ARQUITETURA E ARTE
Aproximações Locais de vylder vinck taillieu ifau und Jesko Fezer Heide & Von Beckerath Helen & Hard Vo Trong Nghia Atelier Bow-Wow SAMI Assemble Bijoy Jain Xavier Vendrell Gion Caminada Miguel Figueira Mariana Pestana Caroline O’Donnell Luca Sampò Avenida Intendente Terra Amada
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ISSN: 1647- 077X
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Aproximações Locais
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Ano XV Julho | Agosto 2015 € 11,00 (continente) – 2 600 Kwanzas (Angola)
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Indoors/
banho e acess贸rios
Parede pintada com a cor 19B2, cat谩logo ChromaGuide CIN, no produto Cinacryl Mate
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banho e acessórios Cin Avenida de Dom Mendo, 831 Apartado 1008, 471-909 Maia Tel. +351 229 405 000 Fax +351 229 485 661 customerservice@cin.pt www.cin.pt
A CIN acaba de lançar o seu próprio referencial de cor, o CHROMAGUIDE. Trata-se de um taco de cor que apresenta 1650 cores novas, inimitáveis e totalmente inexistentes no mercado. CHROMAGUIDE oferece um leque de cores completo, especificamente otimizado para utilização em interiores e que cobre todas as tonalidades, luminosidades e saturações mais utilizadas. As cores são únicas e exclusivas porque foram formuladas e criadas para os pigmentos e matérias-primas CIN. O novo referencial de cor CIN é uma ferramenta essencial para arquitetos, decoradores, designers e outros profissionais que lidem diariamente com o uso da cor. O ChromaGuide possui ainda um site (www.chromaguide.com) que está adaptado a todos os formatos digitais e que é extremamente inovador pois coloca a CIN na vanguarda da exploração digital da cor.
Cin Avenida de Dom Mendo, 831 Apartado 1008, 471-909 Maia Tel. +351 229 405 000 Fax +351 229 485 661 customerservice@cin.pt www.cin.pt
Cinacryl, um esmalte acrílico aquoso para interiores, é a escolha ideal para casas de banho, por estas exigirem uma maior resistência e facilidade de limpeza. Resistente a fungos e lavável com água e detergente, Cinacryl seca rápido e apresenta um cheiro pouco intenso, quando comparado com os esmaltes tradicionais de base solvente. Este produto é uma solução rápida e fácil para quem pretende renovar a imagem da sua casa de banho, sem ter que fazer grandes obras. Pode ser aplicado sobre azulejos, sobre madeira e sobre metal (devidamente protegidos), mantendo todas as superfícies resistentes à sujidade e ao amarelecimento.
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banho e acessórios Cosentino Cosentino Porto Tel. +351 229 270 097 info-porto@cosentinogroup.net Cosentino Lisboa Tel. +351 219 666 221 info-lisboa@cosentinogroup.net
Dekton® by Cosentino é uma superfície ultracompacta revolucionária que resulta de uma mistura sofisticada de matérias-primas provenientes de vidro, porcelanas de última geração e superfícies de quartzo. Pode ser aplicado em ambientes exteriores e interiores, possui excelentes prestações técnicas e mecânicas e é fabricado em peças de grande formato, podendo ser feito à medida. Dekton® pode ser aplicado em qualquer superfície, desde azulejos até pavimentos. A sua gama de cores e texturas é bastante ampla, sendo uma excelente opção para arquitetos e designers. Silestone® by Cosentino, marca líder mundial, é composto por mais de 90% de quartzo natural. Possui alta resistência a manchas, impacto e riscos, bem como uma baixa absorção de líquidos. Conta também com uma exclusiva propriedade bacteriostática, diversas garantias de produto e certificações. Silestone® é fabricado em mais de 60 cores, três texturas e diversos formatos.
IKEA IKEA Alfragide – Zona Industrial de Alfragide Estrada Nacional 117, 2614-520 Amadora IKEA Loures – EN 250 Rua 28 de Setembro Frielas, 2660-001 Loures IKEA Matosinhos – Av. Oscar Lopes 4450-745 Matosinhos Serviço de Apoio ao Cliente 707 20 50 50 Horário de atendimento Segunda a sábado: 9h – 22h Domingos e feriados: 9h – 20h www.IKEA.pt
A IKEA é uma marca sueca de mobiliário e decoração, com 3 lojas em Portugal. A gama de casas de banho da IKEA tem artigos que respondem a diferentes estilos, funções, tipologia de espaço e orçamento. Com um grande foco no design, funcionalidade e sustentabilidade, na gama IKEA destacam-se as soluções para pequenos (e muito pequenos) espaços, onde as ideias para arrumação são cruciais. Para que a casa de banho seja um verdadeiro espaço de cuidado e bem-estar.
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LISTOR Estrada da Atalaia, nº6 2530-009 Atalaia – Lourinhã Tel. +351 261 980 500 | Fax. + 351 261 980 509 Showroom Lisboa Rua João Chagas, nº 157 2799-547 Linda-a-Velha correio@listor.pt | www.listor.com
A LISTOR, um dos principais players de pavimentos no mercado português, apresenta agora as coleções Everwood & Evertile, da marca TORLYS Smart Floors by LISTOR, os novos e revolucionários pavimentos de vinil de luxo, que oferecem beleza e força para residências, com especial destaque para casas de banho, cozinhas e espaços comerciais. Os pavimentos são à prova d’água e muito resistentes, pois foram construídos para suportar as elevadas exigências das famílias de hoje e mesmo de hotéis e restaurantes. Os pavimentos Everwood & Evertile são a última tendência em decoração e desempenho.
Margres Chousa Nova 3830-133 Ílhavo-Portugal Tel. +351 234 329 700 Fax +351 234 329 702 margres@margres.com www.margres.com
A Coleção Linea Party, da Margres, responde à atual necessidade de viver o espaço para lá da rotina, superando os hábitos consolidados. O espaço decorado com Party respira uma alegria nova. Habitar torna-se um gesto natural, onde com facilidade se encontra a própria harmonia. A dinâmica que Party confere aos ambientes faz sentir bem quem os experimenta. As múltiplas possibilidades de conjugação das peças e a sua baixa espessura permitem diversas aplicações e decorações e ambientes variados. Esta coleção pode revelar-se no complemento de decoração que falta na remodelação da sua casa de banho.
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índice
Propriedade:
R. Alfredo Guisado, 39 – 1500-030 LISBOA Telefone: 217 703 000 (geral) 217 783 504/05 (diretos) Fax: 217 742 030 futurmagazine@gmail.com Diretor Geral Edmundo Tenreiro etenreiro@revarqa.com
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arquitetura e arte www.revarqa.com | futurmagazine@gmail.com
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VO TRONG NGHIA – Casa para árvores, Ho Ci Minh, Vietname Foto capa: Hiroyuki Oki
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INDOORS Banho e Acessórios
News Atualidades e agenda
Editorial Luís Santiago Baptista – Aproximações Locais
ENTREVISTAS Perspetivas Críticas – Bijoy Jain, Xavier Vendrell, Gion Caminada, Miguel Figueira, Mariana Pestana, Caroline O’Donnell, Luca Sampò
Projetos de vylder vinck taillieu – Casas Kavel, Gante, Bélgica ifau und J.Fezer e Heide & Von Beckerath – Coop. de Habitação R50, Berlim, Alemanha Helen & Hard – Edifícios de habitação Rundeskogen, Noruega Vo Trong Nghia – Casa para Árvores, Tanbinh, Ho Chi Minh, Vietname Atelier Bow-Wow – Casa Split Machiya, Shinjuku, Tóquio, Japão SAMI – Casa E/C, Pico, Açores, Portugal Assemble – Espaço de trabalho Yardhouse, Londres, Reino Unido
crítica Mário Caeiro – Ruas Criativas? Vamos lá!
Investigações Ana Nevado – Do global ao local: Beve reflexão sobre regeneração urbana
itinerâncias Rui Mendes – Paisagem como Arquitetura Luís Santiago Baptista – Duas publicações sobre lugares e migrações
Fotografia Fernando Guerra FG+SG – Mario Cucinella Architects: Edifício Multiusos, Accra, Ghana
Dossier Avenida Intendente – Artéria Terra Amada
Livros Mário Chaves
Artes Sandra Vieira Jürgens – Artistas residentes e viajantes
Design Carla Carbone – Pedrita e Marcelo Rosenbaum
News Maketing Materiais fornecidos pelas marcas
Os artigos assinados são da inteira responsabilidade dos autores
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Diretor Luís Santiago Baptista lsbaptista@revarqa.com Redação Paula Melâneo (Coordenação) apmelaneo@gmail.com Baptista-Bastos (Opinião), Bárbara Coutinho (Design), Carla Carbone (Design) carlacarbone@yahoo.com, David Santos (Artes), Margarida Ventosa (Geração Z) Mário Chaves (Livros) mario.chaves@contravalor.com, Nádia R. Bento (Tradução), Sandra Vieira Jürgens (Artes) sandravieirajurgens@gmail.com design|imagem Nuno Silva nunorsilva29@gmail.com Raquel Caetano Bruno Marcelino (desenhos) Comunicação e Marketing Maria Rodrigues (Diretora) mrodrigues@revarqa.com Carmen Figueiredo cfigueiredo@revarqa.com Publicidade – PORTUGAL Tel. +351 217 783 504 Fax +351 217 742 030 futurmagazine@gmail.com cfigueiredo@revarqa.com ANGOLA Parceria Futurmagazine – NAMK, Lda. Rua Major Marcelino Dias, nº 7 - 1º andar-D Bairro do Maculusso, Distrito da Ingombota, Província de Luanda namk-limitada@hotmail.com Tel. +244 222 013 232 Publicidade – BRASIL Jorge S. Silva Tel. +55 48 3237 - 9201 Cel. +55 48 9967 - 4699 jssilva@matrix.com.br Impressão AGIR – Produções Gráficas, Lda. Rua Particular, Quinta Santa Rosa 2680-458 Camarate Distribuição Logista Portugal Área Ind. Passil, lt 1-A, Palhavã 2894-002 Alcochete Tiragem 7 000 Exemplares Periodicidade Bimestral ISSN: 1647- 077X ICS: 124055 Depósito Legal: 151722/00
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Paula Melaneo
Exposição de Miguel Arruda: Fábrica das Palavras – Viagem Projectual
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Edson Chagas
Em 2014 abriu ao público a nova Biblioteca Municipal e Equipamento Cultural de Vila Franca de Xira, projeto de Miguel Arruda Arquitectos Associados. Um novo equipamento que veio reclassificar uma importante zona da cidade, junto ao Tejo, e que mais do que uma biblioteca, se afirma como num novo pólo cultural local, um espaço aberto ao lazer e à criatividade. A nova Biblioteca é agora um edifício icónico e marcante no skyline ribeirinho e surge integrada num programa de intervenção mais alargado daquela zona da cidade. Recentemente inaugurada, Fábrica das Palavras – Viagem Projectual é a exposição que documenta o processo de criação deste projeto. A narrativa desta obra constrói-se através de maquetes, fotografias e esquissos, entre outros elementos de projeto. Esta é uma exposição da responsabilidade do atelier de Miguel Arruda, sobre o edifício, dentro do próprio edifício, onde temos a oportunidade de confrontar o processo de trabalho de projeto com o seu resultado final. Patente até 31 de dezembro de 2015. www.bmvfx.cm-vfxira.pt www.miguelarruda.com
Still de Ayrson Heráclito
Ângela Ferreira
Exposição Novo Banco Photo 2015
Este ano, na exposição do prémio NOVO BANCO Photo são apresentados trabalhos originais de Ângela Ferreira (Lisboa, PT), Ayrson Heráclito (Salvador, BR) e Edson Chagas (Luanda, AO). Estes artistas de países lusófonos foram escolhidos pelo reconhecimento de trabalhos apresentados recentemente, por um júri de seleção que contou com Adriano Pedrosa, diretor artístico do Museu de Arte de São Paulo; Bisi Silva, diretora do CCA – Centre for Contemporary Art de Lagos, na Nigéria, e Luís Silva, curador da Kunsthalle Lissabon, de Lisboa. Nesta edição encontramos uma linha comum no trabalho dos 3 artistas: a sua forte relação com a cultura africana, quer ao nível da memória quer de uma vivência contemporânea. Ayrson Heráclito tem uma obra que investiga as relações entre África e Brasil e na exposição explora, em fotografias e vídeos, o ritual de exor-
cismo afro-brasileiro de “sacudir uma casa”. Uma evocação aos escravos torturados e mortos em ambos os lados do Atlântico. Ângela Ferreira tem no seu percurso artístico diversos cruzamentos com a arquitetura e este trabalho é também reflexo disso. A sua frase “Os edifícios podem ser lidos como textos políticos, e é isso que procuro fazer” parece resumir grande parte da sua produção. Nesta exposição, várias fotografias põem em diálogo o antigo Ministério do Ultramar (hoje Ministério da Defesa) e o seu vizinho Museu de Etnologia, acompanhadas de um vídeo com excertos de imagens da época colonial, fruto da sua investigação sobre trabalho do etnólogo Jorge Dias. Ângela Ferreira procura assim abrir um discurso atual sobre a história colonial e uma crítica contemporânea à descolonização. Num conjunto mais homogéneo, as
imagens e o vídeo de Edson Chagas retratam a contemporaneidade local de uma praia em Luanda, um espaço dedicado ao lazer da população. Este é um projeto de observação, numa velocidade mais lenta que contrasta com o próprio ritmo de crescimento urbano consumo e mediatização, seja da cidade de Luanda ou da generalizada condição de cidade global. A 22 de setembro, um novo júri constituído por Dana Whabira (Londres, Harare), artista e curadora independente, Manthia Diawara (Bamako, Nova Iorque), historiador de arte e professor da New York City University, e Salah Hassan (Cartum, Nova Iorque), historiador de arte e professor na Cornell University, vai indicar o vencedor desta edição. A exposição estará patente até 11 de outubro no Museu Coleção Berardo e é acompanhada da edição de um catálogo. www.museuberardo.pt
SHOWROOM AVEIRO ZONA INDUSTRIAL DE AVEIRO
SHOWROOM LISBOA MARGRES.COM
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Acabamentos Retificado Amaciado Antiderrapante
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Espessuras 9,5 mm 11 mm 20 mm
Bolles+Wilson e Tony Chapman da RIBA, que apontou o projeto vencedor como um novo símbolo, ao restabelecer um auditório que tinha sido destruído durante a II Guerra Mundial, reconhecendo o potencial que o edifício tem por oferecer “novas oportunidades para eventos culturais e de lazer”. Referiram ainda que “O projeto vencedor encontra uma estratégia espacial e formal convincente para uma cidade que procura um novo futuro, dentro da acelerada mudança de condições económicas e sociais, devolvendo a dignidade à vida urbana e ao mesmo tempo potenciando a especificidade de uma identidade histórica através de um monumento contemporâneo”. www.miesarch.com www.barozziveiga.com
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O atelier espanhol SelgasCano, de José Selgas and Lucía Cano, é o autor do pavilhão anual da Serpentine Gallery, instalado nos jardins de Kesington em Londres, desde o passado mês de junho. Este ano, o 15º, é apresentada uma estrutura de arcos metálicos, formando túneis, envoltos por uma dupla membrana de plástico (ETFE) de várias cores. Os arquitetos referem o seu interesse pela relação do novo espaço com a natureza, fazendo parte da paisagem, numa experiência única para o visitante, baseada em diversos elementos simples: estrutura, luz, transparência, sombras, leveza, forma, sensibilidade, mudança, surpresa, cor e materiais. A forma irregular, a membrana plástica transparente numas zonas e opaca noutras, o atravessamento pontual de serpentinas criando jogos de sombras e as várias entradas possíveis, são dispositivos que enriquecem a fruição do pavilhão. Um espaço central mais
Jim Stephenson
Fotos: Iwan Baan
Ingrid von Kruse
O atelier espanhol Barozzi Veiga foi o grande vencedor do Prémio Mies van der Rohe 2015, com a Filarmónica Szczecin, na Polónia. Esta obra foi uma das finalistas, juntamente ao Museu Marítimo Dinamarquês de BIG; o Ravensburg Art Museum de Lederer Ragnarsdóttir Oei; a Antinori Winery de Archea Associati e o Saw Swee Hock Student Centre da London School of Economics de O’Donnell + Tuomey. A shortlist contava com os projetos portugueses Centro de Arte Contemporânea Arquipélago nos Açores, de Menos é Mais e João Mendes Ribeiro, e também o Centro de remo de alta performance de spacialAR-TE, em Vila Nova de Foz Côa. O júri incluía o arquiteto italiano Cino Zucchi, Peter L. Wilson do atelier
SelgasCano inauguram o Pavilhão Serpentine 2015
Simon Menges
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Prémio Mies van der Rohe 2015 para Filarmónica Szczecin
amplo permite acolher a programação específica do pavilhão e uma cafetaria está também aí instalada. Este pavilhão segue-se ao de Smiljan Radić em 2014 e ao de Sou Fujimoto em 2013, e poderá ser visitado até 18 de outubro. www.selgascano.net www.serpentinegalleries.org
arqUItetUra NO ISCTE-IUL A estratégia de futuro do Departamento de Arquitetura e Urbanismo do ISCTE-IUL passa pela dinamização de um ensino criativo, participativo e inovador; pela necessidade de formar arquitetos que tenham competências para responder ao atual mercado de trabalho de arquitetura e que possam exercer a arquitetura em várias áreas da sociedade; e pela vontade de tornar o ensino ainda mais próximo da sociedade e da indústria, estabelecendo parcerias de investigação. Sara Eloy Diretora do Departamento de Arquitetura do ISCTE-IUL
Doutoramento em Arquitetura dos Territórios Metropolitanos Contemporâneos Elege o território contemporâneo como tema central de debate, privilegiando por essa via o estabelecimento de ramificações de pesquisa numa ampla rede. A linha científica que orienta este ciclo de estudos resulta do cruzamento entre a arquitetura, a arquitetura paisagista, a arte pública e o desenvolvimento urbano. As áreas de desenvolvimento do doutoramento são acolhidas quer pelo DINAMIA-CET’IUL quer pelo ISTAR-IUL. Estão disponíveis duas bolsas para alunos deste doutoramento.
Estudos Avançados em Arquitetura Digital (CEAAD) É o primeiro curso de pós-graduação em Portugal exclusivamente dedicado ao ensino teórico e prático de processos e utilização de tecnologias digitais de projeto e construção avançadas, sendo promovido através de uma parceria nacional entre duas cidades e universidades, o ISCTE-IUL (Lisboa) e a FAUP (Porto). Conta com o apoio internacional da Faculdade de ArquiPós-graduação em Arquitetura tetura e Urbanismo da Universidade de São e Paisagem Paulo (FAU-USP), Brasil e a Universidade Pretende dar resposta à cada vez mais rápi- de Bath (UB), Reino Unido. da transformação dos territórios urbanos, resultante de uma visão mais abrangente sobre a cidade e aquilo que é o espaço público da contemporaneidade; exigindo aos agentes que sobre ele pensam e agem uma abordagem que ultrapasse o tradi- candidaturas abertas cional enquadramento disciplinar. O curso www.ISCTE-IUL.pt/arqUItetUra oferece um modelo metodológico adaptado à análise de questões emergentes e da transdisciplinaridade entre os dois domíwww.linkedin.com/company/iscte-iul nios de conhecimentos. O primeiro ciclo do MIA está sedimentado na experimentação de várias escalas de projeto, na aquisição de progressiva autonomia do estudante e na resposta a problemas de crescente complexidade. No segundo ciclo, particularmente através da síntese operada nos dois últimos semestres, consolidase um entendimento holístico do exercício do projeto de modo a responder aos desafios da sociedade contemporânea.
Mestrado em Arquitetura dos Territórios Metropolitanos Contemporâneos Funciona em paralelo com o programa de doutoramento homónimo. Os estudantes que frequentem este programa de mestrado têm acesso aos protocolos internacionais, particularmente com a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (Brasil). Os destinatários deste programa são licenciados nas áreas: arquitetura, paisagismo, arte, estendendo-se Pós-graduação em Edição, Crítica a todos os licenciados nas áreas das ciên- e Curadoria em Arquitetura Oferece conhecimentos específicos e inscias sociais e estudos urbanos. trumentos operativos nas áreas da escrita, da edição e da publicação, da crítica e da Mestrado Integrado em Arquitetura Alicerçado numa convergência das várias curadoria, da produção e da realização de áreas científicas em torno da atividade de eventos, sendo destinado a todos aqueles projeto, promove uma reflexão prática e que desejam especializar-se nestas áreas. teórica no sentido de dotar o aluno de um pensamento informado, crítico e autónomo perante as várias dimensões do espaço.
www.facebook.com/ISCTEIUL www.twitter.com/iscteiul www.youtube.com/iultv www.flickr.com/photos/iscteiul
escolha apropriada de materiais, luz, cores e equipamentos, para a criação de um ambiente propício à leitura e ao estudo, numa interpretação inteligente das necessidades espirituais daquela comunidade religiosa. Nas restantes categorias, Cidade e Paisagem foi atribuído a projeto de acessibilidade ao Centro Histórico de Vitoria-Gasteiz (Fernando Tabuenca González, Jesús Leache Resano); Intervenções Efémeras a Les Llàgrimes de Santa Eulàlia (Mariona Benedito Ribelles, Martí Sanz Ausàs, Ana Bádenas, Júlia Doz, Bruguers Gallego, Jordi Juanola, Joan Ruiz (ETSAB.UPC)); Pensamento e Crítica foi ex aequo para as publicações Quaderns d’Arquitectura | Urbanisme #265 e Desierto e finalmente em Internacionais foi premiada primeira fase das 253 Habitações em Ivry-sur-Seine, em França (Miquel Lacasta, Marc Chalamanch, Carmen Santana). www.arquinfad.org/premisfad
José Campos
Foram recentemente divulgados os vencedores do prémios ibéricos FAD. O projeto Ozadi Tavira Hotel do atelier de Pedro Campos Costa foi o vencedor da categoria Arquitetura, ex aequo com a Casa Bastida em Girona de Elisabet Capdeferro i Pla e Ramon Bosch i Pagès. Nesta categoria eram também finalistas a Casinha no Porto de Paulo Moreira e a Casa E/C dos SAMI. A renovação de Campos Costa foi referida pelo júri como uma intervenção inteligente e sensível que enfatiza as qualidades da construção original dos anos 1960, tendo o seu ponto alto na reformulação do piso de acesso e na nova zona da piscina, com o pavilhão da cafetaria e vestiários. Também a categoria de Interiores foi atribuída a um projeto português, a Biblioteca São Paulo na Apelação, do atelier site-specific de Patrícia Marques e Paulo Costa. Este projeto é também uma renovação, com recursos económicos limitados, onde o júri salientou a simples e acertada organização, a
Exposição e Catálogo de Louise Bourgeois
Fotos: FG+SG
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Prémios FAD 2015
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Louise Bourgeois – Structures of Existence: The Cells é uma exposição atualmente apresentada na Haus der Kunst, em Munique, até 2 de agosto. Centra-se em “Cells”, uma série de trabalhos escultóricos espaciais, de carácter arquitetónico, ao qual Louise Bourgeois (1911, Paris – 2010, Nova Iorque) se dedicou nas duas últimas décadas da sua vida. Esta apresentação, que conseguiu juntar o maior grupo de “Cells” até à data, é contextualizada com outros trabalhos, num conjunto que revela o seu pensamento sobre o espaço e a memória, o corpo e a arquitetura, e o consciente e inconsciente. As “Cells” são formas escultóricas realizadas pela artista, em alguns dos quais o visitante pode entrar, e incluem vários objetos, encontrados ou pessoais, com diversos significados para Louise. Nas suas palavras: “The ‘Cells’ represent different types of pain: the physical, the emotional and psychological, and the mental and intellectual. When does the emotional become physical? When does the physical become emotional? It’s a circle going round
and round. …Each ‘Cell’ deals with the pleasure of the voyeur, the thrill of looking and being looked at. The ‘Cells’ either attract or repulse each other. There is this urge to integrate, merge, or disintegrate.” (Louise Bourgeois, 1991). Paralelamente, foi publicado um excelente catálogo de 288 páginas, pela Prestel (ISBN: 978-3-7913-5407-1) e editado por Julienne Lorz, que faz uma análise detalhada de seis das peças expostas e apresenta um estudo inovador sobre a série “Cells” no seu todo. O volume consubstancia-se com os ensaios de Bart de Baere, Lynne Cooke ,Kate Fowle, Jerry Gorovoy, Griselda Pollock, Dionea Rocha Watt, Nancy Spector e Ulrich Wilmes. A exposição viajará depois para o Garage Museum of Contemporary Art de Moscovo (25.09.15 – 07.02.16), para o Museu Guggenheim de Bilbau (18.03 – 04.09.16) e, finalmente, para o Louisiana Museum of Modern Art, Humlebaek (29.10.16 – 26.02.17). www.hausderkunst.de www.randomhouse.de/prestel_eng
Arquiteto; Professor Universidade Católica de Viseu; Conselho Cientifico CEMAR; Coordenador CIDADESURF Luís Santiago Baptista
e
Paula Melâneo
> Tendo em conta a sua investigação, de que forma e a que níveis lhe interessa a relação com o local? Ao longo do meu percurso profissional fui-me afastando da prática liberal e aprofundando o meu compromisso com a administração local no lugar que escolhi para viver. Se por um lado, existe essa vinculação decorrente do desempenho das minhas funções, por outro há o interesse próprio na construção do lugar que habito. O facto do meu espaço de referência, o baixo mondego, se estender para além dos limites do municipal também me empurrou a seguir por fora da administração pela via da cidadania participativa. Julgo que me coloco perante o lugar como cidadão, antes ainda de o olhar como arquiteto, quero fazer melhor cidade porque não me chega a que tenho. Na reflexão que tenho vindo a construir sobre o território as grandes permanências e as interações sociais que geram cidade acabam sempre por impor o tema e o rumo da minha investigação, diluindo-se a cada passo a figura de cliente ou a vinculação a determinado programa. Tudo nasce no lugar, de um qualquer problema e um desejo coletivo que pode até estar ausente do debate público. No caso do Percurso Pedonal Assistido (PPA) de Montemor-o-Velho (instalação de escadas rolantes para vencer a encosta do castelo) fomos surpreendidos com a súbita ocupação do lugar das festas dos santos populares que há muito se encontrava ao abandono. O problema aqui não era o da reabilitação dos santos populares mas sim o da encosta e da ligação ao centro da vila que se deslocou para a cota baixa. As festas vieram depois por iniciativa espontânea da comunidade para celebrar os santos, mas sobretudo para reclamar aquele lugar que sempre lhe pertenceu. Não podia imaginar aquela reação que naturalmente me conforta, ainda que soubesse da urgência da recuperação daquela interação fundadora do sistema urbano. É a partir das qualidades dos lugares que nascem as cidades e é por isso que na minha reflexão regresso sempre ao lado do sol, ao rio, ao monte, ao melhor relacionamento com o mar. > Tendo em conta a transformação rápida e dinâmica do território contemporâneo, como é que definiria a ideia e identidade de um lugar? É certo que a nossa capacidade de transformação é cada vez mais forte. Conseguimos mover montanhas e deslocar rios e, ainda assim, a vontade de subir a montanha ou a necessidade de atravessar o rio mantém-se. Interessa-me sobretudo ir ao encontro do que é perene, para poder intervir no lugar numa lógica de continuidade. Mais do que a redefinição da ideia de identidade de um lugar
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procuro a redefinição do território que defenda essa continuidade. Procuro na mesma capacidade tecnológica que frequentemente acelera a rutura com o lugar, as soluções para abreviar o seu resgate. Com as suas três escadas mecânicas do PPA explora-se uma tecnologia contemporânea para recuperar um gesto antigo: vencer a encosta e conquistar o castelo. Se a velocidade que contrai o espaço, do monumento ao centro da vila, são fatores chave para o sucesso da intervenção, a ligação desde o topo do maciço rochoso até ao rio não são menos importantes para a recuperação do lugar e a afirmação da sua mais profunda característica identitária. Rápida foi também a transformação que transferiu do rio para o sistema viário a circulação no vale. Primeiro com as estradas paralelas nas margens do vale que nos ligaram ao país e depois com as autoestradas perpendiculares que nos ligaram à Europa. Paradoxalmente, o que acabou por ligar o cento do vale ao mundo foram as provas internacionais na pista olímpica de águas lisas que construímos num antigo leito abandonado do rio. Uma ligação quase imediata com a prova rainha do remo que estreou o equipamento e mostrou ao mundo as condições naturais de excelência que continuam a permitir que o baixo mondego possa ombrear com os contextos mais exigentes no quadro global. > No contexto de um mundo crescentemente globalizado, como pode a arquitetura responder aos problemas e desafios dos lugares específicos?
Na Figueira da Foz há já alguns anos que defendo a devolução ao mar da areia retida na principal frente urbana da cidade, para proteger o sul da erosão e, ao norte, devolver o mar à cidade. Foi no surf, numa praia do sul, que senti o primeiro impacto da desregulação da deriva das areias no mar, resultado das obras no porto comercial, que condicionava a qualidade das ondas e ameaçava aquele lugar. Trata-se da praia do Cabedelo onde se estreou no nosso país o circuito mundial de surf e que a interrupção com as restrições ao voo dos americanos, a seguir aos ataques de 11 de setembro, viria a retirar do calendário. O mediatismo do surf voltou mais tarde para se fixar em Peniche, deixando o Cabedelo entregue à sua condição periférica na cidade, à mercê dos danos colaterais das obras portuárias. O debate público só se dedicou ao tema depois de esclarecido que a acumulação de sedimentos que atenta contra a identidade da cidade-praia é parte do mesmo problema que também atenta contra o sul. Seguimos com o debate até aos antípodas, onde a comunidade de surf tem outra expressão e por esse facto os mesmos problemas são tratados de forma diferente. Da Austrália trouxemos a tecnologia do bypass que, ao permitir fazer a transposição mecânica das areias, possibilita a recuperação que defendemos. Por casualidade percebemos que o engenheiro que concebeu o sistema é um católico devoto de ascendência irlandesa e assim, no mês de Maria, depois da visita ao santuário de Fátima, conseguimos trazê-lo para uma reunião
Márcio Oliveira
entrevista
Miguel Figueira
entrevista
Caroline O’Donnell
Arquiteta CODA; Professora Cornell University; Editora Cornell Journal of Architecture; Autora “Niche Tactics” Luís Santiago Baptista
e
Paula Melâneo
> Tendo em conta a sua investigação, de que forma e a que níveis lhe interessa a relação com o local? A minha investigação funciona com a empresa de design CODA, que fundei em Ithaca, Nova Iorque, EUA, em 2008, quando comecei a ensinar na Universidade de Cornell. Fazemos uma ampla gama de trabalhos desde a conceção da escala urbana, a pavilhões e mobiliário. Nessas escalas, os princípios projetuais são consistentes: o nosso trabalho tenta realizações que não são sobre si mesmas, mas sobre o diálogo e a negociação entre alguma coisa e o seu contexto. Consideramos as nossas intervenções não como objetos, mas como redes. Neste sentido, quando a arquitetura não é sobre si mesma, permite ao espectador/ habitante entender o contexto maior. Por exemplo, um telhado inclinado indica uma certa relação com a precipitação uma fachada cega anuncia um certo clima e orientação solar ou um determinado material denota uma condição geológica local... A arquitetura é sempre alcançar e desenhar com a envolvente. O nosso trabalho visa tornar esses alcances, indicações ou desenhos legíveis, para que o habitante seja provocado e levado a pensar sobre as outras partes desta rede, para além da arquitetura. Em Party Wall fizemos isso mesmo numa escala macro, envolvendo-nos com a linguagem dos placards e sinais que “abundam” em volta do local e, ao fazer a peça, produzir uma sombra literalmente legível (de modo a que a sua mensagem não só possa ser lida de perto, mas também de longe, considerando o terreno e o sol). Muitas vezes, a nossa abordagem é uma resposta a uma combinação de formas físicas, climáticas e outras forças invisíveis e materiais locais. Em Noatun, por exemplo, a combinação da força do vento e do sol molda as novas formas urbanas, enquanto que, em simultâneo, os novos circuitos utilizam os edifícios já existentes como ponto de partida. Em CounterSpace, reutilizámos os elementos da habitação geminada existente e transformámo-los em termos de função e de escala, à medida que se aproximavam da escala maior e mais industrial, presente no rio. Em muitos projetos, o uso (e mau uso) de materiais locais, especialmente desperdícios de materiais, é um desenvolvimento a pequena escala desta abordagem. Party Wall utiliza sobras de produção de grandes pranchas de surf locais, Bloodline usa “grill-holz” - madeira de grelhadores alemães, como revestimento, e Cabinette ua um salgueiro local numa trama 3D desenhada em combinação com a turfa. Em muitos projetos, notase um elemento de transformação, quer a fachada se torna banco ou seja consumida por fogo ou
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derreta. Essa é outra linha de força que atravessa a obra: a arquitetura é dinâmica e pode existir em muitos estados, não apenas num estado ideal. Esta questão pode parecer ter menos a ver com ideias de lugar e contexto, mas eu acho que, de certa forma, se trata do mesmo. Lembra-nos que um lugar é diferente de dia e de noite, no verão e no inverno, e quando temos pretensões diferentes em relação a ele. Lembra-nos que a arquitetura em diferentes estados pode indicar um ambiente em mudança.
> Tendo em conta a transformação rápida e dinâmica do território contemporâneo, como é que definiria a ideia e identidade de um lugar? Publiquei recentemente um livro (com a editora Routledge) chamado Niche Tactics: Generative Relations between Arqchitecture and Site. O objetivo do livro ao escrevê-lo passava por alinhar a relação da arquitetura do local com o seu análogo ecológico: a relação entre um organismo e o seu meio ambiente, a fim de considerar como a aten-
PROJETO
Vo Trong Nghia
Casa para Árvores, Tanbinh, Ho Chi Minh, Vietname
Sob rápida urbanização, as cidades no Vietname divergiram bastante de suas origens como florestas tropicais desenfreadas. Por exemplo, na cidade de Ho Chi Minh apenas 0,25% da área de toda a cidade tem vegetação. O excesso de motos causa não só o congestionamento do tráfego diário, mas também um problema sério de poluição do ar. Como resultado, as novas gerações das áreas urbanas estão a perder a sua ligação com a natureza. “Casa para Árvores”, uma casa-protótipo num orçamento apertado de 155.000 USD, é um esforço para mudar esta situação. O objetivo do projeto é devolver o espaço verde à cidade, combinando a alta densidade de habitação com grandes árvores tropicais. Cinco caixas de betão, cada casa abriga um programa diferente, são concebidas como “vasos” para plantar árvores no seu topo. Com camadas de solo espessas, estes “vasos” também funcionam como depósitos de águas pluviais para captação e retenção e, por conseguinte, contribuem para reduzir o risco de inundações na cidade quando a ideia for multiplicada num grande número de casas, no futuro.
Implantação
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Arquitetura Vo Trong Nghia Architects - Vo Trong Nghia, Masaaki Iwamoto, Kosuke Nishijima (3 arqºs principais); Arquitetos Nguyen Tat Dat; Construtor Wind and Water House JSC; Data -2014; Área 226,50m2 (bruta); 111,66m2 (implantação); 474,32m2 (terreno); Texto Vo Trong Nghia Architects; Fotografia Hiroyuki Oki
VO TRONG NGHIA é um atelier de arquitetura fundado em 2006 no Vietname, com escritórios nas cidades de Ho Chi Minh e Hanoi. Conta com mais de 60 arquitetos internacionais, engenheiros e outros colaboradores que trabalham juntos em projetos culturais, residenciais e comerciais em diversos pontos do mundo. Os seus projetos baseiam-se na experimentação da luz, vento e águar, e do uso de materiais naturais e locais. O vocubulário é contemporâneo e explora novas maneiras de criar uma arquitetura “verde” para o séc. XXI, mantendo, ao mesmo tempo, a essência da expressão arquitetónica asiática. Vo Trong Nghia Architects têm uma estreita colaboração com Wind and Water House JSC, uma empresa de construção especializada na realização de edifícios “verdes”, possibilitando assim projetos de grande qualidade no Vietname. www.votrongnghia.com
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Alรงado sul
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Planta piso 0
Planta piso 1 1. Entrada 2. Arrumos 3. Pátio entrada 4. Pátio central 5. Biblioteca 6. Instalação sanitária 7. Sala de jantar 8. Cozinha 9. Sala do altar 10. Corredor 11. Quarto
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Corte transversal
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crítica
Ruas criativas? Vamos lá!
O novo desafio de uma Europa en route, a caminho de si própria Mário Caeiro
Imaginemos Entro na Katariina kaïk, no Bairro Latino de Tallinn, no centro gótico da capital da Estónia. A atmosfera é de intemporal serenidade. Convivem as fachadas de um milenar templo cristão e uma pizzaria histórica, o acolhedor espaço da associação cultural Kloostri Ait e uma longa sucessão de ateliês de artesãos – a multicentenária katariina gild – em que encontro belíssimas peças originais que jamais encontrarei em qualquer outro lugar… Lá fora, um performer de tronco nu, expressão alucinada, traz uma luz vermelha na boca e outro performer ao colo, inteiramente vestido com um banal fato completo. São claramente de culturas diferentes, genes diferentes, e tudo indica que sabem que dois corpos junto jamais serão a soma das partes, mas uma complicada matemática de influências e interpenetrações. Imaginemos que entramos numa pequena rua de Lisboa, animada por uma discreta mas vibrante vida local… sentimo-nos ‘em casa’ porque o espaço é convidativo, ou uma obra de arte nos chama, ou a fila à porta de um restaurante denuncia uma boa cozinha… imaginemos que ao fim dessa rua entramos diretamente numa calle espanhola… tão diferente e, no entanto, transmitindo um carácter semelhante… imaginemos que ao final dessa rua espanhola entramos numa francesa, depois numa italiana, que se bifurca numa alemã e numa turca, desembocando todas numa estónia… Imaginemos uma rede de ruas assim virtualmente ligadas, como se existisse entre elas uma passagem oculta, conectando diferentes lugares onde a Europa acontece, fervilhando da mesma vida urbana, pessoas, ideias, iniciativas, num mosaico de culturas locais. Façamos a cartografia intangível de todas essas ruas. Voilá uma Europa de pequenos factos urbanos a que acedemos por via de critérios próprios, como o genuíno, o vintage, o emergente, o excecional. Seria uma rota 24/24h com protagonistas e figurantes sempre renovados, a vivência dos diversos lugares enquanto palcos de atmosferas, estórias, valores. Mas como poderiam os agentes ativos desta Europa de ruas – não tanto de Praças nem de edifícios ou equipamentos culturais – cooperar ao nível internacional? Seria puzzle bem complicado de resolver, mas certamente uma aventura conceptual, promovendo de forma orgânica a mobilidade e a diferença, mas também uma identidade mutante: a de uma oferta cultural, turística, empresarial e propriamente criativa que corre o risco de se diluir e desaparecer sob a intensa luz das megaoperações do turismo de massas e da cultura mainstream. O que está em jogo nesta Europa para lá do íman de frigorífico é desenvolver projetos de cidadania nos quais a comunidade possa repensar-se a partir de atividades estratégicas comuns que pudessem reunir esforços e utilizar toda a força dos lugares para oferecer aos viajantes uma realidade social inovadora – uma Europa em aberto. Neste quadro, uma mistura de ideias situacionistas e atividade empresarial poderia associar uma abordagem poética, lúdica e construtivista da realidade urbana às exigências de uma sociedade movida pela comunicação e o marketing. Ora para atingir este objetivo no que toca à realidade das ruas, começamos a ter uma toolbox de conceitos operativos que nos ajudam a destrinçar as iniciativas que fortalecem a Europa como rede de lugares, das que se ficam pelo que está a dar – pastel de bacalhau com queijo da serra – e assim contribuem para a depauperação das paisagens urbanas que realmente amamos. Viajar… para lá do turismo Unlike one’s mother culture, which is acquired by socialization during early childhood, self-identification as European usually appears much later, after
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some sort of political socialization, and usually through a process of research and discovering of one’s self-identity and references. Jofre M. Rocabert Não devemos esquecer que foi a paisagem a tornar os Americanos Americanos. Donde que uma streetscape de todas as Europas é narrativa válida para nos tornarmos Europeus. Quem poderia negar o charme de um nu-picturesque transeuropeu, livrando-nos dos déjà-vus do mainstream – que escondem sabe-se lá que atrocidades1… Quanto ao contributo das localidades para o combate à aculturação, a tarefa em cima da mesa é a de aferir conceitos aglutinadores – pragmaticamente realistas (Bruno Latour) – que coloquem em marcha a co-operação entre agentes já exemplares na dinamização de partes de cidade. O projeto 5 Vie2 em Milão representa esta tendência; ou a Rua Activa3 em Ponta Delgada, coordenado pelos arquitetos Carolina de Oliveira Backlar e Jeremy Stewart Backlar, onde o objetivo é reconstruir a cidade, através de ações capazes de restabelecer a dinâmica social e revitalizar a economia local. Estimular e implementar ideias empreendedoras, projetos culturais e intervenções artísticas, em contacto direto com o público. Uma inventiva e eficaz colaboração transnacional seria capaz de promover tais narrativas urbanas – mobilizadoras, sugestivas, credíveis e sustentáveis –, levando os espaços a falar – e não apenas a serem lidos. Tornando as ruas novas zonas mitogenéticas (J. Campbell), agentes de uma renovada meta-identidade Europeia. Ci sono a Venezia tre luoghi magici e nascosti: Uno in calle dell’amor degli amici; un secondo vicino al ponte delle Meraveige; un terzo in calle dei marrani a San Geremia in Ghetto. Quando i veneziani (e qualche volta anche i maltesi..) sono stanchi delle autorità costituite, si recano in questi tre luoghi segreti e, aprendo le porte che stanno nel fondo di quelle corti, se ne vanno per sempre in posti bellissimi e in altre storie. Corto Maltese, Favola di Venezia – Sirat al Bunduqiyyah Andar, a caminho Andar é uma ferramenta para o conhecimento fenomenológico e a interpretação simbólica do território. Mas é uma prática quase esquecida pelos arquitetos, sendo fundamentalmente ativada por poetas, filósofos ou artistas – pensemos em Aristóteles, Fernando Pessoa, em Francis Alys ou no grupo Stalker, ou ainda nos passeios performativos de Nelson Guerreiro no âmbito do Projeto VICENTE em Belém. O andar traduz em consciência territorial um senso do possível, sendo contributo para a saúde do líquido amniótico (Careri) que é o espaço urbano. Na história da arte, a genealogia do walkscaping integra a transição do dadaísmo para o surrealismo (anos 20), da Internacional Letrista para a Internacional Situacionista (anos 50), do minimalismo para a land art (anos 60). Mas como ligar hoje a ética desta arte de nos pormos a caminho à hegemónica cultura do empreendedorismo? Na lógica do slogan situationista – to inhabit is to feel at home everywhere – um bom projeto parece ser o do dispositivo urbano com vocação peripatética, versão contemporânea do urbanismo unitário de Debord. Donde que imagino os flâneurs de hoje como nu-strollers interessados no valor específico do património urbano e no potencial das pessoas – sejam elas trabalhadores comunitários ou chefs… – conquanto nisso pressintam que estão a moldar a sua vida e ao mesmo tempo a cuidar da memória dos lugares. Ao contrário da deslocação sedentária que caracteriza o turismo de massas, os novos flâneurs evitam o cliché.
© Agata Wiórko, cortesia Projeto Travessa da Ermida
ARLES – o equilíbrio do tecido urbano em risco. A 50 de metros da Rue de la Liberté, a nova Van Gogh Foundation já é o rosto de um artworld globalizado, cúmplice da gentrificação liderada por heróis como Frank Gehry – que se prepara para insuflar uma nova vida nesta cidade outrora vibrante. A suivre…
Ora se a cidadania – a leitura participada da cidade – pode ser vista como um direito – à localidade e à cidade –, só vamos lá por via de um novo nomadismo organizado no seio do dispositivo urbano; ações no âmbito das quais consumo e investigação, lazer e encontro íntimo surjam interligados. Todos os que gostamos de lugares – dos sítios em toda a sua esplendorosa diferença, de Lisboa a Lübeck – temos a responsabilidade de pensar a localidade seja para além de uma estética do controlo, seja do ‘deixa-andar’ em nome dos resultados imediatos de microeconomias turísticas que destroem ecossistemas urbanos uns atrás do outros. Rua. We’re on the road to somewhere Consideremos as etimologias de “street” e “road.” Street vem do Latim sternere, “pavimentar.” A palavra remete para a ideia de construção, estrutura. Já a etimologia de road [do Anglo-Saxónico ride] denota a ideia de passagem de um lugar a outro, a ideia de movimento, transporte, conectividade, ligação entre origens e destinos. Nesta dualidade – street vs. road – exprime-se uma tensão produtiva entre separação e ligação, finitude e continuidade, morada e percurso, lugar e itinerário. Note-se como se abre aqui amplo espaço de reflexão, se lidarmos com esta tensão criativamente, nomeadamente partindo da ideia de que (todas) as ruas levam a algum lado, ao mesmo tempo que
cada uma delas é um lugar com o seu próprio génio. A rua é elemento e contexto urbano. Lembra Carlos Dias Coelho que o conceito de cidade inclui a questão da sua materialidade como objeto construído, suporte de atividades e vivências que aí se desenvolvem e organizam coletivamente. A forma urbana é uma espécie de ‘pauta’ do tecido urbano, que é por sua vez ‘a música’ da cidade experimentada. Por isso, a leitura metódica da forma da cidade vai além do consolidado e que mais facilmente compreendemos. Mas mais: não havendo duas ruas iguais, um determinado conjunto de ruas pode reunir-se sob um determinado conceito e oferecer uma experiência que a um certo nível seria fundamentalmente a ‘mesma’. Pensemos por exemplo em ruas que são sedutoras paisagens urbanas. A rua tem na cidade uma importância seminal, qualificando-a como oferta imprevisível de acontecimentos, elemento vertebral das duas funções da cidade: a informação e acessibilidade: mas também […] imagem reconhecível da coletividade e a passagem de todos os serviços que a mantêm. (Oriol Bohigas) Para Halloran e Clark, as pessoas tendem a encontrar-se com as paisagens e a examiná-las esteticamente, mas essa experiência estética tem a função retórica de levá-las e imaginar identidades alternativas para elas próprias. Como diria Burke, o cenário convida à transformação do nosso sentido do eu.
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Breve reflexão sobre regeneração urbana Ana Nevado
O presente artigo propõe refletir sobre as práticas contemporâneas e futuras de regeneração urbana, por via da análise de abordagens arquitetónicas e de intervenção física no território na zona ribeirinha oriental de Lisboa (ZROL), na atualidade. Partindo da macroescala e, perante a escassez de financiamento público para investir globalmente em áreas degradadas, os arquitetos redirecionam olhares críticos, fundamentais e estratégicos para a microescala, ultrapassando a intervenção em centros históricos consolidados, sendo hoje as áreas urbanas periféricas palco de ações de regeneração urbana. Em pleno contexto de crise, mudança e incerteza, a regeneração urbana é prioritária no campo de ação dos arquitetos (Nevado, 2014b). Como resposta, os académicos, arquitetos e técnicos envolvidos nesses processos buscam soluções inovadoras que incidem na coesão socioeconómica e políticas em contraciclo, fazendo da crise uma oportunidade (CIP, 2013). A cidade contemporânea é um sistema e a regeneração urbana - enquanto operação estratégica de âmbito prospetivo, desígnio e objetivo do desenvolvimento sustentável -, já não se limita a áreas críticas centrais. A sua análise implica, necessariamente a consideração da escala global, através de referências e diretivas internacionais, e de financiamento comunitário (QREN). Contudo, os
antigos modelos de intervenção a grande escala dão hoje lugar a operações mais contidas, sectoriais e pontuais, de acordo com especificidades locais. No âmbito do redesenvolvimento urbano, crescimento sustentável e inclusivo (e.g.: Estratégia Europa 2020) têm sido recentemente introduzidas medidas e meios impulsionadores desse fomento (e.g.: “Parcerias para a inovação”), baseados em investigação científica, soluções criativas, inovação social e preservação ambiental. Importam-se conceitos em voga, provenientes dos universos da Economia e da Física (e.g.: microrganismos, resiliência e entropia), que são hoje frequentemente questionados e utilizados para caracterizar e fundamentar a intervenção no âmbito da regeneração urbana em áreas críticas e da busca do equilíbrio dos sistemas urbanos. Neste contexto, definem-se e compreendem-se os seguintes conceitos: Microrganismos: micropartes de sistemas alargados, no âmbito da economia sustentável; Resiliência: enquanto capacidade de regressar ao estado normal/natural, após situação crítica, de transformação/tensão. Especificamente no campo da ecologia, o termo reporta à aptidão de recuperação do equilíbrio após ter sofrido transformação, remetendo para a capacidade de restauração de um
Ana Nevado, julho 2014
investigação
Do global ao local
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Abel Pereira da Fonseca. Local: Marvila/Poço do Bispo. Tipologia: Complexo fabril. Autoria do projeto: Arq.º Norte Júnior
Ana Nevado, outubro 2014
sistema, remetendo para o campo de atuação da regeneração urbana; Entropia: grandeza física que mede a desordem das partículas de um sistema termodinâmico e o seu grau de irreversibilidade. Perante a progressiva terciarização e degradação na cidade - quer pela crescente densificação e congestionamento, quer pela ausência de conceções, investimentos e intervenções integradas orientadas para o fomento da qualidade de vida (CML 1991) –, é imperativo: • diagnosticar global e particularmente fragilidades e constrangimentos urbanos; • considerar a multiplicidade de agentes que intervêm no território através da sua participação no processo de seleção dos objetivos, programas, ações e meios que promovam o futuro da cidade, definindo as suas linhas de desenvolvimento, em parceria com o município (CML 1991; Nevado, 2014a); • delinear estratégias integradas e inclusivas, com base na regeneração urbana; • corrigir situações pontuais/sectoriais, integrando-as em estratégias de redesenvolvimento socioeconómico na cidade, área metropolitana e/ou região. O caso de estudo selecionado – a ZROL –, constitui um potencial laboratório de ensaios dada a sua diversidade, localização na cidade e área metropolitana de Lisboa, considerando o seu importante legado industrial e portuário, e por constituir um exemplo de resistência à globalização, pois a falta de investimento global ao longo de vários séculos conservou inúmeros exemplos relevantes de arquitetura naquele território, verdadeiros testemunhos, vivos do passado (recente) industrial (vd. Figuras 1 e 2). As sucessivas transformações urbanas e socioeconómicas desde a sua génese rural e de recreio, no século XV, passando pela expansão e implantação industrial a partir do século XIX (Matos e Paulo, 1999) e a sua posterior desafetação socioeconómica até à atualidade, conferem-lhe complexidade e diversidade a diversos níveis. Esse antigo e importante polo industrial portuário atravessou então diversos estágios, apresentando-se na contemporaneidade como um território precário, em declínio urbano (Figuras 2 e 3), colocando problemas e desafios prementes no âmbito da regeneração urbana (Nevado 2014b).
Vila Flamiano. Local: Rua Gualdim Pais/Xabregas. Tipologia: Habitação operária
Aproximação local - Arquitectura sem Arquitectos. Local: Beato/ Xabregas. (Sem tipologia)
Ana Nevado, outubro 2014
Apesar da proximidade de polos urbanos centrais (i.e.: Terreiro do Paço e o atual Parque das Nações), a ZROL não foi alvo de intervenções integradas, preservando grande parte do passado monofuncional daquele território, maioritariamente obsoleto e em declínio urbano no presente. Contudo, surgem sinais de reabilitação e regeneração urbana que incidem, sobretudo, no aparecimento de novas habitações, renovação de edifícios existentes (Figura 4), integração de atividades económicas (e.g.: Museus; Fábrica Braço de Prata; empresas) e intervenções no espaço público (e.g.: artísticas - VHILS; melhoria de mobilidade/acessibilidades). Com vista à regeneração urbana, é importante sintetizar as debilidades em contraponto com as potencialidades estratégicas da ZROL, assim como as linhas estratégicas de desenvolvimento sob a formulação de cenários prospetivos de redesenvolvimento socioeconómico. De facto, a prospetiva - enquanto ferramenta de antecipação do futuro e da mudança, atuando sobre o presente e tirando partido das lições do passado -, distingue-se da mera atividade de previsão, privilegiando o planeamento estratégico, desenvolvimento regional, análise prospetiva territorial (Godet, 1991; Perestrelo, 2005). À semelhança do planeamento estratégico, envolve um planeamento a médio/longo prazo, articulação glocal, e intervenção estratégica, não podendo, porém, abarcar a sua totalidade (Fonseca Ferreira, 2005). Neste contexto, pretende antes melhorar/corrigir situações e prever linhas estratégicas de redesenvolvimento. A ZROL é atualmente um território semiperiférico que apresenta severos sinais de degradação. Esse importante e antigo centro industrial ribeirinho representa um legado industrial essencial para o conhecimento do passado histórico e urbano da cidade. Apesar da inclusão de bairros camarários/sociais (Chelas e Olivais) e, posteriormente, do megaevento da Expo’98 e da operação de regeneração associada, a ZROL, localizada entre o Terreiro do Paço/Santa Apolónia e o Parque das Nações, não beneficiou de um investimento global para evitar a degradação, corrigir situações e, consequentemente, contribuir para a melhoria da qualidade de vida das populações. Embora a Câmara Municipal de Lisboa tenha investido sectorial e pontualmente no incremento das acessibilidades/mobilidade (e.g.: ciclovias e redes de transportes públicos),
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Itinerâncias
Paisagem como Arquitetura João Gomes da Silva e Paulo David Rui Mendes
Ensaios sobre a instabilidade (a partir de projectos de João Gomes da Silva e Paulo David) Esta reunião, frente a frente, de projetos de Paulo David e de João Gomes da Silva, parte dos trabalhos de colaboração entre os dois ateliers, para se concentrar no registo paralelo entre a geografia de um e a geografia de outro: a ilha da madeira e a cidade de lisboa. os projetos vão ativando este percurso, entre semelhanças e diferenças, também proporcionado por caminhos mais específicos do universo disciplinar de cada um: a arquitetura e a arquitetura paisagista. Expor um conjunto de projetos de duas disciplinas próximas, quase sempre complementares, mas nem sempre convergentes no tempo, parece uma forma inteligente de provocar uma discussão: “Paisagem como arquitetura” é o título para “uma reflexão acerca da relação complexa entre paisagem e arquitetura”, nas palavras do seu curador Nuno Crespo. Percorrendo a exposição vai-se impondo a pergunta: que possibilidades de discurso se podem ensaiar a partir das peças escolhidas?
Folha de sala da exposição Paisagem como Arquitetura, Garagem Sul, CCB, 2015
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Natureza, artifício e representação As peças produzidas por cada atelier, encaixadas num modelo expositivo com organização simétrica, têm um registo suficientemente uniformizado para constituir um contexto crítico calibrado e estabelecer os parâmetros para uma discussão. A dimensão depurada de cada peça estabelece uma linha conceptual que faz dos ensaios sobre a representação o mote discursivo. Sem outras referências que não o nome do projeto, cabe aos visitantes estabelecer os nexos necessários entre cada peça de projeto e averiguar as pontes com o tema. O eixo longitudinal da exposição concentra a presença de elementos de construção extraídos dos processos de trabalho de ambos. É a partir deste conjunto de elementos, que junta mapas, desenhos cartográficos, catálogos de amostras de identificação e interpretação geológica e geográfica, sedimentos, matérias-primas minerais e vegetais, técnicas de construção e processos tecnológicos de transformação, que os dois núcleos de trabalho se relacionam, e se vão medindo com os lugares. Esta sequência de extratos assinala o universo restrito de opções materiais que emergem das investigações particulares em cada trabalho. São também o espelho de um modo de pensar e de um fazer por redução até uma síntese radical: este processo funciona por exclusões sucessivas até ao reduto ínfimo do que cabe e se inclui. E é desta forma, por redução, que ambicionam produzir significado. A partir deste território comum de produção é possível observar as características disciplinares mais potentes que cada um dos núcleos convoca. Os cinco projetos escolhidos por Paulo David tem um nome e um conjunto de três maquetas. As maquetas desdobram o projeto em fases, que isolam conceitos e que falam diretamente sobre o tema do enunciado: o troço escavado e desenhado no seio da matéria que se extrai; o artifício desenhado que com a paisagem se contrapõe; o conjunto natureza-artifício que se funde num único desenho. Nesta síntese podemos perceber como é a ancoragem do edifício ao solo, como se eleva sobre o terreno e qual a operação que estabelece com a topografia. A abstração destas construções maquetadas em branco, exalta a potência de uma ideia limpa de acessórios e exposta de forma inapelável ao juízo conceptual: não é de espaço que falam é da inexorável união de tudo: a relação entre Medida/proporção, interior/exterior, natural/artificial. A sua simplificação formal permite examinar a aplicação lógica de uma ideia. Os projetos escolhidos por João Gomes da Silva refletem de forma mais direta as noções de sedimentação, transformação, acumulação e sobreposição, onde se pressentem os processos que atribuem espessura ao chão comum (um dos temas que JGS tem apresentado nas sua últimas conferências). É através de maquetas topográficas a escalas territoriais, onde se inscrevem as novas marcas de implantação (Herdade do Barrocal) ou o redesenho da Linha de Costa, em Lisboa na Ribeira das Naus (projeto em parceria com João Nunes) e na costa Sul da Madeira com as Piscinas do Atlântico (projeto em parceria com Paulo David), que se tornam presentes a precisão do desenho na operação de fusão natural/artificial. A linha de costa, a relação entre terra e água, são elementos de um sistema vivo em permanente mutação. São forças de um sistema binário, duas forças
Fotos: Diogo Nunes
Exposição Paisagem como Arquitetura, Garagem Sul, CCB, 2015
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Itinerâncias
Duas publicações sobre lugares e migrações
A Green Archipelago de Ungers e Koolhaas e Drawing Ambience sobre Boyarsky Luís Santiago Baptista
A história da arquitetura faz-se do cruzamento de contextos polarizadores com migrações de ideias e autores. A fixidez dos lugares confronta-se com a circulação de teorias e arquitetos. A Renascença será um exemplo paradigmático desta realidade. Mas a verdade é que com a modernidade essas relações se intensificaram e aceleraram, assumindo uma dimensão estruturalmente internacional. Veja-se os CIAM, no período entre guerras, com a emergência de uma rede internacional de arquitetos modernos que se manifestou, de diversas formas, em cidades específicas como Paris, Berlim, Dessau, Estugarda, Frankfurt, Roterdão, Viena, Moscovo, etc. Por outro lado, sabemos como as mudanças políticas na Europa nos anos 30 levou à emigração de alguns mestres modernos, por exemplo, Ernst May e Hannes Mayer para a União Soviética ou, num sentido mais definitivo, Mies e Gropius para os Estados Unidos. A geografia disciplinar moderna alterava-se radicalmente, reconfigurando-se institucionalmente na Europa e expandindo-se em novas ramificações por outros continentes. Se, nos anos 50, o Team X redefine a geografia dos CIAM, com Londres e Amesterdão a assumirem um novo protagonismo, os anos 60 anunciam um mapa disciplinar mais aberto,
The City in the City Berlin: A Green Archipelago FLORIAN HERTWECK, SÉBASTIEN MAROT (EDITORS) Lars Müller PUBLISHERS 2013
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com a explosão de contextos específicos como Londres, Paris, Nova Iorque, Tóquio, Viena, Veneza, Florença, Porto, entre outros. É, de facto, impossível perceber a modernidade arquitectónica sem uma consideração do papel dos contextos físicos e institucionais específicos e dos fluxos de ideias e autores que os atravessaram, num panorama de difusão marcadamente internacional. Esta cartografia disciplinar até aos anos 70, apesar de alvo de intensa investigação académica actual, como se pode comprovar pela última Bienal de Veneza, está relativamente assimilada, quanto aos contextos e personalidades envolvidas. Porém, as mudanças e transformações disciplinares posteriores permanecem ainda numa certa obscuridade. É verdade que a história dos tempos próximos é sempre difícil e complexa, senão mesmo paradoxal. Mas falta-nos não só a informação documental mas igualmente o aparelho conceptual para percebermos as grandes transformações que a disciplina sofreu nas últimas décadas. Torna-se significativa a ausência de histórias autorais da arquitetura contemporânea, como tivemos anteriormente a de Giedion, Zevi, Benévolo, Tafuri ou Frampton. Estamos destinados à lógica dispersa e fragmentária da antologia de textos de múltiplos autores. Por outro lado, não temos uma genealogia disciplinar do desaparecimento das tendências arquitetónicas, agora reduzidas ao nome próprio dos arquitetos estrela, nem uma compreensão das mudanças conceptuais e operativas trazidas, por exemplo, com a introdução dos meios digitais na arquitetura. Falta-nos ainda uma cartografia disciplinar de lugares e movimentos, de instituições e personalidades, para a arquitetura contemporânea, apesar de alguns contributos fundamentais como o de Beatriz Colomina, com as suas investigações das pequenas publicações e dos programas académicos da história recente da arquitetura. Existe uma urgência na construção de um mapeamento disciplinar que nos permita construir um panorama histórico, mesmo que sempre incompleto e lacunar, da arquitetura na contemporaneidade. Vem isto a propósito de duas publicações recentes que remetem precisamente para esse contexto difuso e ambíguo dos anos 70. Apesar de centrados em momentos e questões específicas, estas publicações permitem trazer alguma luz às transformações disciplinares recentes, possibilitando uma compreensão das relações estruturais que se estabelecem entre lugares, instituições, arquitetos e ideias num mundo crescentemente globalizado. A primeira dessas publicações, da conceituada editora Lars Müller, centra-se no manifesto The City in the City, também denominado de Berlin: A Green Archipelago. Publicado em 1977 por Oswald Mathias Ungers e Rem Koolhaas, auxiliados por Peter Riemann, Hans Kollhoff e Arthur Ovaska, este manifesto prenuncia, por décadas, o conceito recente de shrinking city e o debate das estratégias urbanas de decrescimento. Essa antecipação é um dos factos que atesta a pertinência desta publicação, como é referido por Sébastien Marot, seu coautor com Florian Hertweck: “No entanto, mesmo que este texto tenha gradualmente adquirido uma espécie de fama mítica, especialmente hoje, quando os problemas do crescimento urbano negativo e das «shrinking cities» lhe conferiram uma certa atualidade, de modo algum adquiriu o reconhecimento crítico conferido a outros manifestos.” A primeira constatação é que The City in the City está ausente das grandes antologias teóricas recentes de Kate Nesbitt, K. Michael Hays, Charles Jencks ou Malcolm Miles, Tim Hall e Ian Borden. O que confere à partida a este livro a tarefa de tornar este manifesto visível, demonstrando a sua relevância disciplinar. Desde logo, o manifesto de Ungers e Koolhaas apresenta um conceito urbano inovador e radical. Como referem em Berlin: A Green Archipelago, “a cidade terá que desenvolver estratégias para o decrescimento controlado da sua densidade de forma a não perder a sua urbanidade geral”. A ideia
Manifesto Berlin: A Green Archipelago, redigido por Koolhaas e corrigido por Ungers, 1977
do “arquipélago verde”, tendo Berlim como caso de estudo, propunha a intensificação de trechos urbanos selecionados, deixando o resto da cidade ser conquistado pela vegetação e pelas atividades lúdicas e agrícolas, numa espécie invertida e atualizada da garden city ou da ville radieuse. A proposta de “um arquipélago de arquiteturas numa lagoa verde de natureza” procurava então contrariar a dispersão de uma cidade progressivamente despovoada, através da infusão programática e de densificação morfológica, inventando novas tipologias mas igualmente convocando projetos não construídos de Mies, Taut ou Leonidov. Mas este manifesto não é meramente um texto importante negligenciado. Foi também um encontro de figuras incontornáveis da arquitetura. Desde logo, o livro demonstra que Ungers e Koolhaas se influenciaram mutuamente, marcando, de diferentes modos, a disciplina nas últimas décadas. A história desse encontro, amplamente documentada, é o cruzamento do percurso de dois exilados: por um lado, Ungers que sai da Universidade de Berlim para dirigir o curso da Universidade de Cornell em Ithaca nos Estados Unidos, a convite de Colin Rowe, embora desde cedo entrando com este num conflito mutuo que divide a escola em dois blocos; por outro lado, Koolhaas que descobre por acaso as publicações de Ungers na sua investigação académica do Muro de Berlim, e que vai em 1972 para Cornell trabalhar com ele, antes de se estabelecer em Nova Iorque para se concentrar em Delirious New York, permitindo-lhe entretanto escapar às ondas de choque que tinha provocado, com essa mesma investigação em Berlim, no status quo da Architectural Association. Em Cornell, Koolhaas e Ungers colaboram ativamente numa
Axonometria do projecto The City in the City de Ungers, Koolhaas, Riemann, Kollhof e Ovaska, 1977
série de concursos, chegando mesmo, no momento de fundação do OMA, em 1975, a colocar-se a possibilidade, então gorada, de um escritório conjunto. No limite, este é um encontro imprevisto de personalidades no contexto de uma rede improvável de lugares, entre Ithaca, Nova Iorque, Berlim, mas também Londres e Colónia. A este nível não deixa de ser revelador que The City in the City tenha sido redigido no âmbito de uma Summer School de Cornell realizada precisamente em Berlim em 1977. Significativamente, esse evento compreenderia um programa de conferências, organizado por Ungers, em que participaram Kenneth Frampton, Robert Stern, Charles Moore, Peter Eisenman, Philip Johnson, Aldo Rossi, Vittorio Gregotti, os Smithsons, Hans Hollein, Robert Krier, Carlo Ayomino, Massimo Scolari, James Stirling, etc. Estavam assim reunidas todas as condições para que algo de significativo ali acontecesse. Esse produto, como percebemos agora, tomaria a forma do manifesto The City in the City. No livro agora publicado, os percursos de Ungers e Koolhaas são cruzados, os contextos de intervenção investigados e os protagonistas inquiridos. Toda esta contextualização é apresentada por Marot e Hertweck através de um extenso ensaio introdutório do primeiro, uma republicação de um testemunho de Koolhaas sobre a sua colaboração com Ungers e de entrevistas com os protagonistas vivos, a saber, Koolhaas, Riemann, Kollhoff e Ovaska. A interpretação crítica do manifesto realiza-se assim através de uma consistente investigação testemunhal e documental. Porém, o aspeto mais surpreendente deste livro é a revelação da multiplicidade inerente a este manifesto, apresentada através de documentos em
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DEBATE EDIÇÃO LEITURA
AVENIDA INTENDENTE INSTALAÇÃO
URBANA
um projecto ARTÉRIA design ARMANDA VILAR
ILUMINAÇÃO
-- Daniel Melim - João Ferro Martins - Margarida Alfacinha - - - Gabrielle de Saint Venant + - Mónica de Miranda -
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Nuno Saraiva -
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Teatro Praga -
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Alexandre da Silva GALERIA URBANA
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DOSSIER
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Susana Anágua -
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AVENIDA INTENDENTE Instalação Urbana | 2012-2014 A AVENIDA INTENDENTE é uma instalação urbana projectada para a Rua do Benformoso e Rua dos Anjos, que tem por base a definição de um Intendente mais vasto, um espaço da cidade dotado de um clima favorável à iniciativa local. A AVENIDA INTENDENTE quer impulsionar a vivência da rua, dando visibilidade ao seu comércio, captando novas ocupações, atraindo os públicos do Largo para as
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TERRITÓRIO O investimento da CML na requalificação das Ruas do Benformoso e Anjos abriu um momento importante para a zona do Intendente. Apesar da requalificação do Largo e do sucess alcançado com novas ocupações e capacidade de atracção de novos públicos, o eixo Benformoso -Anjos não teve um benefício efectivo com esta transformação. Ao longo dos últimos anos, este eixo foi perdendo habitantes, passantes e visitantes, os negócios de rua decaíram devido à perda do seu público e abandono dos pisos térreos. A má iluminação, degradação das fachadas e do espaço público concorreram para a decadência do eixo, aliadas ao facto de ser longo, com poucos atravessamentos e a uma ideia de insegurança. Este foi um dos eixos estruturantes da cidade, com um papel significativo na economia local que, fruto do nosso envolvimento no PDCM, considerámos reanimar social e economicamente, para benefício dos seus habitantes e comerciantes, inscrevendo -o no ciclo de renovação já iniciado.
ruas adjacentes, gerando novas dinâmicas sociais, culturais e urbanísticas. A AVENIDA INTENDENTE foi fruto do trabalho de campo que decorreu durante um ano no eixo Benformoso-Anjos e que resultou numa intervenção em várias frentes: anúncios iluminados para o comércio local, iluminação em pontoschave do eixo, galeria urbana, leitura/ edição e debate. ENQUADRAMENTO A intervenção no eixo Benformoso-Anjos nasce com a participação da Artéria no Programa de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria [PDCM], iniciado em 2011, coordenado pelo GABIP-Mouraria. O envolvimento com as problemáticas da Mouraria, iniciadas com a produção do Edifício-Manifesto [sede da Renovar a Mouraria], consubstancia-se com a participação no grupo de entidades locais que se organizam com o PDCM e que implementam projectos paralelos ao processo de requalificação de espaço público do Programa de Acção QREN ‘Mouraria. A importância de participar num programa estratégico para uma zona de intervenção prioritária ganhou relevância com a possibilidade da introdução da disciplina/pensamento da arquitectura na vertente do desenvolvimento comunitário. Foi por dentro do bairro que assistimos à obra do Largo do Intendente e, a partir desse envolvimento, esboçámos as primeiras ideias críticas sobre este território.
DA RUA À AVENIDA Com a intervenção no Largo, acentua-se a cisão entre o sinuoso eixo e o espaço amplo e iluminado da praça, distantes em escalas, usos, habitantes e públicos. A AVENIDA INTENDENTE nasce da leitura de um território que se desenha a partir de um Largo [Intenden-
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te] e de uma Avenida [Almirante Reis]. Um mapa mental a construir que se quer alastrar pelas ruas internas da Mouraria, corredores de escala urbana de um bairro-casa. Deste entendimento nasce uma intervenção micro-local, que pretende ampliar singularidades e potencialidades, através do envolvimento da população, contribuíndo para materializar uma leitura do todo. LUZ A instalação lumínica fortaleceu a ligação do Benformoso ao Largo e entrelaçou territórios distintos na escala, na vivência e nos públicos. A instalação de luz foi feita com base em workshops e entrevistas aos comerciantes que forneceram bases para o desenho da instalação temporária: Aristof, Império, Istambul e Sol. Bares conhecidos, onde circularam histórias e memórias do Intendente e de muitos dos que ainda o habitam. Escolhemos esta zona para dar iluminação exterior aos bares que há muito permanecem neste lugar: Cantinho Benformoso, Tominho, Sarriá, Maravilhas e Tasquinha do Benformoso. Foram produzidos anúncios luminosos permanentes, criando aproximações para a definição de uma imagem urbana deste lugar na continuidade da cidade.
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artistas da XEREM [Daniel Melim, João Ferro Martins, Mónica de Miranda, Susana Anágua] e a artistas locais [Gabrielle de Saint Venant e Alexandre Silva, Margarida Alfacinha, Nuno Saraiva, REWOT WINT + Hugo Santos].
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DEBATE A necessidade de reflectir sobre este projecto e o seu território fez acontecer o debate numa das colectividades do Benformoso, os Amigos do Minho. Convocámos várias vozes para debater o papel dos arquitectos nos micro-projectos de reabilitação urbana e a relevância destes processos na escala da cidade. 11
A AVENIDA INTENDENTE aconteceu de 13 de dezembro de 2014 a 12 de janeiro de 2015. Permanecem ainda hoje na Rua do Benformoso os anúncios iluminados e, a pedido da Junta de Freguesia de Arroios, a instalação lumínica Istambul, Aristof e Sol Bar.
1_Instalação Lumínica (Império). 2_Galeria Urbana – João Ferro Martins. Interior da loja Ferragens e Quinquilharias Bharat Kumar Laiji, Lda. 3_ Debate “Reabilitação urbana: Micro-escalas” com os convidados Miguel Brito, Marluci Menezes e Luís Santiago Baptista, Casa dos Amigos do Minho, 17.12.2014. 4_ Galeria Urbana – Nuno Saraiva, Ilustração ao vivo. 5_ Reunião da equipa no evento Em Reunião, Teatro Maria Matos. 15.03.2014 6_ Instalação Lumínica (Sol Bar). 7_ Visita guiada com historiadora Gabriela Carvalho. 20.12.2014. 8_ Anúncio Iluminado (Tasquinha do Benformoso). 9_ Galeria Urbana - Susana Anágua. 10_ Galeria Urbana – João Ferro Martins. 11_ Visita guiada com artistas. Obra de Margarida Alfacinha. 20.12.2014. 12_ Rua do Benformoso.
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GALERIA URBANA A galeria urbana desenhou um percurso através da AVENIDA INTENDENTE, animando lojas específicas em pontos estratégicos, sobrepondo a exposição ao espaço da rua, ao seu comércio e ritmos diários. Os artistas produziram obras site specific em diálogo com os comerciantes e proprietários dos espaços escolhidos e os seus trabalhos são reflexo deste encontro. As obras expostas pertencem a
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Nuno Saraiva Ilustração ao vivo — Work in progress
MOB - Espaço Associativo R. Anjos, 12F
REWOT WINT + Hugo Santos
CANTINHO DO BENFORMOSO R. Benformoso, 274
ARISTOF
R. Benformoso, 278
SOL BAR
Cadeira Rendada R. Anjos, 4A
Escadinhas das Olarias
MARAVILHAS
R. Benformoso, 270
OS D A U R
ANJOS
LARGO DO INTENDENTE
ISTAMBUL
TASQUINHA DO BENFORMOSO
R. Benformoso, 231
SARRIÁ
R. Benformoso, 205
Tv. do Benformoso, 2
TOMINHO
R. Benformoso, 199
FICHA TÉCNICA Conceito: ARTÉRIA Arquitectura: Ana Jara, Lucinda Correia, Carmen Balsa, Eñaut Legarda, Macário Freitas, Rosa Arma Curadoria/Produção: Susana Soares Design Gráfico/Iluminação e Identidade Visual/Bares: Armanda Vilar Mediação Comunitária: Marta Luz, Rosa Riveiro
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Consultoria/Iluminação: Vítor Vajão atelier de Iluminação e Electrotecnia, Lda. Construção/Iluminação: J. C. Sampaio, Lda. Spot Publicitário: Graça Castanheira Galeria Urbana: Daniel Melim, Gabrielle de Saint Venant + Alexandre Gil da Silva, João Ferro Martins, Margarida Alfacinha, Mónica de Miranda, Nuno Saraiva, REWOT WINT + Hugo Santos, Susana Anágua
AVENIDA INTENDENTE, UMA SEBENTA DE USO CORRENTE (no prelo) Leitura: André e. Teodósio//TEATRO PRAGA Curadora convidada/Editora: Susana Pomba//TEATRO PRAGA Design Gráfico: Vera Tavares Textos e Intervenções: Artéria [Lucinda Correia, Ana Jara, Marta Luz e Susana Soares] Rosa Riveiro, Susana Gaudêncio, entre outros.
REABILITAÇÃO URBANA: MICROESCALAS Debate
Teatro Praga
Jorge Malheiros, Luís Santiago Baptista, Marluci Menezes, Miguel Brito, Rogério Roque Amaro
Leitura André e. Teodósio lê excertos de material a ser considerado para a publicação “Avenida Intendente, uma sebenta de uso corrente” [no prelo].
Chafariz da R. Benformoso 20 DEZ/17h
Casa dos Amigos do Minho R. Benformoso, 244 17 DEZ/18h — 20h
Mónica de Miranda
Bangla Saloon (Salão da Paula) R. Benformoso, 124
Daniel Melim
João Ferro Martins
Centro Comercial Capelo R. Benformoso, 22
Ferragens e Quinquilharias Bharat Kumar Laiji, Lda. R. Benformoso, 148
RUA DO BENFORMOSO IMPÉRIO
R. Benformoso, 185
Margarida Alfacinha
Susana Anágua
Desenho ao vivo — Work in progress
Dil Karki R. Benformoso, 101
Perfumaria Barata & Salgueiro, Lda. R. Benformoso, 31
Gabrielle de Saint Venant Alexandre da Silva
Guebarros - Malhas e Quinquilharias R. Benformoso, 51
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Galeria Urbana - -
Anúncios Iluminados - -
Financiamento: Programa BIP/ZIP – Parcerias Locais//Pelouro da Habitação da Câmara Municipal de Lisboa Parcerias: TEATRO PRAGA XEREM Grupo Informal de Profissionais Criativos da Mouraria RUA 25
Instalação Lumínica - -
Debate - -
Apoios: Câmara Municipal de Lisboa Junta de Freguesia de Arroios Junta de Freguesia de Santa Maria Maior Casa dos Amigos do Minho Turismo de Lisboa JCDecaux
Leitura/Edição - -
Visitas Guiadas
de Desenvolvimento Comunitário da Mouraria Comunidade envolvida no projecto Impressão: Serisexpresso Eurocartazes Imprensa Municipal
Agradecimentos: GABIP Mouraria//Programa
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No dia 20 de Dezembro de 2014, no chafariz da Rua do Benformoso, André e. Teodósio (Teatro Praga) leu um texto com material que está a ser considerado para uma futura edição intitulada “Avenida Intendente, uma sebenta de uso corrente”. Aqui ficam alguns excertos.
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“Duas ruas que se querem fazer Avenida - A Rua do Benformoso e a Rua dos Anjos, são a ‘Avenida Intendente’. Esta publicação não nasce apenas da necessidade de deixar registada a intervenção urbana do projecto Avenida Intendente da equipa Artéria mas também da vontade de fazer um primeiro registo que reunisse excertos de textos feitos por alguns estudiosos sobre a zona, conversas informais e de processo, e intervenções de criadores que também tentam pensar esta nova Avenida. Em suma, uma primeira reunião de conteúdo que possa servir como objecto informativo e também deixar algumas pistas para uma compreensão e estudo da área. Esta sebenta que se quer de uso corrente, percorre na sua espinha dorsal os números da rua, salientando as pessoas que ali vivem, o seu comércio, zonas de lazer e outros pontos de interesse.” Susana Pomba (Teatro Praga).
“O percurso Largo do Intendente-Rua dos Anjos, entre 1898 e 1908, perde gradualmente o estatuto de antiga serventia de saída da Cidade, através do velho caminho rústico do Forno do Tijolo, do lado oriental, ou via antiga estrada de Arroios/Portas de Arroios/Arco do Cego, acompanhando a Estrada da Circunvalação, do lado oci-
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“Rua do Benformoso: De acordo com a tradição, esta designação é a corruptela da primitiva de ‘Boy Formoso’. Numa das quintas, que por aqui existiam, terá havido um boi de tal maneira esplêndido que, mesmo depois da morte do animal, o sítio ficou o de ‘Boy Formoso’. (...) A rua do Benformoso foi, até à abertura da Rua da Palma (1862), uma das artérias mais movimentadas de Lisboa. Por aqui passava todo o trânsito que se fazia para sair de Lisboa.” In sítio “Espaço e Tempo. Revelar Lisboa” (Revelarlx.cm-lisboa.pt). Bibliografia: ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, VIII volume, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1992-1993, p. 11.
dental, para dar lugar à moderna funcionalidade viária constituída pelo futuro eixo fundamental da Avenida dos Anjos, que pretende desta forma aproximar a Baixa do Largo de Arroios.” In “As vésperas da modernidade: do Intendente à Rua dos Anjos (1898-1908)” de Maria de Lurdes Ribeiro.
“(...) À imagem do que acontece, actualmente, em muitas metrópoles da Europa do Sul, alguns bairros do centro histórico de Lisboa surgem marcados pela coexistência de dois processos de transição sócio-urbanística, nomeadamente a fixação de imigrantes não europeus e a evidência de uma nobilitação urbana marginal, cuja ocorrência paralela tem conduzido à diversificação cultural e étnica. Recorrendo à Mouraria como exemplo, procurar-se-á perceber como se materializa a interacção e como são geridas as potenciais tensões entre os grupos que protagonizam os dois processos e, também, destes com a população “tradicional” do Bairro. Será conferida uma atenção particular aos marginal gentrifiers, procurando detectar eventuais paradoxos entre um discurso tolerante e localmente empenhado e práticas efectivas menos integradas nas redes sociais locais e, portanto, com menor potencial para promover a revitalização do lugar da Mouraria.” In “Etnicização residencial e nobilitação urbana marginal: processo de ajustamento ou prática emancipatória num bairro do centro histórico de Lisboa?” de Jorge Malheiros, Rui Carvalho e Luís Mendes.
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“The Mouraria is a densely populated inner-city neighborhood of winding streets, run-down buildings and a long history of marginalization. Despite its privileged central location, close to Lisbon’s downtown and at the foot of one of the city’s main tourist attractions, the Castelo de São Jorge, the Mouraria has been conceived of as a territory on the margins of the city ever since its emergence as a Moorish quarter in the twelfth century. First built as a segregated space for the defeated Moors, it then came to be seen as a poor and disadvantaged neighborhood, then as a dangerous and unhealthy place, and finally as a multi-ethnic quarter subject to urban renewal.” In “Mapping out the Sounds of Urban Transformation: The Renewal of Lisbon’s Mouraria Quarter” de Iñigo Sánchez.
“A Avenida Intendente é este eixo que liga a Rua dos Anjos à Rua do Benformoso e coloca uma questão: Como é que se pode fazer a requalificação urbana? E nós aqui somos claramente criticas em relação ao que se fez no Largo do Intendente. Como pergunta. Requalificou-se, o largo está diferente, tem uma nova vida, mas há muitas maneiras de o fazer. Será que esta foi uma maneira muito interessante ou não? Como é que esse largo se relaciona com as suas duas pontas, com este eixo?” Lucinda Correia, atelier Artéria, durante o Debate: “Reabilitação Urbana – Microescalas”, no dia 17 de Dezembro de 2014 na Casa dos Amigos do Minho.
13_ Instalação Lumínica (Istambul e Aristof). 14_ Anúncio Iluminado (Bar Cantinho Benformoso). 15_ Anúncio Iluminado (Bar Sarriá). 16_ Leitura por André e. Teodósio (Teatro Praga), Chafariz da Rua do Benformoso. 20.12.2014. 17_ Anúncio Iluminado (Bar Tominho). Fotografia: Carlos Gomes©. 18_ Galeria Urbana – Daniel Melim.
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TERRA AMADA: uma experiência entre o ensino, o património e a vida Texto: Ana Pinho e João Almeida A iniciativa Apresentação A TERRA AMADA é uma iniciativa que nasceu em 2012, no âmbito do Mestrado Integrado em Arquitetura da Universidade Católica Portuguesa, centrada no desenvolvimento de ações de voluntariado, abertas à participação de alunos de arquitetura e engenharia nacionais e estrangeiros, com o objetivo de realizar intervenções de conservação e reabilitação em aldeias rurais do distrito de Viseu. A iniciativa teve ainda por objetivo sensibilizar os alunos de arquitetura e engenharia para as temáticas relacionadas com o desenvolvimento dos territórios rurais e para a importância da coesão social e territorial. Os alunos teriam ainda a oportunidade de contactar diretamente com os processos, técnicas e materiais de construção tradicionais, ao mesmo tempo que contribuíam de forma concreta e visível para a melhoria da qualidade de vida das comunidades com as quais iam habitar e trabalhar durante o tempo de execução da intervenção - promovendo o “aprender fazendo” e o “aprender vivendo” e reforçando solidariedade e a transferência de conhecimento entre gerações. Objetivos A iniciativa TERRA AMADA teve por objetivos principais: • Contribuir para a melhoria da qualidade de vida de populações rurais vulneráveis e para o desenvolvimento local; • Conservar e reabilitar o património material e imaterial (ligado às artes e ofícios tradicionais) do mundo rural e transmiti-lo às gerações mais jovens; • Realizar ações de voluntariado emblemáticas, capazes de inspirar e mobilizar um amplo conjunto de atores, que vão desde as próprias comunidades locais aos alunos, empresas do setor privado, etc., com vista à realização de um projeto comum em prol do desenvolvimento local, da coesão social e territorial, da solidariedade entre gerações e da conservação do património; • Realizar projetos de arquitetura e obras exemplares do ponto de vista dos princípios da conservação do património e sensibilizar os alunos de arquitetura para esta dimensão da prática profissional; • Aprofundar as metodologias e as práticas de conceção participada de intervenções no mundo rural; • Desenvolver ações de divulgação do conhecimento gerado durante os processos de intervenção, em particular no que respeita às metodologias, às vivências ligadas ao mundo rural e ao património material e imaterial (artes e ofícios tradicionais). Modelo de operacionalização As ações desenvolvidas no âmbito da iniciativa TERRA AMADA têm por base: • mão-de-obra voluntária estudantes/estagiários de arquitetura/ engenharia nacionais e estrageiros; • orientação dos trabalhos por parte de mestres-de-obras tradicionais e de técnicos experientes do sector, também voluntários; • doação de materiais e ferramentas por parte de empresas de fabrico/distribuição. As ações foram ainda desenvolvidas com base em amplas parcerias, que incluem o setor académico, as autoridades locais, o setor privado e as próprias comunidades.
Metodologia Cada ação demorou dez meses a ser montada. Numa primeira fase procedeu-se à seleção da aldeia, com base em critérios que incluíram: a existência de uma comunidade vulnerável, mas com massa crítica suficiente para ainda poder ser viável um desenvolvimento futuro da aldeia que não passasse exclusivamente pelo turismo; a existência de património cultural (em particular vernacular) com valor e em risco, tanto ao nível das suas manifestações materiais (em particular, património arquitetónico) como dos ofícios e saberes; e a aceitação do projeto por parte da comunidade. A partir desta fase desenvolveu-se o processo participativo de identificação das intervenções, que foram selecionadas com base na identificação, pelas comunidades pelos poderes locais, das ações prioritárias para dar resposta às necessidades mais prementes do aglomerado, em particular no que respeita a melhorar a qualidade de vida de populações, conservar e reabilitar o património material e imaterial (ligado às artes e ofícios tradicionais) e contribuir para o desenvolvimento local. Após a identificação das intervenções a realizar foram desenvolvidos os projetos pela equipa organizadora, maioritariamente constituída por alunos, mas sobre a supervisão dos respetivos docentes, e sempre em grande proximidade com a comunidade e os beneficiários finais. Numa fase já avançada dos projetos, em que já se torna possível prever as necessidades em termos de materiais, deu-se início à angariação dos apoios por parte do setor privado, nomeadamente, materiais e técnicos especializados e mestres-de-obras tradicionais. Foi também nesta altura que se deu início à preparação dos trabalhos e da logística da ação de voluntariado. Antes da ação de voluntariado propriamente são realizados, pela equipa organizadora, todos os trabalhos prévios necessários para que as intervenções possam estar concluídas nos prazos estabelecidos. Esta fase preparatória dos trabalhos tem uma duração variável, tendo bastado no primeiro ano dez dias para a completar, mas tendose estendido a duração a três semanas no segundo ano, dado o aumento de complexidade da intervenção. A ação de voluntariado propriamente dita teve uma duração de dez dias, prazo que foi estabelecido com base num equilíbrio entre as necessidades das obras e a disponibilidade de tempo e de recursos dos estudantes voluntários.
Equipa de voluntários de Covas do Monte 2015
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Intervenções Ação-piloto 2012-2013: Covas do Monte Equipa Organizadora: Ana Pinho (Arquiteta, coordenação); Célia Santos, César Pereira, João Almeida, Kátia Valverde, Ricardo Costa, Ricardo Duarte e Ricardo Silva (estudantes de arquitetura); Mica Valverde (Arquiteta) Intervenção Covas do Monte é uma aldeia com perto de 50 habitantes no concelho de São Pedro do Sul, conhecida pelo seu grande rebanho de cabras e pela arquitetura de xisto. A ação-piloto de voluntariado ocorreu entre os dias 27 de Julho e 5 de Agosto de 2013. Todas as intervenções identificadas pela população foram realizadas, tendo-se ido além dos objetivos previstos (incluindo arranjos exteriores aos edifícios e a reabilitação do património móvel). O grau e tipo de intervenção foram bastante diversos, indo desde a conservação e restauro estritos até à reabilitação profunda, aliando técnicas e materiais tradicionais à introdução de materiais e padrões de desempenho contemporâneos. A ação-piloto integrou, para além do Mestrado integrado em Arquitetura da UCP-CRB, organizador da mesma, um conjunto de parceiros que incluíram a Câmara Municipal de São Pedro do Sul, a Junta de Freguesia de Covas do Rio a Diocese de Viseu e o GECORPA-Grémio do Património. Houve 54 empresas que se associaram ao projeto, com materiais e/ou disponibilização de técnicos especializados que atingiram perto de duas dezenas. A ação envolveu 60 estudantes voluntários e uma população de 48 habitantes. As intervenções realizadas foram: • Espaço público Melhoria das acessibilidades – colocação de guardas nos acessos ao Moinho e à Azenha e no percurso na escarpa, eliminação de obstáculos e nivelamento de partes do pavimento; • Equipamentos Azenha – reconstrução da cobertura, cerramento dos vãos, restauro dos engenhos, limpeza da pedra, arranjos exteriores; Moinho – restauro dos engenhos, tratamentos dos elementos de cerramento dos vãos, limpeza da pedra e da cobertura, arranjos exteriores; Escola primária (Sede da Associação dos Amigos de Covas do Monte) – pintura das paredes e vãos, arranjos exteriores. • Habitação Casa da D. Irene – reabilitação profunda, com instalação de rede elétrica, saneamento e água canalizada, criação de novas divisórias interiores (incluindo instalação sanitária), introdução de sistema de exaustão de fumos e isolamento térmico, novo revestimento de piso e novos elementos de cerramento dos vãos, arranjos exteriores; Anexo da D. Lucinda – reabilitação profunda, com instalação de rede elétrica, criação de novas divisórias interiores, introdução de sistema de exaustão de fumos e isolamento térmico, novo revestimento de piso e novos elementos de cerramento dos vãos, arranjos exteriores.
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• Equipamentos rurais Cabril – reconstrução de um antigo edifício para albergar cabras que tinha ruido parcialmente; Espigueiro – reabilitação de um espigueiro com reconstrução da cobertura e escada de acesso e tratamento dos elementos de madeira. Balanço da ação-piloto Para além dos resultados materiais (obras em 6 edifícios, 1 espigueiro e espaço público), foram ainda alcançados outros resultados, imateriais, mais difíceis de medir e cujo verdadeiro alcance só poderá ser avaliado ao longo do tempo, mas sobre os quais pode já apontar-se: Promoção do envelhecimento ativo - a ação ao nível da melhoria das acessibilidades voltou a tornar acessível partes da aldeia à população envelhecida, permitindo o desenvolvimento normal das suas atividades. Conservação do património - a azenha é agora visitável, tendo um uso turístico e pedagógico, e o moinho está em uso pelos habitantes. Foi efetuado o levantamento e registo dos engenhos e técnicas associadas. A sensibilização e a transmissão do conhecimento sobre este património foi efetiva junto dos voluntários, sendo que alguns dos arquitetos estagiários já desenvolveram projetos que integram técnicas e materiais tradicionais utilizados, como por exemplo a lousa. Coesão social - o processo promoveu uma maior entreajuda entre a própria população e um maior envolvimento dos familiares que vivem no exterior. As obras nas habitações não só conferiram condições mínimas de habitabilidade como possibilitaram albergar os familiares dos proprietários de visita, quebrando o isolamento em que se encontravam os habitantes. As ligações criadas entre os estudantes e a comunidade ainda se manifestam no contacto mantido entre estes (correspondência, visitas, etc.). Desenvolvimento local - a ação teve como efeito um renovado sentimento de autoestima da população e um maior espírito de iniciativa: está em vista a instalação no curral reconstruído de uma nova atividade económica; já foram desenvolvidas pela população iniciativas dirigidas a atrair visitantes). Sensibilização - a entrega e o empenho dos voluntários ainda é visível. Estes já realizaram ações com base na experiência, têm-se autoorganizado para apresentar a iniciativa nas suas Universidades e dado o seu apoio na viabilização da continuidade da iniciativa. A equipa organizadora alargou-se, deixando de estar restrita a estudantes de Viseu. A ação-piloto demonstrou ser possível de implementar o modelo, embora ficasse também claro que seria desejável mais apoio, em particular na supervisão técnica das obras e nas questões de logística. Demonstrouse ainda que a iniciativa tinha a capacidade de gerar grande adesão, interesse e empenho por parte dos estudantes e de ter uma aceitação muito favorável por parte da comunidade local. Por todas estas razões ficou claro que deveria ser dada continuidade a esta ação, mas ficou também claro que, desejavelmente, a intervenção deveria ser mais abrangente, envolvendo mais valências e integrando-a numa estratégia ampla de desenvolvimento local, que é o que se tentou alcançar no ano seguinte.
Azenha antes e depois
Cabril antes e depois
Moinho antes e depois
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Duas vistas da Casa D. Irene antes e depois
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Ação 2013/2014: Vale de Papas Equipa Organizadora: Ana Pinho (Arquiteta, coordenação); Célia Santos, Margarida Maurício, João Almeida, Ricardo Costa, Rui Santos (Arquitetos estagiários); André Alves, César Pereira, Diogo Pinto, Kátia Valverde, Liliana Nóbrega, Ricardo Duarte, Ricardo Silva, Sofia Pinto (estudantes de arquitetura). Intervenção A aldeia de Vale de Papas pertence à freguesia de Ramires, concelho de Cinfães, e tem cerca de 30 habitantes. Esta aldeia apresenta características originais, destacando-se as casas em granito amarelo, a interligação entre o ambiente natural e o construído e, principalmente, a prevalência ainda de coberturas em colmo. Apesar do seu riquíssimo património material e imaterial, Vale de Papas encontra-se numa situação de ainda maior vulnerabilidade do que Covas do Monte e em risco acelerado de desertificação e de perda irrecuperável do seu património. Na segunda edição da iniciativa houve o objetivo de alcançar maiores resultados em termos de desenvolvimento local de modo a, além de melhorar as condições de vida existentes na comunidade, se pudesse contribuir de forma efetiva para a promoção de novas dinâmicas e oportunidades de desenvolvimento com continuidade após a intervenção. Assim, promoveu-se: uma maior cooperação com os poderes locais, que se comprometeram com o processo de forma ativa; uma maior integração de diferentes disciplinas/áreas de intervenção, que incluíram a participação de outros departamentos da universidade e outras instituições do ensino superior; e um maior envolvimento da população no processo, que passou a ser, além de beneficiária, coprodutora do projeto. Para além do Mestrado integrado em Arquitetura da UCP-CRB, que assumiu de novo a organização, foram parceiros a Câmara Municipal de Cinfães, a Junta de Freguesia de Ramirez, o Departamento de Ciências Biomédicas da UCP-CRB, o Instituto Politécnico de Viseu, a Escola Profissional de Turismo de Cinfães e GECORPA-Grémio do Património. Associaram-se também ao projeto trinta e duas empresas e perto de trinta técnicos. Estiveram envolvidos noventa estudantes voluntários e a população abrangida foi de cerca de trinta habitantes. Tal como no ano anterior, o grau e tipo de intervenção foram bastante diversos, indo desde a conservação e restauro estritos até à reabilitação profunda, aliando técnicas e materiais tradicionais à introdução de materiais e padrões de desempenho contemporâneos. As intervenções realizadas foram: • Espaço e Equipamentos Públicos Requalificação de espaços públicos – limpeza de caminhos e calcetamento de arruamentos. Equipamentos públicos – colocação de nova cobertura no tanque comunitário da entrada da aldeia com criação de instalações sanitárias públicas, colocação de uma cobertura e nova estrutura nas caixas de correio coletivas, criação de uma área para a recolha de resíduos, desenvolvimento de um sistema de fabrico e aplicação de coberturas de colmo de fácil manutenção e substituição pelas autoridades locais; Sinalética – desenho e colocação de elementos de sinalética na aldeia com informação para visitantes; Mobiliário urbano – desenho e construção de bancos junto aos arruamentos, projeto de novas luminárias e de arranjo do espaço do cruzeirinho; Centro interpretativo – desenvolvimento de um projeto de reabilitação de um edifício na entrada da aldeia para funcionar como centro interpretativo das artes e ofícios locais e de centro de dia para a população residente. • Infraestruturas Instalação de rede de água em toda a aldeia;
• Equipamentos com valor patrimonial Moinho de água – limpeza das paredes e cobertura, restauro do engenho e tratamento dos elementos de madeira, arranjos exteriores (zona de piquenique); Espigueiros – intervenção em quatro espigueiros: reconstrução de um espigueiro com cobertura de colmo que tinha colapsado recentemente, reconstrução de um espigueiro com cobertura de telha que estava em ruína, colocação de novas coberturas e tratamento dos elementos de madeira noutros dois espigueiros em mau estado de conservação; Eira – limpeza do espaço exterior e da casa da eira principal da aldeia; Forja – restauro dos engenhos, tratamento dos elementos de madeira e elementos móveis (mobiliário, ferramentas, etc.), limpeza da pedra, recolocação da cobertura de colmo, criação de um novo acesso ao edifício, arranjos exteriores. • Habitação Anexo do Sr. Américo – reabilitação profunda de um pequeno edifício onde a família tinha a sala de estar e o quarto do casal, envolvendo a instalação de ligações às redes de águas, saneamento e eletricidade, novas paredes divisórias, criação de uma instalação sanitária e cozinha equipada, novos elementos de cerramento dos vãos, novo pavimento, limpeza e caiação das paredes interiores e tetos, arranjos exteriores; Cozinha do Sr. Manuel – construção de um pequeno módulo de casa de banho, com instalação de ligações à rede de água, saneamento e eletricidade, limpeza do espaço da cozinha e construção de algumas peças de mobiliário para a cozinha; Casa/Atelier da Cristina – reabilitação profunda de três currais para servirem de habitação e atelier a uma jovem artesã, incluindo a instalação de ligações às redes de águas, saneamento e eletricidade, nova cobertura e paredes divisórias, isolamento térmico (argamassa tradicional de cortiça), criação de uma instalação sanitária e cozinha equipada, novos elementos de cerramento dos vãos, novo pavimento, arranjos exteriores; • Atividades económicas Queijaria – reabilitação profunda de três currais para servirem como uma pequena queijaria tradicional, envolvendo a instalação de ligações às redes de águas, saneamento e eletricidade, nova cobertura e paredes divisórias, isolamento térmico (argamassa tradicional de cortiça), instalaç sanitárias, e materiais de revestimento das superfícies interiores, ficando os acabamentos e os equipamentos a cargo do futuro explorador e da Câmara Municipal de Cinfães, para o que se está já a preparar uma candidatura a financiamento comunitário; Campo de cardo – plantação de um campo de cardo para servir de coagulante do leite para o queijo a fabricar na queijaria; Casa/Atelier da Cristina – (ver acima, ponto habitação); Padaria – desenvolvimento de um projeto para transformação de um edifício com um grande forno tradicional em padaria; Alojamento - desenvolvimento de um projeto de reabilitação de dois pequenos edifícios para alojamento local. Balanço da segunda intervenção Tal como na ação-piloto, para além dos resultados materiais (obras em 6 edifícios, 4 espigueiros, rede de água, arranjos do espaço público, mobiliário urbano e equipamentos, e 3 projetos de reabilitação), foram ainda alcançados resultados igualmente positivos nas dimensões referidas anteriormente, nomeadamente, no que se refere à promoção do envelhecimento ativo e solidariedade intergeracional, à conservação, levantamento e registo do património arquitetónico e das técnicas construtivas (foram já concluídas 3 provas finais de mestrado sobre a iniciativa), à sensibilização dos participantes para as questões relacionadas com o património vernacular, o desenvolvimento rural e o papel social da arquitetura, e, muito em particular, no apoio ao desenvolvimento local, melhoria das condições de vida e promoção da instalação e fixação de atividades económicas. Foram ainda alcançados outro tipo de resultados, estando em progresso a criação de uma Associação de Moradores em Vale de Papas e tendose assistido ao nascimento de novos projetos a partir desta experiência (p. ex. Viseu Estaleiro-Escola, CI em Cinfães, etc.). Espera-se ainda que, com a conclusão do processo de instalação da queijaria, sejam criados 7 postos de trabalho numa aldeia que até à data só tinha setor primário, essencialmente de subsistência.
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Queijaria antes e depois
Casa-atelier da Cristina antes e depois
Anexo do Sr. AmĂŠrico antes e depois
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Forja antes e depois
Espigueiro antes e depois
Tanque antes e depois
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Nota final Este foi um processo de plena troca, em que não houve de um lado “beneficiários” e do outro “benfeitores”, mas antes todos foram chamados a contribuir e a receber: os antigos mestresde-obras, muitos destes habitantes locais, contribuíram transmitindo os seus conhecimentos e recebendo apoio na conservação do seu património e a valorização dos seus saberes; os jovens deram a mão-de-obra e ganharam conhecimento (“aprender fazendo” e “aprender vivendo”); a comunidade local foi envolvida na identificação e conceção das intervenções, na implementação de novas atividades e no acolhimento dos voluntários, e adquiriu melhorias que contribuem de forma perene para que continue ativa, a viver em condições dignas e com uma maior atratividade para visitantes; as empresas disponibilizaram os materiais e puderam demonstrar a sua aplicabilidade a um conjunto de futuros profissionais, havendo já retorno para algumas das empresas em termos de aplicação pelos participantes dos seus materiais em projetos desenvolvidos após as intervenções. Como aspetos inovadores conta-se, entre outros: a reunião em prol de um esforço e objetivo comum de todos os setores da sociedade, num espírito empreendedor, solidário e intergeracional; a inversão os papéis tradicionais, na medida em que os estudantes de aprenderam fora das salas, recebendo o conhecimento diretamente dos mestres-de-obras, da experiência prática e da vivencia na comunidade; o processo de projeto, que foi realizado de forma participada e iterativa, tendo em conta as limitações em termos de recursos (doações), de tempo (10 dias de voluntariado) e de mão-de-obra (voluntários sem experiência prática de obra); e o esbatimento das fronteiras entre beneficiários e “benfeitores”, com base num pleno processo participativo e colaborativo. Esta foi uma experiência muito recompensadora para todos os que a organizaram, mas que é de facto uma ação coletiva, que nunca poderia ter ocorrido sem a ação e o empenho de todos – instituições de ensino superior, autarquias e juntas de freguesia locais, empresas e técnicos do setor da construção, estudantes das mais diversas proveniências, e, sobretudo, sem as populações que são a razão, o meio e o fim pelo qual se levou a cabo esta iniciativa. A todos, bem hajam!
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Equipa de voluntários e habitantes em Vale de Papas
artes
Artistas residentes e viajantes Uma perspetiva sobre a aproximação ao local Sandra Vieira Jürgens
A importância do contexto e a influência das condições locais sobre a pesquisa e a produção artística são temas e assuntos presentes na história da arte, sobretudo desde os anos sessenta do século XX com a afirmação da arte comunitária e nos anos noventa com a proliferação de programas de residências artísticas por todo o globo. São bem conhecidas as fases de trabalho de artistas como Cézanne ou Gauguin que estiveram marcadas por determinadas temporadas fora dos centros artísticos, desenvolvendo o seu trabalho em proximidade com outras paisagens, novos contextos e aspetos de culturas locais, próprias ou alheias. Desse conjunto fazem parte artistas que procuraram somente condições de trabalho em maior contacto com a paisagem rural ou que mais radicalmente buscaram prosseguir as suas pesquisas em paragens remotas, integrados em comunidades exóticas. Dessa história fazem parte os artistas da Escola de Barbizon, formada a partir da década de trinta do século XIX, que deixaram Paris em direção à periferia e passaram a trabalhar nos arredores do bosque de Fontainebleau, a 60 Km da capital francesa; ou também Cézanne, que, em 1880, depois de várias temporadas passadas entre Paris e a Provença, fixou residência em L’ Estaque, localidade perto de Marselha, onde dedicou muito do seu tempo a pintar o Mont Sainte-Victoire, em Aix-en-Provence. Lembremos igualmente a ida de Van Gogh, em 1888, para Arles, cidade no sul de França, onde pensou vir a formar uma comunidade artística; ou ainda Paul Gauguin que procurou terras mais longínquas para dar novo rumo à sua produção artística. Depois de ter estado em Pont-Aven, na Bretanha, e em Arles com Van Gogh, foi para o Taiti, onde estabeleceu uma relação de grande encantamento com a arte da Oceânia. Tal como Gauguin, também Picasso apontou novos caminhos para a arte moderna ocidental por influência de abordagens estéticas que desenvolveu mediante a descoberta de culturas africanas e heranças regionais ibéricas, em visitas a museus de arte e etnografia. Picasso terá tido conhecimento dos ex-votos, de desenhos e peças escultóricas da escultura ibérica pré-romana no Louvre e no Museu de Etnografia, em Paris, e essa proximidade terá suscitado transformações e alterações estilísticas no seu trabalho. Também em Espanha e Portugal, os então refugiados da I Guerra Mundial, Robert e Sonia Delaunay, aprofundaram as suas pesquisas de contrastes simultâneos banhados pela luz da Europa do Sul, captando as cores, os temas e determinados apontamentos da cultura popular. Essa passagem pela Península Ibérica está de resto tratada na exposição retrospetiva Les couleurs de l’ abstraction que o Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris dedicou a Sonia Delaunay, entre novembro de 2014 e fevereiro de 2015, bem como numa outra mostra intitulada The EY Exhibition: Sonia Delaunay, em exibição na Tate Modern, em Londres, até 9 de agosto.
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Sonia Delaunay altera aspetos da sua pintura e inspira-se no folclore e do artesanato regional português durante o período de refúgio em Vila do Conde, na primavera de 1915. Contactando não apenas com Amadeo de Souza-Cardoso e Eduardo Viana mas também com Almada Negreiros, surge a ideia de formar uma rede de colaboração artística para a realização de exposições itinerantes e edições, que se designaria Corporation Nouvelle. Tratava-se de um projeto coletivo internacional que, embora nunca concretizado, permanece inscrito na arte portuguesa como possibilidade, enquanto programa desejado, através de correspondência entre o grupo, de um estudo em aguarela de Amadeo de Souza-Cardoso intitulado Expositions Mouvantes – Corporation Nouvelle com a data de 1915, e dos planos de realização de uma exposição em Barcelona que chegou a ser noticiada na imprensa. O desejo de formar colónias e comunidades de artistas em localidades afastadas, como pensou Van Gogh ao mudar-se para Arles, foi de resto um modelo com desenvolvimentos ao longo do século XX. A Black Mountain College criada em 1933, numa zona rural próxima de Asheville, no estado norte-americano da Carolina do Norte, foi fundada por John Andrew Rice com o apoio de Josef e Anni Albers, criadores antes associados à Bauhaus. Surge num meio isolado e com poucos recursos financeiros, mas nela desenvolve-se um centro de formação experimental, sustentado em modos de atuação interdisciplinares, informais e colaborativos, com conceções de ensino inovadores, tendo por base a premissa da criação “a partir do zero” em detrimento da transmissão e absorção de conhecimentos. Aí se reuniram artistas plásticos, compositores, poetas, designers, muitos deles europeus exilados, que fugiram da Alemanha Nazi e da II Grande Guerra Mundial. Buckminster Fuller, Merce Cunningham, Robert Rauschenberg, John Cage, Kaprow, Elaine de Kooning, Kenneth Noland, Willem de Kooning, Robert Motherwell, Cy Twombly, foram alguns dos professores e alunos que por lá passaram e que figuram precisamente na mostra retrospetiva Black Mountain. An Interdisciplinary Experiment 1933 – 1957, em exibição no Museu Hamburger Bahnhof, em Berlim, até 27 de setembro. Nos anos sessenta começa igualmente a ter maior repercussão o trabalho comunitário local, sendo disso exemplo a prática artística de Gordon Matta-Clark e de muitas estruturas geridas por artistas em Nova Iorque, que atuaram em zonas periféricas da cidade, constituindo até hoje um modelo de intervenção espacial e social muito frutífero em renovados processos criativos de produção artística.
Sonia Delaunay, Simultaneous Dresses (The three women), 1925. Museo Thyssen-Bornemisza, Madrid. © Pracusa 2014083
Jeff Koons, “Dolphin”, 2007-2013. Stand da galeria David Zwirner na feira Art Basel 2014
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design
Pedrita e Marcelo Rosenbaum Objeto outro, entre o autóctone e o glocalizado Carla Carbone
Habituámo-nos a estar rodeados de objetos. Ninguém imagina uma cozinha sem estar apetrechada de todos aqueles eletrodomésticos que permitem responder a todos os desafios gastronómicos - mesmo que a maioria de nós não tenha a possibilidade, ou até o tempo disponível, para os usar na sua íntegra. O consumo atingiu o seu ponto máximo de maturidade. As culturas ocidentais assistem a uma produção de objetos utilitários massiva, onde a maioria de nós já comprou a sua televisão, o seu telemóvel, o seu computador. O desafio agora passa muito mais por convencer o consumidor a desejar/adquirir mais televisores, telemóveis, computadores. O propósito do fabricante é assim fazer com que o consumidor se sinta insatisfeito, e substituir o seu aparelho por um novo, com mais funções, mais elementos apelativos. Cabe ao fabricante criar novas necessidades, novas categorias, no sentido de manter o consumidor cativo, manipulado. Deyan Sudjic, em “The Language of things”, relembra-nos John Berger, no livro “Ways of Seeing”, obra escrita em 1972. Nesse livro, Berger, estabelece uma distinção clara entre os “verdadeiros” objetos, e os outros, que ele considera autênticas “manipulações de capitalismo, que nos fazem querer consumi-las”, cada vez mais. Como num jogo entre o gato e o rato, ao consumidor são oferecidos vários caminhos, a fim de obter, num determinado produto, a satisfação plena, que revigora e faz pensar que, depois de adquirido esse produto ou eletrodoméstico, tão cedo não vai ser necessário procurar outro. Mas na verdade, há uma engenharia de consumo, que se tem vindo a apurar, continuadamente. Exatamente no momento em que pensamos que adquirimos um qualquer topo de gama, surge um outro aparelho mais avançado, mais completo e com aquela função específica, que faz o anterior modelo parecer obsoleto (ou até ridículo). A publicidade assemelha-se a uma Theraphosidae (família das aranhas) que, tal como a sua semelhante, lança as suas longas pernas em todas as direções e, com as suas pontas em gancho, vai prendendo, aqui e ali, a vítima mais descuidada que encontrar pela frente. Esse ímpeto de prender o consumidor, mais e mais, vem-se, pouco a pouco, afigurando como um dos principais elementos motivacionais responsáveis pelo fenómeno da globalização. Segundo Berger: “O capitalismo sobrevive forçando a maioria” dos consumidores, que esse capitalismo explora, “a restringir o mais possível os seus próprios interesses”, a afunilar as suas opções individuais. Opções essas que se cingem a um conjunto de propriedades impostas pelos ditos países desenvolvidos e que definem, em falsos standards, o que deve ser desejado e o que não deve ser desejado pelo consumidor (Berger). Deyan Sudjic, o autor responsável por relembrar Berger, deu um exemplo da sua própria experiencia de vida. Quando adquiria um Mac novo, todo em negro, substituía um outro, da mesma marca, de invólucro ondulante, orgânico, e de cores alegres (citrinas e frutosas). Parece que, segundo Sudjic, este mais recente, mais austero, trazia consigo (comunicava) a convicção racionalista,
deixada pela Bauhaus, de que a geometria do cubo, sugeria modernismo, integridade, seriedade elevada (Sudjic). Como um uniforme formal deixava transparecer a ideia de que os objetos são calculados pelos seus fabricantes, e desenhados pelos seus designers, com objetivos claros de obter respostas emocionais dos seus consumidores, como segurança e eficiência: “Os objetos podem ser bonitos, irónicos, engenhosos, sofisticados, mas também crus, banais, maliciosos”. Baudrillard, no seu “Sistema dos Objetos”, evidencia o formalismo e moralismo que os objetos podem arrastar consigo quando falamos em interiores. Obrigando a um doutrinar que não se expressa apenas por meio de palavras, ou gestos, mas que também se vê condicionado por meio de espaços e manuseio das coisas. Espaços e coisas, que “doutrinam”. Giddens, segundo Penny Sparke, descreve globalização como “uma intensificação das relações à escala mundial, que liga localidades distantes de um modo tal que os acontecimentos locais serão decididos por eventos ocorridos muitos quilómetros à distância”. Desse modo, essa “evangelização”, à distância, rege-se nas mesmas normas da indústria: a homogeneização dos produtos, tecnologias, consumos, serviços. Homogeneização que devora a cultura local, aniquilando-a, e procura condicionar, a atenção do consumidor, a um único produto, a uma única marca. Com os telemóveis que obrigam a uma constante renovação, substituição feita de seis em seis meses, anula-se a qualidade de objeto antigo, desvanecendo a dimensão emocional, nomeadamente o prazer do antigo, a possibilidade da nostalgia, dos afetos e do carácter singular nos objetos. É curioso o que Baudrillard nos diz a este respeito. Refere-nos o objeto “marginal”, ou antigo, como aquele que se desenvolve à margem do “sistema de objetos” pertencentes ao controlo de qualidade, automatizado, de génese industrialista. Pois diz-nos o autor: “Toda uma categoria de objetos parece escapar ao sistema que acabamos de analisar: são objetos singulares, barrocos, folclóricos, exóticos, antigos. Parecem contradizer as exigências do cálculo funcional para responder a um propósito de outra ordem: testemunho, lembrança, nostalgia e evasão. Pode-se ser tentado a ver neles uma sobrevivência da ordem tradicional e simbólica”. É justamente nessa singularidade, nessa necessidade de evasão que o objeto dito “marginal” (porque à margem das exigências da produção em série) é procurado, sob pena de asfixia, por se processar uma realidade material deficitária de identidade nacional, local, isenta de historicidade. Nisto revemos a problemática do tempo. Ausente, pela sucessiva dinâmica de substituição de objetos (exemplo: telemóveis, computadores), anula o sentimento de pertença e desejo de apropriação permanente de um objeto. Tudo parece perder a sua dimensão temporal, o que, sem ela, é impossível a criação de uma identidade própria, de localidade, nacionalidade. Ao invés, esta perda dá lugar à formação de identidades globais que, mesmo que venham a
Anéis esculpidos em borracha de pneu 100% reciclado Dimensões variáveis
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marketing
Maria Rodrigues
Siza Vieira formaliza doação dos arquivos a Serralves Álvaro Siza Vieira assinou recentemente a escritura pública que formaliza a doação de parte do arquivo do arquiteto portuense a Serralves. Esta doação surge integrada num projeto de colaboração entre a Fundação de Serralves, a Fundação Calouste Gulbenkian e o Canadian Centre for Architecture (CCA), as três instituições que foram escolhidas por Álvaro Siza Vieira para receberem o seu arquivo, um testemunho privilegiado do trabalho que tem desenvolvido ao longo de mais de seis décadas.
Rua Cor de Rosa
A CIN foi a marca escolhida pela Associação Cais do Sodré, para a repintura da Rua Cor de Rosa, em Lisboa. Esta Rua, que é um projeto da Associação Cais do Sodré e da Câmara Municipal de Lisboa, e que se tornou uma das mais emblemáticas ruas da capital portuguesa após este projeto de revitalização, quer pela sua cor distinta quer pela vida noturna que proporciona a locais e turistas, foi pintada com uma tinta especial para pavimentos exteriores da CIN. Pretty in Pink é o nome da cor criada exclusivamente para este projeto. Foram pintados mais de 550m2 de pavimento, tendo sido utilizados cerca de 250 litros da tinta. www.cin.pt
Cadeira portuguesa A marca italiana Colico, conhecida pelo redesign da celebre cadeira Milano decidiu prestar uma homenagem ao Design Português e convidou o Nuno Ladeiro a fazer o redesign da célebre Cadeira Portuguesa, uma das mais características cadeiras das nossas esplanadas. Nuno Ladeiro inspirou-se na estrutura original de tubo de aço curvado e criou para a Colico, uma cadeira em polipropileno injetado através da mais recente tecnologia Air Molding. O tubo de plástico adquire uma leveza extraordinária ao ser produzido com esta nova tecnologia, em que é introduzido (azoto). O gás “empurra” o plástico para as paredes do molde fazendo com que o tubo fique oco e por conseguinte, tornando-o muito mais leve e resistente. Esta nova versão, será mais adaptada à nova realidade social, porque é mais leve, amiga do ambiente e resiste à corrosão. arq.nunoladeiro@gmail.com
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Prémio Margres Centro Neurológico Sénior
Showroom Margres e Love Tiles Reabriu ao público o showroom da Margres e da Love Tiles, no Parque das Nações. Pelo sétimo ano consecutivo, estas marcas portuguesas de cerâmica renovam o seu espaço de exposição apresentando novos conceitos. Este ano, a designer eleita para redecorar o espaço dedicado à Love Tiles foi Rita Glória, que iniciando o seu percurso profissional há 10 anos, desde 2011 colabora com as famílias, enquanto decoradora do programa “Querido Mudei a Casa”. No final deste projeto, o resultado é a dualidade entre tendência e intemporalidade.
Prémio Margres Centro Hospitalar Oeste
Margres premeia Arquitetura Portuguesa pelo segundo ano A 2ª edição do Prémio Margres Arquitetura, em 2015, galardoa, ex aequo, o trabalho de dois arquitetos Portugueses. O prémio da marca portuguesa de cerâmica distingue os arquitetos que tenham utilizado as gamas Kerlite e/ ou Linea, valorizando a coerência, inovação e sentido estético dos materiais grés lâmina utilizados. Nesta segunda edição foram eleitas duas obras nacionais. A obra do Arquiteto Manuel António Garcia dos Remédios “Centro Hospitalar Oeste”, nas Caldas da Rainha, com aplicação de Kerlite, de 1x1m, na remodelação do serviço de cirurgia e refeitório. Pelas suas características, o cerâmico Kerlite permitiu uma intervenção sem importunar os profissionais de saúde e respetivos doentes, bem como a utilização simultânea e ininterrupta daquelas áreas. A dimensão das peças, dispostas ortogonalmente deu unidade
ao espaço, permitindo uma circulação confortável e funcional assim como visualmente agradável. O projeto premiado ex aequo é do Arquiteto José Manuel Amante Rosa Freire, o “Centro Neurológico Sénior”, em torres Vedras, com a aplicação do mesmo material, com vista a proporcionar uma distribuição linear na organização dos espaços, sublinhando a individualidade do edifício e valorizando a coordenação estética com os restantes materiais. A implementação da obra baseou-se ainda nas características patológicas de alguns utentes do foro neurológico, os quais sentem desconforto com o impacto visual causado pela existência de elementos de descontinuidade (juntas).O prémio de 7500 euros e as viagens a Itália foram entregues em cerimónia pública, no mês de Julho, no showroom da Margres no Parque das Nações, em Lisboa.
www.margres.com
Centro Náutico Municipal de Lisboa No âmbito da parceria entre o IST (Instituto Superior Técnico) e a CML, os alunos da disciplina de Projecto V, acompanhados pelos Professores Ricardo Bak Gordon e Pedro Sousa, desenvolveram projetos para o futuro Centro Náutico Municipal de Lisboa, situado no cais da Rocha do Conde de Óbidos. Esta oportunidade permite expor
múltiplas abordagens, ocasião única de debate sobre a condição limite do lugar. Cada grupo desenvolveu as suas ideias, que culminaram na apresentação do projeto através de um conjunto de desenhos técnicos, maqueta e painel síntese. Estes conteúdos estarão em Exposição, até ao final de Julho, no Torreão Poente do Terreiro do Paço.
Vulcano dá formação a propósito da Nova Diretiva Energética A Vulcano ministrou recentemente uma formação para jornalistas sobre a chegada da nova Diretiva Energética (Erp-EuP. O programa baseou-se no enquadramento e na explicação dos Regulamentos Aplicáveis, nas Fichas de Produto e de Sistemas e nas Etiquetas de Produto e de Sistema. Durante a formação foi abordada a forma como irão ser aplicadas as Diretivas de Ecodesign (ErP) e de Etiquetagem Energética (ELD), que entrarão em vigor dia 26 de setembro de 2015 e que obrigarão a que todos os Sistemas de Aquecimento e Caldeiras cumpram certos requisitos de eficiência energética. nadi.batalha@pt.bosch.com
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marketing
Maria Rodrigues
Borea Wild Collection
Dekton® apresenta, pela primeira vez a nível mundial, sete novas cores
Design e inovação na casa de banho Geberit apresenta soluções inovadoras para casa de banho, como as suas placas de comando de descarga melhores em estética e fiabilidade. Inovações técnicas, ocultas na parede, que deixam apenas à vista a elegância da placa para acionar a descarga do autoclismo de interior. As placas de comando de descarga Geberit conectam-se no autoclismo embutido na parede e são a porta de acesso ao autoclismo de interior. www,geberit.pt
Obras de requalificação de Vila Berta No âmbito do programa BIP/ZIP Lisboa – Parcerias Locais, promovido pela Câmara Municipal de Lisboa, a Associação de Defesa do Património de Vila Berta (ADPVB) iniciou as obras de requalificação desta área classificada como Imóvel de Interesse Público, desde 1996. A pintura das fachadas tem o apoio da Barbot. www.barbot.pt
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O Grupo Cosentino, empresa com atividade em Portugal, líder na produção e distribuição de superfícies inovadoras para o mundo da arquitetura e do design, acaba de lançar mundialmente sete novas cores de Dekton®. As novas cores foram apresentadas na Construmat 2015, em Barcelona. As sete novas tonalidades juntam-se à paleta de cores de Dekton®, composta agora por 22 referências e divididas
em quatro coleções: Solid Collection, Natural Collection, Tech Collection e Wild Collection.Respondendo às últimas tendências em design que apostam em espaços equilibrados, tons sóbrios, calmos, elegantes e sensatos, a Cosentino apresenta Ventus, Korus, Galema (Solid Collection), Keon (Tech Collection), Kelya (Natural Collection), Borea e Makai (Wild Collection). www.cosentino.com
Um relógio Panerai para a Expo Gate 2015 Por ocasião da Expo 2015, em Milão, a Exposição Universal que se realiza em Milão até 31 de outubro de 2015, a Officine Panerai, a marca de alta relojoaria desportista, indica a hora aos visitantes da EXPO 2015. www.panerai.com
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