Bimestral

Itinerâncias

140 144

Paginação e Imagem Raquel Caetano Bruno Marcelino (desenhos)

Tiragem 10.000 Exemplares

Livros

139

Redação Paula Melâneo (Coordenação) apmelaneo@gmail.com Baptista-Bastos (Opinião), Bárbara Coutinho (Design), Carla Carbone (Design), David Santos (Artes), Gonçalo Furtado (Crítica), Margarida Ventosa (Geração Z) Mário Chaves (Livros), Nádia R. Bento (Tradução), Sandra Vieira Jürgens (Artes)

Apoio:

ISSN: 1647- 077X ICS: 124055 Depósito Legal: 151722/00


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NEWS

atualidades

PAULA MELÂNEO|apmelaneo@gmail.com

Foster + Partners, juntamente com os engenheiros G.O.C. e Cabanelas Castelo Architects, venceram o concurso international para o projeto de uma nova estação de comboios de alta-velocidade na cidade de Ourense, na Galiza, noroeste de Espanha. O projeto combina a infraestrutura de transportes com um novo parque, que cria um novo e importante espaço público na cidade, abrindo conexões pedestres entre as zonas de cada lado da linhas férreas. A nova estação situa-se acima do nível de linhas existentes e integra, em baixo, uma estação de autocarros e área de estacionamento. Acima do solo, a presença da estação é discreta e transparente, com fachadas envidraçadas que permitem vistas sobre as montanhas circundantes. O projeto está abrigado debaixo de um conjunto de coberturas leves, que se erguem em arco sobre a estação e permitem o sombreamento da praça e entrada do parque. A parte inferior do conjunto de cobertura é refletora para levar a luz do dia até às plataformas, e entre cada cobertura é uma abertura linear envidraçada. O parque estende-se desde a praça da estação e é intersetada por piscinas de água e uma rede formal de passadeiras de pedonais, que refletem o alinhamento das linhas e ligam as ruas de Barrio del Puente ao Barrio Veintiuno. Nigel Dancey, sócio da Foster + Partners refere: “Estamos muito satisfeitos por termos sido escolhidos pelo nosso projeto integrado, que reúne alta velocidade e estações de autocarro com um novo espaço público tão importante para a cidade. Estamos ansiosos por trabalhar com a ADIF e a Cidade de Ourense à medida do desenvolvimento do projeto”. Entre os finalistas estão Cruz e Ortiz www.fosterandpartners.com

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Fotos: FG + SG

Foster + Partners projecta nova estação intermodal de Ourense

Prémios ENOR 2011 O Prémio dos Ascensores Enor, que distingue a melhor obra construída em toda a Península Ibérica nos últimos anos, segundo a avaliação do júri, presidido nesta edição pelo arquiteto César Portela. Há 4 prémios regionais que são atríbuidos para obras na Galiza, Portugal, Castilla-León e Madrid. Um destes Prémios recebe ainda a distinção de Grande Prémio Enor. Dos 45 finalistas foi selecionada a obra de Juan Domingo Santos para o Museu da Água em Lanjarón, Granada, em Espanha. O júri salientou “a sensibilidade com que são recuperadas as construções sem valor com uma memória coletiva deixada pelo seu uso anterior e se consiguem valores que amplificam as ressonâncias que os conteúdos do museu possa mostrar. O recurso a intervenções simples confere-lhe personalidade. Também se valoriza a si mesmo na conexão que establece com o rio e a definição dos espaços públicos. Em Portugal o vencedor foi o Bar no Jardim 9 de Abril, dos arquitetos ASPA (arquitetos José Maria Cumbre e Nuno Sousa Caetano). Segundo o júri foi “valorizada a relação que se establece através da transparência, permitindo a conexão com o jardim e como miradouro sobre a cidade, construindo vistas que se podem estabelecer no seu atravessamento com a cidade e o rio, sabendo situar-se sobre o construído, sem se subordinar à linguagem existente, estando atento ao jardim e ao rio sem se esquecer de nenhum”. Para além deste Prémios há também o Prémio Enor Arquitetura Jovem. www.enor.es


NEWS

atualidades

Carrilho da Graça vence Projeto de Proteção e Musealização da Villa Galo-Romana de Séviac João Luís Carrilho da Graça foi o vencedor do concurso internacional com pré-seleção para o Projeto de Proteção e Musealização da Villa Galo-Romana de Séviac, em Montréal du Gers, França. O júri refere no relatório que este é “(...) um projeto que dá forma a um dispositivo de proteção sem fazer referência a uma tipologia já conhecida. É um dispositivo técnico, com a sua lógica própria, dispositivo de aspeto homogéneo que cria um acontecimento que não entra em concorrência com os vestígios, mas facilita a leitura da influênciada villa e da sua importância. Evento: aproveitar a oportunidade para que a arquitetura contemporânea tenha cidadania em Gers. Arquitetura que joga por contraste de maneira impactante. Localização privilegiada que permite a esse contraste funcionar. Pode tornar-se numa ferramenta de comunicação:é uma verdadeira mais-valia. (...)” O concurso promovido pelo S.I.V.U. Elusa-Séviac, oferece a oportunidade de criar um sistema de proteção das

Conversa.COM, debates sobre a Cidade na UAL

ruínas da villa, na qual os elementos mais importantes são os pavimentos em mosaico. A villa Galo-Romana de Séviac, localizada na região Midi-Pirénées em Montréal du Gers, foi inicialmente descoberta no século XIX e é monumento classificado desde 1978. As escavações realizadas nas últimas 4 décadas colocaram a descoberto uma estrutura de villa romana que teve o seu maior desenvolvimento no baixo Império Romano nos séculos III e IV d.C. Conceito: a proposta caracteriza-se pela a criação de um volume, uma cobertura que flutua e se dissolve no ar, sobre o planalto onde se localiza a villa Galo-Romana. A sua geometria resulta da necessidade de proteção das zonas mais sensíveis da villa com pavimentos em mosaicos. Este caráter abstrato enfatiza um pressuposto desejado - a forma da cobertura afasta-se de qualquer semelhança com o pré-existente, de modo a criar uma clara clivagem e emancipar o valor das ruínas romanas. Espaço: a cobertura, colocada a 2,5m do pavimento acentua a subtil depressão existente no terreno resultante das escavações arqueológicas. Desta forma, a irregularidade dos vestígios arqueológicos é colocada em evidência relativamente ao plano translúcido e contínuo da cobertura. Estrutura: Os apoios da cobertura são cirurgicamente posicionados não interferindo com áreas de pavimento em mosaico e suportam um sistema de treliças metálicas com uma altura média de 2m, envolto em tela translúcida, o que permite sugerir uma atmosfera volátil mas simultaneamente consistente. Um outro volume em vidro envolve uma construção realizada no final do século XX. neste espaço localizado antes da entrada da villa e ao longo da antiga estrada romana funcionará o espaço de receção e introdução ao tema - villa galo-romana de séviac. www.jlcg.pt

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São arquitetos, geógrafos, historiadores, antropólogos e sociólogos os oradores convidados dos debates “Conversas COM”, organizados pelo Departamento de Arquitetura da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL). Os debates centram-se em torno dos temas Cidade e Arquitetura e o seu “papel fundamental na sociedade contemporânea”. A ideia partiu dos alunos do 4.º e 5.º ano, em conjunto com dois docentes da universidade. Os próximos debates agendados são: 27 de fevereiro “Cidade Sustentável” com Olívia Bina + Pedro Campos Costa; 12 de março “Cidade Genérica” com Jorge Figueira + Diogo Seixas Lopes; 23 de abril “Cidade Cluster” com Ricardo Bak Gordon + Nuno Mateus; 14 de maio “Cidade em Trânsito” com Mário Alves + Manuel Graça Dias e finaliza a 11 de junho “Cidade Futuro” com Bernardo Rodrigues + Joaquim Moreno. A moderação está cargo dos arquitetos Joaquim Moreno e Pedro Campos Costa. Com entrada gratuita, os debates tiveram início a 21 de novembro de 2011 e prolongam-se até junho de 2012, sempre às 18h30, na Sala Preta da UAL. www.universidade-autonoma.pt


EDITORIAL

temático

Influências ficcionais

A exploração da dimensão crítica e especulativa na arquitetura contemporânea

LUÍS SANTIAGO BAPTISTA|lsbaptista@revarqa.com

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Em 1985, Peter Eisenman apresentava na 3ª Biennale di Architettura di Venezia o estranho projeto Moving Arrows, Eros and Other Errors. O arquiteto americano, como arauto máximo da autonomia disciplinar na arquitetura que, a partir da década de setenta, conquistou o meio académico e disciplinar norte-americano, tinha sempre procurado neutralizar radicalmente toda a dimensão significante exterior da arquitetura, fosse ela linguística, contextual ou programática. Neste sentido, não deixava de ser surpreendente nesta proposta para Veneza a convocação explícita da narrativa ficcional de Romeu e Julieta, no âmbito do que denominou de Cities of Artificial Excavation. A verdade é que o recurso ao dispositivo ficcional por Eisenman não era circunstancial nem inconsciente. O final do texto de apresentação do projeto revelava-o claramente: “Ao refletir nas duas condições – a «ficcional» e a «real», esta arquitetura nega a origem e o fechamento tanto da ficção (que é entendida como não tendo origem nem fim na realidade) como da realidade (que não tem origem nem fim na ficção).”1 Com Eisenman, a ficção autonomiza-se da realidade e o real separa-se da ficção, isto é, o mundo torna-se estruturalmente ficcional e o real torna-se puramente conceptual. Mas o que nos interessa nesta proposta radical é que Eisenman pretende quebrar violentamente os laços entre a realidade e a ficção. E, ao fazê-lo, anuncia inadvertidamente os debates que dominariam a década de noventa. Se, por um lado, a conceptualização da realidade remeteu para um centramento absoluto no ato projetual, que os arquitetos estrela pós-modernistas, desconstrutivistas, minimalistas, etc., confirmariam, por outro lado, a autonomização da ficção manifestava o fascínio pelo emergente mundo virtual, que acompanharia a afirmação da emergente produção digital. Num certo sentido, o projeto de Veneza marcou essa fratura entre a realidade e a ficção no campo da arquitetura, até que as duas linhas confluiriam nos principais arquitetos internacionais, primeiro explosivamente, depois implosivamente. O projeto esvaziou-se conceptualmente na realidade e a arquitetura virtual banalizou-se materialmente. Esta situação insatisfatória parece exigir uma mudança afirmativa de perspetiva. Uma reorientação que dê conta do atual restabelecimento das ligações estruturantes entre a arquitetura e a ficção. Aaron Betsky apontou o caminho: “A arquitetura é uma ficção. Os edifícios, evidentemente, são verdadeiramente reais. No entanto, a arquitetura está em tudo o que respeita os edifícios ou a construção. É o modo como pensamos acerca dos edifícios, falamos acerca dos edifícios, escrevemos acerca dos edifícios, desenhamos e compomos edifícios e organizamos os edifícios. Até se materializar num edifício, é portanto sempre uma ideia nocional.”2

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A interação entre arquitetura e ficção não é propriamente nova. Poder-se-ia mesmo dizer que embora atuante, ao longo da modernidade foi permanecendo indefinida nas sombras do campo disciplinar. Piranesi, Boullée e Ledoux parecem ser exemplos incontornáveis do período das Luzes. Sant’Elia, Le Corbusier, Leonidov, Chernikov, Wrigth também, mas no tempo das vanguardas históricas. Acrescentar-se-iam Metabolistas, Team X, Yona Friedman, Constant, Cedric Price, Archigram, Superstudio, Archizoom todos do momento emancipatório do pós-guerra. E, já agora, Lebbeus Woods, Michael Sorkin, Libeskind e Koolhaas nas últimas décadas. Sendo que o termo ficção certamente significaria coisas muito diferentes para todos eles, parece inquestionável que todas as suas propostas são atravessadas por um

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ímpeto especulativo e narrativo, habitando o espaço entre a perceção aguda da realidade e a manifestação subjetiva do imaginário, entre a configuração lógica da necessidade e a expressão visionária do desejo. O que une todos estes protagonistas é um interesse profundo pela cidade e uma vontade de pensar radicalmente o urbano. Porém, o que os distingue serão as mutações de atmosfera que enquadram historicamente cada uma das propostas: nos revolucionários iluministas, a impossibilidade da materialização das ideias num espaço sublime; nos modernos heroicos, a ingenuidade da crença num futuro perfeito num espaço maquinal; nos modernos visionários, a efervescência das transformações políticas e sociais num espaço libertário; e, nos contemporâneos desconstrutivos, a intensidade expressiva da singularidade num espaço traumático. A ficção funciona assim não tanto para solucionar os problemas do futuro, mas para resolver as tensões de um presente estruturalmente instável e indeterminado. No limite, a ficção sempre foi o instrumento fundamental para realizar essa mediação problemática entre a realidade vivida e o horizonte de expectativa. A ficção não será mais do que a resposta inevitável a um tempo em mutação e mudança constante, para o qual os arquitetos não estão disciplinarmente preparados. Formados no universo do permanente, é requerido aos arquitetos que deem um salto no escuro. E, perante um presente absoluto, projetar sobre o desconhecido acaba inevitavelmente por reconectar o arquiteto com o mundo da ficção e do imaginário.

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Atualmente, a exploração da ficção em arquitetura extravasa grandemente o campo tradicional do projeto e consequentemente da obra construída. Como refere Geoff Manhaug: “É demasiadas vezes assumido que se queremos falar acerca de arquitetura, temos que falar acerca do trabalho dos arquitetos. (…) O problema óbvio nisto é que, para encontrar exemplos mais excitantes da arquitetura dos nossos dias – e para explorar a cultura arquitetónica mais abrangentemente – temos que olhar para além dos edifícios. (…) A arquitetura não está limitada aos edifícios!”3 É esta expansão do território disciplinar que permite compreender a especificidade do interesse contemporâneo sobre esta questão. A ficção deixou de ser simplesmente o campo de antecipação projetual do futuro, tornando-se igualmente um instrumento de leitura crítica da realidade política, económica, cultural e social. Por outro lado, a relação estruturante entre realidade e ficção força deliberadamente a confluência entre a experiência do real e o mundo da imaginação. Se, por um lado, o real não existe sem a ficção, tendo em conta a natureza interpretativa da história e a subjetividade da experiência, por outro, a ficção não existe sem a realidade, projetando nela irreversivelmente os desejos e ansiedades do presente. A arquitetura pode assim ser compreendida como uma atividade baseada na construção e antecipação não apenas de obras concretas, mas igualmente de experiências urbanas, de propostas teóricas, de realidades artísticas, de cenários especulativos, etc. O ficcional pode manifestar-se então na investigação radical de novas realidades arquitetónicas e urbanas, potenciando uma focalização mais crítica sobre a realidade existente.4 Provam-no consistentemente as narrativas distópicas de Bruce Stirling, Rem Koolhaas e Geoff Manhaug, os desenhos surreais de Neil Spiller, fantasistas de Peter Cook e traumáticos de Lebbeus Woods, as bandas desenhadas críticas de Wes Jones ou Jimenez Lai, as peças teatrais corrosivas de Oren Safdie, a fotografias estilizadas de Philippe Dujardin, Thomas Schaerer


A ficção deixou de ser simplesmente o campo de antecipação projetual do futuro, tornando-se igualmente um instrumento de leitura crítica da realidade política, económica, cultural e social. Por outro lado, a relação estruturante entre realidade e ficção força deliberadamente a confluência entre a experiência do real e o mundo da imaginação.

Ensamble, Casa Trufa, Costa da Morte, 2006-10 • R&Sie(n), Lost in Paris, Paris, 2008 • BIG, Pavilhão Dinamarca, EXPO 2010, Xangai, 2009-10

e Kobas Laksa, ou encenadas de Thomas Demand, os projetos delirantes de R&Sie(n), Didier Fiuza Faustino ou Philippe Rahm. De facto, o dispositivo ficcional permite captar e isolar as contradições e ambiguidades da condição existencial contemporânea, transmutando-as em cenários distópicos e configurações delirantes. Não será de estranhar pois a contaminação pelos campos das artes e das ciências humanas e a adoção de uma série de registos, dos literários aos performativos, dos desenhados aos fotográficos e cinematográficos. Por um lado, distante da ingenuidade moderna do período heroico e radicalizando as dimensões irónicas e críticas das utopias do anos 60 e 70, a apropriação atual da ficção arquitetónica abraçou a realidade alargada, dirigindo-se criticamente ao âmago da prática profissional do arquiteto. O seu objetivo passa mais pela crítica radical do funcionamento das sociedades globalizadas e pelo papel que o arquiteto tem nelas desempenhado. Por outro lado, as atuais ficções arquitetónicas contaminaram-se e hibridizaram-se com a realidade vivida. Não propõem em avanço, nem idealizam o mundo. Antes, levam a realidade ao extremo da plausibilidade, forçando-lhe os limites, para retirarem e exporem cirurgicamente as dissensões e bipartições das sociedades contemporâneas. Pedro Gadanho recentemente avançou com uma possibilidade radical: “Em vez de se tornar um campo do conhecimento técnico, se a arquitetura já dificilmente aceita a sua inerente condição artística, a derisão pode provar ser um instrumento interessante com o qual avançar produtivamente.”5 Estas não podem ser por isso meras ficções de escape e substituição da realidade, mas ficções que, no seu delírio e desvario, nos confrontam implacavelmente com o mundo. Propõem-nos um embate conflitual que tem tanto de crítico como de especulativo, tanto de doloroso como de lúdico, tanto de trágico como de cómico. Este limite experimentado pela ficção contemporânea é desta forma profundamente perturbador e destabilizador. Leia-se junkspace de Koolhaas, observe-se solohouse de Lebbeus Woods e experimente-se figthclub de Fiuza Faustino.

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Apesar da ficção ter hoje uma influência na arquitetura que vai para além da atividade projetual, a sua presença no projeto arquitetónico não deixa de se fazer sentir. De facto, as questões contemporâneas da ficção não têm facilidade em operar num universo urbano e arquitetónico cada vez mais

restrito, normativo e controlado, por múltiplas instituições e legislações. No entanto, alguns arquitetos têm explorado campos de trabalho que questionam não só essa condição profissional, como a banalização minimalista dominante. Neste sentido, os dispositivos ficcionais manifestam-se nestes projetos através de uma atenção crítica ao processo criativo e produtivo e por um exacerbar do imaginário e da dimensão narrativa e performativa do espaço arquitetónico. A Casa Trufa do Ensamble desenvolve um processo delirante de construção de um retiro na paisagem, com uma materialidade surpreendente. A Casa secreta em Paris do R&Sie(n) explora a proteção da camuflagem vegetal, desenvolvendo um singular dispositivo ecológico e estético. A instalação de Philippe Rahm interpreta radicalmente os objetivos dados climáticos, para reorganizar o interior de um potencial espaço habitacional. Os pavilhões de exposição para a EXPO Shanghai 2010 do BIG e de Körmeling recorrem diferentemente a uma organização distributiva em loop contínua para proporem espaços ficcionais, performativos e alusivos. A pequena célula de hotel de Tham & Videgard convoca a ideia de casa de árvore na própria floresta, fazendo do reflexo um meio de dissimulação paisagística. O edifício interdepartamental de Jorge Figueira reinventa criativamente a linguagem das utopias anglo-saxónicas dos anos 60, num campus universitário assumidamente lúdico. A casa voo dos pássaros de Bernardo Rodrigues explora a dimensão abstratamente figurativa da arquitetura, propondo uma realidade afirmativa mas atenta às condições do lugar. A remodelação de uma casa de Pedro Gadanho apresenta uma realidade espacial habitada por estranhos objetos e lugares, conferindo-lhe uma atmosfera subtilmente surreal. 

Peter Eisenman, “Moving Arrows, Eros, and Other Errors: An Architecture of Absence” (1985), in A+U – Extra Edition: eisenmanamnisie, 1988, p. 71, tradução livre 2 Aaron Betsky, “The Alpha and the Ómega”, in Beyond: Shortstories on the PostContemporary: Scenarios and Speculations, nº 1, Amesterdam, Sun, 2009, p. 125, tradução livre. 3 Geoff Manaugh, The BLDG Blog Book, San Francisco, Chronicle Books, 2009, p. 52, tradução livre. 4 Ver Volume #20: Storytelling, 2009; Volume #25: Getting There Being There, 2010. 5 Pedro Gadanho, “More Songs about Buildings and Food”, in Beyond: Shortstories on the Post-Contemporary: Trends and Fads, nº 3, Amsterdam, Sun, 2010, p. 10, tradução livre. 1

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ENTREVISTA

arquitetura

Influências Ficcionais Perspetivas Críticas

LUÍS SANTIAGO BAPTISTA | PAULA MELÂNEO

Jane Rendell

Professora Bartlett, Autora “Site-Writing”, “Art and Architecture”, Co-editora “The Unknown City” arqa: Tendo em conta a sua investigação em volta da arte e arquitetura, de que forma lhe interessa a questão da arquitetura e/na/como ficção? Jane Rendell: Sou absolutamente fascinada pelo papel da ficção na prática arquitetónica, é algo que utilizo na minha própria pesquisa e no ensino. Encaro a ficção como parte integral da investigação arquitetónica e como uma forma legítima de produção de conhecimento original. Para mim, a ficção não é meramente um assunto sobre o qual se pode escrever, é também um processo que fornece métodos e estruturas para o projeto e a para a escrita. A palavra ficção vem do latim fictum ou criação, é um ramo da literatura que está ligado a eventos que não são verdadeiros no momento em que se está a escrever sobre eles. Pode-se considerar que os elementos chave da ficção são as personagens, o enredo, o contexto, o tema e o estilo. Muitos destes termos têm uma relevância evidente para a arquitetura, especialmente o enredo, como uma sequência de eventos inter-relacionados, dispostos de modo a formar um padrão, e o contexto, como localização e tempo de uma história que, em certos casos, pode tornar-se numa personagem. Contudo, de todos estes termos derivados da literatura, o estilo é talvez o mais importante para a arquitetura, dado que a sua atenção se foca não tanto no que está escrito mas mais no modo como foi escrito. Já existe um debate bastante desenvolvido na literatura sobre a forma como a escrita ficcional se pode organizar espacialmente. No On Histories and Stories, a escritora A.S. Byatt examina o seu fascínio por “ficções topológicas”, ficções onde o termo topológico significa “jogos matemáticos e narrativas construídas com imagens espaciais, ao invés de imagens temporais”. A autora nomeia certas obras de Primo Levi, Italo Calvino e George Perec como os exemplos mais interessantes deste tipo de escrita. Na minha opinião, estes autores têm formas diferentes de criar ficções topológicas, enquanto que Calvino usa frequentemente a combinação e a permutação como estratégias para construir a forma das estórias; Levi pode inspirar-se em estruturas empíricas já existentes, como os elementos, para determinar a narrativa; e as taxonomias detalhadas de sítios reais de Perec são frequentemente reorganizadas de modo a produzir espaços fictícios. O conceito de “arquitextura” de Mary Ann Caw torna-se útil ao permitir que tenhamos em consideração textos e estruturas, que não são edifícios, como formas de arquitetura. Para Caw, o termo “arquitextura”, que se refere mais ao ato de ler que ao de escrever, “situa o texto no mundo de outros textos, chamando a atenção para a superfície e textura do texto como forma de construção.” Na própria disciplina da arquitetura são vários os escritores que se inspiram na ficção e outras técnicas de contar estórias para perturbar as formas habituais de crítica arquitetónica, de história e de teoria. Guiliana Bruno, no seu fantástico Atlas of Emotion, leva a cabo um objetivo de acordo com o qual a forma do livro que está a escrever segue o projeto do edifício no qual está a trabalhar (Guiliana Bruno, Atlas of Emotion: Journeys in Art, Architecture and Film, London: Verso, 2002),

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enquanto que Katja Grilner tem explorado as possibilidades para uma escrita considerada arquitetónica, situando-se, por exemplo, como sujeito numa paisagem, entre aqueles sobre quem escreve, entrelaçando várias vozes – desde arquivos históricos lado a lado com vozes fictícias (Katja Grillner, ‘Writing and Landscape – Setting Scenes for Critical Reflection’, Jonathan Hill (ed.) Opposites Attract, special issue The Journal of Architecture, v. 8, n. 2 , 2003; Katja Grillner, Ramble, Linger and Gaze: Dialogues from the Landscape Garden, Stockholm: Axl Books, 2000). A reflexão de Karen Berman sobre o diário de Anne Frank descreve os espaços que a escrita fornece ao encobrir-se como “pátria móvel”, articulada por um texto híbrido, moldado por detalhes e condições espaciais, juntando pormenores textuais e arquitetónicos (Karen Bermann, ‘The House Behind’, Heidi J. Nast and Steve Pile (eds) Places Through the Body, London: Routledge, 1998).

Site-Writing: The Architecture of Art Criticism (Londres: IB Tauris, 2010)


Encaro a ficção como parte integral da investigação arquitetónica e como uma forma legítima de produção de conhecimento original. Para mim, a ficção não é meramente um assunto sobre o qual se pode escrever, é também um processo que fornece métodos e estruturas para o projeto e a para a escrita.

Mas talvez os projetos escritos da crítica e arquiteta Jennifer Bloomer tenham sido os mais influentes na sua tentativa de construir arquitetura (Jennifer Bloomer, Architecture and the Text: the (S)crypts of Joyce and Piranesi, New Haven and London: Yale University Press, 1993). Os textos de Bloomer, estruturados espacialmente, operam metaforicamente de modo a explorar as narrativas imaginárias e a empregar dispositivos metonímicos para trazer o não-apropriado para a arquitetura. De acordo com Bloomer, a arquitetura é construída por diferentes modelos de escrita através do íntimo e pessoal, através do sensual, ao invés de através de uma estimulação puramente visual. No meu próprio trabalho tentei alargar este potencial ao construir argumentos críticos através do uso de vozes ficcionais e autobiográficas, criando textos que são compostos arquitetonicamente, entrelaçando modelos de escrita analíticos e imaginativos, tipos de voz para produzir artefactos híbridos, com posições múltiplas do sujeito e texturas variadas (Jane Rendell, Site-Writing: The Architecture of Art Criticism, London: IB Tauris, 2010). Nos últimos dez anos, este interesse também tem funcionado de modo pedagógico e fui buscar elementos à ficção para enriquecer o meu ensino de projeto e da escrita, para introduzir a ideia que a escrita e a leitura são atividades espacializadas que acontecem e que os textos são construções projetadas – espaciais na sua forma e arquitetónicas na sua estrutura – abrindo, deste modo, a possibilidade que o projeto arquitetónico é uma atividade interdisciplinar que vai buscar elementos à ficção, como dispositivo que informa tanto a construção de palavras como a de paredes. arqa: Depois da anterior convergência entre arquitetura e ficção dos anos 60 e 70, como pode o dispositivo ficcional assumir uma função crítica na arquitetura contemporânea? JR: A utilização da narrativa, como uma sequência espacial, é um elemento forte no projeto de edifícios, associada ao desenvolvimento de um ritual, ao desenrolar de uma narrativa cultural particular, ou a uma série de prazeres visuais. Existem muitos precedentes arquitetónicos, desde ao percurso axial através dos complexos tumulares egípcios até às cuidadas promenades sequenciais dos parques pitorescos, das casas de ópera barrocas e de projetos mais modernos. E o pós-modernismo trouxe um interesse nas estórias. O trabalho da NATO, por exemplo, referenciou especificamente a importância da narrativa no planeamento urbano e, para Bernard Tschumi, o papel de evento na arquitetura determinou uma forma de transformação da noção modernista de função numa noção inventiva de programa mais baseada na narrativa. Encontramo-nos num momento diferente, um momento mais interdisciplinar. Na minha opinião, a perspetiva mais interessante das ficções arquitectónicas deriva do elemento espacial de contar estórias, enfatizado na ideia de “estórias espaciais” pelo filósofo e historiador Michel de Certeau. No seu ensaio, “Walking in the City”, de Certeau coloca em oposição a vista do topo do World Trade Centre à experiência da rua, argumentando que a “Cidade conceptual está em decadência” e sugerindo que começamos, inversamente, pelo nível do solo (Michael de Certeau, ‘Walking in the City’, The Practice of Everyday Life, Berkeley: University of California Press, 1988). É possível transcrever as

Foto: David Cross of Cornford & Cross (2006).

Jane Rendell

AnEmbellishment: Purdah (2006), SpatialImagination, The Domo Baal Gallery, Londres

operações de caminhar mapeando-as, mas de Certeau diz que quer ir mais longe e comparar o andar ao ato discursivo. O ato de caminhar, afirma, tem uma “função «enunciativa» tripla”, o pedonal apropria-se do sistema topográfico, ele/a atuam no espaço como a linguagem atua acusticamente, criando relações entre movimentos diferenciados. De Certeau continua explorando a retórica do caminhar através da comparação de voltas (roteiros) e desvios às “expressões” ou “figuras de estilo”. A noção de “estórias espaciais” de de Certeau, ao sublinhar tanto os aspetos linguísticos da prática espacial como a sintaxe espacial das estruturas narrativas, enfatiza o elemento espacial do contar estórias e também o potencial narrativo das práticas espaciais: “todas as estórias são estórias de viagens – uma prática espacial”. arqa: Num momento em que as vertentes do documental e do ficcional se cruzam no campo da arquitetura e do urbanismo, qual a relação que a ficção deve manter com a realidade existente? JR: O meu interesse continuado no modo como uma disciplina pode produzir formas de criticar e reinventar os métodos de outra, significa que me fascina o papel que a ficção pode ter na prática da arquitetura como um dispositivo interdisciplinar para enfrentar a realidade. Para mim, a ficção ocupa um lugar crucial na exploração de um local que se encontra entre supostos opostos: tal como o real e o imaginado. Na literatura já estão em circulação os termos “ficção crítica”, para descrever ficções já escritas com uma intenção crítica, e também o “ficto-criticismo”, para formas de crítica que empregam a ficção de modo a propor novas posições. Assim, a meu ver, a ficção pode fornecer ferramentas, métodos e estruturas para criticar os conceitos com os quais enfrentamos a “realidade”, permite-nos sugerir novas possibilidades para programas, estrutura, composição, ocupação; para criar alternativas que colocam em questão os “dados adquiridos” materiais e ideológicos; e, principalmente, para imaginar outras possibilidades.

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PROJECTOS biografias

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ENSAMBLE STUDIO foi fundado por Antón García-Abril, (Madrid, 1969) em 2000. A equipa compõem-se ainda de Javier Cuesta Rodríguez-Torices (Madrid, 1973), que iniciou o seu trabalho um ano depois da fundação, e de Débora Mesa Molina (Madrid, 1981), que se juntou em 2003. O estúdio dedica-se à pesquisa de aplicações da arquitetura concetuais e estruturalmente experimentais. O estúdio tem sido distinguido com diversos prémios, nomeadamente The Rice Design Alliance Prize para arquitetos emergentes em 2009 ou The Architectural Record Design Vanguard Prize, em 2005. O seu trabalho foi selecionado por Kazuyo Sejima para participar na Bienal de Arquitetura de Veneza em 2010. www.ensamble.info

R&Sie(n) foi fundado em Paris 1989 por François Roche (1961, França), Stéphanie Lavaux (1966, França). Os orgânicos e opostos projetos de arquitetura que concebem preocupam-se com o vínculo entre o construído, o contexto e as relações humanas. R&Sie(n) actualmente realiza uma experimentação crítica de novas tecnologias de deformação para obter “cenários” arquitetónicos de distorção cartográfica, substituição e mutações genéticas territoriais para criar protocolos em aparatos que fundem ficção, subjectivação e processos de transformação com maquinaria, simultaneamente re-cenarisando a relação estética com a(s) natureza(s) - artificial, paranóica e/ou real. www.new-territories.com

PHILIPPE RAHM fundou Philippe Rahm architects em Paris. O seu trabalho transcende os campos da arquitetura, do fisiológico ao meteorológico, e tem uma audiência internacional no contexto da sustentabilidade. Em 2002 foi escolhido para representar a Suíça na 8ª Bienal de Arquitetura de Veneza e participou na Bienal de Arquitetura de Veneza em 2008. Nomeado para diversos prémios, como Ordos em 2009, na China. Participou em inúmeras exposições em importantes instituições de todo o mundo. Em 2007, expôs a solo no Canadian Centre for Architecture em Montreal. Rahm foi residente da Villa Medici de Roma (2000). Tem sido conferencista e lecionado em diversas universidades estrangeiras. www.philipperahm.com

BIG (Bjarke Ingels Group) foi fundado por Bjarke Ingels, em 2005, depois de ter sido cofundador dos PLOT Architects, em 2001, e ter integrado o atelier OMA, em Roterdão. Os trabalhos de BIG têm sido galardoados com diversos prémios, nomeadamente com o Leão de Ouro da Bienal de Veneza, em 2004, para o “Stavanger Concert House”. Paralelamente à prática arquitetónica, Bjarke é professor convidado em diversas Universidades nos EUA. Recentemente lecionou, na Harvard University, uma cadeira com a Business School e a Graduate School of Design. Na primavera de 2012 Bjarke será professor convidado da Yale University School of Architecture. www.big.dk

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PEDRO GADANHO divide a sua actividade entre arquitetura, curadoria, crítica e docência universitária. É MA in Art & Architecture pelo KIAD, no Reino Unido, e doutorado na FAUP, onde leciona. É editor da série Beyond e do blog ShrapnelContemporary. Integrou a direção da experimentadesign (2000-03). Foi comissário de Metaflux, representação portuguesa na Bienal de Veneza de Arquitectura 2004, e de mostras como Space Invaders para o British Council London, Post.Rotterdam para a Capital Europeia da Cultura 2001 e “Pancho Guedes, Um modernista alternativo” para o Swiss Architecture Museum. Atualmente é curador de Arquitetura do MoMA em Nova Iorque. www.shrapnelcontemporary.wordpress.com

JOHN KÖRMELING (Amesterdão, 1951) trabalha em Eindhoven, na Holanda. Estudou arquitetura na Universidade TU/e em 1981. Os seus trabalhos principais são uma Casa de Chá em Breda (2002) e a estrutura Hot Spring, em Matsunoyama no Japão (2002). O seu trabalho cruza a arquitetura e a arte. Refere que construiu uma cobertura para bicicletas, com maravilhosas palavras; desenhou edifícios como arte, como a Rotating House em Tilburg, uma casa sobre rodas situada numa rotunda ou a Pioneers House, no topo de um edifício de clientes, em Roterdão; inventou o disco de rodas para carros. Atualmente está a trabalhar num novo calendário. www.johnkormeling.nl

THAM & VIDEGÅRD ARKITEKTER, fundado por Bolle Tham e Martin Videgård, está sediado em Estocolmo. É uma prática contemporânea e progressiva, focada na arquitetura e no design - desde a ampla escala do planeamento urbano, edifícios, interiores e objetos. Tem por objetivo criar uma arquitetura distinta e relevante, tendo o contexto único e as condições específicas de cada lugar, como ponto de partida para cada projeto. O escritório desenvolve os projetos em todas as suas fases, envolvendo equipas multidisciplinares, para diversos clientes públicos, comerciais e privados, na Suécia e no estrangeiro. A sua prática assume-se como inclusiva; com motivações de caráter prático, teórico, social e ambiental analisadas e integradas no processo. www.tvark.se

JORGE FIGUEIRA (Vila Real, 1965) é licenciado pela FAUP (1992), doutorado em Arquitetura pela Universidade de Coimbra (2009). Docente de História da Arquitetura Contemporânea no Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCT-UC), onde leciona desde 1992, e no Programa de Doutoramento em Arquitetura da FAUP (desde 2009). Comissariou vários encontros e exposições de arquitetura, dos quais se destacam o Seminário Inserções (DA/FCTUC e Coimbra 2003/ co-comissário), “Europa, arquitectura portuguesa em emissão” (Trienal de Arquitetura de Lisboa 2007/ cocomissário) e “Álvaro Siza: Modern redux” (Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, Brasil, 2008).

BERNARDO RODRIGUES (Ponta Delgada, 1972) é licenciado na FAUP e mestre pela Columbia University (NY, 1999). Colaborou com Donald Insall Associates (1996) e com o Atelier 15. Iniciou atividade própria no Porto em 2001. Em 2006, em Harvard, iniciou um plano para arquitetura sustentável, que desenvolve atualmente através de projetos na China e EUA. Foi professor convidado em Palermo em 2003. Expôs na Bienal de Veneza 2004, na Trienal de Milão 2004, no Instituto Tomie Othake em São Paulo, na Bienal experimentadesign 2005, na Universidade Cornell (NY, 2007) na Exposição Portugal Now. Em 2008 foi o representante português no 5º encontro “New Trends of Architecture in Europe and Asia-Pacific 2008-09” em Tóquio. www.bernardo-rodrigues.com

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PROJETOS

Espanha

Ensamble Studio Casa Turfa, Costa da Morte

Arquitetura: Ensamble Studio - Antón García-Abril Colaboração: Ricardo Sanz, Javier Cuesta Promotor: Materia Inorgânica Empresas: Tongadas & Zuncho Dolorido, SL. (betão); Galicorte; Macías Derribos (escavações); Suministros Zurich; Ganadería Paulina; Project Manager Franchetau Área: 25 m² Datas: Agosto 2006 - Fevereiro 2010 Texto: Antón García- Abril Fotografia: Ensamble Studio, Roland Halbe proj. 1

A trufa é um fragmento da natureza construído com terra, cheia de ar. Um espaço dentro de uma pedra que assenta no terreno e que se funde com o território. Está camuflada, ao reproduzir na sua estrutura os processos de formação mineral e integra-se no meio natural, submetendo-se às suas leis. Fizemos um buraco no terreno e, amontoando a terra extraída no seu perímetro, obtivemos um dique de contenção sem consistência mecânica. Depois, materializámos o ar através da construção de um volume com fardos de palha e inundámos o espaço entre a terra e o ar construído para o solidificar. A massa de betão derramada envolveu o ar e protegeu-se com a terra. Passado algum tempo, retirámos a terra descobrindo uma massa amorfa. Houve uma troca de propriedades entre a terra e o betão. A terra cedeu ao betão a sua textura e cor, a sua forma e a sua essência, enquanto o betão cedeu à terra a sua resistência e estrutura interna. Mas o que criámos não era ainda arquitetura, tínhamos fabricado uma pedra. Com máquinaria de pedreiras fizemos alguns cortes para explorar o seu núcleo e descobrimos a massa do seu interior construído com palha, agora comprimida pela pressão hidrostática que o betão exerceu sobre a débil estrutura vegetal. Para esvaziar o interior, chegou a vaca Paulina, que se deliciou com os 50 m3 de comida de qualidade, com a qual se alimentou durante um ano até deixar o seu habitat, já como adulta e a pesar 300 kg. Tinha comido o volume interior e o espaço apareceu, pela primeira vez, restaurando a condição arquitetónica da trufa, depois de ter servido de abrigo para o animal e de massa vegetal durante um largo período. A arquitetura surpreendeu-nos. A sua ambiguidade entre o natural e

Cortes esquemáticos

Processo construtivo

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o construído, a materialidade complexa de que o mesmo elemento construtivo, o betão em massa sem reforço armado, podia dotar o pequeno espaço arquitetónico com escalas distintas. Desde a textura informe do seu exterior, à violenta incisão de um corte que nos revela a sua vocação arquitetónica, chegando à expressão fluida da solidificação do interior do betão. Esta materialidade espessa, que proporciona às paredes verticais uma escala rústica, resulta da dimensão dos fardos e contrasta com a liquidez do teto, que evoca o mar petrificado no lintel da moldura espacial que observa, de forma sublime, o oceano Atlântico, fazendo sobressair o horizonte como única linha tensa do espaço interior. Para dotar o espaço de todo o conforto e habitabilidade, necessários na arquitetura, inspirámo-nos no “Cabanon” de Le Corbusier, recriando o seu programa e dimensões. O “cabanon de Beton” é a referência que faz da trufa um espaço habitável e desfrutável na natureza, que nos inspirou e nos subjugou. E a lição que retirámos foi a da incerteza que nos guiou na vontade de construir um fragmento da natureza com as nossas próprias mãos, um espaço contemplativo, um pequeno poema. 


Foto: Roland Halbe

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PROJETOS

França

R&Sie(n)

Casa “I’m Lost in Paris”

Arquitetura: R&Sie(n) Equipa Criativa: François Roche, Stéphanie Lavaux, Jean Navarro Sistema hidropónico: R&Sie(n) Recipientes de vidro: Pedro Veloso c/ consultoria Vanessa Mitrani Estrutura e construção do protótipo verde: Christian Hubert De Lisle & Cie Lugar: Confidencial Cliente: Confidencial Custo: Confidencial Área: 130 m2 Data: 2008 Fotografia: R&Sie(n)

proj. 2

É a história do habitar da feitiçaria urbana por trás das desenhadas janelas traseiras de uma cabana de caça. Como alquimista, ela alimenta a infra-estrutura vegetal como um sistema hidropónico gota-a-gota de substâncias líquidas resultanets da preparação química bacteriana em 300 provetas de vidro disseminadas pelas superficies de fetos. A vizinhança está tanto atraída pelo aspecto vegetal como sente repulsa pela fermentação e processo de a produzir. Cenário: 1) Projeto de Laboratório privado como uma cabana de caça oculta. 2) 1200 fetos hidropónicos 3) 300 provetas de vidro “sopradas” de componentes para culturas bacteriológicas / Produzem a bactéria “Rhizobium”, para aumentar a percentagem de Nitrogénio sem adubos químicos / Produção de luz extra através de um processo de refração / Negociação das “janelas traseiras” com a as vistas contrárias da vizinhança sobre o pátio fechado. 4) Recolher águas pluviais para regar as plantas através de um sistema mecânico de rega gota-a-gota individual, que inclui a alimentação com nutrientes controlados proporcionalmente. 5) Emergências de “Devil Rock” (“encontros imediatos do terceiro grau”), com a natureza (fetos), que já vem do período Devoniano (dinossauro), domesticado tecnologicamente para voltar no atual período regressivo francês... 

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Axonometria estrutura de revestimento


Corte transversal

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PROJETOS

Dinamarca

Philippe Rahm

Instalação Domestic astronomy, Louisiana Museum of Modern Art, Humlebæk

Arquitetura: Philippe Rahm architectes Colaboradores: Andrej Bernik, Timothée Boitouzet Software de térmica e programação: colaboração de fabric.ch Desenhos: Amy O’Neill Exposição: Green Architecture for the Future, Louisiana Museum of Modern Art Data: 29-5-2009/4-9-2009 Texto: Philippe Rahm Fotografia: Brøndum & Co

proj. 3

A grande exposição de Verão do Louisiana foca-se nas novas orientações da arquitetura que vão ao encontro da necessidade de um desenvolvimento sustentável. A instalação “Domestic Astronomy” é um protótipo de apartamento onde já não ocupamos uma superfície, mas uma atmosfera. À medida que se afastam do piso, as funcionalidades e o mobiliário elevam-se: dispersam-se e evaporam-se na atmosfera do apartamento e estabilizam a certas temperaturas determinadas pelo corpo, roupa e atividade. A nossa proposta passa por potenciar estas diferenças físicas na distribuição da temperatura no espaço, explorando-as de forma a mudar o modo de vida; substituir um modo de vida horizontal por um vertical, onde podemos ocupar diferentes zonas de calor, diferentes camadas, diferentes alturas. Assim, podemos criar um ecossistema global como uma espécie de astronomia em casa, onde se reconfiguram as combinações de temperatura, luz, tempo e espaço. De acordo com a lei de Arquimedes, o ar quente sobe e o ar frio desce, e esta realidade física tem uma influência direta na distribuição das temperaturas no interior do apartamento. Existem grandes disparidades em termos térmicos entre o piso e o teto. Por exemplo, podem estar 19 graus ao nível dos pés e 28 graus três metros acima, mesmo por debaixo do teto. Essa diferença de temperatura é absolutamente inútil e tornase mesmo problemática, hoje em dia, tendo em conta a questão do aquecimento global, contra o qual lutam as políticas de desenvolvimento sustentável, através da redução do consumo de energia no interior dos edifícios. De facto, esta diferença de temperatura que encontramos ao nível do teto torna-se um desperdício de energia que não beneficia ninguém. Atualmente, o nosso objetivo passa por considerar estas disparidades físicas na distribuição das temperaturas no espaço e tirar partido delas de modo a transformar a forma como se habita um espaço, deixando para trás a exclusividade de um modo horizontal de ocupação do interior, por um modelo de habitar vertical onde se pode aproveitar diferentes zonas térmicas, diferentes estratos e diferentes altitudes. De forma a economizar energia, as normas suíças de construção (SIA) recomendam que se aqueça as diferentes zonas da casa a diferentes

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temperaturas de modo a otimizar a energia gasta, em função da atividade e do vestuário dos seus utilizadores. Assim, as zonas onde as pessoas se encontram despidas seriam aquecidas mais intensamente, enquanto que as zonas de passagem ou onde as pessoas estão mais vestidas seriam mais frescas. As normas SIA recomendam, portanto, que as casas de banho de serviço se aqueçam a 15 graus, o quarto a 16 graus, a cozinha a 18 graus, a sala de estar a 20 graus e as casas de banho a 22 graus. De acordo com estes objetivos e tendo em conta o princípio de Arquimedes da subida do ar quente, propomos que se divida o programa do apartamento por toda a atmosfera de uma única divisão, procurando as temperaturas adequadas para as diferentes funções, de acordo com as diferentes atividades do habitante e o seu vestuário. Depois é necessário definir as fontes de calor, por radiação, por convecção. O interior artificial da arquitetura é um espaço onde os elementos que constituem a atmosfera, e que no mundo natural formam um conjunto de relações de causa e efeito, que estabelece um sistema ecológico onde todos os elementos estão relacionados e são interdependentes em termos de trocas de energia, químicas, físicas e biológicas. Desta forma, no mundo natural, o espaço, a luz, a temperatura, o movimento do ar estão completamente ligados nas suas variações, em grandes movimentos astronómicos, temporais, termodinâmicos e biológicos, formando a atmosfera do planeta como ecossistema. O nosso objetivo atual é reintroduzir no interior da arquitectura uma espécie de segunda astronomia, cujo propósito não será de forma alguma naturalístico mas, pelo contrário, surgirá diretamente do centro dos meios artificiais de criação climática controlada da modernidade. É desta forma que nos propomos remontar um todo, recompor uma unidade singular, estando os diferentes elementos climáticos separados pelas técnicas da indústria de construção para criar um ecossistema global interior, como uma nova espécie de astronomia de interior onde a temperatura, a luz, o tempo, e o espaço se recombinam numa única atmosfera, uma única temporalidade, uma geografia. Tal como o sol, as luzes artificiais produzem calor porque a radiação luminosa eletromagnética é energia em si mesma. Paradoxalmente, a “luz” elétrica liberta mais calor invisível do que luz visível. Dependendo


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PROJETOS

China

BIG

Pavilhão da Dinamarca XPO, EXPO 2010, Xangai

Arquitetura: BIG - Bjarke Ingels (responsável), Finn Nørkjær (chefe de projecto), Henrick Poulsen (gestão de projecto) Equipa: Tobias Hjortdal, Niels Lund Petersen, Jan Magasanik, Claus Tversted, Kamil Szoltysek, Sonja Reisinger, Anders Ulsted, Jan Borgstrøm, Pauline Lavie, Teis Draiby, Daniel Sundlin, Line Gericke, Armen Menendian, Karsten Hammer Hansen, Martin W. Mortensen, Kenneth Sørensen, Jesper Larsen Parceiros: 2+1, Arup AGU, Arup Shanghai, Tongji, Ai Wei Wei, Jeppe Hein, Martin De Thurah, Peter Funch Cliente: Erhvervs- og Byggestyrelsen Área: 3.000m² Datas: 2009-2010 Texto: BIG Fotografia: BIG, Iwan Baan, Leif Orkelbog-Andresen

proj. 4

Estrutura primária e secundária

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O Pavilhão Dinamarquês não expõe apenas as virtudes dinamarquesas. Através da interação, os visitantes podem experienciar verdadeiramente algumas das melhores atrações de Copenhaga: a cidade das bicicletas, o porto balnear, os recreios e o picnic. A bicicleta é um meio de transporte popular e um símbolo nacional; elemento comum na Dinamarca e na China. No entanto, nos últimos anos, têm tido destinos muito diferentes nos 2 países. Enquanto que Copenhaga está empenhada em tornar-se na capital mundial da bicicleta, o transporte motorizado em Xangai está em crescimento, em virtude do carro se ter tornado num símbolo de riqueza. No Pavilhão Dinamarquês de Xangai, relançámos a bicicleta como símbolo de um estilo de vida moderno e de desenvolvimento urbano sustentável. O Pavilhão e toda a exposição podem ser experienciados em bicicletas que estão disponíveis gratuitamente para os visitantes. O edifício está projetado como uma espiral dupla com ciclovias e faixas pedonais que nos levam do piso 0, através de curvas, até aos 12 metros, para descer novamente. Assim, experienciamos a exposição dinamarquesa a 2 velocidades, tanto no interior como no exterior; como um passeio calmo com tempo para absorver a paisagem circundante ou como uma volta de bicicleta, em que a cidade e a vida urbana passam por nós. Tanto Xangai como Copenhaga são cidades portuárias. Nos portos de Copenhaga, as atividades poluentes foram substituídas por parques e instituições culturais e, como resultado, a água tornou-se limpa o suficiente para se poder nadar. No coração do Pavilhão, os visitantes podem encontrar a Piscina Portuária. As crianças podem molhar os pés na água e sentir como é viver numa cidade dinamarquesa onde a água do porto está limpa. No meio da Piscina Portuária, a escultura da Pequena Sereia está sentada exatamente na mesma situação em que está habitualmente em Copenhaga. A Sereia original está de visita à China, como exemplo concreto da ideia que no Pavilhão Dinamarquês está contida a experiência real da vida urbana na Dinamarca. Enquanto a Pequena Sereia está em Xangai, o seu espaço em Langeline vai estar ocupado por uma obra de arte do artista chinês internacionalmente reconhecido, Ai Weiwei que, entre outras coisas, trabalhou como consultor do Ninho de Pássaros, o estádio nacional Olímpico de Pequim. O Pavilhão está construído como um monólito autosustentado de aço pintado de branco, fabricado num estaleiro chinês. A cobertura é percorrida por um revestimento sintético azul claro, usado na Dinamarca para marcar as ciclovias. No interior, o piso é em epoxy e a ciclovia azul clara respetivamente. A sequência de acontecimentos tem lugar entre 2 fachadas paralelas: a interna e a externa. A interna é fechada e acomoda funções variadas do Pavilhão e a sua largura varia e define-se pelo programa do espaço interior. A externa é a fachada do Pavilhão virada para fora, que é feita de aço perfurado. No período noturno, a atividade interior do Pavilhão será iluminada para os transeuntes. O artista dinamarquês, Jeppe Hein, desenhou um “banco social” que acompanha a ciclovia. Em alguns pontos, o banco adapta-se elasticamente ao seu ambiente e são-lhe adicionadas funções diversas como p.e. um bar para comidas e bebidas.


Diagramas de percursos

Foto: Iwan Baan

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PROJETOS

Portugal

John Körmeling

Pavilhão da Holanda HappyStreet, EXPO 2010, Xangai

Arquitetura: John Körmeling Estrutura: Rijk Blok Arquitetura paisagista: ZUS com ABT; Tongji University; Sfeco Contrutor: Baoye Cliente: Ministério da Economia Áreas: 5000 m2 - 45m x 90m x 21m (local); rua - 380 m x 5 m; 38m2 (cada edifício) Custo: 7 milhões euros Datas: 2006 (início); 2009 (construção); 2010 (fim) Texto: Atelier John Körmeling Fotografia: Atelier John Körmeling

“Cidade Melhor, Vida Melhor”, o tema da EXPO 2010, tem origem na ideia de uma boa rua. Uma rua com uma mistura de diferentes funções, como uma casa, uma loja, uma fábrica, um escritório, uma quinta, uma estação de gasolina, um campo de jogos, uma garagem, forma a condição da vida social. A exposição mundial é um centro de lazer e divertimento/educação. Assim, o Pavilhão Holandês é como uma montanha-russa onde se pode caminhar com edifícios suspensos nela, como maçãs numa árvore. Em cada edifício ao longo da via, há uma invenção, uma escultura ou um segredo que torna a vida mais prazerosa. Novas formas de energia, de cultivar comida ou de purificar a água. Queremos fazer um edifício aberto sem porta. O interior é exterior. 

proj. 5

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PROJETOS

Suécia

Tham & Videgård Tree Hotel em Harads

Arquitetura: Tham & Videgård Arkitekter - Bolle Tham e Martin Videgård Equipa: Andreas Helgesson, Julia Gudiel Urbano, Mia Nygren Cliente: Brittas Pensionat, Britta Lindvall e Kent Lindvall, www.treehotel.se Datas: 2008-2010 Texto: Tham & Videgård Arkitekter Fotografia: Åke E:son Lindman

Um hotel numa árvore, no longínquo norte da Suécia, perto da pequena vila de Harads, junto do círculo polar. Um abrigo no alto das árvores; uma estrutura leve de alumínio, à volta de um tronco, uma caixa de 4x4x4m revestida de vidro espelhado. A superfície exterior reflete a envolvente e o céu, criando um refúgio camuflado. A construção também lembra o modo como o homem se relaciona com a natureza, como usamos materiais e produtos high tech ao exploramos lugares remotos em climas rigorosos (Gore-tex, Kevlar, materiais compósitos, tendas leves, etc). As funções estão pensadas para um espaço de 2 pessoas; cama dupla, uma pequena casa de banho, uma sala de estar e um terraço na cobertura. O acesso à cabine é feito por uma ponte de corda ligada à árvore mais próxima. Para evitar que as aves choquem com o vidro espelhado, foi colocado um laminado transparente de cor ultravioleta, visível apenas para os pássaros. 

proj. 6

Implantação

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PROJETOS

Portugal

Jorge Figueira

Edifício Interdepartamental, Universidade dos Açores, Angra do Heroísmo, Açores

Arquitetura: Jorge Figueira Colaboradores: Carla Dias (Projecto de execução); João Fonseca (Projecto base); Sofia Coutinho (mobiliário) Estabilidade: Encil. Projectos e Estudos de Engenharia Civil, Lda., Eng. António Alpuim Redes Hidraúlicas: Vitor Abrantes. Consultoria e Projectos de Engenharia, Lda., Eng. Maria Amália Abrantes, Eng. Miguel Ferreira Redes Eléctricas,Telecomunicações e Segurança: Gatengel. Projectos de Engenharia, Lda., Eng. Nuno Pinheiro, Eng. Pedro Costa Instalações Mecânicas e Redes de Fluidos Especiais: Rodrigues Gomes & Associados. Consultores de Engenharia, S.A., Eng. Pedro Albuquerque Datas: 2005-2011 Texto: Jorge Figueira Fotografia: FG+SG (www.ultimasreportagens.com)

proj. 7

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Trata-se de um edifício de laboratórios, de grande complexidade infraestrutural. A rua que entretanto tínhamos aberto serviria um campus de uma dimensão que agora não se cumpre. Por isso o edifício é colocado sobre esta rua, para lhe dar uma escala mais controlada. Ao mesmo tempo 2 volumes perpendiculares vão à procura da topografia, para segurar o balanço mais moderno. No interior do volume suspenso por lâminas em “V”, 3 corredores de grande comprimento distribuem os diversos laboratórios e os gabinetes. No espaço exterior, uma rampa permite o acesso entre a cota da rua e a praça do campus que se desenha com o edifício de Serviços de Ação Social. Um edifício de laboratórios tende a ser um compacto com janelas mais ou menos high tech. Mas pode ser também outras coisas...Turn off your mind relax and float down stream… Deixo isso para os críticos. Como me diz o Bruno Gil: “...no campus abriste o livro de referências... o século XX a latejar... sobre o prado açoriano... naturalmente... um flying table top icon jenckiano com écrans de televisão a preto e branco que se repetem... como o Rossi convive tão bem com o Kurokawa!” 


Implantação

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PROJETOS

Portugal

Bernardo Rodrigues

Casa do Voo dos Pássaros, São Miguel, Açores

Arquitectura: Bernardo Rodrigues Localização: Rabo de Peixe, Ribeira Grande, São Miguel, Açores Colaboração: (estudo prévio) James Grainger, Pedro Mosca, Natacha Viveiros; (execução) Nelson Ferreira, Ye Xuanyong, Vasco Melo, Laura von Dellemann, Alexandra Balona; (obra) Adriana Massague, Rita Breda, Ana Soares, Jessica Silva, Sofia Cordeiro, Raquel Fernandes Elena Archipovait Marcello Zahr Secretariado: Ana Carneiro, Patricia Franco, Andrea Trevisan Estruturas: HDP, engenharia Ltd - Eng. Paulo Fidalgo Mecânica: Paulo de Faria Queiros Ltd, Maria Odete de Almeida Electricidade: Sr. Gomes Fiscalização: Pedro Sacramento e Carlos Tavares Data: 2002-2010 Texto: Bernardo Rodrigues Fotografia: Bernardo Rodrigues, FG+SG (www.ultimasreportagens.com)

proj. 8

A casa situa-se no lado norte da ilha de São Miguel, nos Açores. O microclima desta quinta faz com que haja ventos e aguaceiros frequentes, por isso a primeira estratégia era bloquear esses ventos com uma parede, providenciando várias zonas abertas e pátios cobertos no piso térreo, protegidos da chuva, e abrir todos os espaços comuns para a paisagem verde através de paredes de vidro recuadas em relação ao exterior. No piso superior estão as divisões privadas mais fechadas e protegidas. A tipologia segue um desenho de planta central quase clássico, inspirado em Palladio e Scamozzi, com duplo pé direito na sala de estar e duas alas laterais, delimitando uma a cozinha, que cita as altas chaminés da arquitectura residencial popular e um pátio interior coberto, a outra contendo as circulações para o piso superior e para a cobertura visitável. Estas duas alas terminam com entradas de luz orientadas a sul. A cobertura oferece a possibilidades de vistas aéreas sobre toda a costa norte da ilha. “Matter tells space how to bend; space tells matter how to move” Albert Einstein Um momentâneo e fugaz olhar, como uma memória de infância que surge, inesperada. O sol a sul, o vento e o frio a norte, sina planetária. Falam-me de sonhos com edifícios do De La Sota e esculturas do Brancusi, paradoxal, eu sei... nem os conheço... Lembro-me de um camponês que todos os dias, após lavrar a terra e tratar das colheitas se deita e sonha com o mar e todos os peixes (se agitam).

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PROJETOS

Portugal

Pedro Gadanho Casa GMG, Torres Vedras

Arquitetura: Pedro Gadanho Colaboradora: Sara Silva Natária Materiais: Metal e MDF lacados, Corian, Zinco, etc Datas: 2007-2010 Área: 400m2 Texto: Pedro Gadanho Fotografia: FG+SG (www.ultimasreportagens.com)

O projeto resulta da remodelação de uma casa de cidade do século XIX na principal rua pedonal de uma pequena cidade nas redondezas de Lisboa. A alteração mais radical transformou a entrada existente numa escada e num conector espacial de tripla altura. As outras intervenções, cirúrgicas e objetuais, algo perturbantes, inserem-se teatralmente nos espaços existentes. Permitem novas funções ou necessidades imprevistas. Os filhos adolescentes ficam com a ala esquerda do piso principal, a mãe fica com o seu próprio domínio no sótão totalmente reaproveitado, incluindo quarto, closet, estúdio, e até um magnífico terraço coberto. O pátio das traseiras tem direito às suas próprias inserções: uma escada exterior espiral e uma piscina em azul Yves Klein. A (re)presentação da casa compreende as seguintes peças interrelacionadas: 1. Esta folha de dados e a pasta de desenhos em anexo. 2. O conto “The Man Whose Head Expanded,” © 2010, Pedro Gadanho. 3. O filme “Haunted House”, © 2010, Pedro Gadanho, estreado internacionalmente na exposição inaugural da Gopher Hole Gallery, Around a Minute, em Londres, a 9 de Dezembro de 2010. 4. A peça acústica “STRETCH,” © 2008, Rui Gato, uma composição de cordas produzida dentro da caixa do elevador, estreada na exposição Flexibility, Torino World Capital of Design, 2008. 

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NARRATIVA

história

Peter Zumthor

Contextualização do Memorial “Julgamento das Bruxas”

LIV HELENE WILLUMSEN

Os julgamentos por bruxaria em Finnmark, o distrito mais a norte da Noruega, tiveram lugar já a caminho do fim de um período onde se observaram perseguições de bruxas um pouco por toda a Europa. A caça às bruxas em Finnmark foi uma derivação dos julgamentos de bruxaria europeus, que aconteceram entre 1450-1750, atingindo o pico no século XVII. As acusações de bruxaria foram tratadas como casos penais. Durante a perseguição à bruxaria na Europa, foram acusadas cerca de 100000 pessoas. Destas, de 40000 a 50000 foram executadas, a maioria delas sentenciadas a arder na fogueira. Os julgamentos mais extremos foram na Alemanha, Suiça, Áustria, Polónia, Escócia e este de Finnmark. Na totalidade, na Noruega foram acusadas 750 a 800 pessoas de praticar bruxaria, das quais 300 pessoas foram executadas. Os tribunais noruegueses começaram a ditar sentenças de morte em julgamentos de bruxaria no final do século XVI e as perseguições duraram até ao século XVIII. Os julgamentos de Finnamrk ocorreram entre 1600 e 1692. No decurso destes julgamentos, 135 pessoas foram acusadas de praticar bruxaria, 91 dos quais foram executadas. Isso signifca que dois terços dos que foram acusados de bruxaria em Finnmark, receberam sentenças de morte. A maioria das sentenças de morte eram diatadas em Vardø, a este de Finnmark, e, provavelmente, a maior parte das execuções foi levada a cabo em Steilneset, o local de execuções, em Vardø. A taxa de sentenças de morte assemelha-se às de partes da Europa onde as bruxas foram perseguidas com particular rigor. Quando aferimos a extenção da perseguição em Finnmark, também temos de ter em conta a dimensão da população. No século XVII, a população de Finnmark rondava os 3000, que era 0,8% da população da Noruega. No entanto, 16% dos julgamentos de bruxaria noruegueses ocorreram aqui. Estes valores indicam uma grande perseguição no distrito de Finnmark. Para além das sentenças de morte, as pessoas acusadas de bruxaria foram banidas, chicoteadas publicamente ou multadas. O que sabemos dos julgamentos de bruxaria de Finnmark, datados de há cerca de 400 anos, resulta dos registos dos julgamentos nos tribunais locais. Os registos deram entrada em protocolos que estão agora armazenados nos Arquivos Regionais do Estado de Tromsø, na Noruega. Os registos mostram-nos o que aconteceu a uma pessoa desde que esteve perante um juiz, até a sentença ser pronunciada. As fontes dos julgamentos de bruxaria de Finnmark a que temos acessso estão em muito boas condições no que diz respeito a legibilidade, dado estarem bem preservadas. São únicas, em termos nacionais e internacionais, quanto à compleitude e riqueza de pormenores. Onde quer que houvesse perseguição de bruxas, o estado teve um papel importante. Tal foi, também, o caso no reino conjunto da DinamarcaNoruega. Os poderes do estado invadiam a legislação, no funcionamento da atividade judicial e nas atividades da Igreja. Não há qualquer dúvida que os poderes estatais, juntamente com as atividades dos oficiais do rei, foram decisivos para o desfecho dos julgamentos. O monarca dinamarquêsnorueguês, Christian IV, que reinou desde 1588 a 1648, era um caçador de bruxas ávido. Os oficiais mais altamente colocados da coroa de Finnmark

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tinham, como parte da sua missão, o dever de livrar o distrito de bruxas. Estes agentes foram influentes no que diz respeito à iniciação e continuação dos julgamentos de bruxaria. No topo da hierarquia estava o Comandante Real do distrito de Vardøhus e do castelo de Vardøhus. Teve o título de governador de distrito até 1660, data em que se tornou governador regional. Os oficiais do governo em Finnamark eram zelosos; pode-se observar um aumento de julgamentos de bruxaria de cada vez que se instalava um novo governador de distrito. Alguns dos oficiais exercianm funções durante um período longo, como por exemplo o escocês John Cunningham, que foi governador de distrito em Vardøhus de 1619 a 1651, período em que foram executadas 41 pessoas por prática de bruxaria. Houve, também,


Foto: Helge Stikbakke

perseguições severas durante o período de funções do governador de distrito Jørgen Friis, 1651-1661, e do governador regional Christopher Orning, 1661-1665, Na Noruega, a arena do julgamento de bruxaria era a sala de audiências. Ainda assim, conseguimos rastrear através de documentos de bruxaria o papel da Igreja. A Reforma teve lugar na Dinamarca em 1536 e na Noruega em 1537. Não há dúvidas que as ideias dos teólogos dinamarqueses eram conhecidas em Finnmark na altura, representando um entendimento da bruxaria onde o Diabo, como figura ameaçadora, estava no centro. Mesmo que a Igreja não estivesse diretamente ativa na iniciação da caça às bruxas em Finnmark, os padres tiveram o seu papel nos julgamentos. As suas

funções dividiam-se em: participação na fase de interrogatório de suspeitos e preparação das sentenciados à morte. Durante a caça às bruxas na Europa, foram acusados de bruxaria tanto homens como mulheres. Em Finnamrk, foram julgados 111 mulheres e 24 homens por prática de bruxaria. Encontramos distribuições de género semelhantes em muitas partes da Europa, quatro quintos dos acusados mulheres e um quinto homens. No entanto, em alguns países como na Islândia, Finlândia e Estónia, mais de 50% dos acusados eram homens. Das 91 pessoas acusadas em Finnmark, havia 77 mulheres e 14 homens. Encontrámos pouquíssima informação relativa às idades, mas cerca de 2/3 das mulheres eram casadas. Cada 1 em 5 das mulheres executadas

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DESIGN

ensaio

Bouroullec Brothers

Formas do futuro ou vários futuros possíveis

CARLA CARBONE|carlacarbone@yahoo.com

as gerações precedentes. A razão de viver das novas gerações era o rompimento cultural com o passado (Guidot, 2000). Ora, mesmo que se tratassem de formas da época, a publicidade de Herman Miller, a máquina de café da Elenova de 1958, ou as cadeiras de Verner Panton, permaneceram até hoje, como ícones do novo tempo e representativos do avanço da técnica. A esta generosa e voluptuosa manifestação curvilínea da forma estão associados, obviamente, avanços tecnológicos (novas máquinas) e novas experimentações do plástico, entre outros materiais. Note-se que a cadeira Panton é justamente o exemplo paradigmático dessa progressão manifestada nos plásticos: do poliéster reforçado com fibra de vidro no protótipo de 1967, para a mousse de poliuretano em 1968, do ABS aplicado em 1970 para a nova mousse em poliuretano (1983) até ao polipropileno em 1999, a cadeira Panton experimentou todas as potencialidades da sua forma nos diferentes plásticos possíveis. O que é certo é que se mantém esta representação do curvilíneo como forma libertadora e representativa de uma cultura de inovação e criatividade. Os irmãos Bouroullec, nas suas estruturas alveolares, brancas, transmitem essa referência do passado que nos imprime o futuro, ou vários futuros possíveis. Quiçá, nas suas memórias, não se encontram estímulos desse passado agradável e que transmitia uma confiança no futuro? Como as coisas transmitem emoções, mesmo que inconscientemente,

Foto: Paul Tahon

Se pensarmos ao nível de um design reflexivo verificamos que existem vários futuros. O design reflexivo assenta essencialmente na mensagem, no significado do produto, no seu uso e na cultura. O design reflexivo propõe uma reflexão sobre o significado das coisas, as memórias que invocam, as memórias pessoais dessas mesmas coisas. Falamos de identidade e da mensagem que o produto comunica aos outros. É um assunto de autoimagem (Norman, 2004). Quando os designers desenham os seus produtos não podem, apesar de pensarem nas suas funções, estar desvinculados do seu tempo e assumirem formas sem significado, sem identidade. O designer é, antes de mais, um indivíduo que comunica e que utiliza artefatos e objetos que o ajudam a deslocar-se, a interagir com outros indivíduos e a integrar-se em grupos, sendo também reprodutor do habitus dessas sociedades. O indivíduo quer-se integrado. E como é obvio preocuparse-á com o modo como se apresenta aos outros (dir-nos-ia Donald A. Norman). Por isso as formas são determinantes. As formas evocam momentos já passados e habitam na nossa memória a longo prazo. Quando pensamos em futuro, e se estivermos a falar em objetos de design, somos impelidos a recordar as formas de outros tempos, que evocaram também o futuro, ou despertaram promessas de futuro. Podemos começar por recordar um certo funcionalismo curvilíneo dos anos cinquenta. A invenção de novas formas de vida, numa tentativa de ruptura de tudo o que representasse

Bouroullec cloud, anel e brinco

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Fotos: studio Bouroullec

Pico e Oiseau

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ARTES

ensaio

Pedro Cabral Santo Pedro e o lobo

DAVID SANTOS|davidsantos71@gmail.com

A questão do devir da linguagem atravessa desde sempre, com coerente persistência, o percurso intelectual e a obra artística de Pedro Cabral Santo. Da instalação ao vídeo, a sua ação centra-se no domínio de uma ficção de características decetivas, buscando a desconstrução da constância acrítica produzida pelo excesso imagético da nossa contemporaneidade. Daí são retiradas curiosas histórias, personagens e ambientes, marcados muitas vezes pelo improvável diálogo entre seres cultural e morfologicamente híbridos, quase irreais, mas paradoxalmente reconhecíveis ou mesmo até familiares. É essa estranheza íntima e familiar que reage em nós de um modo fecundo, alimentando ainda uma identificação alternativa acerca do que somos, ou no que nos tornámos. Revelado no início dos anos 90, Pedro Cabral Santo é hoje um dos artistas mais relevantes do meio artístico nacional. Depois de várias exposições coletivas realizadas nos principais espaços de exposição alternativos do nosso País, o artista apresentou em inícios de 2008, no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, a sua mais importante exposição individual até ao momento. “Tilt”, assim se chamava a mostra, reuniu então alguns dos trabalhos mais significativos dessa investigação que toma como objeto de estudo e criatividade os curto-circuitos verificados entre os significados e os seres humanos homogeneizados pela era do simulacro. De um modo geral, podemos afirmar que a efetivação da obra de Cabral Santo se processa na exploração de um território sempre móvel e inevitavelmente estabelecido entre a palavra e a imagem. O jogo que dessa leitura resulta envolve-nos numa teia de significados centrípetos, repletos de poder e identidade comum que nos mantém ligados, apesar da insinuante e omnipresente atmosfera decetiva, ao discurso produzido. Este dispositivo dialogante exerce assim uma espécie de atração mínima junto do recetor da obra de arte. É justamente este subtil exercício de ínfima atração que permite a Pedro Cabral Santo avançar o compromisso essencial do seu projeto artístico, isto é, o trânsito de sentidos entre palavras e imagens. Estas não são entendidas aqui como unidades independentes, mas como elementos de um sistema conjunto que procura criar uma espécie de absurdo de comunicação, mantendo todavia um elo essencial de ligação e sentido que atrai o observador até ao final do exercício de recetividade. Também deste modo podemos entender o dispositivo de atração construído como metáfora ou ideia de ligação à moral da história de “Pedro e o Lobo”, narrativa infantil que inspira o título desta intervenção de Pedro Cabral Santo. Dois trabalhos essenciais podem ser associados ao universo da memória histórica e a sua decetiva manifestação na nossa contemporaneidade. Falamos de uma escultura suspensa – um lápis azul, precisamente intitulado Ponto Azul – e ainda de uma vídeo-instalação intitulada The Ice Cream from Space #2, espécie de odisseia de um gelado que cai na terra e começa imediatamente a derreter, depois de iniciado um inesperado diálogo com uma voz sem imagem, pura manifestação da linguagem em aproximação à ideia de Deus e à sua palavra. Não esqueçamos que, nas escrituras do Antigo Testamento, Deus falava aos humanos, procurando guiar-lhes a fé e o sentido da vida, em direção ao culto da transcendência, precisamente porque esta não produz, nem deseja produzir qualquer tipo de imagens, pois estas são o poço de uma ambiguidade disfarçada de estabilidade sígnica.

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Nesse contexto são as palavras que constituem a raiz do sentido divino, a sua credibilidade e persuasão. No diálogo do gelado com a voz ambígua deste pequeno filme, Pedro Cabral Santo remete-nos para uma premente analogia entre a inocência risível e a letargia social dos nossos tempos. Entre a evocação da censura durante o Estado Novo, personificada no lápis suspenso, e o estranho diálogo encetado com recurso à visualização no ecrã das palavras ditas ou ecoadas, o artista questiona subtilmente os valores da nossa contemporaneidade, bem como os sintomas de uma censura dissimulada ou sem rosto, atualizando assim a moral da história infantil que lhe serviu de inspiração. Despido de qualquer Pathos ou solenidade, o diálogo a que assistimos produz no entanto um sentido de coerente análise, ainda que indireta ou metafórica, sobre as circunstâncias atuais da nossa cultura e os seus sistemas subterrâneos de vigilância e censura. Na metáfora do “fator sol” que atua invariavelmente sobre o pobre gelado, cada vez mais derretido e sem fôlego, a voz escusa-se progressivamente a desencadear qualquer plano para o salvar, mesmo depois de tentar averiguar que espécie de gelado é esse que fala consigo. Será um gelado de cariz cientista? O gelado responde negativamente, afirmando que é um “gelado-artista” que trabalha com a palavra quente (hot). No original de Pedro Cabral Santo o gelado confessa: “On my planet I play around with the Word ‘hot’, can you imagine the paradox”1. A confissão do gelado de que trabalha com palavras vai merecer um comentário que pode ser lido ainda enquanto associação ou alegoria acerca do meio artístico português. A voz responde então ao gelado: “You play with a word! Humm… it’s very different up here”. A que o gelado não resiste a perguntar: “How different? There aren’t any artists on earth?”. A voz é perentória: “Of course – what are you thinking! But they are more… expansive, I think”2. Este diálogo progride então na descoberta de uma impossível salvação do gelado que, aos poucos, derrete, sem contudo perder a esperança numa saída do planeta terra para regressar às suas origens, pois aqui rapidamente se transformará em nada, à luz do sol, espécie de analogia com a luz da ribalta que envolve uma obsessão dos humanos: o reconhecimento do seu valor. Já na fase final do diálogo, o gelado pergunta: “In your opinion, am I dying?”. À qual a voz responde com máxima ironia: “Solar sunspots must be affecting your head! Imagine an artist who works with the word ‘hot’?”. O gelado suplica uma vez mais: “Please, yes or no?”. A voz responde-lhe então com alguma sinceridade: “… Yes – but look on the bright side – you are na artist so after your death, your work will be around thousands of stars like the Sun in the Milky Way? And, best of all, the Sun make noise as it burns”3. O gelado que vem do espaço procura desesperadamente por uma hipótese de salvação, mas a voz dominadora, seja de Deus ou não, acaba por iludir uma solução com perguntas e comentários ínvios ou a despropósito, contribuindo assim para a sua morte, não sem acentuar uma certa ironia sobre a debilidade crescente do gelado, espécie de extraterrestre que personifica todos os artistas inocentes que rapidamente se veem envolvidos pela exposição solar, ou seja, à exposição mediática de um mundo centrífugo, que a todos queima na sua insaciável voragem. Metáfora de uma censura lenta, sem rosto e que aparentemente será prestável, a voz


Pedro Cabral Santo, Ponto Azul, (Casquinha, tinta e cintas de suspensão) 190x10 cm (instalação variável). Cortesia Victor Pinto da Fonseca, 2008

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ARTES

diálogo

Nuno Sousa Vieira

Investigação, a relação com os outros, o presente e o ausente

SANDRA VIEIRA JÜRGENS|sandravieirajurgens@gmail.com

Estabelecer a relação com o outro, experimentar a ausência e repensar a condição física e visível da arte. A propósito da mais recente exposição de Nuno Sousa Vieira, Somos Nós Que Mudamos Quando Tomamos Efetivamente Conhecimento Do Outro, apresentamos algumas linhas de pensamento do artista sobre o processo criativo e sobre as relações de diálogo e de sentido que se constroem nos atos de produção, exposição e receção do trabalho. Em foco está o conjunto de obras que integra a sua mostra no Pavilhão Branco, até 5 de fevereiro de 2012, bem como algumas das anteriores intervenções que marcaram o percurso do artista. arqa: Na tua prática artística percebe-se o movimento em direção a uma arte baseada na recuperação de relações e processos de trabalho, na reciclagem de materiais, na reabilitação, desvio ou transformação de estruturas arquitetónicas. O trânsito entre as condições preexistentes, os lugares e a tua intervenção é uma questão fundamental do processo de trabalho? Que motivações geraram esta linha de investigação artística? Nuno Sousa Vieira: A partir dos trabalhos que desenvolvo, procuro aproximar-me de alguns paradigmas e contingências do quotidiano atual. No meu processo criativo, recorro muitas vezes, a uma espécie de personificação, como se fosse possível os trabalhos serem pessoas. Ou melhor, eu recorro a eles para “falar” de, com e sobre pessoas, de comportamentos e de relações. Vivemos num período fortemente marcado pela transitoriedade, quer do ponto de vista da mobilidade física e espacial, quer no domínio mental e esta transitoriedade surge quase sempre interligada com uma espécie de “descarte”, de deixar para traz, dando visibilidade à ideia de que é mais fácil fazer de novo do que acolher e cuidar o que está anteriormente feito. E, a meu ver, isto é verdade ao nível das relações interpessoais, como também o é nas relações que estabelecemos para com os espaços e edificações. As nossas cidades estão “entulhadas” de exemplos que atestam esta tendência. Edificamos novas construções e depois continuamos a edificar, para de seguida nos “desligarmos” das construções com mais alguns anos e, passado pouco tempo, temos uma rede urbana onde os edifícios recentes surgem como contraponto de edifícios devolutos. arqa: O teu atelier localiza-se, desde 2001, na antiga fábrica de plásticos Simala, nos Pousos. De que maneira a identidade e as características desse espaço fabril influenciaram o rumo da tua produção artística? NSV: O espaço de trabalho é determinante no desenvolvimento do trabalho/ labor que nele se desenvolve. O meu ateliê é o espaço onde e com “quem” eu desenvolvo o meu processo de pensamento e é importante porque, para mim, ele é uma espécie de paradigma dos nossos comportamentos nos últimos anos. Aquele espaço permite-me pensar com e sobre o mundo. arqa: Um dos teus trabalhos mais conhecidos é Chão Morto, uma instalação apresentada pela primeira vez na Carpe Diem, onde recuperas materiais e estruturas existentes no teu atelier. De onde partiste para a conceção de Chão Morto? NSV: O Chão Morto é uma obra que foi desenvolvida recorrendo ao soalho de uma divisão da antiga fábrica de plásticos. As empresas necessitam de

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um lugar onde é guardado o seu histórico, o seu desempenho económico e a sua documentação, este espaço é denominado de “Arquivo Morto”. O “Arquivo Morto” é um espaço de memória. Num primeiro momento, “desassoalhei” aquele espaço, numerei cada taco de madeira que lá existia, retirei-os, limpei-os e voltei a organizá-los exatamente da mesma maneira, mas num espaço maior. Aquele plano de chão, cujos limites deixaram de corresponder à área da sala que o continha, foi posteriormente cortado, rebatido e dobrado sobre si próprio, segundo um conjunto de procedimentos predeterminados, de forma a edificar um paralelepípedo cujas dimensões fossem reflexo da articulação entre o “x” e o “y”do espaço (soalho) e o “z”, que sou eu. Esta relação métrica entre o espaço e quem o povoa que, em última instância, é o seu legitimador, foi determinante para definir e encontrar o volume da peça. Uma divisão arquitetónica sem soalho perde ontologicamente o seu valor e um chão, que suportou um arquivo, mas que foi deslocado no sentido de se verticalizar; para, por um lado, se dar a ver e, por outro, se tornar o contraponto dessa possibilidade, ao tornar-se obstáculo; acima de tudo, deixou de ser chão. É soalho o que esta obra nos dá a ver, forçando no entanto, a elasticidade da nossa perceção ao desrespeitar categorias de conhecimento, com a sua verticalidade. arqa: Gostava também que me comentasses o teu último projeto, Somos Nós Que Mudamos Quando Tomamos Efetivamente Conhecimento Do Outro, apresentado no Pavilhão Branco? Em primeiro lugar, o que é que orientou a escolha do título? NSV: O título é uma frase do Hans Belting, do livro O Fim da História da Arte que se tornou particularmente incisiva para expressar linhas de orientação que vão estando presentes, de forma transversal, no meu trabalho. Tenho uma peça, que é uma cadeira intervencionada, que se intitula Me MySelf and the Others – apresentada, pela primeira vez, numa exposição em Inglaterra, Don´t Understimate the Impact of the Work Place –, que é estruturalmente da família das três cadeiras presentes na exposição do Pavilhão Branco (que fazem parte das obras Memorial #1, #2 e #3), mas sobretudo, é próxima das outras em termos de assunto, da evocação de um património cultural e social comum. O meu trabalho equaciona esta relação com os outros, em que os outros têm que ser entendidos de forma alargada, como seres eminentemente sociais, que constroem a sua cultura a partir da memória e da capacidade de reconhecimento que ela possibilita. As nossas investigações, estruturas de pensamento e de sentido, só se tornam realmente importantes ou preponderantes face à sua possibilidade de confronto ou relacionamento com alguém. Esta ideia de alteridade é para mim fundamental. Acredito que a arte se efetiva verdadeiramente aquando do seu impacte face ao outro, ideia que, é para mim, determinante e que para se completar, carece dos outros. arqa: Qual foi a motivação para a criação e a formação deste conjunto de trabalhos? NSV: O leitmotif da exposição é o questionamento da operatividade e proposta de relacionamento do público/espetador para com as obras, potenciados por cada espaço expositivo. Acredito num espaço de exposição


Nuno Sousa Vieira, X-Office for a sculpture, 2009 (nome da exposição). Hole for Wall, 2009 (título de uma das obras). Alumínio, aglomerado de madeira, vidro, estores e MDF pintado.

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