Revista arqa #114

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práticas-emergentes.pt

ARQUITETURA E ARTE

jul.|ago. 2014 | E11,00

práticas-emergentes.pt Miguel Marcelino FORA fala atelier Pedro Clarke/A+ Homeland Tanto Mar Swars Think Space

arqa

Ano XIV – julho|agosto 2014 E11,00 (continente) – 2 600 Kwanzas (Angola)

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ISSN: 1647- 077X


Propriedade:

R. Alfredo Guisado, 39 – 1500-030 LISBOA Telefone: 217 703 000 (geral) 217 783 504/05 (diretos) Fax: 217 742 030 futurmagazine@gmail.com

ÍNDICE

matérias Os artigos assinados são da inteira responsabilidade dos autores

Diretor Geral Edmundo Tenreiro etenreiro@revarqa.com

arqa

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arte

www.revarqa.com – futurmagazine@gmail.com

FORA - “Monument of the Ordinary”, Guimarães 2012

Diretor Luís Santiago Baptista lsbaptista@revarqa.com

In/Outdoors

Redação Paula Melâneo (Coordenação) apmelaneo@gmail.com Baptista-Bastos (Opinião), Bárbara Coutinho (Design), Carla Carbone (Design), David Santos (Artes), Margarida Ventosa (Geração Z) Mário Chaves (Livros), Nádia R. Bento (Tradução), Sandra Vieira Jürgens (Artes)

Eficiência Energética

Angola Info – Boletim Informativo da Ordem dos Arquitetos de Angola (0A)

News Atualidades e agenda

Editorial

Paginação e Imagem Nuno Silva Bruno Marcelino (desenhos) Edição Digital Ricardo Cardoso Comunicação e Marketing Maria Rodrigues (Diretora) – mrodrigues@revarqa.com Carmen Figueiredo – cfigueiredo@revarqa.com Publicidade – PORTUGAL Tel. +351 217 783 504 Fax +351 217 742 030 futurmagazine@gmail.com cfigueiredo@revarqa.com ANGOLA Parceria Futurmagazine – NAMK, Lda. Rua Major Marcelino Dias, nº 7 - 1º andar-D Bairro do Maculusso, Distrito da Ingombota, Província de Luanda namk-limitada@hotmail.com Tel. +244 222 013 232 Publicidade – BRASIL Jorge S. Silva Tel. +55 48 3237 - 9201 Cel. +55 48 9967 - 4699 jssilva@matrix.com.br Impressão Jorge Fernandes, Lda. Rua Quinta Conde de Mascarenhas, 9 2825-259 Charneca Caparica

Luís Santiago Baptista – práticas-emergentes.pt

Projetos

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Biografias Miguel Marcelino – Casa com Três Pátios, Benavente; Centro Escolar de Fonte de Angeão, Vagos; Museu da Música Mecânica, Palmela | Entrevista

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FORA – Residência de Estudantes “18 Steps”, Atenas; Escola Secundária de Mem Martins; Renovação de conjunto residencial “Nordic Built Challenge”, Ellebo | Entrevista

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fala atelier – Bairro Social de Alvenaria, Lisboa; Biblioteca Municipal “Aurora”, Setúbal; Exposição “Anticlimax: a report on the metabolist dream”, Lisboa | Entrevista

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Pedro Clarke – Centro Kick 4 Life (Fases II & III), Lesoto; Escola Maliphofu, Lesoto (com Camille Bonneau); Projeto Gecko House, Yaoundé (com Camille Bonneau + Raimondo da Col) | Entrevista

088

Itinerâncias Homeland – Entrevista a Pedro Campos Costa Tanto Mar – Entrevista a Ateliermob Paula Melâneo – Nuno Cera: A complexidade da Arquitetura em Sinfonia

Design Carla Carbone – Ana Rita António: Artista e Designer

Artes Sandra Vieira Jürgens – Uma nova geração: Sem imagens absolutas e formas narrativas lineares

Fotografia Fernando Guerra – FG+SG: Instalações Urbanas, Like Architects

Dossier

Distribuição Logista Portugal Área Ind. Passil, lt 1-A, Palhavã 2894-002 Alcochete

Swars Think Space

Livros Mário Chaves

Tiragem 10.000 Exemplares

News Maketing

Periodicidade Bimestral ISSN: 1647- 077X ICS: 124055 Depósito Legal: 151722/00

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Materiais fornecidos pelas marcas

Apoio:

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In/Outdoors

EficiĂŞncia EnergĂŠtica

Arquitetura de fachadas Eficientes, Cortizo


Indoors

Eficiência Energética Cin

Avenida de Dom Mendo nº 831 Apartado 1008 - 4471-909 Maia Tel. + 351 229 405 000 Fax + 351 229 485 661 customerservice@cin.pt www.cin.pt

Manter a temperatura ideal no interior das habitações e locais de trabalho é um dos fatores que mais energia consome. É justamente por isso que a CIN disponibiliza uma solução verdadeiramente inovadora, ao encontro das exigências legais de certificação energética das habitações, do ponto de vista económico e ambiental. Simples e rápida de aplicar, Thermocin é uma tinta termorefletora para a pintura de telhados e coberturas, que reflete a radiação solar, aumentando assim o conforto térmico no interior dos edifícios e satisfazendo as necessidades de quem procura uma solução que garanta eficiência energética. Este efeito permite ainda uma maior poupança energética no arrefecimento das habitações aumentando, em simultâneo, o período de vida útil do telhado ou da cobertura pela elevada resistência às intempéries e aos ataques de fungos.

Cortizo

Portugal norte_Vila do Conde Tel- 252 637 598 Tlm- 914 399 102 tsacportugal@cortizo.com Portugal centro-sul_Rio Maior Tel- 243 909 430 Tlm- 914 399 153 tsac65@cortizo.com www.cortizo.com

O Sistema Cor 80 Industrial é o novo conceito de janela, capaz de alcançar os níveis máximos de poupança energética, proteção acústica e estanquidade do mercado. Com 80 mm de profundidade de aro fixo, responde às exigências climáticas mais severas, conseguindo o grau máximo de eficiência energética, graças ao seu mínimo coeficiente de transmissão térmica da janela (Uw) que pode alcançar apenas 0.8 W/m²K. Principias características: Máximo isolamento térmico: Uw desde 0.8 (W/m2K); Óptimo isolamento acústico: Rw=46 dB; Máxima envidraçamento: 65 mm; Ensaios AEV: Ar (Classe 4), Agua (Classe E1950), Vento (Classe C5).

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Navarra

Veiga das Antas, Navarra Apartado 2476´4701-971 Braga | Portugal T +351 253 603 520 F +351 253 677 005 geral@navarraaluminio.com www.navarraaluminio.com

Os sistemas Navarra respondem aos Requisitos Básicos do Regulamento de Produtos da Construção, nomeadamente a economia de energia, isolamento térmico e a utilização sustentável de recursos naturais (ciclo de vida dos produtos). Trata-se de soluções de caixilharia e fachadas em alumínio, com elevada eficiência energética. Adicionando perfis de isolamento aos sistemas de Rutura de Ponte Térmica, é alcançada uma melhoria energética de até 30%. Todos os sistemas Navarra para arquitetura são certificados e ensaiados segundo as normas europeias para a marcação CE.

Schindler

Rua Nossa Senhora da Conceição, nº 3 2790-111 Carnaxide Tel. 214 243 800 Fax 214 243 999 marketing@pt.schindler.com www.schindler.pt

Fundado na Suíça, em 1874, o Grupo Schindler é líder no mercado global de soluções de mobilidade. É o maior fornecedor de escadas mecânicas e o segundo maior fabricante de ascensores em todo o mundo. A empresa fabrica, instala, moderniza e garante a manutenção de sistemas de transporte em todo o tipo de edifícios. A Schindler apoia o desenvolvimento urbano sustentável com segurança, fiabilidade e importantes soluções ecológicas de mobilidade, colocando à disposição de arquitetos, proprietários, promotores e construtores soluções de mobilidade que satisfazem as necessidades de planificação de cada projeto.


news

atualidades A arqa vai intergrar o Pólo Criativo da Trienal de Arquitectura de Lisboa Paula Melâneo

Exposição e catálogo sobre o filme Blow Up Blow Up, o filme de culto que Michelangelo Antonioni realizou em 1966, tem agora uma exposição que lhe é dedicada, centrada na sua perspetiva fotográfica, com curadoria de Walter Moser. Como refere Klaus Albrecht Schröder - diretor do Museu Albertina de Viena - no catálogo, este filme de Antonioni é não só uma obra charneira na história do cinema, mas também na história de arte e da fotografia. Filmado em Londres e centrado sobre o personagem de Thomas, fotógrafo de moda, que procura evidências de um crime nas suas imagens, Blow Up levanta a questão sobre a validade de um médium, os seus limites e potencial de manipulação. A exposição e o catálogo dividem-se em 5 capítulos que focam diferentes conexões do filme com a fotografia, o seu contexto histórico-fotográfico e até documental, e também as inspirações artísticas de Antonioni para a sua realização. A exposição, atualmente em Viena, é desenhada por Walter Kirpicsenko. O catálogo que acompanha a exposição é editado pela Hatje Cantz (edição inglesa: ISBN 978-3-77573737-1) e complementa a exploração desta obra cinematográfica do ponto de vista fotográfico e analítico, com 1020 ilustrações e textos de diversos autores, focando desde os aspetos relacionados com a reportagem social, a fotografia de moda, a Pop Art até à fotografia abstrata e “como, acidentalmente, Antonioni descobre o soft focus como um dispositivo artístico”. A exposição pode ser vista no Museu Albertina em Viena de Áustria até 24 de agosto, viajando depois para o Fotomuseum Winterthur (13 setembro a 30 de novembro) e no final do ano para C/O Berlin (13 dezembro a 8 março 2015). www.albertina.at | www.hatjecantz.de

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A revista arqa foi selecionada no concurso que a Trienal de Arquitetura de Lisboa lançou para o Pólo Criativo, designado como FORA: Fórum de Observação e de Representação da Arquitectura. O Palácio Sinel de Cordes, cedido pela Câmara Municipal de Lisboa à Trienal para aí instalar a sua sede, vai acolher 7 dos projetos culturais candidatos, nesta primeira fase, “que representam transversalmente a arquitetura e que se cruzam com a disciplina de uma forma plural”. Juntamente com a arqa estarão: Angular, projeto composto por estudantes de Arquitetura que pretendem estabelecer uma ligação entre o mundo académico e o profissional; a organização sem fins lucrativos Caus, criada em Macau em 2013 para promover a investigação, educação, produção e divulgação de conhecimento nas áreas da arquitetura, urbanismo, design e cultura urbana; a plataforma multidisciplinar KWY que investiga a natureza da colaboração no contexto de projetos específicos: em arte, arquitectura, curadoria e escrita; o coletivo Linhabranca que faz a união entre o design industrial e a arquitetura em torno de objectos, espaços, e serviços ditos “sem marca”; o projeto Multidão que guia a produção, partilha e difusão de narrativas, da responsabilidade da Osso - Associação Cultural de artistas de várias áreas; e também o coletivo Warehouse que tem realizado projetos temporários e permanentes segundo uma metodologia de processos de criação participativa onde o desenho e a construção são pensados e executados como um todo. Atualmente, o Palácio é alvo de um projeto de reabilitação da autoria de FSSMGN - Fernando Sanchez Salvador Margarida Grácio Nunes arquitectos, que se prevê concluído até 2016. www.trienaldelisboa.com

Arquiteturas Film Festival de regresso com a 2ª edição Entre 24 e 28 de setembro o Cinema City Alvalade e a Cinemateca Portuguesa vão acolher o Arquiteturas Film Festival, exibindo cerca de 60 filmes de mais de 20 países nas categorias ficção, experimental e documentário. Estão também previstas diversas atividades paralelas como a Masterclass do coletivo italiano/belga ZimmerFrei sobre o seu projeto Temporary Cities (4 filmes) e um workshop de cinema com a arquiteta turca Merve Bedir, ambos em parceria com a universidade Lusofona; um workshop de Rhino 3D com os arquitetos Russos Branchpoint Project e a Digitalab, em parceria com a ISOCOR SOFALCA; conversas informais entre realizadores e arquitetos; atelier para crianças; duas visitas guiadas com a exibição de filmes em edifícios dos arquitetos que aí são retratados (In Media Res de Luciana Fina e 1960 de Rodrigo Areias) e uma instalação desenhada pelo atelier Artéria no Cinema City Alvalade em parceria com a marca Margrés. A abertura vai ser marcada pela apresentação de Cathedrals of Culture, um filme 3D onde 6 realizadores trabalham sobre um único conceito: se os edifícios falassem o que nos contariam? Entre os 6 realizadores constam os nomes de Wim Wenders, Robert Redford e Michael Madsen. O filme estreou este ano no festival de cinema de Berlin (Berlinale) e será estreia nas salas de cinema portuguesas. www.arquiteturasfilmfestival.com


Aberto o Pavilhão da Serpentine Gallery 2014 Em final de junho abriu o novo Pavilhão da Serpentine Gallery em Londres, este ano desenhado pelo chileno Smiljan Radić, um arquiteto com reduzida obra internacional. Após o grande sucesso do Pavilhão que Sou Fijimoto projetou em 2013, este novo pavilhão tem sido muito pouco mediatizado. Radić é o 14º convidado a desenhar o famoso Pavilhão e o nome menos conhecido do conjunto de autores que o tem celebrizado desde 2000. Com uma implantação de 541m2, o projeto consiste numa estrutura cilíndrica e semitransparente assente sobre grandes blocos de pedra. À noite, a sua imagem translúcida é bastante apelativa, no meio do verde. Este Pavilhão tem origem em trabalhos anteriores de Radić, em particular no modelo que o seu estúdio fez para o The Castle of the Selfish Giant, inspirado na história de Oscar Wilde, e no projeto Restaurant Mestizo, parcialmente suportado por blocos de pedra. É pensado para ser um espaço flexível, para diversas utilizações sociais, com um café no interior, convidando os visitantes a diferentes interações espaciais, durante os 4 meses que se encontra aberto ao parque. Até 19 de outubro, este Pavilhão poderá ser visitado nos jardins de Kesington. www.serpentinegalleries.org

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news

atualidades

Nieto Sobejano Arquitectos vencedores do Concurso para Centro Cultural na Estónia O atelier espanhol Nieto Sobejano Arquitectos foi o vencedor do concurso para projetar um centro cultural na floresta de Laulasmaa, a oeste de Tallinn, para uma organização gerida pelo compositor estónio Arvo Pärt. A sua proposta, salientam, não envolve abater uma única árvore e é pensado como uma grelha pentagonal de espaços e pátios, que ecoarão os ritmos das sinfonias de Pärt. O programa prevê um auditório, uma biblioteca, oficinas e escritórios. Tabula é o nome que o atelier Nieto Sobejano deu ao seu projeto, onde uma cobertura de alumínio se levanta e baixa sobre uma floresta de estreito pilares, e incluindo uma torre de observação, de forma pentagonal, que oferece uma vista alargada sobre o mar. Os arquitetos descrevem o espaço como nãohierarquizado, possibilitando espaços mais calmos para a leitura e estudo, mas também para assistir a performances, visitar exposições ou passear pelos bosques. O vencedor foi selecionado por um júri que incluía o arquiteto japonês Sou Fujimoto e Michael Pärt, o filho de Arvo Pärt’s, que descreveu este projeto como “architecturally fresh”. “Tabula cria um ambiente harmonioso e flexível para a música de Arvo Pärt. O que merece ser destacado como particularidade desta proposta a concurso é a sua disposição espacial e o cuidado com iluminação temática” salientou. Este novo espaço vai acolher o Centro Arvo Pärt, fundado pelo compositor em 2010, com o intuito de preservar e promover o legado musical da Estónia. www.nietosobejano.com

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Atelier Vo Trong Nghia vencedor do prémio ARCASIA Building of the Year O atelier vietnamita Vo Trong Nghia Architects foi recentemente distinguido como Edifício do Ano pelo Architects Regional Council Asia (ARCASIA). O seu projeto Dailai Bamboo Complex foi o escolhido entre 276 concorrentes, num dos prémios de arquitetura considerados de maior prestígio na Ásia. O atelier vem assim reforçar o seu sucesso internacional, que já tinha sido celebrado com a atribuição do AR House Awards para a sua House for Trees. O projeto do Dailai Bamboo Complex consiste num espaço de restauração, que também é utilizado para a realização de eventos (onde acontecem concertos, desfiles de moda, entre outros). Uma experiência onde procuraram criar uma construção inteiramente realizada em bambú, não só ao nível dos revestimentos mas também como material de resistência estrutural. Os apoios em forma de “asas” dispensam o uso de pilares, proporcionando um espaço aberto, um pavilhão sem obstáculos visuais. O uso do bambú é uma das características do trabalho de Vo Trong Nghi, numa pesquisa que busca a construção de estruturas leves e abertas, muitas vezes associada à proximidade com a água. A estrutura complementar a esta, o Dailai Conference Hall, embora faça também uso do bambú, na sua impressionante cobertura, conta igualmente com outros materiais, nomeadamente na grande parede curva, em pedra, que recebe os visitantes na entrada do Flamingo Dailai Resort. www.votrongnghia.com


Foto: FG+SG

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Miguel Marcelino, Casa com Três Pátios, Benavente, 2009-2012 julho|agosto 2014

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EDITORIAL

temático

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Jovens arquitetos portugueses em tempos de crise

Luís Santiago Baptista|lsbaptista@revarqa.com

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Depois do programa geração z, desenvolvido pela arqa entre 2007 e 2011, voltamos a centrarmo-nos nas práticas arquitetónicas portuguesas emergentes. A inexorável passagem do tempo recoloca constantemente a questão dos novos ateliers. Porém, as circunstâncias em que o fazemos serão hoje outras, fruto da investigação que levámos a cabo. Significativamente, fechámos o programa com a constatação da impossibilidade de constituição geracional, implícita na utilização da letra Z: “Uma das nossas primeiras intuições foi que a última letra do alfabeto seria perfeita porque colocava na mesa o espectro do fim. E esse fim (…) passava pela própria dissolução ou desintegração da questão geracional. Ao fim e ao cabo, propusemos a hipótese de uma geração que testemunhava o eclipse da lógica geracional.” Concluíamos depois: “Se algo, no âmbito do programa geração z, pode ser comprovado pelos cadernos elaborados pelos ateliers, pelos números temáticos da revista e pelas exposições e conferências é o quase total alheamento, distanciamento ou desinteresse pela constituição de um qualquer corpo unitário, de uma eventual plataforma comum ou de um possível programa sintético, que foi, diga-se, ao longo da modernidade, condição necessária à constituição histórica de uma geração. Não pode haver geração sem autoconsciência, portanto sem vontade coletiva e intencionalidade programática. A geração z será talvez uma geração potencial que não se interpreta e assume como geração. Neste sentido, poderíamos dizer que, ao falhar, a geração z confirma-se.”1 A abordagem das novas práticas que aqui lançamos liberta-se da problemática geracional. Sintomaticamente, a recente exposição “Tanto Mar”, comissariada pelo Ateliermob, e a representação portuguesa na Bienal de Veneza “Homeland”, com curadoria de Pedro Campos Costa, afastam-se, mais ou menos explicitamente, do argumento geracional.2 Limitamo-nos assim a apresentar práticas de arquitetos portugueses nascidos depois do início da década de oitenta. Ateliers estes bastante diferentes nas abordagens, perante um contexto de crise profissional generalizado. Por isso, a sua presença será aqui convocada, antes de tudo, como um ato de bravura e convicção disciplinar.

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Ser hoje arquiteto em Portugal é dramático. Ser um arquiteto jovem torna-se trágico. Apesar da crise profissional que o país atravessa atingir a classe como um todo, são os arquitetos mais jovens que se confrontam mais violentamente com ela. O aumento exponencial do número de arquitetos portugueses nas últimas décadas aliado à situação difícil de crise económica tem gerado o incremento da competitividade entre ateliers, expondo aos mais novos uma equação de resolução quase impossível. Neste sentido, as condições profissionais precárias, a ausência de concursos públicos, a escassez de encomenda, o bloqueio das vias do ensino e da função pública, os reptos para uma emigração inevitável são factos problemáticos que conformam o contexto de trabalho das práticas emergentes. No entanto, não parece faltar trabalho para fazer quando se observa a realidade urbana e territorial portuguesa. Em 2012, Tiago Mota Saraiva levantava liminarmente as questões pertinentes: “Mas está a arquitetura condenada? Estão os arquitetos que trabalham em Portugal condenados à emigração ou ao desemprego caso permaneçam? São os arquitetos necessários durante uma crise financeira?”.3 O seu apelo a uma

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mudança de natureza ideológica na intervenção dos arquitetos na sociedade tem marcado os debates disciplinares, embora com a presença no tabuleiro de diferentes posicionamentos. A verdade é que, independentemente das posições, os novos ateliers têm inevitavelmente de se confrontar com as questões colocadas. Por outro lado, a nova direção do J-A de André Tavares e Diogo Seixas Lopes tem procurado responder positivamente aos desafios profissionais e disciplinares que a arquitetura portuguesa enfrenta hoje. Como referem: “A arquitetura está refém da sua suposta inutilidade. À falta de investimento na construção, as competências próprias da disciplina são tidas como dispensáveis. A urgência do quotidiano mobiliza recursos noutras direções, e os arquitetos são instados a mudar de profissão ou emigrar. Esta lógica é equívoca: a arquitetura não é apenas um saber instrumental à mercê das flutuações do mercado; a arquitetura é uma forma de conhecimento útil nas mais variadas circunstâncias.”4 Defendem por isso uma abertura do campo disciplinar, bem como um recentramento na atividade do projeto e na capacidade deste se adaptar e responder, de modo mais preciso e eficaz, à atual condição de crise e escassez do país. Todas estas posições recentes procuram afirmar a necessidade premente de abrir um espaço de atuação profissional para os arquitetos portugueses. De forma mais ou menos radical, explorando novos campos de atuação ou reorientando as práticas convencionais, o desafio passa por uma nova consideração do papel da arquitetura na sociedade que não condene os arquitetos portugueses à resignação por afastamento, à submissão por neutralidade ou à emigração por necessidade. Apesar destas posições recentes não se concentrarem na problemática das práticas mais jovens, pode-se dizer que não deixará de ser nestas que esse desafio terá a sua verdadeira prova de fogo. Para os ateliers emergentes, construir um percurso e viabilizar um atelier são hoje tarefas hercúleas, que exigem uma motivação e perseverança extraordinárias. Nunca o ponto de partida profissional foi tão agreste como agora. Não só as condições profissionais e produtivas se degradaram significativamente, como se pressente o enfraquecimento das relações de solidariedade intergeracional. Mas a verdade é que nunca tivemos uma nova “geração” tão qualificada e preparada, mesmo que formada para um contexto disciplinar que a realidade já não reflete. Essa difícil adaptação às condições reais do exercício da profissão exige-lhe por isso um esforço de redefinição da sua atividade tendo em conta uma leitura crítica das condições existentes. Essa redefinição tem levado as práticas mais jovens a explorarem novos territórios disciplinares, tanto por necessidade como por vontade, levando a uma pluralização das abordagens. Diga-se que para isso tem contribuído a experiência adquirida fora do país, seja no período formativo, em programas académicos de intercâmbio, seja no início da atividade profissional em escritórios internacionais. Não sendo nova no princípio mas na escala, esta abertura ao mundo da arquitetura portuguesa tem trazido outras influências e contaminações à arquitetura portuguesa, bem como demonstrado a sólida formação de base dos jovens arquitetos nacionais.

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Apresentamos neste número 4 práticas arquitetónicas portuguesas emergentes. Formados em diferentes Faculdades de Arquitetura, mas todos com experiências internacionais, estes ateliers formam um conjunto


Mas a verdade é que nunca tivemos uma nova “geração” tão qualificada e preparada, mesmo que formada para um contexto disciplinar que a realidade já não reflete. Essa difícil adaptação às condições reais do exercício da profissão exige-lhe por isso um esforço de redefinição da sua atividade tendo em conta uma leitura crítica das condições existentes. Essa redefinição tem levado as práticas mais jovens a explorarem novos territórios disciplinares, tanto por necessidade como por vontade, levando a uma pluralização das abordagens

Miguel Marcelino, Casa, Benavente, 2009-12 • FORA, Escola Secundária, Mem Martins, 2010 • fala, Bairro Social Alvenaria, Lisboa, 2013 • Pedro Clarke, Escola Moliphofu, 2010

heterogéneo, com campos de trabalho diversificados e consequentemente estratégias diferenciadas. A uni-los a convicção disciplinar na arquitetura e uma vontade de construir uma prática estruturada em Portugal. Formado em 2005 na Universidade Autónoma de Lisboa, Miguel Marcelino desenvolve uma prática em continuidade assumida com a cultura arquitetónica portuguesa. Os estágios com Herzog & de Meuron e Bonnel & Gil permitiramlhe expandir a sua abordagem, centrada num interesse pela lógica tipológica e pela materialidade da obra, configuradas através de uma ordem conceptual estruturante. O primeiro prémio em concursos públicos e a possibilidade de desenhar algumas casas permitem-lhe ter já um conjunto significativo de obras concluídas ou em construção, situação pouco comum nos ateliers emergentes. Mas o fascínio pela obra e construção determina, no atual contexto de crise, a manutenção do atelier como uma microestrutura: “O real é a minha grande paixão. Para mim a realidade ultrapassa sempre a ficção. Um dos lados bons em ter uma estrutura pequena é que um ou dois projetos por ano são provavelmente suficientes para me manter sustentável, concentrando-me em trabalho onde me sinto útil e motivado.”5 O atelier FORA, composto por João Fagulha, Raquel Oliveira e João Ruivo, constitui-se em 2009 entre Portugal e a Grécia. Os seus elementos formaramse no Instituto Superior Técnico e na Faculdade de Arquitetura do Porto e estagiaram na Holanda, entre outros, no OMA e West 8, algo que se evidencia nas suas estratégias projetuais. Com uma abordagem diagramática ao programa, os seus projetos manifestam uma atenção à informalidade do uso quotidiano, através do jogo entre espaços comunicantes e luminosos. A afirmação do atelier faz-se através de uma série de projetos premiados em concursos públicos, que infelizmente não se concretizaram, adiando o teste da obra construída. Perante as adversidades, o atelier FORA depende de uma grande flexibilidade na gestão do atelier: “Neste momento, operamos com uma estrutura mínima, que ampliamos quando necessário através de colaborações com outros arquitetos ou profissionais de outras áreas. Esta capacidade da estrutura ampliar ou diminuir, de acordo com o momento, é fundamental para a sobrevivência do escritório.”6 O fala atelier foi fundado no Porto por Filipe Magalhães e Ana Luísa Soares. Formados na Faculdade de Arquitetura do Porto, estagiaram na Suíça com Harry Gugger e no Japão com Toyo Ito, Sou Fujimoto e SANAA, tendo ainda em Tóquio a oportunidade de habitar e investigar a Torre Nakagin de Kurokawa. As influências das culturas

disciplinares do eixo Porto-Basel-Tóquio desenvolveram-se depois numa abordagem singular de forte pendor disciplinar, algures entre a dinâmica metabolista e a racionalidade suíça. Com uma vontade indómita, exploram uma arquitetura conceptual de desenho rigoroso e abertura programática. Com grande eficácia, a ideia de cada projeto transmite-se através de representações surpreendentes que captam o universo conceptual e espacial desejado. Apesar das pequenas construções já realizadas, aguarda-se ainda a concretização de um projeto à altura da sua abordagem “dogmática”: “Queremos construir uma oratória que nos guie e consiga, ela própria, ser geradora de ideias. Queremos criar um método autossuficiente, um sistema que discipline a nossa produção. O que fazemos hoje, mais do que um conjunto de projetos, é procurar uma forma de estar na disciplina.”7 O trabalho de Pedro Clarke tem-se centrado num campo próximo das áreas sociais e humanitárias. Após formação na Faculdade de Arquitetura do Porto e estágio em Inglaterra, trabalhou com ONGs em diversos contextos internacionais, com especial incidência no Lesoto. Com algumas realizações relevantes, Pedro Clarke vai no entanto resistindo ao anátema de uma definição fechada ou panfletária de arquitetura social. Apesar desse distanciamento, o A+, formado com Camille Bonneau, revela um interesse genuíno pelos processos participativos de projeto e construção em arquitetura. Acreditam que só estes conseguirão responder aos problemas mais prementes das populações mais desfavorecidas: “Fala-se em falta de encomenda nos dias que correm, mas quando olhamos para as coisas desta forma há muito trabalho que precisa de ser feito, talvez não seja o trabalho mais glamoroso, mas é um trabalho onde a arquitetura pode mais uma vez mostrar que é relevante para a sociedade.”8 n 1 Luís Santiago Baptista. «Qual a responsabilidade da novíssima geração da arquitectura portuguesa?», in arq/a #98/99 - geração z #3, 2011, p. 8. 2 Ver entrevistas com Tiago Mota Saraiva e Pedro Campos Costa neste número da arqa. 3 Tiago Mota Saraiva. «The Place for Architecture in Portugal», in Domus, 2012. http:// www.domusweb.it/en/op-ed/2012/10/25/the-place-for-architecture-in-portugal.html 4 André Tavares; Diogo Seixas Lopes. «Combate e Táctica», in JA - Jornal Arquitectos #247, Ordem dos Arquitectos, 2013. 5 Ver entrevista Miguel Marcelino neste número da arqa. 6 Ver entrevista FORA neste número da arqa. 7 Ver entrevista fala neste número da arqa. 8 Ver entrevista Pedro Clarke/A+ neste número da arqa.

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PROJETOS

Portugal

Miguel Marcelino Casa com Três Pátios, Benavente

Arquitetura: Miguel Marcelino Colaboradores: Pedro Dourado Engenharia de Estruturas e Hidráulica: Pedro Monteiro Engenharia Elétrica: Orlando Sousa Paisagismo: Ana Amaro Empreiteiro Geral: Campelo & Campelo Classe Energética: A+ Localização: Vila Nova de Santo Estêvão, Benavente, Portugal Cliente: Privado Áreas: 282m2 (construção); 173m2 (implantação); 2.175m2 (lote) Volume de Construção: 854m3 Datas: 2009-2010 (projeto); 2010-2012 (construção) Texto: Miguel Marcelino Fotografia: FG+SG | Fernando Guerra

O lote situa-se em plena paisagem de montado, estando as melhores vistas a norte, com um lago e o horizonte pontuado por sobreiros. A casa está organizada num volume compacto de dois pisos, complementado por três pátios totalmente diferentes nas suas dimensões e características. Um primeiro grande pátio, fechado, intimista, situa-se no lado sul, contendo um enorme sobreiro existente. Junto ao quarto-dasmáquinas existe outro, mais pequeno, de serviço. O terceiro pátio, a norte, funciona como elemento mediador e fundamental na relação entre a casa e o lado norte – é um espaço esguio com um enorme rasgo horizontal que enquadra a paisagem – tem um ambiente de “espaço interior ao ar livre”. A luz é suave, por reflexão na parede externa que recebe sol directo. Este pátio vertical comunica com uma escadaria que dá para um terraço aberto, o último elemento da cadência de espaços, pátios e ambientes que vão de mais introspectivos e privados a mais abertos e exteriores. n

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PROJETOS

Portugal

Miguel Marcelino

Centro Escolar de Fonte de Angeão, Vagos

Arquitetura: Miguel Marcelino Colaboradores: Pedro Dourado Engenharia de Estruturas: Betar (José Venâncio) Engenharia Hidráulica: Ana Luísa Ferreira Engenharia Elétrica: Fernando Carvalho Araújo Engenharia Mecânica: António Lopes do Rego Paisagismo: FC Arquitectura Paisagista Empreiteiro Geral: Encobarra Localização: Fonte de Angeão, Vagos, Portugal Cliente: Município de Vagos Áreas: 2.885m2 (construção); 2.885m2 (implantação); 15.678m2 (lote) Volume de Construção: 10.963m3 Datas: 2008 (concurso público, 1º prémio); 2009-2010 (projeto); 2011(construção) Texto: Miguel Marcelino Fotografia: Miguel Marcelino

O local de implantação da escola proporciona uma relação próxima com a natureza. Situada num meio rural, a nova escola (EB1+JI) encontra-se rodeada de belas árvores adultas. A proposta explora a relação interior com as vistas exteriores através de dois sistemas que vão ditar a organização espacial da escola: nas salas de aula procura-se a concentração dos alunos - deste modo as largas janelas são abertas para reentrâncias, como pátios privados, garantindo controlada luz solar e escape visual para o exterior sem daí advir distração

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das crianças. Nos espaços comuns procura-se o oposto, vistas diretas para o exterior, largos campos perspéticos em todas as direções bem como abundante iluminação natural em todos os amplos corredores da escola. Não há separação entre estrutura, arquitetura e instalações técnicas. A estrutura é simultaneamente arquitetura e a sua matéria é o próprio acabamento final. Os tubos e caminhos de cabos não são escondidos e a maioria da ventilação e arrefecimento faz-se através de sistemas semipassivos. n


Planta

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PROJETOS

Portugal

Miguel Marcelino

Museu da Música Mecânica, Palmela

Arquitetura: Miguel Marcelino Engenharia de Estruturas: João Esteves Engenharia Hidráulica: José Rodrigues Engenharia Elétrica: Miguel Julião Engenharia Mecânica: Mário Silva Paisagismo: Viviana Rodrigues Empreiteiro Geral: Magnokbilding Localização: Arraiados, Pinhal Novo, Palmela, Portugal Cliente: Luís Cangueiro Áreas: 1.040m2 (construção); 620m2 (implantação); 1.994m2 (lote) Volume de Construção: 4.655m3 Datas: 2011 (concurso por convites, 1º prémio); 2011-2012 (projeto); 2013(construção) Texto: Miguel Marcelino Fotografia: Miguel Marcelino

O museu consiste numa caixa totalmente fechada, opaca e abstracta. Apenas o alçado principal apresenta uma concavidade que assinala a entrada do edifício. Aqui ficará exposta uma colecção privada de caixas de música produzida por meios exclusivamente mecânicos. A organização interior é cruciforme, em redor de um pátio central, que distribui para os quatro lados do edifício. Num lado temos o átrio, que funciona também como espaço vertical de distribuição, e nos restantes ficam três galerias de dimensões variadas. A transição entre cada um destes quatro espaços é feita através de quatro ante-câmaras cujos vértices coincidem com os pilares de uma estrutura pré-existente englobada ao centro. O resultado final é um volume que visto por fora parece elementar, mas cujo interior desmonta essa simplicidade: explorando longas perspectivas diagonais que se vão abrindo à medida que os espaços são percorridos, deixando vislumbrar relances das galerias seguintes - num jogo de sedução espacial que procura manter a curiosidade do visitante desde o inicio até ao fim da visita. n

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ENTREVISTA

arquitetura

Miguel Marcelino «O real é a minha grande paixão»

Luís Santiago Baptista Paula Melâneo

arqa: Qual a vossa perspetiva da arquitetura portuguesa contemporânea? Como se definiriam geracionalmente no nosso contexto disciplinar? MM: Num plano popular, tomando a “moradia” como tipologia de referência, penso que passámos definitivamente de um paradigma neoclássico ou pseudovernacular para, o que alguns chamam, um fenómeno de uma certa “soutomourização” da arquitetura. É ir ao google images, pesquisar “moradia arquitetura moderna” e observar os resultados incrivelmente homogéneos – é essa arquitetura que hoje se vai construindo por todo o território nacional. Num plano mais erudito, penso que hoje está tudo muito diferente do passado, comparando com o boom da construção nos anos 90. Hoje a encomenda pública praticamente desapareceu e o pouco trabalho que há, principalmente privado, tem quase sempre como denominador comum uma grande exigência de custos baixos. Mas muitas das respostas dadas não se deixam afetar por esses constrangimentos e, nesse sentido, vêem-se trabalhos extremamente interessantes, nomeadamente na área da reabilitação.

Casa dos Contos, Odense - Dinamarca, Concurso Público, 2013

No entanto essa não me parece uma qualidade exclusiva da “arquitetura portuguesa”. No fundo, diria que hoje temos uma arquitetura muito mais heterogénea. Provavelmente o resultado de uma geração que já não é apenas uma geração “erasmus” mas talvez “póserasmus”, que já não vive/estuda apenas alguns meses no estrangeiro mas que passa a viver/ trabalhar uns bons anos no estrangeiro, com todo o intercâmbio cultural mais profundo que isso implica. Quase apostaria que a esmagadora maioria dos arquitetos aqui representados neste número da ARQA viveu e trabalhou pelo menos um ano fora de Portugal. É esse também o meu caso, vivi e trabalhei um ano em Basileia, na Suíça, e mais de dois anos em Barcelona, antes de regressar a Lisboa.

Requalificação de Moinhos, Gavião, Concurso Público - 5º Prémio, 2011

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arqa: Como caracterizam o vosso posicionamento no atual panorama da arquitetura? Quais os grandes desafios da vossa abordagem arquitetónica? arqa: Como entendem a pluralização atual da arquitetura? Como se posicionam nesse espectro expandido da atividade do arquiteto? MM: Há uns tempos havia o debate da especialização, se fazia sentido ter arquitetos especializados em escolas, hospitais ou estádios? Por outro lado, temos também os arquitetos que só trabalham com grandes clientes e empresas, e depois outros apenas com a população desfavorecida. Depois temos os arquitetos “verdes”, os “sustentáveis”, os “participativos”, os “teóricos”, os “performativos”... No fundo penso que todos esses chavões acabam por pertencer mais ao domínio da publicidade e marketing do que outra coisa. No fim do dia o que interessa é se essa arquitetura funciona ou não, se é eficaz e consequente, se melhora as nossas vidas, se nos torna mais felizes. Hoje, com o esvaziamento generalizado da encomenda “convencional”, outras áreas acabam por ganhar naturalmente mais protagonismo, no entanto, e sem descurar o interesse e relevo dessas áreas, penso que não devemos desistir do nosso papel no desenho das cidades e dos edifícios, porque ainda está


Centro de Artes de Águeda, Águeda, Concurso Público, 2010

Terminal de Cruzeiros, Lisboa, Concurso Público, 2010

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PROJETOS

Grécia

FORA

Residência de Estudantes “18 Steps”, Atenas

Arquitetura: FORA (João Moura Fagulha, Raquel Maria Oliveira, João Prates Ruivo), André Adónis, Tudor Vasiliu Arquiteto local: ЯKITEKTS, Epaminondas Daskalakis & Associates Tipo: Concurso para a construção de uma residência de estudantes Estrutura: Palimpsest Architects+Engineers (Christos Kaklamanis) Instalações elétricas e mecânicas: INSTA Mechanical Engineering (Nikolaos Prounias) Acústica: Practical Acoustics Ltd (Kyriakos Papanayiotou) Renders: Panoptikon (Tudor Vasiliu) Cliente: Oliaros Ano: 2010 Área: 654m2 Custo: 800.000€ Texto: FORA Fotografia: FORA

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Coletivo Como projetar uma residência coletiva para a geração do ciberespaço individualizado? Eliminando a tradicional divisão entre níveis, é possível oferecer a cada habitante o seu próprio piso, e ao mesmo tempo fazer parte do contínuo espaço coletivo (a circulação). A residência em degraus desfaz a tradicional divisão entre o comum e o privado: a circulação expande ao ponto de se tornar espaço partilhado, conquistando área ao domínio individual para albergar plataformas de utilização coletiva (zonas de estar, cozinhar, estudar) e abrindo para o exterior em pontos precisos. O percurso culmina em generosos terraços comuns que geram uma nova paisagem integrada no peculiar contexto que os envolve - uma promenade continua pelo céu da cidade. Privado Seguindo o modelo das celas monásticas, os quartos são reduzidos ao mínimo, espaços para dormir e estudar, mas cujo domínio pode expandir através da parede móvel que os separa do átrio central. A experiência coletiva é uma opção individual. A sucessão de degraus é animada de acordo com o humor dos habitantes. Cada quarto possui uma casa de banho integrada no perímetro: uma parede de serviços que protege o interior. Na espessura da fachada do edifício, é possível tomar um duche na varanda. n


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PROJETOS

Portugal

FORA

Escola Secundária Mem Martins

Arquitetura: FORA - João Moura Fagulha, Raquel Maria Oliveira, João Prates Ruivo Tipo: Concurso Internacional de Conceção: “INOVAÇÃO E QUALIDADE EM ESPAÇOS ESCOLARES” Fundações e Estrutura: Artur Pinto Martins AVAC, Térmica e Acústica: Fernando Brito, Gustavo Pires Águas e Esgotos, Incêndios, Gás, Eletricidade, Gestão de Resíduos, Segurança: Quadrante Engenharia e Consultoria S.A. Paisagismo: FORA, Filipe Tavares Soares Renders: Panoptikon (Tudor Vasiliu) Cliente: Parque Escolar E.P.E. Ano: 2010 Área: 13.320m2 Custo: 10.997.700,00€ Texto: FORA Fotografia: FORA

Introdução: Nova Urbanidade A escola faz parte de um novo loteamento ortogonal, implantado no meio de urbanizações características do processo de crescimento da cidade, desde os anos 80 até aos dias de hoje. A implantação do novo edifício é definida pelo programa social e de serviços, distribuído ao longo de uma linha de cota que atravessa todo o lote e estabelece a continuidade entre a construção existente e o futuro bairro, a norte. O corpo de aprendizagem formal (as salas e laboratórios) desenvolve-se num piso de nível, um quadrado de 88x88m, que estabelece uma nova referência construída para as urbanizações futuras, flutuando acima do terreno e enquadrando a Serra de Sintra. Da tensão entre o chão e o quadrado nasce um espaço de transição onde se privilegia a aprendizagem informal. Este vazio define um percurso através da sucessão de espaços interiores e exteriores, e estrutura os núcleos fundamentais da escola. 1. Espaços sociais e de convívio O corpo social está organizado no piso térreo, articulando a relação da escola com a comunidade nas duas extremidades do terreno: a sala polivalente e a biblioteca formam um polo na entrada principal, enquanto que o núcleo de espaços desportivos configura a entrada nascente do recinto. 2. Espaços de ensino O piso superior funciona como uma cidade. Cada quarteirão tem um programa associado. Estes quarteirões são organizados por um sistema hierárquico de ruas, no qual a “learning street” funciona como a espinha dorsal. O quadrado articula vazios de várias dimensões, que cumprem diferentes funções: garantir uma adequada iluminação das salas de aula (a sul), iluminação zenital dos espaços comuns localizados no piso térreo e intermédio, atravessamentos visuais entre os laboratórios e oficinas e os espaços comuns. Os vazios estabelecem ainda uma rede de espaços naturais, que asseguram uma qualidade ambiental elevada no interior do edifício, contribuindo para uma performance energética de excelência. n

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Maquete de conceito

Implantação

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PROJETOS

Dinamarca

FORA

Renovação de conjunto residencial “Nordic Built Challenge”, Ellebo

Arquitetura: FORA (João Moura Fagulha, Raquel Maria Oliveira, João Prates Ruivo), Beth Hughes Sustentabilidade ambiental: TU+A (Raul Moura) Estrutura: Quadrante Engenharia e Consultoria S.A. (João Costa) Térmica e Climatização: Quadrante Engenharia e Consultoria S.A. (João Sousa, Diogo Correia) Renders: Panoptikon (Tudor Vasiliu) Cliente: Nordic Innovation Ano: 2013 Custo: 202.647.355 NOK Texto: FORA Fotografia: FORA

O bairro residencial de Ellebo, nos arredores de Copenhaga, é um manifesto construído do ideal moderno: edifícios com serviços partilhados em torno de uma área exterior comum. O bairro foi sujeito a uma primeira reabilitação nos anos 90: a área útil dos apartamentos foi aumentada através do encerramento das varandas o que fragilizou a relação entre o interior e o exterior. A futura reabilitação é uma oportunidade para reintroduzir esta relação e afirmar o coletivo e o usufruto do exterior como qualidades fundamentais do lugar. A estratégia de intervenção baseia-se em três princípios: Comunidade A ocupação do espaço verde central com programas de uso coletivo campos desportivos, parques infantis, zonas de estar, hortas comunitárias, e outros serviços - tornará este espaço, outrora vazio, num espaço de reunião e palco das atividades da comunidade de Ellebo. Extensão Uma nova pele de vidro oferece a possibilidade de renegociar a relação dos habitantes com o exterior e entre vizinhos. A cada apartamento é acrescentada uma varanda generosa, protegida dos elementos por uma fachada de vidro, permitindo a sua utilização durante grande parte do ano. Esta sala de estar semiexterior prolonga o domínio interior para fora, e transforma o átrio partilhado num espaço de possível comunhão, animado pela vida doméstica de cada vizinho. Densidade O novo piso de apartamentos na cobertura liberta o jardim da pressão de nova construção. Os apartamentos são de construção pré-fabricada em painéis de madeira sólida. O interior é organizado em torno de um pátio convertível e pode ser transformado através de um painel móvel que atravessa o apartamento, aumentando as possibilidades tipológicas de cada habitação. n

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Implantação

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ENTREVISTA

arquitetura

FORA

«Queremos estar envolvidos no processo de construção da cidade»

Luís Santiago Baptista Paula Melâneo

arqa: Qual a vossa perspetiva da arquitetura portuguesa contemporânea? Como se definiriam geracionalmente no nosso contexto disciplinar? FORA: Até aqui a produção de arquitetura em Portugal estava maioritariamente associada ao arquiteto individual de renome. Hoje verifica-se uma transformação geracional na produção da arquitetura e na qual nos incluímos. Coexistindo com o arquiteto individual, surgem estruturas mais pequenas, cuja produção é o resultado do trabalho de um coletivo pluridisciplinar fortemente marcado pela sua experiência académica e profissional fora de Portugal. arqa: Como caracterizam o vosso posicionamento no atual panorama da arquitetura? Quais os grandes desafios da vossa abordagem arquitetónica? FORA: Vemo-nos incluídos nessa nova geração de escritórios que buscam novos métodos e territórios de intervenção (tanto geográficos como conceptuais). O maior desafio será precisamente encontrar espaço e oportunidades para desenvolver as nossas ideias, num contexto de crescente complexidade e fragilidade económica. arqa: Como entendem a pluralização atual da arquitetura? Como se posicionam nesse espectro expandido da atividade do arquiteto? FORA: Essa pluralização nasceu da escassez de encomenda, provocada não só pelo colapso económico mas também pela saturação do próprio campo de intervenção – a cidade já não consegue absorver mais construção nova. É necessário rever e reinventar as estratégias de intervenção no contexto urbano. No nosso caso, mantemos o interesse

Plateia Teatrou em Atenas, 2º prémio no concurso, 2010

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na exploração dos mecanismos fundamentais da arquitetura: articulação entre o domínio público e o privado, entre interior e exterior, público e performance – e como utilizar esses mecanismos nas diferentes escalas de intervenção, a sua perversão e ambiguidades, questionando ideias pré determinadas de como definir estas dicotomias. arqa: Que filiações ou influências marcaram o vosso percurso formativo e profissional? Como é que elas se manifestam na vossa produção arquitetónica? FORA: O nosso percurso académico e profissional foi determinante para a definição da nossa prática atual. Na faculdade, tivemos professores com uma abordagem mais conceptual e pouco dogmática – na FAUP, o Manuel Mendes e o Pedro Gadanho; no IST, o Manuel Vicente. Posteriormente, estudámos um ano fora (Holanda e Brasil) e trabalhámos em escritórios na Holanda e Espanha durante alguns anos. Estas experiências expuseram-nos a outros métodos, formas de pensar, e enriqueceram o nosso conhecimento da arquitetura e também de outras disciplinas. Esta formação plural e internacional manifesta-se na nossa produção atual na medida em que tentamos sempre abordar os projetos de uma forma crítica - e principalmente autocrítica - e antidogmática. arqa: Como se adaptaram e respondem à atual crise em Portugal? De que forma as condições profissionais e produtivas se manifestam na vossa atividade? FORA: O colapso financeiro de 2008 teve repercussões na Grécia e Portugal, e como consequência vimos interrompidos dois projetos

Plovdiv Central Square, projeto finalista do concurso, 2014


Bairro da Boavista em Lisboa, 2º prémio no concurso público, 2013

que tínhamos ganho em concurso. Neste momento, operamos com uma estrutura mínima, que ampliamos quando necessário através de colaborações com outros arquitetos ou profissionais de outras áreas. Esta capacidade da estrutura ampliar ou diminuir, de acordo com o momento, é fundamental para a sobrevivência do escritório. arqa: Que áreas de trabalho e que projetos vos motivam? Quais as vossas opções profissionais tendo em conta a sustentabilidade do atelier? FORA: Temos privilegiado a participação em concursos, preferencialmente para edifícios ou espaço público, e também habitação coletiva, o que tem permitido sustentar a atividade do escritório, mas sempre com um horizonte curto. Na parte da encomenda privada, a nossa atividade dedica-se quase na totalidade à reabilitação, uma área que é determinante para a definição do que vai ser a cidade no futuro, e dentro da reabilitação temos trabalhado até ao momento exclusivamente em habitação - um tema, para nós, de infinita e constante investigação. arqa: Como caracterizam a vossa forma de trabalhar e que estratégias privilegiam? Que contactos e redes de investigação procuram estabelecer? FORA: Desde o início que estabelecemos parcerias diversificadas com outros arquitetos e profissionais de áreas como a sustentabilidade, teoria, paisagismo e produção de imagens. Estas colaborações desafiam os nossos métodos, e permitem manter abertura critica em relação a cada projeto.

arqa: Como se estabelece e desenvolve o vosso processo criativo? Que instrumentos, estratégias e práticas exploram? FORA: Como o escritório começou entre Lisboa e Atenas, a comunicação à distância foi sempre determinante para o nosso método de trabalho. Continuamos a apostar em colaborações com outros profissionais dispersos pela Europa. A comunicação com essa equipa deslocalizada revela-se um instrumento essencial para a definição e desenvolvimento das nossas ideias, porque obriga a um esforço de síntese e objetividade desde as fases iniciais de cada processo. Durante o processo de trabalho, construímos invariavelmente modelos tridimensionais a várias escalas desde a fase de conceito; e procurámos temas de interesse e investigação fora do campo da arquitetura que possam vir a informar de forma inesperada os nosso projetos. arqa: Como entendem e desenvolvem as práticas de divulgação do vosso trabalho? Que plataformas e meios privilegiam? FORA: Os meios digitais conhecidos, que já são considerados clássicos, e a divulgação em meios de comunicação social. Procuramos também participar em exposições, porque são boas ocasiões para criar distância e autocrítica em relação aos nossos projetos. arqa: Como imaginam o desenvolvimento futuro da vossa atividade? Que papel pretendem ter como arquitetos? FORA: Queremos estar envolvidos no processo de construção da cidade, e contribuir com arquitetura que desafie o seu funcionamento regular. n

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PROJETOS

Portugal

fala atelier

Bairro Social de Alvenaria, Lisboa

Arquitetura: fala atelier - Filipe Magalhães e Ana Luísa Soares Tipo de projeto: Concurso público (10º lugar) Data: junho 2013 Texto: fala atelier Imagens: fala atelier

Respeitando o plano urbano apresentado pelo município, propõe-se um bairro em oposição ao atual: aberto, dinâmico e com os espaços verdes e de cultivo a criarem uma plataforma de espaço público. O edifício tipo, que se desenvolverá nos 46 lotes, foi pensado tendo em consideração a sua repetição: evitando um volume excessivamente pesado e encerrado, a sua fragmentação e possibilidade de mutação funcionam como geradores de uma nova topografia sobre o bairro. Os novos volumes e as diferentes utilizações das várias plataformas criam um ritmo dinâmico e garantem, na sua variação, a unidade do novo tecido urbano. A proposta evita a repetição autista de um edifício anónimo. Para a definição das diferentes frações e organização das habitações, propõe-se uma unidade mínima de composição. Esta “célula”, um volume cúbico de 2,55m de lado, permite a criação estandardizada das diferentes divisões de cada fração e garante uma hierarquia a todas as habitações: cada wc ou cozinha ocupa um módulo, cada quarto dois módulos e uma sala ocupará quatro módulos, podendo ser consideradas exceções, quando necessário. Imaginando uma grelha virtual, é um processo intuitivo organizar cada habitação, possibilitando a cada morador intervir facilmente no processo de desenho do seu novo lar. O módulo é o início de todo o bairro. O sistema celular potência também uma fácil mutação em casos de evolução tipológica. Compreendendo a regra por trás da métrica, facilmente poderão ser subdivididos quartos ou salas criando mais divisões, poderão ser apropriados espaços de varanda sem nunca ser posta em causa a implantação original e os módulos das diferentes habitações podem ser permutados possibilitando a cada habitação crescer ou encolher de acordo com as necessidades da comunidade. Com a participação dos moradores, o processo de composição poderá gerar novas formas para cada lote, sem nunca colocar em causa a identidade de todo o bairro. Sendo um pré-requisito do concurso a opção por soluções estandardizadas de construção, o sistema orgânico de estruturação espacial garante a cada divisão - cozinhas, instalações sanitárias, quartos e salas - pontos de partida idênticos em todas as habitações, assegurando equilíbrio social e a fácil manutenção do interior dos fogos no futuro. Um bairro social não pode ser visto como um acumular indiferenciado de habitações e, como parte da proposta, propõem-se workshops e seminários que possibilitem a integração da população na construção do novo bairro, nas diferentes fases, com o intuito de personalizar o modo único como cada morador habita e quer habitar. A proposta para o bairro de Alvenaria não é um edifício: é um conjunto de indicações que permitirão aos moradores construir o seu bairro. n

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Variações e evoluções tipológicas

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Módulo base 2,55 x 2,55 x 2,55m Área: 6,50m 2 Volume: 16,60m 3

Wc (1 módulo) 2,55 x 2,55 x 2,55m Área: 6,50m 2 Volume: 16,60m 3

Sala (4 módulos) 10,80 x 2,55 x 2,55m Área: 27,50m 2 Volume: 70,20m 3

Cozinha (1 módulo) 2,55 x 2,55 x 2,55m Área: 6,50m 2 Volume: 16,60m 3

Quarto (2 módulos) 5,30 x 2,55 x 2,55m Área: 13,2m 2 Volume: 34,50m 3

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PROJETOS

Portugal

fala atelier

Biblioteca Municipal “Aurora”, Setúbal

Arquitetura: fala atelier - Filipe Magalhães e Ana Luísa Soares Tipo de projeto: Concurso público Data: abril 2013 Texto: fala atelier Imagens: fala atelier

O perímetro da praça é relativamente regular; os “possíveis impedimentos” criados pelas árvores protegidas e pelas ruínas da muralha remetem a implantação da biblioteca para o canto a sul. A relação (ou a falta dela) do auditório com tudo o que o rodeia, assim como o ruído proveniente da Avenida, sugerem também um afastamento. Assente numa plataforma plana cujas possíveis referências foram apagadas pelo tempo, propõe-se um objeto independente, excecional, quase monumental. Um volume de planta circular, reforçando a sua independência, com a escala da praça onde se insere. Uma peça visível da Avenida, do mar e do jardim (onde a fonte retoma a sua importância). Em diferentes pontos da cidade, a cúpula destaca-se e serve de chamariz com a sua forma nova e curiosa no horizonte. A textura branca e rugosa garante um certo distanciamento abstrato ao objeto e em simultâneo torna-o mais terreno, mais tectónico. Quase sem perfurações, parece estar apenas temporariamente pousado na praça. A organização interior é baseada na divisão dos pisos em quatro partes iguais, colocando toda a pressão nas paredes de betão, libertando assim as salas de qualquer elemento estrutural. Todos os espaços são idênticos na sua escala e abertos a diferentes apropriações. Tal como o espaço público, a biblioteca pode ser entendida de formas diferentes ao longo do tempo e está preparada para suportar novas funções; sugere-se uma possível organização tipo do programa e mobiliário, solução essa que responde ao programa preliminar e aos regulamentos em vigor, mas mais do que isso, a solução apresentada propõe perímetros definidos para atividades indefinidas, molduras para futuros que não se podem prever. Ao criar condições de luz, ventilação e acessos eficientes e genéricos, o edifício ganha a possibilidade de se alterar com o tempo sem que com isso necessite de mudar a sua volumetria. Os espaços propostos podem suportar diferentes comportamentos por parte dos utilizadores, podendo a biblioteca deixar de o ser para tomar outro caminho. Na sala de leitura, programa que dá razão à biblioteca, a planta circular com a estante contínua no seu perímetro seria a base da cúpula onde uma única fonte de luz zenital iluminaria todo o espaço. A grande sala poderia ser ocupada livremente, por mobiliário ou por pequenas salas temporárias, e a luz fluiria com grande naturalidade. Como consequência, a forma exterior do edifício refletiria o seu interior, destacando a exceção. Quase naturalmente, a perceção do edifício passaria a ser a compreensão da sala de leitura. Para a composição e proporção do objeto, seriam consideradas regras clássicas de proporção. n

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Axonometria de implantação


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PROJETOS

Portugal

fala atelier

Exposição “Anticlimax: a report on the metabolist dream”, Lisboa

Projeto: fala atelier – Filipe Magalhães e Ana Luísa Soares Tipo de Projeto: Curadoria / Exposição; projeto associado Close-Closer Conteúdos: fala atelier Design Gráfico: Sandra Shizuka, Pedro Gonçalves Estrutura: Catari/Universal System Cliente: Trienal de Arquitetura de Lisboa Local: Palácio Sinel de Cordes Orçamento: 1.500€ Datas: de 25.10.2013 a 15.12.2013 Fotografia: FG+SG - Fernando Guerra Website: www.anticlimaxexhibition.com

Encontrar um espaço para viver em Tóquio não é fácil. As rendas são elevados e as habitações disponíveis geralmente longe do centro. Tipologicamente, a Nakagin Capsule Tower continua a provar que faz sentido. Projetada por Kisho Kurokawa, em 1972 apresentava-se como

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um novo conceito renovação urbana. No entanto, 40 anos depois, é claro que algo de errado aconteceu. O edifício está a esvaziar-se e várias cápsulas estão abandonadas e a apodrecer. Muitos dos proprietários querem demolir o edifício; alguns oferecem resistência. Cada cápsula tinha uma validade de 20 anos mas já passou o dobro desse tempo. A mais mediática lembrança do movimento metabolista japonês está doente e ergue-se hoje apenas como uma recordação de um futuro que nunca aconteceu. Anticlimax foi uma exposição sobre a rotina contemporânea de um herói caído em desgraça. Através de imagens da sua condição atual, a exposição ilustrou o presente dia-a-dia de um dos edifícios mais icónicos do Século XX. As duas salas no velho palácio foram preenchidas com uma estrutura de andaimes organizada numa grelha de 1,05m; 2x3 módulos representam o volume exato de uma cápsula. Ao deambular entre os conteúdos suspensos na estrutura metálica, os visitantes foram convidados a compreender a noção particular de escala e repetição da ex-superestrela metabolista. n


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ENTREVISTA

arquitetura

fala atelier

«Cada projeto é um exercício de consistência»

Luís Santiago Baptista Paula Melâneo

arqa: Qual a vossa perspetiva da arquitetura portuguesa contemporânea? Como se definiriam geracionalmente no nosso contexto disciplinar? FALA: A arquitetura portuguesa contemporânea está inevitavelmente ligada aos dois prémios Pritzker e uma segunda linha de ateliers que, apesar da crise, continuam a produzir uma arquitetura de enorme qualidade. Há um processo e um modo de pensar o espaço que se estende por todo o país; a qualidade é evidente e o modelo, apesar de sofrer variações e pequenas derivações, é bastante homogéneo e experimentado. A arquitetura é gerada com base num certo empirismo e ainda existe um registo de mestre e aprendiz, no melhor sentido da expressão. Não parece haver uma vontade de experimentar novos caminhos nem de gerar nova teoria porque a prática é a teoria em vigor. Nunca tivemos um verdadeiro movimento, nem um manifesto, e fomos pós-modernos sem nunca termos vivido a modernidade no seu máximo fulgor. No entanto, exportamos cada vez mais arquitetura e arquitetos, o que comprova o reconhecimento internacional. Ao mesmo tempo, há uma crise que, apesar de atingir todos os intervenientes, afeta principalmente os pequenos e jovens ateliers. O boom das universidades é um problema que tarda em ser resolvido e o número de arquitetos cresce exponencialmente. A emigração apenas disfarça (e salienta) o problema. Estudamos no Porto, Ljubljana e Tóquio e trabalhamos na Suíça e no Japão. Durante os últimos anos viajamos e fomos realizando trabalho pessoal, em paralelo. Como arquitetos não nos sentimos mais agarrados a uma identidade nacional do que a qualquer outra internacional. Não nos parece que tenhamos uma “geração” e, se ela existe, é fragmentada e está espalhada, sem impacto de conjunto. Talvez esse seja um sinal de que o que fazemos neste momento é relativamente inconsciente da nossa parte, quase ingénuo, mas temos vontade de arriscar. Perdemos muitos concursos e algumas comissões por ir longe demais, por sermos demasiado rígidos no nosso modo de pensar, se calhar por irmos numa direção diferente do tal modelo nacional. Ao mesmo tempo, esta postura está a trazer-nos mais oportunidades e a ajudar a sustentar uma identidade. Começa a existir uma certa curiosidade pelo nosso trabalho, que ainda é muito instável, mas estamos a seguir um caminho próprio, no qual acreditamos. Ainda não percebemos onde podemos chegar, mas menções como a seleção para o Début Award da Trienal de Arquitectura Lisboa e os concursos premiados dos últimos anos dão-nos confiança para continuar. arqa: Como caracterizam o vosso posicionamento no atual panorama da arquitetura? Quais os grandes desafios da vossa abordagem? FALA: Somos jovens e dogmáticos, demasiado presos à retórica, o que tem tudo para correr mal. Ao mesmo tempo, esta atitude dá-nos um método que garante coerência ao corpo de trabalho que desenvolvemos. Gostamos de explorar novos caminhos, sem compromissos nem agendas definidas a priori, e cada projeto é uma oportunidade para nos questionarmos. Não estamos preocupados com a componente imagética/estética dos nossos edifícios e o que queremos discutir é o

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que os estrutura intelectualmente: cada ideia e intenção. O nosso maior desafio está na transição desta postura para uma realidade concreta, desinteressada e pragmática. O contraste é muito grande. À primeira vista, as nossas referências não são coerentes entre si; não há um fio condutor e cada uma fascina-nos por razões diferentes. No entanto, ao traçar um mapa de afetos e relações, montamos uma teia mental onde compreendemos o lugar que cada um daqueles autores e obras ocupam. Analiticamente, conseguimos definir uma ordem, uma hierarquia e uma razão para todos eles. Conseguimos vaguear entre Boullée, Mies, Superstudio, Venturi, Rossi, Koolhaas, Siza, Lacaton & Vassal, Olgiati, Nishizawa, Bow Wow, KGDVS, Baukuh, Zuber... e sentir que estamos a seguir uma linha consistente de raciocínio. Ao compreender as nossas referências e o que nos atrai em cada uma delas, conseguimos entender as nossas motivações. arqa: Como entendem a pluralização atual da arquitetura? Como se posicionam nesse espectro expandido da atividade do arquiteto? FALA: A tecnologia banalizou a produção e divulgação da disciplina. Já não existem escolas nem movimentos e há muito espaço para diferentes abordagens. As possibilidades são infinitas e deixou de haver um certo e um errado. Os grandes nomes da arquitetura estão demasiado confortáveis para responderem como faziam antes de serem grandes e isso abre espaços para novas posições críticas. O melhor exemplo é a

Planta do Centro Cultural de Reinosa, Concurso Público, 2013


Plantas do Centro das Artes de Moscovo, Concurso Público, 2013

nova vaga de pós-modernos de 3ª geração que começam a desconstruir o sistema (ou pelo menos a viver paralelamente a ele) e a produzir uma arquitetura relevante. Países como a Bélgica, Chile, Japão, Suécia ou Suíça destacam-se pelo modo como se estão a regenerar e a produzir novas aproximações à disciplina (em muitos casos baseadas puramente na compreensão e rejeição/aceitação do seu contexto). Por oposição, Portugal está parado. Aparecem pontualmente alguns ateliers que tentam ser “diferentes”, mas perdem-se na dicotomia forma/imagem sem nunca se livrarem disso. Não há nada fresco, talvez pela crise, ou por mero acomodamento cultural. Isto quer dizer que aqui, no Porto, há espaço para podermos explorar uma identidade própria. Queremos construir algo novo, algo nosso. Não estamos certos nem errados, e isso nem sequer nos preocupa porque não participamos num concurso de popularidade. Sabemos que podemos não o conseguir, mas o fundamental é a intencionalidade e o posicionamento crítico com que nos colocamos. Queremos construir uma oratória que nos guie e consiga, ela própria, ser geradora de ideias. Queremos criar um método autossuficiente, um sistema que discipline a nossa produção. O que fazemos hoje, mais do que um conjunto de projetos, é procurar uma forma de estar na disciplina.

arqa: Que filiações ou influências marcaram o vosso percurso formativo e profissional? Como é que elas se manifestam na vossa produção arquitetónica? FALA: Estudamos na FAUP, que nos transmitiu um modelo seguro, experimentado. Mais do que um estilo, que obviamente também nos foi dado a escolher, a escola deu-nos um modo de pensar e, aliado a ele, um conservadorismo realista muito útil no mundo real. Ficamos positivamente limitados. Estudamos também em Ljubljana e Tóquio, e viajamos pela Europa e Ásia. Conhecemos “um admirável mundo novo” de processos e métodos de trabalho e o contraste gerou a motivação que nos levou às nossas dissertações, um momento fundamental no nosso percurso: um ano de pausa para ler e estudar (e, em alguns casos, finalmente compreender) algumas das nossas referências e produzir, em hipótese, uma posição. Sem experiência, sem contexto; pura e simples teoria. Trabalhamos na Suíça, com o Harry Gugger, num modelo internacional e variado (por oposição à faculdade). Um melting pot de ideais e convicções onde os choques de pessoas e posições, combinados com um ambiente altamente profissional e regrado, foram o melhor laboratório que poderíamos ter como primeira experiência profissional. E se em Basileia

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Pedro Clarke / A+

Centro Kick 4 Life (Fases II & III), Lesoto

TRANSFORMER BOX

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see cadastral plan for coordinates

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Fase II – Completo/em construção Arquitetura: Pedro Clarke (A+) + Penoyre&Prasad Architects + James McCloy Architects (arquiteto Local) Engenharia: ZMCK Engeneering Empreiteiro: EFS Áreas: 400m2 (piso 00) + (400m2 Piso 01, em construção) Data: 2007-12

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Lesoto

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PROJETOS

Nigh

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PHASE II

Fase III – Projeto de Estudo/Angariação de fundos Arquitetura: Pedro Clarke (A+) + Lyall, Bills & Young Architects

residential buildings

Mabekebeke Road

Medidor Orçamentista: Lesotho Quantity Surveyors Clientes/Parceiros: Kick 4 Life Texto: Pedro Clarke Fotografia: Pedro Clarke site boundary

new water tower

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FFH PARKING 7 Lots

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residential buildings

FFH CENTER

Mabekebeke Road

Enquanto voluntário para a ONG internacional de arquitetura Article-25 em 2007, o Pedro partilhou o seu escritório com o Pete Fleming, cofundador do Kick4Life, tendo ficados amigos desde essa data. Em 2008 quando foram lançadas as primeiras propostas para o programa 20 centros para 2010 da FIFA, trabalharam juntos com o Article-25 e o atelier RRA-Reiulf Ramstad Arkitekter de Oslo, onde o Pedro estava a trabalhar na altura (depois de ter regressado do Lesoto), na primeira proposta para um centro para Maseru. Embora esse projeto não tenha avançado, o estudo elaborado por esta equipa foi crucial em garantir que o K4L fosse escolhido como uma das organizações que integraria esse programa. Em 2011, uma vez que o centro financiado pela FIFA tinha sido concluído, o Kick4Life convidou o Pedro para começar a elaboração de um novo projeto para expandir o seu centro. Estando a trabalhar no atelier Penoyre&Prasad em Londres, foi criada uma parceria com o arquiteto James McCloy para a elaboração do projeto e para a sua construção. Á semelhança do processo que tinha sido conduzido em 2008, o projeto teve início numa série de workshops participativos com os jovens que beneficiam dos programas do Kick4Life, com membros da sua equipa e com diferentes parceiros desta ONG. Este processo estabeleceu o programa do novo centro: espaço de escritório para o Kick4Life (permitindo que o primeiro edifício pudesse ser utilizado exclusivamente, para programas para jovens), novas salas de atividades/conferências, uma cozinha/restaurante de empreendorismo social (onde os participantes aprendem diferentes atividades ligadas á industria da hotelaria), e um primeiro piso (que não possível completar numa primeiro instância) para quartos que serão utilizados tanto por jovens e crianças que vêm participar nos programas do Kick4Life, como também como forma de angariar fundos para o Kick4Life, sendo alugados a visitas e convidados. Para além do processo ter identificado as necessidades dos

NORTH

Implantação

Site Plan

participantes, foi possível ainda decidir em conjunto que o edifício teria de ser desenhado e faseado para que o piso térreo pudesse funcionar de forma autónoma caso não houvesse financiamento para completar o piso superior. Desta forma uma intenção de projeto que era suposto ser prática acabou por dar lugar a um amplo espaço multiusos que tem sido utilizado das mais diferentes formas pela comunidade. Em 2013, começou uma nova fase de projeto em parceria com o Kick4Life com o objetivo de criar novos espaços para empreendorismo e para usos programáticos ligados ao programa de saúde, educação e desporto que estão no centro das atividades do Kick4Life, e de fazer um upgrade ao campo de futebol. Este processo que se encontra agora em fase inicial começou com um workshop participativo com diferentes grupos da comunidade, onde desta vez se convidou os jovens a pensarem sobre os problemas com que têm de lidar e quais a soluções que propõem, que está agora a ser utilizado para angariar fundos para esta nova fase de expansão do Centro do Kick4Life. n


Esquissos dos alรงados

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PROJETOS

Lesoto

Pedro Clarke e Camille Bonneau Escola Maliphofu, Lesoto

Arquitetura: Pedro Clarke e Camille Bonneau Engenharia: Pormenores tipo do Ministério da Educação Medidor Orçamentista: N/A Empreiteiro: Lepota&Sons Construction Área útil: 58m2 Clientes/Parceiros: Sentebale (UK/Lesotho NGO), Escola de Maliphofu, Ministério da Educação Data: 2010 Texto: Pedro Clarke e Camille Bonneau Fotografia: Pedro Clarke e Camille Bonneau

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Com todo o seu território localizado acima dos 1400m de altitude o Lesotho é o país com o “ponto mais baixo” mais alto do mundo. Grande parte deste território encontra-se ainda acima dos 1800m sendo suscetível a grandes variações de temperatura. Com temperaturas abaixo dos -15ºC no Inverno e acima dos +30ºC no Verão uma das nossas maiores preocupações de projeto foi de tentar desenhar um edifício que tivesse uma boa performance térmica num local desprovido de eletricidade ou gás para aquecimento. Desta forma, este projeto mais do que uma nova sala de aulas para uma pequena escola na vila de Maliphofu, perto de Thaba-Tseka, foi um projeto experimental para o desenho de um protótipo para uma escola tipo para a região montanhosa do Lesotho. Antes do novo edifício a Escola de Maliphofu tinha cerca de 130 alunos e funcionava a partir de uma única sala de aulas, apenas com duas pequenas janelas e com poucas


Implantação

condições de habitabilidade. A nova escola, mais espaçosa, e desenhada para tirar maior partido possível da exposição solar foi projeto num processo participativo que envolveu crianças, professores e também a chefe da vila. Durante 6 semanas tivemos reuniões semanais na escola (a 3 horas de viagem do nosso escritório em Maseru, na capital do Lesotho), para decidir onde localizar o novo edifício, que materiais usar, e explicar como se poderia tirar partido da orientação (coletor solar orientado para Norte/ Noroeste-máxima exposição durante a manhã enquanto as aulas estão a decorrer) e utilização destes materiais para tornar o espaço mais luminoso e comportável. As cores escolhidas para a cobertura foram também escolhidas nestas sessões e são uma referência direta ao uniforme desta escola. O processo construtivo envolveu a escolha de um empreiteiro da lista de empreiteiros recomendados pelo Ministério da Educação do Lesotho.

Este empreiteiro, para além de mobilizar uma pequena equipa liderada por um mestre de obras que ficou residente na vila, contratou a maior parte dos seus empregados de entre os homens e mulheres adultos da vila. A pedra utilizada (grés escuro para ajudar na acumulação de calor) na construção da nova escola foi toda recolhida pelos moradores desta mesma vila. Os restantes materiais foram comprados todos no Lesotho, com exceção dos painéis de policarbonato, para o coletor solar (que se fecha no inverno e pode ser aberto no Verão para auxiliar a ventilação natural), que tiverem de ser encomendados da África do Sul. A participação dos alunos, professores e moradores foi uma parte muito importante em tornar este projeto possível, assim como os apoios da ONG que o financiou, mas a maior recompensa foi na abertura do novo edifício o compromisso do Ministério da Educação em construir mais salas de aulas para esta escola. n

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PROJETOS

Camarões

P. Clarke e C. Bonneau + R. da Col Projeto Gecko House, Minkoameyos, Yaoundé

Arquitetura: Camille Bonneau e Pedro Clarke + Raimondo da Col Tipo: Projeto Finalista no Concurso Internacional organizado pela ONG Archive Global Data: 2012 Texto: Pedro Clarke e Camille Bonneau + Raimondo da Col

Mais do que uma solução para o desafio lançado neste concurso, formas de melhorar casas tradicionais contra a malária em Mynkoaméyos uma pequena cidade localizada a 10km da capital dos Camarões Yaoundé, a nossa participação neste concurso propunha dar um passo atrás e pensar em toda a organização de todo um processo participativo como forma a criar uma resposta mais sustentável para o problema. Partindo do principio que as melhorias para uma casa prevenir casos de malária têm de partir de um envolvimento ativo da população propusemos não desenhar uma solução mas organizar um workshop e um processo para descobrir em conjunto, com os moradores deste local, diferentes ideias e soluções que depois pudessem ser replicadas em grande escala e ajudar a resolver este problema. Através do desenho (escolhido por ser uma ferramenta de fácil entendimento e sem artifícios visuais ou embelezamentos), o projeto explora formas de reabilitar muros em poto-poto, forma de construção tradicional em terra, propõe diferentes tipos de intervenções em casas reduzindo a vulnerabilidade destas á entrada de mosquitos durante a noite, hora em que a maior parte das infeções ocorre. Exploramos ainda novos sistemas sanitários, a criação de uma oficina de treino e construção e a reutilização de lixo e materiais recicláveis para criar produtos antimosquitos ao mesmo tempo que se melhora as condições de salubridade das ruas. n

Consultar e Discutir ideias com os futuros moradores é um processo essencial para o sucesso de qualquer projeto deste tipo

Lixo e água estagnada criam pontes de foco e concentração de mosquitos. Limpando os arruamentos encontram-se materiais que podem ser reciclados e reduz-se o risco de infeção, melhorando a qualidade do espaço Corte com proposta de ventilação melhorada. Muitas das infeções com malária ocorrem à noite, quando se abrem portas e janelas na tentativa de arrefecer as casas.

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Planta da proposta de intervenção numa casa típica em poto-poto

Planta de casa típica em poto-poto

Axonometria da proposta demonstrando reforço de paredes, novos tetos em rede, portadas para janelas, latrina sanitária, e melhorias de ventilação

Axonometria de casa típica em poto-poto

Planta do reforço de parede de poto-poto com taipa e melhoria das portadas

Corte/pormenor do reforço de parede de poto-poto com taipa

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ENTREVISTA

arquitetura

Pedro Clarke

«Tentar fazer arquitetura para todos»

Luís Santiago Baptista Paula Melâneo

arqa: Qual a vossa perspetiva da arquitetura portuguesa contemporânea? Como se definiriam geracionalmente no nosso contexto disciplinar? PC: Estamos num momento bastante interessante, depois de o trabalho de arquitetos como o Álvaro Siza, Eduardo Souto de Moura, Paulo David, ou os Aires Mateus, quando se fala em arquitetura portuguesa pensase em edifícios de exceção, na sua relação com a paisagem, na forma como os materiais foram utilizados e os espaços foram definidos, mas a realidade da arquitetura portuguesa, especialmente num momento de escassez de encomenda, não é apenas essa. Acho que quem estudar com atenção a representação oficial Portuguesa na XIV bienal de arquitetura de Veneza – Homeland: News from Portugal com a curadoria do Pedro Campos Costa e com a participação de um série de arquitetos mais jovens, rapidamente se apercebe disto, não é que a nossa geração já não esteja interessada no uso de materiais, ou não queira projetar edifícios de exceção, mas no nosso contexto, tentamos e temos de trabalhar com os recursos disponíveis. Começamos então a ver pessoas a explorar percursos mais tangenciais á chamada “arquitetura tradicional”, e talvez arquiteturas mais ativistas. Somos mais novos e vivemos num contexto muito diferente, por isso isto talvez até não seja de estranhar e é, de facto, muito interessante este alargamento do papel do arquiteto que agora vemos. arqa: Como caracterizam o vosso posicionamento no atual panorama da arquitetura? Quais os grandes desafios da vossa abordagem arquitetónica? PC: Não gosto muito de etiquetar ou definir de uma forma muito exata o que fazemos. Quando se o faz cai-se no risco de simplificar em demasia processos e momentos que são muito mais complexos. Por exemplo, dizer que o nosso trabalho é “arquitetura humanitária”, ou “arquitetura social” pode ser por vezes uma tentação fácil, mas na realidade é impossível distanciar a arquitetura da sua dimensão social. Isto foi algo que me

começou a interessar ainda antes do fim do curso. Em 2007, na altura de acabar os meus estudos e a preparar a prova final, não achei que o devesse fazer sem ter experimentado o que seria construir em obra, esta vontade “de ser arquiteto” e um interesse por fazer “fazer a diferença” levaram-me, enquanto voluntário para a ONG inglesa Article-25, até ao Lesoto, onde fiquei responsável pelo projeto e pela construção de um centro de apoio a crianças – o LCCU-Lesotho Child Counselling Centre – e foi uma experiência muito marcante e um abrir de olhos em relação ao potencial que o trabalho dos arquitetos pode ter. A maioria dos arquitetos procura projetar para um número de clientes muito reduzido, no máximo talvez para 10% da população mundial. O que me parece interessante agora é tentar perceber como é que podemos trabalhar também com os outros 90%. Fala-se em falta de encomenda nos dias que correm, mas quando olhamos para as coisas desta forma há muito trabalho que precisa de ser feito, talvez não seja o trabalho mais glamoroso, mas é um trabalho onde a arquitetura pode mais uma vez mostrar que é relevante para a sociedade. arqa: Como entendem a pluralização atual da arquitetura? Como se posicionam nesse espectro expandido da atividade do arquiteto? PC: Como já estava a referir há pouco, é uma tendência bastante natural, num momento em que se multiplicam os números de arquitetos, o acesso à informação e os meios de produção, vemos aparecerem várias formas de fazer arquitetura, e autores ou os críticos, ou os media, gostam de as catalogar. Ao mesmo tempo e se, por um lado, vemos um campo de ação que se expande, vemos também o oposto: a hiperespecialização da arquitetura e da indústria da construção. Isso sim é algo que me preocupa, pois começar a pôr em causa o saber disciplinar e multidisciplinar, que acredito que os arquitetos devem ter, e levanta questões sobre de quem é a competência e a responsabilidade das diferentes fases do projeto. Perde-se a visão geral das coisas e neste sentido acho que perdemos todos. Se nos tentarmos esquecer um pouco

Casa de Voluntários em Maseru, Lesoto, 2007: exterior do anexo depois da ampliação; espaço de estar com vista para a kitchenette e exterior (com Camille Bonneau)

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Transect Consulta: esquisso de documentação da visita a pé pelo Bairro do Parque de S. Bartolomeu, Salvador da Baía, Brasil

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LCCU-Lesotho Child Counselling Unit em Mazenod, Lesoto, 2007-08: espaço de cozinha/sala de jantar e esquissos de projeto (com Martin Dyke Coomes para A4A- hoje Article-25)

desta hiperespecialização e tentarmos responder à pergunta posta, onde nos posicionamos... gostava de puder responder que o nosso trabalho é arquitetura, e ponto. Procuramos trabalhar com projetos e ideias que vão para além do projeto e da obra e com questões que possam vir a ter repercussões positivas nas comunidades ou para as pessoas com quem trabalhamos, mas não acho que é por isso que o que fazemos deixa de ser arquitetura. arqa: Que filiações ou influências marcaram o vosso percurso formativo e profissional? Como é que elas se manifestam na vossa produção arquitetónica? PC: Não revejo o trabalho que desenvolvemos em nenhuma corrente ou filiação, certamente não fazemos parte do movimento High-Tech, ou do Minimalismo, mas isto não quer dizer que trabalho de arquitetos que assim se descrevem não nos interesse. A minha educação enquanto arquiteto vem da escola do Porto, da FAUP, valorizo muito as ferramentas que me deu, mas o tempo passado em Oslo na AHO- Arkitektur Høgskollen i Oslo, enquanto bolseiro do programa Erasmus, numa escola virada talvez mais para a internacionalização da arquitetura, foi também muito marcante na minha formação, e foi onde conheci a Camille Bonneau com quem tenho colaborado de diversas formas e em

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A maioria dos arquitetos procura projetar para um número de clientes muito reduzido, no máximo talvez para 10% da população mundial. O que me parece interessante agora é tentar perceber como é que podemos trabalhar também com os outros 90%. Fala-se em falta de encomenda nos dias que correm, mas quando olhamos para as coisas desta forma há muito trabalho que precisa de ser feito, talvez não seja o trabalho mais glamoroso, mas é um trabalho onde a arquitetura pode mais uma vez mostrar que é relevante para a sociedade

diferentes projetos. Mais do que escolas e autores acho que a minha noção de arquitetura é marcada pelas pessoas com quem lidamos e vamos conhecendo. Tanto o meu pai como o meu avô já eram arquitetos, responsáveis pelo desenho do Museu Vieira da Silva em Lisboa, e um edifício que me lembro de visitar enquanto miúdo, por isso a minha noção do que era ser arquiteto é algo que já tinha começado a ser formado muito antes de entrar para a Faculdade. Desde 2012 as ideias do John Turner e do Nabeel Hamdi, acerca do uso da arquitetura e do seu papel na sociedade, têm sido muito marcantes no que tenho estado a tentar desenvolver. Outra referência que também tenho sempre presente é obra do Rural Studio, no Alabama, inicialmente liderado pelo Samuel Mockbee, que demonstra de uma forma muito concreta o potencial de falava que a arquitetura pode ter enquanto forma de melhorar condições de vida, e que faz isto através de trabalho direto com as populações e estudantes de arquitetura. Cada projeto tem vivido muito por si e pelos materiais e meios que temos ao nosso dispor para os realizar, mas em 2007, ainda enquanto estava no Lesotho pela primeira vez, convertemos um antigo anexo de jardim num miniestúdio para os voluntários, onde acabei por viver durante o resto da estadia. Foi um projeto bastante simples e o primeiro no qual a Camille e eu construímos. Estávamos a trabalhar com tijolo e não quero de forma alguma comparar diretamente o nosso trabalho com a casa experimental em Muuratsalo do Alvar Aalto, mas foi um ponto de inspiração e o contacto diário com a obra podendo intervir diretamente na sua construção permitiu-nos explorar como usar o material e acho que acabamos por conseguir tornar uma obra que se destinava a ser utilitária em algo menos banal.

arqa: Como se adaptaram e respondem à atual crise em Portugal? De que forma as condições profissionais e produtivas se manifestam na vossa atividade? PC: Desde 2006 que estou fora de Portugal. A crise só chegou uns anos mais tarde, por isso não fomos diretamente afetados, mas somos de uma geração que profissionalmente não conheceu outro cenário. Não sei se há uns anos abrir um atelier era uma experiência mais fácil, mas falando com arquitetos mais velhos fico com a ideia de que havia mais trabalho, e que tudo era menos burocrático. Mas nunca vivemos esse mundo, por isso tentamos fazer os possíveis e explorar os caminhos que conseguimos ir trilhando por nós próprios. Depois de tantos anos fora, seria interessante um dia voltar e estar baseado em Portugal, mas neste momento isso ainda não faz parte dos planos, e como é óbvio a crise não ajuda. arqa: Que áreas de trabalho e que projetos vos motivam? Quais as vossas opções profissionais tendo em conta a sustentabilidade do atelier? PC: Antes de oficializar o A+ já estava a desenvolver projetos semelhantes aqueles que procuro explorar hoje. Em 2009-2010 tínhamos o apoio de uma ONG por detrás, e estávamos a viver no Lesoto, o que tornava desenvolver este tipo de trabalho mais fácil. A procura de projetos era bastante mais simples, havia projetos que precisavam de ser desenvolvidos um pouco por todo o lado e o apoio que tínhamos, por estarem integrados numa ONG, assegurava o nosso trabalho. Desde o regresso a Londres, tudo tem sido desenvolvido de uma forma mais lenta, dependendo bastante mais de conseguir

Camp Mamohato em Thaba-Bosiu, Lesoto, 2010-12: Implantação e esquisso dos dormitórios (com Camille Bonneau para Sentebale)

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LBY Residence: nova residência de estudantes em Moulton College, Reino-Unido

financiamento, colaborações e tempo para desenvolver os projetos, passando muitas vezes por desenvolver os mesmos dentro dos ateliers onde trabalhei. No Lyall, Bills&Young Architects, onde ainda estou responsável pelo trabalho em obra de uma residência de estudantes, tive bastante apoio, sempre que precisei de tempo para me deslocar ao Lesoto, ou ao Uganda, Brasil, ou mesmo Portugal eles autorizaram e facilitaram no que podiam. Mas agora, depois de 4 anos deste tipo de trabalho, decidimos que era a altura de me tentar dedicar a tempo inteiro e ver se conseguimos tornar o A+ num projeto permanente e viável. Os próximos meses vão ser um desafio. Estamos a começar a explorar novas áreas e sectores, mas sempre dentro desta ideia de que queremos tornar a arquitetura menos elitista, fazê-la chegar ao maior número de pessoas e lugares possíveis. Estamos agora a começar projetos bastante diferentes. Estou mais uma vez a colaborar com a Camille num projeto, desta vez uma habitação unifamiliar em Portugal, e continuamos a desenvolver a terceira fase para o projeto do Kick4Life no Lesotho, assim como a tentar explorar novos projetos no ReinoUnido, no Uganda, e no Brasil onde tenho vindo a desenvolver novos contactos.

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arqa: Como caracterizam a vossa forma de trabalhar e que estratégias privilegiam? Que contactos e redes de investigação procuram estabelecer? PC: A nossa forma de trabalhar parte muito por tentar identificar problemas e propor soluções para a sua resolução. Podem ser coisas bastante simples, ou bastante mais complexas. Em 2010 desenvolvemos vários projetos no Lesotho, onde a arquitetura era apenas uma pequena parte de um projeto de educação e saúde que envolvia muito mais atores e que podia ter um impacto muito superior. Infelizmente não conseguimos levar esses projetos para diante, mas as sementes ficaram lançadas. O nosso trabalho é assim bastante variado, tentamos trabalhar com ONGs, com Universidades, assim como com pessoas individuais ou empresas. Interessanos trabalhar com todo o tipo de projetos e clientes. Gostamos de trabalhar em parcerias, de discutir com empreiteiros e construtores, e de envolver os futuros utilizadores dos espaços que estamos a criar no próprio processo criativo. Isto aplica-se tanto a um projeto para um centro comunitário, como para uma casa particular, a ideia é a mesma, por vezes podem ser os métodos que mudam um pouco.


InSitu: Recolha de informação no 2º Torrão com moradores e alunos; mesa cortada em CNC com os resultados da consulta participativa com alguns dos moradores do bairro do 2º Torrão; construção de uma das instalações

arqa: Como se estabelece e desenvolve o vosso processo criativo? Que instrumentos, estratégias e práticas exploram? PC: Depende um pouco dos projetos, mas de uma forma geral o processo criativo desenvolve-se com base em dois ou três pontos chave. Perceber o contexto e lugar onde se está a propor intervir. Aqui entram vários dos processos participativos que exploramos, assim como estudos mais tradicionais de volumetria, alinhamentos, história, etc. O uso do desenho e de maquetes como forma de explorar ideias e para a propor/discutir as mesmas diretamente com clientes é a também muito importante no nosso processo criativo. E, por último, é o estudo da construção, algo que começamos logo assim que podemos, e que por vezes, uma vez definidas as premissas e os desafios que temos, acaba por ser uma das principais formas de guiar o processo. Todos estes processos cruzam-se no desenho e no uso de maquetes, de modelos 3D, e contribuem para conseguirmos criar projetos que podem ser realizados dentro dos meios (económicos, sociais e culturais) que temos ao nosso dispor e que procuramos explorar. arqa: Como entendem e desenvolvem as práticas de divulgação do vosso trabalho? Que plataformas e meios privilegiam? PC: Na verdade não temos dedicado muito tempo á divulgação do nosso trabalho. Alguns já foram publicados em revistas e temos também uma página no Facebook, e website onde vamos mostrando o nosso trabalho, mas não posso dizer que tenha sido uma prioridade. Este ano participamos na exposição Tanto Mar, organizada pelo Ateliermob no Centro Cultural de Belém, e foi muito interessante ver o nosso trabalho nesse contexto. Foi também uma boa experiência participar no workshop InSitu em 2013 organizado pela UAL e pelo ISCTE, e poder partilhar a nossa forma de encarar a arquitetura e fazer projeto com um grupo de alunos de arquitetura e com os moradores do bairro do 2º Torrão. Acho que o aprender através do fazer é muito importante. Acho que divulgação da arquitetura em geral ainda peca muito por estar principalmente virada para outros arquitetos. Teria um maior impacto se saísse deste domínio e tentasse mostrar ao grande público o que fazemos... Não tenho pensado muito como o fazer, mas agora que tenho bastante mais tempo para me dedicar ao A+ é por certo algo que vamos rever e pensar como deve ser feito. arqa: Como imaginam o desenvolvimento futuro da vossa atividade? Que papel pretendem ter como arquitetos? PC: A ideia é continuar agora o que já está começado, desenvolver projetos e tentar fazer arquitetura para todos. Não imagino que seja um percurso fácil pois ao contrário da encomenda tradicional (à qual também estamos abertos e gostaríamos de desenvolver mais), envolve muitas vezes procurar fontes de financiamento e formas de viabilizar os projetos ainda antes de se saber exatamente o que eles vão ser, mas é um desafio que nos entusiasma! Há muito trabalho que precisa de ser feito, quer nas cidades, quer em locais remotos, tanto em Portugal como lá fora por isso espero que tenhamos oportunidades para o puder fazer. n

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ITINERÂNCIAS

entrevista

Pedro Campos Costa

Homeland – Representação portuguesa Bienal de Veneza 2014

Luís Santiago Baptista Paula Melâneo

arqa: A Bienal de Veneza de 2014 apresenta-se como um acontecimento fundamental no âmbito dos grandes eventos internacionais da arquitetura. Não só a Bienal de Veneza é o mais importante evento disciplinar do mundo, como este ano teve como curador o arquiteto Rem Koolhaas, uma das principais figuras da cultura arquitetónica contemporânea, que avançou com uma reformulação da estrutura da bienal. A afirmação polémica de Koolhaas de que esta é uma bienal “acerca de arquitetura, não sobre arquitetos” manifesta essa intenção polémica de mudança de um estado de coisas. Qual é a sua apreciação das mudanças operadas no evento e no programa da Bienal de Veneza deste ano? PCC: Não é só uma afirmação polémica, toda a exposição é criada para a polémica, antes de ser realizada já era polémica. É uma tática que permite que a comunidade interessada possa mais livremente debater, construir ou destruir sobre o proposto e posicionar-se. Isto funciona melhor do que em curadorias mais defensivas, onde dificilmente se consegue um debate alargado. É curiosamente uma atitude muito jornalística. Acho muito evidente que, desde a Bienal de 2008 do Aaron Betsky, os autores conquistaram o oxigénio da atmosfera arquitetónica (não terá sido só nas bienais), contra uma lógica natural das bienais ou mesmo contrariando a essência dos temas propostos pelo curador geral. De facto, existe uma máquina de promoção de autores, que secundariza as obras e o projeto passa a ser uma ferramenta de promoção pessoal. Deixando de ser o instrumento essencial, a obra passa a ser uma especulação em si mesmo. Betsky foi hábil, com as enormes maquetes e a forma expositiva aproximou-se muito da Bienal de Arte., Goste-se ou não, foi um marco de que os curadores seguintes, se tentaram distanciar, de uma forma ou de outra, embora nunca o tenham conseguido, porque tanto os países como as exposições por si curadas resvalavam sempre para esse magma. É uma prisão mediática e disciplinar onde se perdeu a relação horizontal, o sentido público, ou mesmo a relação política, com a importância de uma construção ideológica, provocando num sentido mais estrito e de enquadramento da profissão, um afastamento dos seus próprios pares. Se pensarmos neste contexto, a polémica é mais do que necessária e tem uma razão de ser. É importante voltar a focar, em vez de explodir. A exposição “Elements of Architecture” acaba por ser muito coerente e alinhada com esta ideia. A sua proposta de se olhar para o léxico dos arquitetos, para os elementos com que os arquitetos trabalham, em vez dos seus autores, é provocativa mas também muito fácil de criticar - os elementos sozinhos não fazem arquitetura, e a forma como são apresentados pulveriza a ideia da necessidade de arquitetos (tal como eles existem ou existiram), para além de não estar representado o elemento mais complexo (acho que propositadamente) que eventualmente daria sentido a tudo aquilo - a terra, o território, o suporte. É, aliás, este elemento que nos transforma em arquitetos. Mas, para mim, o essencial da polémica não é a forma como está feita a exposição, que me parece menos importante, mas a forma como estamos enfiados neste processo de construção totalmente demente. Os construtores e a indústria controlam totalmente o processo, os arquitetos

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são puxados para a lateral e entre regulamentos, responsabilidades, obrigatoriedades, e impossibilidades teóricas de budget, a construção aparece como algo fora da profissão. Os edifícios estão a derreter, a plastificar, e estas ferramentas estão dominadas pela força da indústria de construção. Existem obviamente zonas de resistência interessantes, em África, no Chile, na Croácia ou mesmo em Portugal, mas o mainstream, é uma máquina de trituração, um catálogo de materiais que os arquitetos compõem em harmonias mais ou menos formais. Uma fatalidade que é mais radical quando saímos da Europa, na América do Norte, no Brasil ou na Ásia. Colocar a discussão nos elementos construtivos, é na minha opinião essencial no contexto global. Mas considero que nesta Bienal são as representações nacionais que dão o pano de fundo, invertendo o que era habitual e dando provavelmente respostas muito claras e interessantes sobre a modernidade e a sua relação politica, cultural com cada um dos países. O mérito é claramente do curador geral, não só pelo tema mas pela inovação de fazer reuniões com os países e de conseguir que as representações nacionais tivessem coerência. Foi estoico. Efetivamente, para além da polémica que é essencial, a Bienal, conseguiu uma mudança de estrutura dentro de si mesma, e a sua pequena equipa está de parabéns. Foi uma mudança considerável- passa de 3 para 6 meses, tem reuniões com os países, uma bienal de música e teatro, juntas com a de arquitetura nas cordoarias, e vários eventos ao longo dos 6 meses. No final será feita a análise pública e interna da equipa da Bienal, mas o arquiteto Rem Koolhaas é naturalmente um agitador, a única estrela da arquitetura mundial com essa capacidade. Não me parece que seja possível manter ou repetir as mudanças. arqa: Rem Koolhaas dividiu o seu programa “Fundamentals” em 3 linhas diferentes: “Elements of Architecture”, uma exposição comissariada por si sobre os elementos da arquitetura; “Monditalia”, uma exposição mais performativa, envolvendo o cinema, a música, o teatro, a dança, etc, centrada no contexto italiano; e “Absorving Modernity 1914-2014”, um tema que enquadra as participações nacionais, através da investigação de um século de modernização à escala global. Como comissário da representação portuguesa, como respondeu ao repto temático de Koolhaas? Tendo em conta as teses de Koolhaas, qual a sua perspetiva sobre o processo de “absorção da modernidade” no contexto português? PCC: O Jornal é em si parte da resposta. Aliás, um dos curadores do “Monditalia” Matteo Poli disse-me que era uma resposta tão óbvia que nem era preciso abrir o Jornal para perceber. Os jornais foram instrumentos essenciais da modernidade e responsáveis pela sua absorção. Daí a escolha da mimetização deste meio de comunicação, que está intimamente ligado a essa luta pela modernidade. A Arquitetura é uma disciplina que necessita de média. Sem esse mediador é muito difícil compreender, absorver e comunicar a Arquitetura. A arte, neste sentido, tem mais vantagens, comunica melhor sem os média. Comunica naturalmente. O Jornal permite uma tentativa de mediação mais horizontal, mais próxima da realidade, do dia-a-dia, do mundano.


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ITINERÂNCIAS

entrevista

Ateliermob

Tanto Mar – Portugueses fora de Portugal

Luís Santiago Baptista Paula Melâneo

arqa: A exposição “Tanto Mar: Portugueses fora de Portugal”, com curadoria do Ateliermob e patente na Garagem Sul do Centro Cultural de Belém (1 de junho a 20 de julho 2014), procura chamar a atenção para os aspetos políticos e sociais da arquitetura, que poderíamos dizer caracterizam a disciplina da arquitetura desde a modernidade e que estão hoje indiscutivelmente na ordem do dia. Como poderemos definir hoje a ideia de “arquitetura social”? AM: Entusiasmar-nos-ia a todos começar por declarar que o mundo mudou e que a “arquitetura social” representa o eclodir de um fantástico mundo novo. Mas isso não é verdade. Se o mundo tem vindo a mudar não parece ser em prol de uma visão mais humanista e solidária entre povos e a dimensão política e social da arquitetura nunca deixou de existir mesmo naquelas alturas em que parecia bem que os arquitetos se declarassem como apolíticos, trabalhadores da forma e executantes de programas. O que nos parece particularmente interessante no plano global é a existência de um processo de reação às práticas de arquitetura muito mediatizadas num passado recente e isso está a fazer com que o discurso sobre a prática seja mais plural e aponte para novos e diferentes caminhos. A produção e emergência de novos conteúdos marginais à oligarquia que se havia constituído aumentou a riqueza da discussão em torno da disciplina. Por outro lado, revelam-se práticas que, nunca tendo deixado de existir, voltam a ser valorizadas, reabrindo discussões que não podem sair dos nossos estiradores como a importância e os problemas da participação, o papel social do arquiteto ou o papel da arquitetura em cada uma das fases do processo. Quanto à definição de “arquitetura social” é uma discussão que gostámos de recuperar mas que não pretendemos encerrar. A meio deste processo de reflexão o Fernando Bagulho enviou-nos um texto (nunca publicado) do sempre ponderado e acutilante Manuel Taínha em que coloca a arquitetura como mediadora “entre as ciências e o mundo da vida”. Olhando para os quase dez anos de prática do ateliermob não há forma de esconder que é nessa definição que nos temos vindo a encaixar.

Mesa Redonda “Seen from the outside”, 13 Dezembro 2013, CCB

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arqa: A exposição começou por ser sobre “Arquitetos fora de Portugal”, mas acabou por ser apresentada como “Portugueses fora de Portugal”, integrando protagonistas de outros campos de conhecimento e assim afastando-se de uma perspetiva meramente disciplinar. Mas não se cingindo aos arquitetos esta é assumidamente uma exposição sobre arquitetura. Até que ponto e em que sentido estamos aqui a falar do trabalho do arquiteto? AM: Partimos para esta exposição preocupados em construir um processo de investigação – que só foi possível com o apoio da DGArtes - crentes que a exposição seria o resultado das sínteses que conseguíssemos fazer desse processo. Na verdade essa alteração da palavra foi um momento charneira. Rapidamente conseguimos muitas histórias de vida que nos conduziam para o que poderia vir a ser uma exposição monográfica sobre as pessoas ou sobre a emigração. Mas não era isso que queríamos fazer. Interessava-nos mais os projetos e os processos. Mais do que uma exposição que chorasse a “mala de cartão” queríamos aprender e expor conteúdos e abordagens em diferentes geografias, escalas e contextos. Sentíamos que este era um momento para juntar, sem olhar a idades ou percursos académicos, mas também para abrir discussões fraturantes que, em Portugal, nos possam retirar dos castelos de certezas sobre a “arquitetura portuguesa” em que nos sentimos mais confortáveis. Por outro lado, ainda que a exposição esteja pensada para ser itinerante, foi feita com o apoio do Centro Cultural de Belém e para a Garagem Sul. Este facto aumentava a sua carga simbólica ao ser vista pela primeira vez a partir da instituição que está a recuperar o seu papel central e, infelizmente, único na promoção e divulgação da arquitetura em Portugal de uma forma aberta e plural. O Tanto Mar é, definitivamente, uma exposição de arquiteturas. arqa: Outra das questões levantadas por Tanto Mar é inevitavelmente a recente emigração massiva dos arquitetos portugueses. Como refere: “Não será necessário alongarmo-nos para que se perceba que está em curso uma vaga de emigração sem precedentes, desta feita, protagonizada sobretudo por jovens técnicos qualificados à procura do primeiro emprego”. No entanto, nessa “vaga de emigração” concentramse nos arquitetos que desenvolvem uma “atitude transformadora a partir das questões sociais”. Como definem e caracterizam essa relação entre a emigração portuguesa e a arquitetura de vertente social? Qual o nexo de causalidade entre ambas? AM: Sim, esse é um tema inevitável, ainda que o tenhamos propositadamente secundarizando. Mas há uma constatação curiosa que não podemos ignorar, há uma sub-representação de nascidos entre 1950 e 1974, somente garantida por Rigo – cuja formação não provém da arquitetura – e por Miguel Saraiva como atelier local - no Brasil - de um processo iniciado pelo Estúdio Amatam no Cabuçu de Baixo. Já nas gerações anteriores encontramos Cristina Salvador, Fernando Bagulho e o José Forjaz, por exemplo, que foram atores principais da história do pós-25 de Abril, em Portugal e em Moçambique, respetivamente, e Osório Lobato que realiza a esmagadora maioria da sua vida profissional na


Š FG+SG

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© Catherine-Lune Grayson

EMERGÊNCIA: Joana Cameira, A Pequena Califórnia - habitações de adobe para refugiados com loja ao centro, Quénia, 2007-08

Holanda. Por outro lado, os participantes que nascem depois do 25 de Abril não falham uma referência ao SAAL. Não nos parecendo que isto se resolva com uma relação genética parece-nos que há um grande respeito e admiração pelos momentos revolucionários passados em Portugal, o que confere à maioria uma particular predisposição cultural para desejar participar nestes processos. Por outro lado também nos parece óbvio que a facilidade de comunicação com línguas de largo espectro como o inglês, espanhol ou português abre um enorme campo de ação em territórios da prática em que a comunicação com muitas pessoas é fundamental. arqa: Sendo um tema absolutamente pertinente no atual contexto de crise, a investigação concentra-se na participação portuguesa em contextos internacionais. Porém, pressente-se que essa opção deixa de fora alguns arquitetos e coletivos portugueses com trabalho muito significativo dentro do país. Porque não integraram as intervenções arquitetónicas nacionais no vosso programa? Tendo em conta a continuidade do projeto na plataforma online, estão a pensar vir a fazer essa integração no futuro? AM: A exclusão territorial foi decidida desde o início e também não integrará a futura base de dados. Mal ou bem, isso é matéria para outros o dizerem, o ateliermob é ator de alguns desses processos no território nacional e por isso não nos consideramos habilitados para o fazer, nem nos parece que fosse desejável. Aliás, esse é um dos desafios que deixamos para quem o queira aceitar. Por outro lado, depois de ter entrado tarde na cultura arquitetónica em Portugal (por comparação com o que já se

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discutia pelo mundo fora) e ainda que permaneçam algumas resistências que desdenham parte significativa destas práticas considerando-as fora da arquitetura, a última edição da Trienal de Arquitetura de Lisboa, a representação portuguesa na Bienal de Arquitetura de Veneza e, de uma forma mais modesta, esta exposição criaram condições para se repensar a arquitetura realizada por portugueses fora da prateleira que lhe haviam destinado e que, no contexto atual do país, servia de pouco à generalidade das pessoas. A plataforma online estará disponível no dia seguinte ao encerramento da exposição – 21 de Julho. No que diz respeito às possibilidades de itinerâncias da exposição só temos tido propostas do estrangeiro, ainda que seja o nosso desejo expô-la em, pelo menos, mais um local em Portugal. arqa: A exposição desenvolve-se em volta de “cinco temas”, a saber “emergência, escassez, urbano, informal e formal”, apresentado posicionamentos e atitudes diversificadas por parte dos arquitetos e coletivos participantes. Como chegaram a esta estruturação temática? Existem algumas conclusões que se podem desde já retirar da forma como as diferentes práticas apresentadas se distribuem nesse universo temático? AM: A estruturação destes cinco grupos partiu das condições a partir do qual é desenvolvido o projeto. Esta exposição permitiu-nos fazer um diagnóstico, mais do que retirar conclusões. Na verdade, parece-nos cada vez mais claro que, depois da exposição, partiremos para a construção de um livro no qual se deverá aumentar o número de projetos e estender


© Atelier do Chiado

Interessava-nos mais os projetos e os processos. Mais do que uma exposição que chorasse a “mala de cartão” queríamos aprender e expor conteúdos e abordagens em diferentes geografias, escalas e contextos. Sentíamos que este era um momento para juntar, sem olhar a idades ou percursos académicos, mas também para abrir discussões fraturantes que, em Portugal, nos possam retirar dos castelos de certezas sobre a “arquitetura portuguesa” em que nos sentimos mais confortáveis

FORMAL: Cristina Salvador e Fernando Bagulho, Escola Secundária em Negage, Angola, 2006-

INFORMAL: João Amaral, Manuela Tamborino e Miguel Saraiva Amatam, Plano de Urbanização de favelas, Cabuçu de Baixo 5, São Paulo, Brasil, 2011-

a investigação por forma a que nos permita verificar alguns dados para os quais esta exposição aponta e esclarecer algumas questões que foram sendo lançadas. Por outro lado também nos interessa cruzar as nossas sínteses com as de outros países para perceber a dimensão, os centros, as referências do que se está a passar.

à multidisciplinariedade e esperar que se esvazie, sem trazer alterações substanciais nas práticas contemporâneas de fazer arquitetura.

arqa: A exposição apresenta uma perspetiva intergeracional, não se cingindo às gerações mais novas e à problemática da emigração recente. Por outro lado, apresentam “criadores portugueses” que trabalham em diferentes posições e estádios profissionais, sejam arquitetos chefes, coordenadores de projeto ou colaboradores. Em que medida existe aqui uma crítica à ideia do arquiteto autor? AM: Provavelmente essas serão as questões que mais incomodam e ameaçam quem quer continuar a viver numa prática entre “colaboradores” e “arquiteto-chefe”. Indiscutivelmente as práticas profissionais contemporâneas em torno da arquitetura exigem, por um lado, pluridisciplinaridade, por outro, trabalho coletivo. Nesse sentido a ideia do arquiteto-chefe está sob ameaça e todos – profissionais e cidadãos temos a ganhar com isso. Isto não quer dizer que não haja hierarquias nem que não possa haver uma liderança deste ou daquele processo, mas que os fenómenos de liderança estão mais difusos e são processos naturais e não impostos por quem tem a idade, o capital ou a posição institucional para o fazer. Essa é uma alteração de paradigma que, em Portugal, é particularmente visível no nome que os ateliers vão tomando e que provoca incomodidade a quem se sente ameaçado. Repare-se que, mesmo em estruturas de organização mais tradicional cujo trabalho é exposto no Tanto Mar, como o Atelier Metropolitano - em que pontifica Jorge Mario Jauregui – ninguém levantou problemas em reconhecer a importância da participação de Nuno André Patrício e da “não-arquiteta” Linda Miriam Cerdeira. Em boa verdade, assumimo-lo não como uma crítica mas como um dado, produto da nossa experiência e da orgânica dos ateliers com que vamos contactando. Não podemos achar que é muito interessante esta ideia dos novos coletivos e escrever odes

arqa: A exposição revela aspetos curatoriais inovadores na forma como o processo de investigação foi sendo desenvolvido. Desde logo, a exposição é um work in progress, partindo de um open call com o objetivo de convocar o trabalho, muitas vezes desconhecido, que está a ser desenvolvido nesta área por todo o planeta. Por outro lado, a meio do processo realizaram uma série de mesas-redondas em que convidaram várias pessoas a levantar questões e debater a evolução da exposição. Finalmente, editou-se uma brochura com reflexões críticas que expandem o tema da exposição. De que forma foram estes processos de open call e feedback importantes para a exposição? AM: A construção desta exposição procura aplicar um pouco da prática do ateliermob, mais do que fazer uma reflexão sobre curadoria, e inscrevese na necessidade que sentimos de estar continuamente a desenvolver trabalho de investigação paralelo que possa complementar a nossa prática e/ou criticá-la. Neste caso foi fulcral conseguir discutir quatro meses antes da abertura da exposição alguns conceitos inerentes aos trabalhos que íamos recebendo e, sobretudo, fazê-lo com um leque alargado de pessoas que reconhecemos como os que melhor nos podiam ajudar e que, por outro lado, não pensasse necessariamente o mesmo. Aos contributos dos convidados juntou-se os do público e de quem assistiu à cobertura online no site do Diário de Notícias. A partir daí foram chegando ainda mais reações. Antes das mesas redondas perspetivávamos uma exposição com menos perguntas e mais conclusões, procurando definir conceitos de uma forma tilliana (Jeremy Till). Aquele momento em Dezembro fez-nos perceber que queríamos provocar o debate e que era necessário, sobretudo, trabalharmos na forma de mostrar de uma forma muito rigorosa os conteúdos que tínhamos. A brochura é um documento promovido pelo CCB para a qual foram convidados três dos participantes nas mesas redondas, o que muito enriqueceu a exposição acrescentando debate, reflexão e crítica às suas temáticas. n

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ITINERÂNCIAS

exposição

Nuno Cera

A complexidade da Arquitetura em Sinfonia

Paula Melâneo

Sinfonia do Desconhecido é o nome da obra que o artista, fotógrafo e cineasta Nuno Cera apresentou no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, entre 15 de Maio e 22 de Junho de 2014. Uma tripla projeção vídeo sincronizada, datada de 2012-14, inicialmente produzida e apresentada no âmbito da XX Bolsa de Artes Plásticas da Fundación Botín, em Santander, Espanha. Em Lisboa a apresentação é acompanhada de um desdobrável com o excelente texto “Sinfonia inquieta”, uma contextualização escrita por David Santos, curador e diretor do Museu. Esta obra foca a arquitetura, entre a observação da crueza real da tectónica habitada, as ambições de futuros projetados e positivismos desmedidos da realidade, ideais não só enquanto reflexos sociais mas também autorais. David Santos introduz o seu texto com as palavras de Rem Koolhaas, em Delirious New York de 1978, considerando a arquitetura como uma “imposição ao mundo de estruturas que ele nunca pediu e que antes existiam apenas como nuvens conjeturais no espírito dos seus criadores”. Os objetos dos filmes apresentados são três exemplos arquitetónicos de um datado ideal modernista do pós-guerra sobre a habitação coletiva: The Barbican em Londres, um complexo urbano de programa misto projetado por Geoffry Powell, Peter Chamberlin e Christoph Bon, ideia original da segunda metade dos anos 50, mas construído entre as décadas de 60 e 70. Realizado para uma área de 14 hectares, o conjunto previa mais de seis mil residentes em 11 blocos e três torres de 43 andares. Em 20 anos de obras, ergueram-se também outras infraestruturas, áreas de lazer, espaços comerciais e o conhecido centro de artes. Les Espaces d’Abraxas, em Noisy-le-Grand nos arredores de Paris, é um imenso e denso conjunto habitacional com cerca de 610 alojamentos. Obra do espanhol Ricardo Bofill e do seu Taller de Arquitectura, o plano de Abraxas tem origem em 1978 e é inaugurado 5 anos depois. Compõese de três elementos de nomes sugestivos – o Teatro a oeste, o Arco ao centro e o Palácio a este – abrindo, definitivamente, as portas a uma estética pós-modernista. Hoje o seu fracasso social é reconhecido e a sua demolição é um assunto em agenda.

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E a Quinta da Malagueira em Évora, obra seminal de Álvaro Siza iniciada em 1973, onde 1200 habitações de 2 pisos foram projetadas para 27 hectares e construídas ao longo de 20 anos. Na observação deste conjunto Nuno Cera foca com especial ênfase a Conduta, a linha marcante que, elevada, atravessa a área do bairro transportando as suas infraestruturas. De essência díspar e imagética muito forte, serão estas três tipologias arquitetónicas capazes de estabelecer um diálogo entre si? Como se a projeção das imagens não bastasse em resposta, Nuno Cera complementou-a com três envolventes textos “sobre a vertigem do desconhecido” de cada conjunto habitacional, escritos por três personalidades: o curador e autor Florian Heilmeyer, na voz off do arquiteto Manuel Graça Dias, guia-nos nos espaços do Barbican; o curador e historiador Barry Bergdoll traz-nos Abraxas na voz feminina da atriz Filipa Leão, e o professor José António Bandeirinha acompanha-nos no bairro da Malagueira sob a voz do ator Gonçalo Ferreira de Almeida. São três narrativas onde os vídeos são apresentadas em simultâneo e as histórias são contadas de modo alternado. A imagem não nos confunde, é plural, flutuando entre planos extremamente fotográficos e uma exploração e perseguição do desconhecido, numa abordagem de caracter quase antropológico. Maioritariamente um mundo a preto e branco, marcado pela dureza da construção em betão, que apenas a voz feminina de Abraxas consegue intercalar com momentos de cor, criteriosamente pontuais e marcantes. Sinfonia do Desconhecido está muito além de um mero vídeo de contemplação artística ou de carácter documental de arquitetura. Constitui-se como um novo elemento reflexivo, analítico e interpretativo de utopias urbanas que se ultrapassaram a si próprias. Nuno Cera compôs uma sinfonia complexa para uma orquestra composta de vídeos, vozes, narrativas, fortes referências arquitetónicas e fotográficas, significados e significantes. A cadência e os tempos são cuidadosamente trabalhados, para as leituras se multiplicarem. Não conseguimos ver esta obra apenas uma vez, a informação materializase de diferente modo a cada audição, as leituras complementam-se e a atenção renova-se em cada visualização. n


“Excessivamente trabalhado e exagerado, claustrofóbico na sua aglomeração de elementos, vistas obstruídas e escalas disjuntivas inquietantes, o espaço possui, no entanto, um fascínio e encanto inequívocos.” Barry Bergdoll

“A Conduta articula a cidade, sim, faz-nos sentir sempre em casa, mesmo quando estamos muito longe dela.” “Tem uma imensidão de raios que entram, fulgurantes, por entre as juntas abertas dos blocos de cimento, tem a própria materialidade vitruviana da alvenaria inscrita na luz que penetra as suas entranhas. Podia ser um túnel do céu, mas escolheu a cidade, escolheu a sua matéria tectónica, o seu lixo, as suas imperfeições, os seus bemaventurados vícios, escolheu, sobretudo, as suas gentes.” José António Bandeirinha

“O Barbican é uma nave espacial, é o que dizem. É o que todos dizem. Flutua no tempo e no espaço. Ao ler o projeto do Barbican, surge um ensaio arquitetónico: um ensaio sobre os sonhos e aspirações da sociedade britânica do pós-guerra, de como a vida deveria ter sido – a partir de então, naquela época. Mas a sua utopia já desaparecera quando finalmente foi concluído.” “Paz, silêncio, isolamento. Como num mosteiro, mas com sexo. Podemos ficar aqui? Para sempre dentro destas paredes, livres do excesso de trabalho e das pressões da sociedade moderna? A deambular por estes jardins de uma sociedade antiga, repletos de vegetação e lindos? Queiram desculpar-me. Estou na Arcádia.” Florian Heilmeyer

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dESIGN

ensaio

Ana Rita António Artista e Designer

Carla Carbone|carlacarbone@yahoo.com

Dada a propriedade de transdisciplinaridade no trabalho de Ana Rita António, perguntou-se em que áreas primordialmente se fixava a sua atividade. A designer sempre se interessou por design, bastante mais do que pelas artes plásticas. Aquando da escolha do curso, na ESAD, a pintura, curso que frequentou, nunca foi a primeira opção. Em primeira opção figurava o curso de Design Industrial da Universidade de Aveiro. Por muito pouco não foi aceite, acabando por ficar nas Caldas, em pintura. E o que se pensava ser pouco tempo acabou por se prolongar: “Sempre vi os estudos Artísticos, acima de tudo, como uma questão de desenvolvimento pessoal, mais do que uma aprendizagem para fins profissionais. Nunca pensei chegar ao ponto de tirar um Mestrado em Artes Plásticas. Na realidade concorri para o Mestrado em Design e não em Artes mas o meu formulário foi imediatamente reencaminhado para o departamento de Artes. Só na entrevista é que me informaram que o Departamento de Design não me aceitou como designer e classificou o meu trabalho como arte”. Estes caminhos sinuosos, que o percurso académico de Ana Rita António parece ter percorrido, para chegar ao que pretendia, acabaram por enriquecer o seu trabalho e transformá-lo no trabalho mais transversal, em design, de que há conhecimento. Ana Rita aproveita estes “acidentes” de percurso e transforma-os em conhecimento e valor acrescentado. Regista-se um modus operandis que aprende com o erro e valoriza o acaso. A sua apetência pelo design levou-a, mais tarde, a juntar-se ao departamento de Design LAB da Rietveld em 2009, e “recomeçar de novo com um bacharelato”. Na verdade, Ana Rita António, parece não se fixar em nenhuma das áreas, ou pelo menos, não é claro para quem frui/usa ou analisa os seus objetos. Há como que “uma contaminação positiva” dos dois lados. Não se perde, pelo contrário, ganha-se com esta “contaminação” das áreas. A designer responde a esta indefinição: “Tenho sempre alguma dificuldade em responder a esta questão ou mesmo em lidar com ela de forma prática. Continuo sem conseguir dar uma resposta concreta a esta pergunta. A verdade, é que muitas vezes sinto que o meu trabalho não se enquadra em lado nenhum, não é nada convencional para o Design e com uma poética pouco profunda para as Artes. 14 ways of replacing a table leg foi recentemente exposto no MUDAM (Luxemburgo) numa exposição de Design e ao mesmo tempo foi selecionado para a mais antiga e influente exposição de Arte na Noruega”. Mais adiante, a designer acrescenta: “Quando desenvolvo trabalho e durante o meu processo criativo, não sinto a necessidade de me definir quer como artista, quer como designer. De certa forma sinto-me confortável visto que estudei as duas áreas, no entanto quando concorro para fundos ou projetos adapto sempre o meu portefólio, assim como o meu discurso. A verdade é que apesar de tudo o mundo do Design e da Arte são bastante distintos e com abordagens completamente diferentes, cheios de regras e muito protetores dos seus limites em relação um ao outro. Mas penso que há uma harmonia do meu lado na maneira como coabito

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com as duas áreas, sinto que em alguns projetos a minha maneira de pensar vem definitivamente do Design, a expressão vem das Artes e o contrário também acaba por acontecer de uma forma natural.” Munari, em “Artista e Designer”, procurava explicar esta “contaminação” em 1971: “Nunca, como nos nossos dias, se operaram tantas alterações no mundo da arte: os artistas, ou operadores visuais, como hoje tendem a ser designados, estão continuamente a modificar as suas técnicas de trabalho; os materiais e meios tradicionais da arte visual são postos em causa, enquanto novos materiais e meios vão sendo experimentados com o fim de se lhes conhecer as possibilidades de emprego, e, do mesmo modo alguns artistas continuam a laborar nos moldes tradicionais, outros há que procuram novas vias de conhecimento e comunicação. Cria-se assim, uma cisão entre artistas continuadores de técnicas antigas e artistas investigadores de novas técnicas”. Esta laboração com via na experimentação e nos moldes da procura de novas vias de conhecimento conduziram os artistas ao contacto com as técnicas e materiais do mundo industrial, tendo, com isto, contribuído para uma maior indefinição dos contornos e fronteiras em que cada uma das áreas se desenvolve: as artes plásticas e o design. A propósito, Munari já fala, em 1971, do conceito de “design artístico”, e que consistia, segundo suas palavras, em “antidesign”, em projetos de objetos de uso corrente cheios de fantasia mas destituídos de técnica. Felizmente estas abordagens obrigatoriamente sectárias do território a que cada área pertence, estão um pouco deitadas por terra hoje em dia. E não constituiu nenhum equívoco, hoje sabemos, (onde se procedeu a origem do design), na Bauhaus, os professores terem sido arquitetos, pintores e escultores. Porém, é interessante como Munari define o quadro psicológico do designer em contraste com o perfil do artista “puro”: “Num extremo, temos, então, o artista puro, ao estilo romântico, com

“Prateleira feita de suportes de prateleira” – 12 suportes de prateleira


Tupperware Party – vários objectos de plástico

Perfect Circles Machine – Solve a problem with another problem

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Artes

ensaio

Uma nova geração

Sem imagens absolutas e formas narrativas lineares

Sandra Vieira Jürgens|sandravieirajurgens@gmail.com

Este texto ensaia uma aproximação a diversas práticas, linhas de trabalho, de pensamento e reflexão produzidas por artistas nascidos na década de oitenta. Propor o que ficará conhecido como as novas práticas artísticas emergentes portuguesas é o mesmo que perguntar o que é a arte contemporânea hoje. E um dos pontos desta introdução é a questão da globalização com impacte – positivo e negativo – na produção e na circulação de conhecimento, obras, nomes e referências do campo artístico. Se a globalização permite a existência de zonas de influência geográficas variadas no panorama artístico, com uma melhor distribuição de poderes, ela acarreta a dispersão e fragiliza a noção de identidades unificadas. Embora permita a emergência de novos mercados, a descoberta de novas áreas de produção, novos sistemas, novas redes de interação, e o encontro de novos artistas, há também potencialmente uma maior uniformização das linguagens. Até porque muitos dos artistas das novas gerações têm referências semelhantes, estudando ou completando os seus estudos em instituições internacionais e em muitos casos nas mesmas universidades. Este é um tema que volta a estar na ordem do dia, sobretudo porque Okwui Enwezor, o próximo diretor artístico da Bienal de Arte de Veneza,

está a propor uma nova reflexão sobre a mundialização e o local da arte num mundo globalizado na edição do evento que se realizará de 9 de maio a 22 de novembro de 2015. Curador da Documenta 11 (1998-2012), Enwezor foi o primeiro curador não-europeu nomeado, fazendo história ao desenvolver um evento com curadoria coletiva e multidirecional e mostrando que a curadoria foi também ela uma prática de vanguarda no que diz respeito à mundialização da arte. São muitas as mudanças em curso. Há até um aparente desinteresse pelo “novo” e “emergente”, categorias que ficaram demasiado coladas a uma visão da cultura que segue o mercado, privilegiando a mercantilização da arte, tendência sobretudo nascida nos anos 80 e que teve continuidade nos anos 90, com uma perspetiva economicista da cultura, setor económico dominado pelas indústrias culturais, claro está, e orientado essencialmente para a construção de infraestruturas e para a promoção da arte através de exposições. Poderemos falar igualmente de outro movimento em curso, a desocidentalização, levada a cabo em várias zonas do globo, com múltiplas iniciativas e oportunidades de ensaiar novas leituras, novas análises e descentralizar a historia única do Ocidente e dos museus ocidentais. É como se na história da arte se chegasse finalmente a colocar em prática as tão apregoadas teorias críticas da história única do período

Salomé Lamas, Theatrum Orbis Terrarum, 2013 (Still) 26’ color, 5.1 Dolby

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© Susana Pomba (missdove.org)

TERMINAL, Hangar K7, Fundição de Oeiras, Oeiras, 2005

pós-moderno. Existe um claro movimento de ativação e estudo de arquivos, de zonas que desejam refazer as suas histórias. No Ocidente esse estudo recai sobre protocolos de organização, apresentação de conhecimentos e objetos de diferentes campos do conhecimento. Evidencia-se a importância das coleções, do tratamento, investigação e estudo de determinados fundos documentais anteriormente desconsiderados, como o da arte popular, com a articulação e intercessão entre memórias privadas e narrativas históricas. Aparentemente mais do que a contemporaneidade, ou mesmo o futuro, importa a história. O peso da história é tão avassalador que a própria arte contemporânea está a passar a categoria histórica. Ou seja, chega a hora de aplicar o itálico à palavra “arte contemporânea”, uma arte associada aos museus, às exposições, às galerias, às feiras, aos leilões, às dinâmicas do turismo cultural, que não irão desaparecer, mas cuja relevância será seguramente relativizada. Os grandes eventos do mundo da arte, como a Bienal de Veneza ou a Documenta de Kassel, têm vindo a destacar o apelo retrospetivo das suas propostas e a intensificar a vertente mais académica e experimental dos trabalhos em exposição. Por exemplo, Paolo Baratta, o presidente da Bienal de Veneza, vem incentivando o uso da pesquisa e da investigação histórica, com o objetivo de reforçar essa vertente de intervenção curatorial. Nesse sentido, ocorreu a última Bienal de Arte de Veneza de 2013 comissariada por Massimiliano Gioni, intitulada Il Palazzo Enciclopedico, bem como a 14ª Bienal Internacional de Arquitetura de Veneza comissariada por Rem Koolhaas, que escolheu o tema Fundamentals, uma investigação sobre a disciplina da arquitetura nos últimos 100 anos. O mote da pesquisa foi Absorbing Modernity 1914-2014, com o objetivo de indagar de que modo a estética universal e o estabelecimento de uma linguagem moderna única e global se impuseram aos estilos nacionais ou foram absorvidas pelas várias

Catarina de Oliveira, Os traços do seu caráter, as formas da sua existência, os episódios da sua vida, ainda que de acordo com a procura pela qual ele se sente responsável até à irresponsabilidade, não pertencem a ninguém, 2013

identidades arquitetónicas nacionais entre 1914 e 2014. Nestes eventos há também um grande interesse na descoberta de artistas e criadores fora de campo, sem conhecimento da história de arte canónica/ocidental, e que reabilita o interesse de Jean Dubuffet pela arte “bruta”, do “outro”. Num artigo recente escrito para a Mousse, também Carolyn Christov-Bakargiev reforçou premissas teóricas da sua proposta na última Documenta de Kassel, ao defender a não separação dos campos de conhecimento entre as ciências físicas, sociais e humanas. No texto intitulado “World Worlding: The Imaginal Fields of Science/Art and Making Patterns Together”, ela não deixa mesmo de referir a tendência dos agentes de fechar o campo e de não respeitar a abrangência desejada por muitos artistas: “(…) while most artists are interested in dealing with the world at large through their embodied ‘amatorial’ artistic, social and discursive practices, even in their most inward-looking or most exquisitely crafted artworks and projects, many curators, art critics and exhibition or collection-makers do not share their openness: instead, most of these practioners ‘cut’ the work of artists ‘off’ from the world at large in order to protect it (…)”1. Sem imagens absolutas e formas narrativas lineares, as práticas artísticas constroem-se hoje a partir de uma série de características mais dominantes: objetos materiais ou imateriais, investigação, conhecimento, oralidade, performatividade, reflexividade, imaterialidade, narrativas

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dossier

capa cover SWARS – ARCHITECTURE STRIKES BACK

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DOSSIER

THE 3RD PROGRAMME CYCLE | MONEY | 2013 | 2014 THE THINK SPACE PROGRAMME IS | A CYCLE OF CONCEPT DEGREE ARCHITECTURAL COMPETITION | A PLATFORM FOR SPATIAL EXPERIMENTATION AND EXCHANGE OF CONCEPTUAL IDEAS | A NETWORK OF PROGRESSIVE THINKERS BEYOND CULTURAL, GEOGRAPHIC OR INSTITUTIONAL BORDERS THINK SPACE PROGRAMME FACILITATES PROGRESSIVE DISCOURSE IN ARCHITECTURE THROUGH A PLATFORM FOR CREATIVE THINKERS THAT PRODUCES STATE OF THE ART THEORETICAL CONTENT AND A PROPULSIVE SOCIAL NETWORK. SINCE PROGRAMME’S BEGINNING IN 2010 IT DEVELOPED INTO A WIDE SCALE DISCIPLINARY INTERVENATION USING NOT ONLY DESIGN COMPETITIONS, BUT ALSO EXHIBITIONS, UNCONFERENCES AND PUBLICATIONS AS ITS MATERIAL. THE ANNUAL PROGRAMME CYCLE CONSISTS OF SEVERAL CONCEPTUAL ARCHITECTURAL COMPETITIONS, PUBLIC DISCUSSIONS ENVISAGED AS ARCHITECTS TALKS AND CALLS FOR PAPER UNDER THE COMMON ANNUAL THEME. AT THE END OF THE CYCLE, A CONFERENCE, AWARD CEREMOY AND EXHIBITION IS HELD WITH AN ANNUAL PUBLICATION THAT SUMMARIZES THE WHOLE CYCLE. BY PROPOSING CYCLES OF COMPETITIONS, TALKS AND RESEARCH THINK SPACE DEMONSTRATES HOW ‘COMMON/SHARED/COLLABORATIVE’ IS THE TRUE PRODUCTIVE, CREATIVE RESOURCE FOR THE FUTURE. IT APPOSES TO THE IDEA OF ARCHITECTURE AS COLLECTION OF INDIVIDUAL EXPRESSIONS BY CONNECTING (PROGRAMME) THAT IN EVERY SINGLE MANIFESTATION OF ITSELF - IN FORM OF COMPETITION BRIEF, DESIGN PROPOSAL, DISCUSSION OR TEXT - IS PUTTING FORWARD ITS COLLABORATIVE (PUBLIC) FORM. WHAT IF OUR CITIES WERE ABLE TO EVOLVE WITHOUT MONEY? | WHICH IS THE ROLE OF THE ARCHITECT WITHIN THIS SCENARIO (IF THERE’S ONE)? THE PROGRAMME IS INITIATED AND IMPLEMENTED BY ZAGREB SOCIETY OF ARCHITECTS (ZSA) | www.d-a-z.hr | www.think-space.org

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ANNUAL THEME 13 I 14 | MONEY I THE ECHO OF NOTHING

“Money is any object or record that is generally accepted as payment for goods and services and repayment of debts in a given socio-economic context.” Money is no more than a social construction that has its value on the collective agreement to accept certain forms of measurement. Nevertheless, money is an immanent concept in our daily life. Under the capitalist system that leads the world in the current times, we can’t deny that money rules [almost] everything: the way we live, what we eat, where we go andhow we relate with other... As coined by James Carville in 1992, “the economy, stupid.” Thus, if MONEY is only a virtual object and its value depends on the object to exchange, how can we work in a new understanding of the concepts of value, trade and exchange from a different point of view? Money has been one of the main issues [if not the most important] to define the creation of territories and space. Borders created for economical purposes and financial markets in many ways are guiding how cities evolve. The relationship between countries basically depends on debt:creditor/debtor relation; where debt is not an impediment to growth. According to Maurizio Lazzarato, it represents the economic and subjective engine of the modern-day economy. Even this fact, during the past years we are starting to perceive capitalism as a failed system and probably as not the only option anymore. One of the signs of this failed system can be found on the sovereign

The first three cycles of the Think Space programme ( BORDERS, PAST FORWARD & MONEY) finished with 794 participants, architects of younger generation, from 83 countries and 134 authors of theoretical papers from 31 country. Guest curators of the cycles were: the Director of Storefront for Art and Architecture, NYC, Eva Franch i Gilabert, lecturer at Bartlett and Goldsmiths, London, Adrian Lahoud and founders of dpr-barcelona, Ethel Baraona Pohl & Cesar Reyes Najera. The jurors of the competitions were Shohei Shigematsu, Teddy Cruz, Francois Roche, Hrvoje Njiric, Zaha Hadid, Patrick Schumacher, Alejandro Zaera-Polo, Charles Renfro, Ricardo Scofidio, David A. Garcia, Pedro Gadanho and Keller Easterling. Awarded authors of the MONEY cycle are: TERRITORIES | Owen Wells | Sarah Cree | Gabriel RuizLarrea | Ledo Perez | Natalya Egon | Noel Turgeon | Amelie De Bonnieres | Matthew Ozga-Lawn | James A Craig | CULTURE & SOCIETY | Haroon Hayat Noon | Mariam Nasir Iqbal | Curtis Anton Ekundayo Martyn | Andrea M Jandricek | Marcel Wilson | Sarah Moos | Ryan King | Christine Bjerke | Erica Azevedo da Costa | Mattos Baratto Fontenelle | Diego Fagundes da Silva | Cecilia Morassi | Giulia Caterina favi | Lorenzo Pentassuglia | Michela Spangher | Natalya Egon | Noel Turgeon | Karolina Kalliopi Bourou | Francisco Jorquera | William Watson | Luke Haas | ENVIRONMENT | Aristide Antonas | Mara Bitrou | Panos Demitris | Katerina Koutsogianni | Ryan King | Dimitris Grozopoulos | Bryony Roberts | Jack Morley | Lauren Chapman | Godofredo Nobre Pereira | Samaneh Moafi | Natalya Egon | Noel Turgeon | Daniel Springer | Justin kollar | Chon Jaewoo | Milivoj Krunic | Aleksandar Copic | Jovana Miletic | Nikola Protic | Yi Wang | Kai Chen | Manuela Kolke | Robert Alexander Gorny | Anna Sophia Knoell | Iva Baljkas | Ana Filipovic | Sam Naylor.

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debt crises that have placed several Eurozone nations under a situation determined by the European Union’s socalled troika—European Commission, European Central Bank, and International Monetary Fund [IMF]— and not determined by their citizens and inhabitants. For Baudrillard, money is no longer a medium or a means to circulate commodities, it is circulation itself, that is to say, it is the realized form of the system in its twisting abstraction. But this concept is changing at a rapid rate. Just ayear ago, the Occupy movement used bills as a tool for social protest. The Occupy George movement pointed “Money talks, but not loud enough for the 99%. By circulating dollar bills stamped with fact-based infographics, Occupy George informs the public of America’s daunting economic disparity one bill at a time.” As Emily Gilbert points, “currency is not just a neutral economic tool,as the economists would have it, but it embodies cultural, political, and economic values.” Experimental currencies as bitcoin [described asdecentralized digital currency that enables instant payments to anyone, anywhere in the world] is expected to be the next bubble, but at least it opens new ways of thinking about different economic models. In the middle of these experimental processes, there are new tools that more people is using everyday, new forms of economics and trade, such as crowdfunding, social money and micro payments, based on the confidence and support of the network. These tools are here to stay and can be harnessed as catalysts for change. The way we interact as citizens in this new economic scenario is transforming how we use public space, digital tools and create new physical and virtual territories.

GUESTS CURATORS | ETHEL BARAONA POHL | CÉSAR REYES NÁJERA | DPR-BARCELONA | The complete Gallery is to be found on display online at www.think-space.org.


News

marketing

Maria Rodrigues | mrodrigues@revarqa.com Carmen Figueiredo | cfigueiredo@revarqa.com

Strip-tease Design Despe o design, veste o 500

Prémio Douro Empreendedor Contar o Douro é o desafio do concurso dirigido a criativos das áreas do audiovisual, design e artes plásticas, lançado pela rede de empreendedores do Douro, coordenado pela Universidade transmontana. A iniciativa integra o projeto Prémio Douro Empreendedor e apresenta duas categorias de trabalhos a concurso: a realização de um vídeo criativo “Douro Experiência” e a de elaboração de um cartaz “Gentes e Aldeias do Douro”. O objetivo do prémio é que reflita a riqueza paisagística, cultural e arquitetónica da região, assim como os produtos endógenos e as tradições do Alto Douro Vinhateiro, Património Mundial, e de Trás-os-Montes. As candidaturas decorrem até 10 de outubro de 2014. Mais Info em: https://www.dropbox.com/sh/s9qdpqcfrfz6lve/ AADW9nRWw5OJClnNBAI_-CQea

Showroom Totalmente Renovado A reabertura do showroom da Margres e Love Tiles, em Lisboa, assinala o lançamento das coleções 2014 das duas marcas. O espaço é totalmente renovado por forma a destacar as novidades das duas marcas e inclui um espaço da autoria de Ana Rita Soares. Cada coleção se

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A Meritalia e Lapo Elkann prestam um tributo ao Fiat 500 com uma exposição recente na loja Espaço Mínimo em Lisboa, loja Casa Comigo no Porto e loja Relicário em Aveiro. Trata-se de uma coleção exclusiva de sofás e mesas, realizados a partir do molde do chassi original do Fiat 500. A propósito da exposição, a marca associou-se ao evento e lançou um desafio aos estudantes da Universidade Lusófona para “vestir” graficamente dois automóveis daquele modelo. www.dimensaonova.com reveste de uma personalidade singular e o novo espaço foi pensado e idealizado para lhes dar o melhor destaque. Com uma vasta experiência na área de arquitetura e design, Ana Rita Soares dá prioridade ao conforto, à harmonia e ao equilíbrio dos espaços. Estas serão certamente as características que poderemos esperar do espaço por ela criado. A designer descreve o seu trabalho como a “materialização de sonhos”, através da criação de espaços que refletem a personalidade de quem os habita. www.margres.com / www.lovetiles.com

“Liberdade 240” renova fachada A marca francesa de luxo Cartier instalou-se recentemente no 240 da Avenida da Liberdade, um edifício revitalizado que contribui para a valorização da capital portuguesa como destino proeminente para compradores de bens de luxo. O projeto de reabilitação do emblemático edifício procurou preservar a arquitetura da fachada, que remonta a inícios do século XX, elegendo as tintas Barbot para a nova roupagem do “Liberdade 240”. Barbocril Plus D convenceu com os seus resultados de alta qualidade quanto ao seu poder de cobertura, durabilidade, resistência à luz, intempérie e condições atmosféricas adversas. A confiança da equipa responsável pela luxuosa requalificação junta-se agora ao reconhecimento dos consumidores portugueses quanto à qualidade desta tinta, concebida para conservar e proteger fachadas e paredes exteriores. www.barbot.pt


Closets da CASA IDEAL’14 exibem coleções Outono/Inverno da alta costura nacional A Casa Ideal ganha nova vida quando a arquitectura e o design de interiores se associam ao melhor da moda nacional. Na próxima edição da INTERCASA e LxD – Lisboa Design Show, que decorrerá na FIL, Parque das Nações, entre 8 e 12 de Outubro, a curadora de moda, Sandrina Francisco, associa-se ao projeto e convida estilistas nacionais a vestir o casal que habitará esta casa de sonho. Para mais informações sobre o LxD - Lisboa Design Show aceda a www.lisboadesignshow.fil.pt.

Patrocínio Gold do “World SB14 Barcelona” O Grupo Cosentino, líder mundial na produção e distribuição de superfícies inovadoras para a arquitetura e o design, será o patrocinador Gold do Congresso Mundial de Edificação Sustentável (World SB14 Barcelona), que terá lugar de 28 a 30 de outubro, no Palácio de Congressos da Catalunha (Barcelona). A assinatura do Convénio de Colaboração, do qual faz parte este patrocínio, foi celebrada recentemente, em Madrid, e teve como protagonistas o Diretor de Marketing da multinacional espanhola, Santiago Alfonso, e o Diretor Geral do Green Building Council Espanha (GBCe), Luis Álvarez-Ude. O Congresso “World Sustainable Building” é o maior encontro a nível mundial sobre edificação sustentável, onde se reúnem as instituições internacionais mais importantes e influentes na matéria. A edição deste ano, organizada pelo GBCe, tem como objetivo promover a adoção de uma resposta adequada aos desafios sociais e ambientais globais que o setor da edificação sustentável enfrenta. www.cosentino.pt

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Soluções de isolamento Num mercado cada vez mais marcado pela reabilitação, a Knauf Insulation apresenta soluções de isolamento em Lã Mineral Natural, ideal para a recuperação de fachadas: os Ultravent Black, Ultravent 032 e Ultravent 034. Todos eles fabricados com a tecnologia ECOSE®, pensados especialmente para fachadas ventiladas, integrando-se com todos os tipos de materiais e soluções de acabamentos. Especialmente a pensar na construção de fachadas ventiladas a Knauf Insulation desenvolveu as soluções de isolamento Ultravent, uma gama com o melhor comportamento de reação ao fogo e à condutividade térmica mais baixa do mercado. As fachadas ventiladas são constituídas por uma parede de apoio, a que são fixadas âncoras para suporte ao isolamento e acabamentos da fachada – criando uma câmara contínua ventilada, com 3cm de espessura mínima, que evita a condensação do vapor de água e proporciona uma envolvente térmica mais homogénea. http://www.knaufinsulation.com

Alta definição na cozinha A Hotpoint acaba de lançar uma máquina de lavar loiça revolucionária, produto da nova geração de alta definição: a primeira com lavagem localizada que, graças à tecnologia Zone Wash, permite selecionar o cesto em que se pretende concentrar a lavagem, de acordo com o tipo, a quantidade de loiça e a sujidade. A lavagem localizada consiste numa utilização extremamente versátil da máquina de lavar loiça e surge como uma resposta eficaz a múltiplas situações que ocorrem frequentemente, como quando há sujidade particularmente difícil de remover ou queimaduras nos tachos, e não se pode esperar até a máquina ficar cheia para se iniciar um programa de lavagem. Para tal, basta escolher uma zona de lavagem e a tecnologia Zone Wash concentra todo o seu poder de lavagem no cesto selecionado. O resultado é uma lavagem localizada que remove qualquer tipo de resíduos alimentares, mesmo os mais difíceis, e é 30% mais eficaz do que uma lavagem com um ciclo intensivo normal. www.hotpoint.pt

Aprovada pelo LNEC Nováqua HD, que conquistou este ano o prémio Produto do Ano, é uma tinta de base aquosa e aspeto mate indicada para a pintura de fachadas, merecendo total confiança pela sua alta durabilidade e qualidade. O Primário Cinolite é um produto que atua como estabilizador, selante e aglutinante do substrato. A tinta Nováqua HD e o primário Cinolite estão disponíveis em embalagens de 1, 5 e 15 litros e respeitam os valores de emissão de COVs (Compostos Orgânicos Voláteis). O LNEC reconhece, pela aprovação, a qualidade dos produtos e sistemas da CIN, conseguida graças à aposta em inovação tecnológica, essencial para a antecipação das necessidades do mercado e para a oferta de produtos que garantam a qualidade da pintura, garantias dadas através da aposta em I&D, que congrega mais de 10% dos Recursos Humanos da empresa. www.cin.pt

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