Revista
Arte Trans Bahia Sétima edição. Julho de 2016
A HISTÓRIA DO TRANSFORMISMO BAIANO
AIMÉE
SUPER TALENTO
GOTHAM
MISS BAHIA
Editorial Em junho de 2015, nasceu a ideia de catalogar as artistas transformistas que conheciamos e foi neste momento que criamos o site Arte Trans Bahia: uma plataforma onde artistas da cena transformista da Bahia tivessem um espaço de fácil acesso para a divulgação e promoção das suas personagens, sua arte. Decidimos então produzir uma revista mensal que trate do mundo da arte transformista e faça o papel de guardar as informações. Nossa primeira edição saiu em janeiro. Hoje, em julho de 2016, completamos a 7ª edição, cumprindo um papel importante no cenário cultural. Nesta edição a história do transformismo a partir da boate Is”Kiss, com a entrevista de Jorge Antônio. Um olhar especial do “ME SALTE” com o concurso Super Talento Ainda sobre os acontecimentos do mês de julho, o Miss Bahia com fotos do “DOIS TERÇOS” E um lindo passeio fotográfico pelo Âncora do Marujo, o reduto mais envolvente da arte transformista na atualidade.
EXPEDIENTE: Arte Trans Bahia Divulgação e Exposição da Arte Transformista na Bahia. Web: Transartebahia.com E-mail: Transarte.bahia@gmail.com Telefone: 71-993228603
A Revista Arte Trans Bahia e suas colaboradoras agradecem a todas as pessoas pelo apoio e incentivo. Att, Editora Arte Trans Bahia
Diretora Geral: Edméa Barbosa Produção: Edméa Barbosa Diretora Administrativa: Mariana Figueiredo Jornalista Responsável: Manuela Simão Projeto visual: Edméa Barbosa Diagramação: Edméa Barbosa Matérias: Mariana Figueiredo Edméa Barbosa Jorge- Me Salte Fotógrafias Arte Trans Bahia Genilson - Dois Terços Ricardo Santiago Edição: Nº7-Julho de 2016
Atendimento psicológico gratuito para a População LGBT
Caso deseje atendimento, pode entrar em contato com gibahpsi@gmail. com informando seu nome, telefone e o porque precisa de atendimento.
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EDMÉA BARBOSA
MISS BAHIA
O primeiro dia do mês começou revelando a vigésima segunda Miss Bahia Gay. Evento de Bagageryer Spillber, um das principais miss do Brasil. Dentre as candidatas, a miss Salvador Petra Perón, Alehandra Dellavega e Priscila Dion. Porém foi a sincronia de Ludymilla Striker que arrancou suspiros dos jurados e toda a plateia. Além da definição do nome que carregará a faixa, o evento também comporta categorias que fazem a arte acontecer, uma delas é a da pele, maquiagem, outra é a da passarela, da direção do espetáculo, e por fim a dos figurinos; Vestidos, além da miss ganhar em primeiro lugar com um vestido assinado pela figura paulistana Robert Moon, dois outros figurinistas FOTOS DE GENILSON COUTINHO
baianos levaram os títulos de segundo e terceiro lugar na categoria. O segundo lugar ficou por conta da atual miss Salvador, Petra Perón que levou o nome de Jorge Andrade para o pódio. Jorge é um dos mais requisitados costureiros da cidade, anda vestindo e arrancando elogios de juris, O mesmo acontece com o Islan Telles, rapaz que dá vida a Cindy Winks. O novo figurinista levou o título de terceiro lugar, ao surpreender o público desfilando seu look azul cheio de classe e leveza. A história dos figurinos é pouco conhecida, porém vamos tentar levar um pouco de conhecimento e reconhecimento em nossas próximas edições.
MARIANA FIGUEIREDO Euvira e Malayka
Arrasando no Âncora do Marujo Minha paixão pelo Âncora já é mais do que declarada. Como não me canso de falar de lá, vou falar sobre algumas das artistas que, atualmente, abrilhantam frequentemente aquele palco. Começando com ninguém menos que Malayka SN e Euvira. São as donas das terças estranhas. São as “desiguais das outras”. São as que fogem dos estereótipos e causam um encantamento único. As donas das terças também são donas de uma dublagem impecável!! Fico encantada a cada apresentação. Ah! Quando decidem fazer um dueto... prepara porque é tiro, porrada e bomba! A-H-A-Z-A-M! Desirée
Seguindo pela semana eu falo de uma das entrevistadas da edição passada e uma entrevistada dessa edição e algumas outras “frangas”. Desirée Beck é a dona da noite de quarta e sempre leva uma galera massa. Amigas, companheiras de palco, companheiras de vida e de H.O.G. toda quarta é uma festa no palco. Apesar de Desirée jurar que é tímida, no palco há uma verdadeira transformação. E quando se junta com Aimèe e Aleera? Perturbação pura naquele bar, rola cantoria ao vivo, xurria, pipoca e torresmo – sim! Sr. Fernando que chama com um carinho imenso as meninas da H.O.G. de frangas, sempre tem o cuidado de prepara um mimo pra elas e clientes.
Aleera
Ginna
Outra pessoa que sempre tá nesse palco com muita alegria, xurria e um corpinho e copinho invejáveis é Ginna D’mascar. Quando ela tá vindo você já enxerga de longe, se não pelas roupas e cabelo, pela energia. Gina tem um show bem divertido e adora mexer com a plateia, brinca com tudo e todos, mas sempre com respeito. E aproveitando que falei de Ginna, quero fazer um adendo pra dizer que vocês precisam conhecer a filha dela Orleth Ornelas de Orleans e Bragança... amo igual! Orleth
Outra pessoa que sempre tá no palco do Âncora, traz os melhores concursos dentro e fora do bar, além de trazer boas risadas, é Scher Marie. Responsável pelo atual concurso que tá rolando na casa, o Star Live, a gata também foi responsável pela apresentação do Esse Artista Sou Eu Gay, que teve Eyshilla como Gustavo Lima, Cindy Winks como Roberto Carlos e outras transformações surpreendentes. Ela atualmente tá subindo todas as sextas ao palco do Âncora para apresentar esse concurso, mas não para com as atividades externas e já já ela estará apresentando um concurso de beleza para homens trans. Sobre Scher Marie apenas posso falar de minha admiração e paixão por essa mulher!
Bia
Scher
Agora outra que me vira a cabeça é Bia Mathieu. Rapaz, essa mulher quando dubla Maria Bethânia mexe com meu coração ai vai pra Aline Rosa e mexe com meu coração de novo. Ela tem um repertório variadíssimo e adora fazer os pedidos de músicas que os clientes pedem, então podem ir e abusar. Ela vai te surpreender com um Bethânia, Marina Lima ou com uma Simone e Simaria, ela arrasa no que faz. Ah! A loira esteve a frente do concurso Talento Marujo 2016 junto com Carolina Vargas e Rainha Loulou (nossa colunista fugitiva) e a partir do dia 13 estará no comando de outro concurso da casa, o Estrela Marujo 2016. *Confira algumas fotos e vídeos na nossa
página no facebook (link na contracapa) #FicaADica
MARIANA FIGUEIREDO
Carinhas novas do Âncora
Gotham Waldorf
Danaê
Sasha Heels
Amanda Moreno
Carol Stella
Emy de Castro
Aimée Lumière A primeira vez que pisou no palco foi no vale tudo com Rainha Loulou e Jorge Alencar, em julho do ano passado, há exatos um ano. Na estreia cantou ao vivo, acompanhada por um piano e naquele momento abriu o caminho para novos voos. Após sair do Gregório de Mattos, foi comemorar com as amigas na Creperia La’ Bouche. Convidada por Valerie, novamente encantou o público com sua linda voz. Daquele dia em diante não mais estacionou. Festas na Amsterdan, shows no âncora do Marujo, ações em universidades e participação em diversos concursos. Hoje divide as quartas feiras com DesiRée Beck no Marujo. Além de concorrer ao titulo de Super Talento, Concurso de Vaerie O’Rarah. Indagamos a artista sobre a carreira de cantora e atriz e ela nos respondeu:
Com Spadina
Com Kaysha Kutner
Na verdade, desde o início da minha carreira essa foi minha pretensão, cantar, atuar, mas eu sinto muita falta de espaços que comportem. Tipo, de microfones, que tenham uma acústica boa para cantar e toda uma estrutura, não consigo acompanhar esses playbacks do youtube, para mim é muito difícil encontrar o tom, ai tem que baixar o tom. Enfim, tem toda essa questão que se fosse ao vivo seria muito mais bacana, então eu acho que falta espaços, mas eu quero muito fazer. Muito expandir esse lado cantora. Quanto a atriz. já tenho experiência com longa metragem, com curta metragem, teatro já fiz bastante, desde os 18 anos. É minha paixão, minha paixão, adoro atuar. E ser drag veio disso, por já muitos personagens femininos, me sentia muito confortável. Então eu acabei expandindo isso e trouxe Aimée para a vida ano passado. E eu acho que sim, dá para expandir para esse lado do teatro, do filme, do curta metragem, com Aimée.
EDMÉA BARBOSA
“A educação transforma”. Professor Jorge Antônio, é um dos ex sócios da casa de shows que deixou saudades.
Eram 4 amigos, Antônio, Jorge, Florêncio e Hélio, a ideia inicial era montar um negócio para o público LGBT. Como jovens empreendedores, resolveram colocar o bar e restaurante e não determinaram o público. Nasceu então o bar e restaurante IS’kiss, ao lado da “Hollyday,” em frente ao clube de engenharia, com frente a ladeira de Santa Tereza, Carlos Gomes, Centro de Salvador.
O funcionamento começou em agosto de 1988, os horários de almoço e janta, como outros empreendimentos do ramo. Já em 1989, por trabalhar também com moda, Jorge planejou fazer um desfile. Para o evento convidou duas transformistas, apresentadas por Hélio. Tássia Camargo era amiga de Hélio e a moça levou a colega Fabiani Galvão, as duas fizeram o show e levaram uma nova perspectiva para bar.
Após o desfile, outras grandes artistas agregaram, a casa passou a receber um maior público lgbt e o cenário foi mudando. Fizeram reformas, após decidir transformar o restaurante em algo mais atraente. O restaurante oferecia o diferencial de agradar todos os públicos, enquanto algumas boates tinham o público A, B ou C, a IS’kiss agregava os três e tinha um tratamento especial para com o público e com as contratadas. Os artistas eram pessoas recebidas como grandes estrelas, tudo era preparado para um espetáculo, inicialmente, só faltava um palco, mas isso não era problema, pois até em cima da mesa o espetáculo acontecia.
Após o show era feito um big jantar para as contratadas da noite. “Olhávamos nossas artistas como amigas, eram contratadas sim, mas antes de tudo eram pessoas, amigas” Foram criadas as pautas, após uma nova reforma, cada dia uma artista tinha a sua pauta, seu dia e funcionava de segunda a domingo, ou seja, era em torno de 7 shows diferentes por semana. Nesta mesma época uma nova leva de artistas se aproximaram, dentre os nomes mais influentes encontravam-se, Marquezza, Bagageryer Spilberg e Dion Santiago. O público em maior numero e modificado. Tinham amigos e clientes gays e heteros, porém após o desfile, com transformistas, eram expostos muitos cartazes de show e de certa forma aquela propaganda era uma demarcação de espaço. Muita gente gostava de ir para lá só para jantar e ver o show, os shows eram cedo, mesmo assim foi demarcado espaço. A divisão de público hetero x LGBT foi radical, por época eles se misturavam e rolavam estresses, porém foi nítido que o público hetero estava deixando de frequentar. “Naquele momento o próprio público foi modificando e deixamos, pois não era do nosso interesse aquele público encaixado ali! O projeto foi crescendo e aconteceu o primeiro concurso, concurso de Dublagem, o qual foi levado para o teatro Nazaré. Já no um segundo, apresentaram shows de Rogéria e Marlene Casa Nova, que acabou ficando em pauta na boate por alguns dias.
NONATO PRIMEIRO SHOW DA CASA
LUZ PARA O BRASIL 1990
Florencio, Fabiani Galvão, Jorge, Steffane, Antônio. No inicio do bar e restaurante existia o 4º sócio, Hélio, Porém quando resolveram modificar o empreendimento para casa de shows, apenas três continuaram na sociedade e assim permanceu até o fechamento da casa Informações coletadas atraves de entrevista com Jorge.
EDMÉA BARBOSA EDMÉA BARBOSA
Artistas principais e alguns quadros As primeiras artistas da casa foram Fabiani Galvão e Tassia Camargo no desfile. Depois Paula Ploc, lady Dai, Luz... A segunda leva veio Bagagerye, Marquezza, Dalila La blanch, Dion, Ionara Taylor, Nina Vougue que venceu o primeiro concurso, Pamela, Dicca Rios, Karine, concurso de dublagem. e outros. Karine Bergman inclusive desenhou algumas roupas para o desfile de 89, fez poucos shows na casa, mas fez parte do ciclo. O palco teve nomes como: Lehania Quele, Tassia Camargo, Lena Oxa que hoje apresenta um programa no canal 129 do Ceara, Tanucha Taylor, Rosana Salvatore, Lady Dai, Lion Schinaider, Di Marques, Pâmela Raya, Ionara Taylor.. Saquarema que certa vez veio para a Hollyday- boate de mulheres; como a relação era boa com o gerente, a Saquarema fez também na IS’kiss. Independentemente de ter um palco determinado a boate abriu um leque de artistas que produziam grandes espetáculos, cada uma com sua performance. “Yonara quando chegou a Salvador implementou um novo ritmo de show, de vestimenta. Dion era reconhecida pelo brilho e capas, Bagageryer por sua intelectualidade ao levar a Maria Betânia e a poesia, que de certa forma incentivava a leitura. Luz Para o Brasil era a irreverência com Elis Regina. Paula Ploc e Lehania mostravam um dueto internacional que agradava muito. Nesta época elas rodeavam por todos os ambientes e clientes enlouqueciam. Eram muitas artistas, uma equipe excelente.
Na década de oitenta as artistas também inventavam seus numeros, com um requinte especial. Luz Para o Brasil, vestida de noiva
Alguns shows e espetáculos foram criados pelos proprietários da casa, mas muitos pelas próprias artistas: ELAS POR ELAS NACIONAL, encabeçado por Di Marques, Com Marquezza, Dalila La Blanck, Yonara Taylor e Jorge. MISS IS’KISS, apresentado por Bagageryer Spilberg tiveram como concorrentes as belas Laisla Plewinsky(in memoriam) e a Andrea Venâncio CARURU DA IS’KISS, festa em que todas as pessoas deviam usar branco e vermelho. “Quem chegava na portaria e estava fora do traje, via uma placa imensa com valor da entrada 5 vezes mais cara, desta forma só entravam as pessoas que estavam de branco e vermelho” YES, NÓS TEMOS BAGAGERYER, quadro este que Baga entrevistou também o Jorge Lafond (2003) SHOW RELÂMPAGO, a música estava tocando, ninguém esperava, a cortina abria e surgia uma artista fazendo seu espetáculo, sem ninguém anunciar e nem fazer propaganda antes.
Babageryer Spillberg, entrevistando Jorg Lafond no quadro “Yes, nós temos BagaGeryer.”
CURIOSIDADE: Em uma das oportunidades Jorge Lafond foi um dos convidados, com despesas pagas pela boate, contratado para a casa. Já na Bahia, foi convidado para fazer um programa no SBT de Salvador, gravou o programa antes do show na boate, que foi exibido alguns dias depois, mas a produção sequer citou a casa IS’kiss como contratante.
“O paraíso é aqui!“ Jean Willis
EDMÉA BARBOSA
LUZ PARA O BRASIL, SHOW EM CIMA DA MESA, NA EPOCA A CASA AINDA NÃO TINHA PALCO.
DICA RIOS ADENTRANDO O BAR, DE BRANCO E PRETO O QUERIDO TONY BELEZA
“A Is’Kiss foi um dos melhores lugares de Salvador. Era um frequentador assíduo, adorava aquele lugar.” Tony Beleza COM O MICROFONE, DI PAULA, IDEALIZADOR DO CONCURSO MISS BAHIA GAY. NO PALCO, LADY DÍ, TRACE WITNEY
Brigas A equipe era muito boa, por mais que existissem as brigas entre elas, brigas de camarim, as disputas de músicas e apresentações, existia também respeito, admiração. Elas tinham diferenças, desavenças, porém cuidavam uma da outra quando era preciso. Se dedicavam ao espetáculo, tudo era muito glamoroso e divertido. “Nos poucos eventos que vamos sentimos falta disso, do glamour, do talento, da construção de um nome. ” O entrevistado citou a facilidade da atualidade, em materiais, musicais e até aberturas de palcos maiores que a época de 90, mas que sente falta da empolgação das artistas para as produções. “Com tantos recursos, acredito que poderiam abusar mais” Em 90 uma das problemáticas enfrentadas eram as separações dentro da própria classe, por exemplo, mulheres não eram bem-vindas em grupos de gays, já eles não eram bem-vindos em rodas de lésbicas, Travesti vivia em guerra com transformista, guerra mesmo, queriam e conseguiam agredir transformistas, mas aos poucos isso também foi mudando, travesti também faziam shows e os ciclos de amizade foram crescendo. “A gente ficava no meio, se perguntando se teríamos que escolher o público... hoje pelo que vejo existe uma maior aproximação, mas mesmo assim uma grande separação por classificação”.
CARURU DA IS’KISS
JEAN WILLIS, PÁGINA 28, EM “AS PALAVRAS DO GUETO” DO LIVRO TEMPO BOM TEMPO RUIM: “quando cheguei àquele lugar, meu coração acelerou. Não sabia ao certo para onde e nem para quem olhar. Estava um pouco assustado, é certo,mas deslumbrado com o novo mundo que se abria para mim. Um mundo de gente igual a mim, ou ao menos, parecida. E essa sensação de pertencimento aumentou quando adentrei a boate Is’Kiss (o nome era esse mesmo, uma cor-ruptela de Ice Kiss). Hoje sei que a Is’Kiss era um bas-fond de paredes pretas, revestidas de espelhos, com um ba-nheiro que se confundia com uma pista de dança e um globo no teto que refletia luzes coloridas. Mas, naqueles anos, para um rapaz do interior, recém saído de um internato a Is’Kiss era uma explosão de contemporaneidade, um choque cultural. ” Homens másculos se beijando ardentemente, mulheres se acariciando nos cantos, travestis du-blando a música alta e muita gente dançando. ” “Estava tão radiante que lembro de ter falado para Fábio: O paraíso é aqui!
EDMÉA BARBOSA A queda da IS’KISS
Midia Não existia agendamento da mídia. Não tinha divulgação, por todos os históricos é possível identificar shows de transformistas como arte dimensional, uma mistura de música, teatro e cinema, uma cultura que prioriza talento e garra para se manter ativa. Porém a mídia de forma geral não expressava interesse para a vertente. Algumas notas saiam, se fossem pagas nos classificados, ou se um produtor tivesse um amigo jornalista, colunista, a mídia baiana nunca se preocupou em anunciar os espetáculos que aconteciam diariamente em bares, restaurantes e casas dos shows para o público LGBT. Por outro lado, existia a propaganda dentro da própria classe, cartaz na porta, boca a boca ou o prazer de se arriscar e ficar sabendo de quem seria o show apenas na porta-ria. Era uma invenção a cada dia, desde o cartaz feito com fita crepe, até o feito com piloto. “Certa vez aconteceu um som de uma rapaz, voz e violão lá na boate, ele ia fazer um show em uma feira, na Praça, e naquela ocasião surgiu a chance de levarmos o show para lá. Luz do Brasil criou um cartaz “Bonecas na Praça”. Elas fizeram um show no palco e foi um sucesso, em praça pública, em 89 às 18 horas. Foi fantástico. Depois deste show, muita gente foi para a boate e não coube gente, as pessoas queriam ver de novo. ” A cada semana era assim, duzentas pessoas era a média de público. Gente ficava nos corredores, na escada. A casa tinha superlotação, uma frequência de shows pré-estabelecidos, uma agenda como qualquer outro teatro. As artistas ensaiavam, criavam seus números e se viravam para criar e montar seus figurinos. Mas não existia uma cobertura desses eventos, nem mesmo a divulgação deles. Cresceu sem a mídia, elas nãos tinham interesse em divulgar nada positivo, nós mandá-vamos, mas eles não divulgavam. Mas na tragédia, ai sim eles fizeram questão de colocar o nome da boate.
Se deu a partir da tragédia que aconteceu em 1994. A morte de Moacir Moreno, um dos idealizadores da Cia Baiana de Patifaria. Moreno foi assassinado no apartamento que morava com a irmã e o crime foi vinculado à casa, só que na época ele nem frequentava muito, não como antes, naquele dia, por ele esteve lá, mas nada ocorreu lá. A mídia castigou, bateu e rebateu sobre o assunto e a partir daquele evento tudo que acontecia no entorno da casa era vinculado. Na época os resquícios da ditadura militar eram presentes, travestis e transformistas eram perseguidas e locais tidos como redutos LGBTS eram muito marginalizados. Após aquele evento trágico, clientes e amigos evitavam estar por lá, os mais chegados conseguíamos explicar, contar a real história. Sim aconteceu uma tragédia, com um cliente da casa, que há muito tempo não ia lá, mas aconteceu após sair do estabelecimento, assim como poderá ser ao sair de qualquer outro. Mesmo tentando de todas as formas desfazer a impressão, muita gente deixou de ir, de frequentar o local. Não tínhamos forças para lutar contra o preconceito, contra aquela propaganda negativa, nem tivemos como buscar reparação, ficamos arrasados com tudo aquilo. E para piorar a cidade sofria com várias violências, uma travesti esfaqueou outra na ladeira da montanha e logo disseram que tinha sido na boate, depois um rapaz foi assassinado em um hotel e novamente disseram que tinha saído de lá. Só que não, não foi. Nós não tínhamos a mídia para ajudar, não tínhamos as ferramentas de hoje, só quem continuou frequentando é que soube que nada daquilo era verdade. A perseguição foi tão seria que não dava mais para continuar trabalhando e decidimos passar a casa para um amigo. Mesmo tendo um novo proprietário e um novo nome, o local não obteve sucesso. Havia um interesse por detrás de toda aquela propaganda, a casa era um grande sucesso. Está-vamos saindo da ditadura militar. O grupo LGBT era marginalizado e perseguido, tanto que a polícia adentrava o estabelecimento e sem motivo levava o público, as artistas. Os comissários de menores, por exemplo, perseguiam a gente e eles batiam nos menores. Eles invadiam e levavam os menores de lá, não tinha preocupação em educar, apenas levavam, bati-am, castigavam, pelo simples fato de ser homossexual. Parecia que o problema era ser um rapaz vestido de mulher. Certa vez aconteceu com Marina Garlen: era carnaval, estava acontecendo um baile à fantasia, sem nenhum motivo, eles entraram na casa e simplesmente levaram ela. Eu não pensei duas vezes, fui junto. Ao chegar quis o motivo, falei que se estavam levando ela, teri-am que levar todos, pois todos estavam fazendo as mesmas coisas que ela. Era um baile de car-naval, ficamos lá em discussão, mas só sai de lá com ela. ”
Reconhecimento Quando chegam aos locais, eventos, os sócios ainda são reconhecidos como os três mosqueteiros, as artistas que conviveram na época fazem questão de retribuir o carinho recebido. Todas as pessoas a que entrevistamos, sobre a arte transformista da década de 80 e 90, falam com muita saudade da boate. Marina Garlen (In memoriam) foi a primeira a descrever seus momentos de artista e cliente no local. Pessoas da cena, que fizeram parte do elenco, contam como era importante aquele espaço e o quanto foi acolhedor fazer parte; Dion Santiago é uma delas: “Era uma casa de show que abrigava, tínhamos liberdade, tínhamos o tratamento como artista, deixou saudade. ” Jorge era a peça chave nas invenções, não só fez o desfile, mas também produziu o Miss bahia Gay com o aval de Di Paula, o criador do concurso, hoje sob o comando Bagageryer e reconhecido internacionalmente.
Nosso entrevistdo diz que reconhece o avanço dentro da cena, mas enxerga que este avanço é mínimo perto do que a arte transformista proporciona há quase 40 anos na Bahia. “Olhem o crescimento de Baga, ela lota o teatro, pessoas querem ficar em pé, pessoas não conseguem entrar, que motivo impede que os eventos dela sejam no Tetro Castro Alves? O nível de produção e organização supera todas as expectativas, o elenco é de primeira e as concorrentes investem muito, inclusive muito mais que o Miss Bahia. O evento Miss bahia Gay abarca pessoas da Espanha, que evento na Bahia faz isso?” O professor nos contou que na década de 90 o teatro Nazaré abria as portas para alguns eventos, com pauta paga, mas que certo dia decidiu não mais abrir, restando apenas o Vila Velha, foi naquele momento que consegui fazer dois eventos lá.
ME SALTE
EYSHILLA BUTTERFLY, CATOLICISMO
Cobertura feita por Jorge Gauthier do “ME SALTE”
Jesus Cristo crucificado com cílios postiços e batom cor de rosa ao lado do diabo. Nossa Senhora Aparecida de lápis de olho e vestido brilhante. Buda e deuses do hinduísmo com olhares côncavos, unhas postiças e exuberantes. Essas cenas foram retratadas em 14 fotografias produzidas pelo fotógrafo Ricardo Santiago com atores transformistas, que foram exibidas dia 04 de julho, no Burlesque Bar, em Salvador. Os ensaios – batizados de Drag Religion – fazem parte da prova de estreia do concurso Super Talento, que reúne 14 drags queens da capital baiana na batalha pelo título e premiação de R$ 3 mil. Cada uma teve que bolar a produção de uma fotografia inspirada em quatro religiões: catolicismo, candomblé, budismo e hinduísmo. Um dos ensaios mais impactantes foi o produzido com a drag Eyshilla Butterfly, que demorou dois dias no processo de execução da imagem. A foto dela “A Selfie do Diabo”,foi pensada pela artista como forma de mostrar sua própria contradição. “Eu sou assim. Tenho, como qualquer pessoa, o lado bom e o lado ruim”, explicou a drag na sua apresentação. A foto , onde o diabo faz uma fotografia com Jesus Cristo, foi alvo de muitas críticas nas redes sociais. Integrante do templo Casa Telucama, que segue a linha da Bruxaria Tradicional, o fotógrafo que fez as imagens explica que todas as fotos foram feitas com um forte trabalho de pesquisa e atenção com os princípios religiosos.
Ele acredita que os questionamentos são fruto do preconceito contra os homossexuais. “As religiões monoteístas não nos abraçam. Elas pregam que os gays não têm direito de ter fé. O desconforto e as críticas vêm do preconceito por sermos homossexuais. Na minha religião buscamos a harmonia com as outras religiões. Seguimos essa filosofia. Acredito que esse discurso de ódio é fruto de um preconceito com a nossa sexualidade”, explica Santiago que estuda as religiões e demorou, em média, seis horas para fazer cada ensaio. Eleito o melhor ensaio na noite, a representação de buda de Mell Blera impactou o público presente no bar e os jurados. “O buda simboliza a paz e o afastamento da riquezas materiais”, explicou Mel, que já venceu o concurso na edição de 2014.
Ricardo Santiago, Fotográfo há 11 anos. “As religiões monoteístas não nos abraçam. Elas pregam que os gays não têm direito de ter fé. O desconforto e as críticas vêm do preconceito por sermos homossexuais. Na minha religião buscamos a harmonia com as outras religiões. Seguimos essa filosofia. Acredito que esse discurso de ódio é fruto de um preconceito com a nossa sexualidade”, diz Ricardo.
ME SALTE Outros dois santos católicos foram representados – Nossa Senhora Aparecida, por Sasha Heells e São Sebastião, por Melanie Mason, em homenagem ao santo que é tido como protetor dos homossexuais”Enquanto São Sebastião foi morto injustamente a flechadas por afirmar e insistir na sua crença, hoje muitos são mortos a tiros por apenas assumirem ser como realmente são, em minha foto além das flechas tenho marcas de tiros que mataram 50 gays numa chacina em orlando, tiros que mataram Lívia de Castro, Andrezza Lamarck e tantas outras vidas sem motivo. E é pela ligação do Santo com a família LGBT que resolvi fazer essa foto demonstrando protesto e homenagem as famílias e amigos que hoje tem um vazio no peito, que é a dor de perder alguém amado apenas por ser como são.”, destacou Melanie. PETRA PERÓN, CANDOMBLÉ
LAYRA TIFFANY, BUDISMO
Outra foto elogiadíssima foi de Petra Perón, Miss Salvador Gay, que representou a entidade do candomblé Maria Padilha. “Ela representa a força da mulher”, disse Petra. Ellah Vargas, que representou o orixá Iroko, também mereceu destaque pela originalidade. “Optei por fazer um orixá pouco conhecido do grande público para sair do clichê”, destacou. O ensaio que foi eleito o pior da noite foi da drag Shannel Montinez, que representou Oxum. “Faltou impacto visual e fugir do clichê na foto”, destacou Rainha Loulou, jurada fixa do concurso, que terá a final realizada no dia 18 de setembro no Teatro do Irdeb. Até lá, todos os domingos, a partir das 21h, no Burlesque Bar, que fica na Mouraria. A entrada custa R$ 5. O concurso é produzido por Valerie O’rarah e produzido por ela em parceria com a Lufra Produções.
NINA CODORNA, HINDUÍSMO
SASHA HEELS, CATOLICISMO
ELLAH VARGAS, CANDOMBLÉ
MELANIE MASON, CATOLICISMO
AIMÉE LUMIÈRE, HINDUÍSMO
MEL BLERA, BUDISMO
DESIRÉE BECK, HINDUÍSMO
AMANDA MORENO, BUDISMO
WWW.CORREIODABAHIA/MESALTE
TEREZA SKYPER, HINDUÍSMO
SHANNEL MONTINEZ, CANDOMBLÉ
NÁGILA GOLDSTAR HINDUÍSMO
Atendimento psicológico gratuito para a População LGBT
Caso deseje atendimento, pode entrar em contato com gibahpsi@gmail.com informando seu nome, telefone e o porque precisa de atendimento.