Revista Arte Trans Bahia edição de setembro Nº 9

Page 1

Revista

Arte Trans Bahia Nona edição. Setembro de 2016

“O sexo era livre, era tudo lindo, a gente pagava taxi com amor, fugia das garras da policia com amor”

ALAN LEIDE MARCOS MELLO

A História do transformismo baiano


Editorial

Expediente:

Arte Trans Bahia, Divulgação e exposição da Arte Transformista na Bahia. Web: Transartebahia.com E-mail: Transarte.bahia@ gmail.com Telefone: 71-993228603 Diretora Geral: Edméa Barbosa Produção: Edméa Barbosa Diretora Administrativa: Mariana Figueiredo Jornalista Responsável: Manuela Simão

Em junho de 2015 nasceu a ideia de catalogar as artistas transformistas que conhecíamos e foi neste momento que criamos o site Arte Trans Bahia: uma plataforma onde artistas da cena transformista da Bahia tivessem um espaço de fácil acesso para a divulgação e promoção das suas personagens e sua arte. Decidimos então produzir uma revista mensal que trate do mundo da arte transformista e faça o papel de guardar as informações. Para que esta revista tenha um serviço positivo na sociedade, sobre tudo para a população LGBTTQI acadêmica, convidandamos pesquisadoras e professoras para a cada edição escrever conosco. Nesta edição trouxemos a história do transformismo com Marcos Mello e Alan Ivete Leide, dois dos grandes nomes da década de 70. O lançamento do Livro de Amara Moira. Acadêmica convidada a militante Bruna Bastos. A revista Arte Trans Bahia e suas colaboradoras agradecem a todas as pessoas pelo apoio e incentivo. Att, Editora Arte Trans Bahia

Projeto visual: Edméa Barbosa Diagramação: Edméa Barbosa Matérias: Mariana Figueiredo e Edméa Barbosa Convidada: Bruna Bastos Fotógrafias Arte Trans Bahia Acervo pessoal de Artistas Edição: Nº9-Setembro de 2016

Atendimento psicológico gratuito a População LGBT Caso deseje atendimento, pode entrar em contato com gibahpsi@gmail.com informando seu nome, telefone e o porque precisa de atendimento.


O

MARIANA FIGUEIREDO

lançamento do livro 'E se eu fosse puta' da escritora, transfeminista, protituta e doutoranda na Unicamp, Amara Moira, ocorreu na Universidade Federal da Bahia no dia 09 de setembro. E nós da Arte Trans Bahia estávamos lá pra conferir de pertinho essa gostosura que foi o bate papo e adquirir esse livro delicioso (sim! Quem não leu, corre e compra pra ler). Viviane Vergueiro e Amara Moira fizeram um bate papo muito produtivo com os espectadores, e ao final ainda teve uma participação de Samara Braga, transexual e candidata à Prefietura de Alagoinhas. “Travesti em inícios de carreira, Amara Moira percebeu mais fácil transar sendo paga do que dando-se de graça, facinha como ela é. Decide então pela rua, fazê-la de esquina a esquina, encontrando nisso prazer em não só viver ali o sexo tributado (nas formas inusitadas em que ele surge), como também em rememorar dps a experiência, retrabalhá-la em texto: travesti que se descobre escritora ao tentar ser puta e puta ao bancar a escritora.”

Trechos do blog “E Se Eu Fosse Puta” MONÓLOGOS DO LIXO [parte 1: antes] Vc é mulher? Nossa, nem parece! Coxão, corpão, bocona... não fosse o bilau ninguém diria. E como é que faz pra transar com traveco? Vc faz tudo? Nunca saí com homem, mas deu uma vontadinha agora. Vc come? Pintão? Ah os hormônios... mas um travecão gostoso que nem vc não comer é foda, ein. Se bem que nem sei se aguento, nunca fiz, mas queria saber como é. [parte 2: depois] Nossa, vc é bonita, gostei... eu até namorava se vc fosse mulher. Toda bonita assim, branquinha, boca rosada, humilde, mas não dá, entende? A transa gostosa marido e mulher, o dia a dia, a cumplicidade, tudo isso ia fazer falta. Não é preconceito, é que eu gosto só de mulher. Sou louco por uma buça. Vc é pra aquela variada de vez em quando, quando cansa. Sou casado, amo minha mulher. SINOPSE

“Nus na cama, esfregação, camisinha, oral, eu mais divertida vendo o prazer dele doq com a transa em si, me sentindo atriz, até que ele me puxa e começa a beijar, carinho, barba arranhando a pele... "ei, nossa, uou, que que é isso aí!?", disse ele assustado ao me ver toda toda, crescidinha, armada, se vcs me entendem. E continuou: "vc gosta mesmo de pau, tem certeza?" Parei o bloqueador de testosterona, deu nisso, tesão. Segui o instinto e fui bolinando o corpo dele, bolas, períneo, bunda, ele se tocando alucinado, ou, ei, nim, são, não, sim, ui, boca e olhos se dizendo e contradizendo, até que, ai, por fim, "faz oq quiser de mim". Travesti vivida sabe oq isso quer dizer, sabe oq ele quer que eu queira, eufemismo pra "vem, me come", e lá fui eu massagear o edi, ver se entendi direito...” DOMINGO, 3 DE MAIO DE 2015

E se eu fosse puta é o quê? Você, leitor, que me diz. Tem de tudo um pouco, mas sobretudo verdade, dessas que a gente gosta só debaixo do tapete, bem escondidinha, o dia a dia da rua, a barganha, a cama, o homem depois de gozar. Amara se vê travesti e junto descobre a vida que haveria a partir de então, puta aonde quer que fosse, fosse pra cuspir, fosse pra perguntar discretamente o preço ("tudo no sigilo, sou casado, sabe?"). Corpo que não tem lugar, corpo que se fazia à revelia das regras, das normas, corpo que se prestava pra sombra, essa era eu e eu não fazia sentido, sequer sabia aonde eu queria chegar. Quem me entendia? Esse livro é sobre a escolha que não faz sentido, esse livro é sobre buscar porquês. E se eu fosse puta? E se eu fosse você? (SARAIVA -R$ 34,90)


Bruna Bastos quer saber: Você tem um circulo seguro? Eu me sentei diversas vezes, parei mesmo que mentalmente mais outras para pensar no que eu poderia escrever. Aproveitar a oportunidade para falar sobre minha materialidade enquanto mulher, preta e lésbica foi a primeira ideia, seguido da dúvida do que eu posso contar, o que dividir. Como boa futura contabilista fiz meu balanço e antes de qualquer título surgir nesse mangue de uma consciência onde tudo coexiste, a primeira sensação que sabotou a ordem foi o alerta que se acendeu da responsabilidade de ser lida. Assenhorando o meu receio, decidi que era justo falar sobre a minha inquietação atual, usando esse texto como um desabafo e uma troca pois tenho pensado através das nossas possíveis relações diversas e ligações que se entrelaçam através das mesmas. Eu gostaria de começar te perguntando algumas coisas: Como você se sente dentro das suas relações afetivas? Você já parou pra analisar qual os benefícios as suas relações atuais te trazem quaisquer que sejam elas? Estamos cada vez mais conscientes e por consequências menos abusivas?

A voz de

Bruna


BRUNA BASTOS No lugar reservado a lesbianidade, nos resta um coexistir de segregação e julgamento social onde somos excluídas e obrigadas a cortar laços afetivos que se revelam insalubres diariamente. Descontrolo-me quando em um momento tão mais aberto, tão mais possível, (pois difícil sempre foi), perdemos espaços seguros de desabafos troca de subjetividades para escalonar e pôr a prova toda e qualquer dor e sofrimento passado pelas nossas irmãs. Quando em ambientes diversos, ainda reproduzem aquela comparação racista como piada ou para atestar evolução. Eu vejo um momento onde enquanto feministas ainda prosseguimos falando pra nós mesmas, nós mesmas que acessamos, nós mesmas que já somos feministas, mas não modificam-se as posturas, continuamos querendo consertar o mundo enquanto linchamos irmãs, queremos ser didáticas com todo um sistema de opressão que nos usurpa lugar e fala, mina as nossas forças e ainda assim detentoras dessa consciência excluímos mulheres lésbicas dos nossos espaços quer seja direta ou indiretamente. E quando falamos disso, há uma reversão total do 0 pro 99 onde de invisível você vira token, o assistencialismo surge, camuflado na vontade de te entender as pessoas podem começar a serem mais lesbofobicas em suas afirmações, azar nosso que se atreveu a questionar algumas pessoas que deveriam apenas serem esquecidas. - Ah! Mas assim fica difícil, o que você quer? Estou tentando te ajudar!!!!!!!

Bastos

Como redefinir respeito? Precisamos atualizar essa definição na urgência de uma sociedade mais sã. Respeito, empatia... Sabe aquele coisa escrota que você pensou em afirmar na frente da mina preta, ai tu desistiu e mesmo assim quis dizer o que pensou pra mostrar que esta sendo uma boa pessoa? Pois é, você só esta sendo mais um racistinha de merda, você tinha que ter vergonha em pensar isso e ser esta pessoa. Sabe quando você entorta a cara ou fala coisas escrotas como: - Pra que isso?! ou - Ta se aparecendo! por eu beijar minha namorada. Novidade! Você esta sendo só mais uma lesbofobica de merda também. Não paguem de desconstruidões. Mulheres acendam suas alertas, mulheres pretas e lésbicas acendam seus alertas em dobro, relações abusivas não nos acrescentam em nada, só nos minam. Não, nós não temos que "ser mais que isso e relevar", nós não temos que "deixar pra lá" (até porque já existem as situações onde infelizmente nós, pela necessidade de sobrevivência nos podamos). Não precisamos do que não nos acrescenta aquela amiga antiga que nunca foi reciproca, que estava ocupada em vários momentos onde você esteve a disposição, aquela parente que só te usa como exemplo ruim, ou que não quer saber se você esta viva mas quando precisa lembra de você, pessoas diversas que te usam, aquela relação que não te proporciona segurança e sensação de tranquilidade, não você não precisa dela, nós não precisamos disso. Mulheres, sejamos certeiras, cortemos o mal pela raiz, e a depender do nível não se sinta obrigada a explicar, nem se justificar, nós sabemos o que nos faz bem e caso não, que comecemos a nos empenhar em descobrir. Olhar pra dentro e para o redor sem o medo intrínseco da exposição é a meta, comecem seus círculos seguros, por você, por nós.

Bruna Bastos é militante ativista, estudante, artista e mais importante que tudo, é humana. Palavreia, grita, chora, luta por sua humanidade e leva com ela as que estão à sua volta. A voz de Bruna reverbera!


EDMÉA BARBOSA

Foto: Divulgação

A primeira boate gay da Bahia é de criação e produção de Marcos Mello, o ator e empresário que formenta a arte transformista há mais de 40 anos O Brasil da década de 60 não foi só da tropicália, o movimento que surgiu em 1967, pode abarcar o chamado submundo, o escondido reduto da arte transformista e do amor “livre”. Muito não sabem, mas o centro de Salvador respirava arte, luta, força e muita perseguição. Aos 19 anos Marcos Melo já tinha o espirito empreendedor. O desejo de montar um bar gay seria um dos maiores desafios da sua vida, e foi. Sem placas ou propagandas, em 1969 foi inaugurado pelo jovem, o “bar Tia Joana” que abria às 18:00 horas e fechava 01:00 hora da manhã. Inicialmente um simples bar, local de paquera, de boa comida, sem shows e com muita perseguição policial. Mesmo não sendo destacado que ali era um bar gay, era alvo fácil. A bandidagem não visava o bar ou as pessoas das ruas, não como hoje, naquela época era possível andar com bons trajes, usar relógios e joias sem ser atacada. O perigo girava em torno da perseguição policial aos homossexuais e outra minorias. O Bar Tia Joana ia bem, apesar dos desagrados com a “ordem”, o bar passou a funcionar no estilo boate, uma radiola fazia o som das 22:00 até a

meia noite. A estrutura era precária, às vezes a mesa caia, porém o publico sentia-se em casa. Uma amiga de Marcos era proprietária de um bar no antigo Varandar, que ficava no Pau da Bandeira. Porém não utilizava todo o espaço que tinha, então, propôs ao amigo que fizessem uma troca, pois acreditava que ele aproveitaria melhor o local: “Marcos, você me aluga o Tia Joana e eu te arrendo lá...” Apesar da falta de interesse, Marcos resolveu aceitar a proposta, projetou abrir uma boate, mas queria algo com capricho. Após muita pesquisa e um grande investimento, decidiu pela fantasia TROPICAL NIGHT CLUB. “Já que o Brasil é um país tropical, ficou sendo tropical, tropical club noturno...” A inauguração da primeira boate gay de Salvador aconteceu na quinta feira, em 1972. O sucesso foi tão grande que os clientes começaram a pedir para abrir de terça a domingo. As festas eram temáticas e a de maior sucesso era a festa do bambolê: “Tínhamos bambolê, as pessoas compravam e se divertiam muito ao som das musicas, aquela foi a época mais gostosa da minha vida”


Funcionava sem shows, mas certo dia a SAMORA SAMER, hoje uma das maiores artistas do mundo, que mora na Itália, chamou o amigo para fazer um espetáculo, a ideia era fazer um show, com dublagens de algumas musicas, ela faria a mulher e ele o homem: “tome aqui essa musica e eu vou fazer Danna Sammer”. Naquele momento surgia o primeiro espetáculo de transformismo da boate Tropical, boate gay de Salvador. Marcos sempre gostou de perfeição, então ao aceitar a proposta de Samora, sentiu-se

obrigado a fazer um grande espetáculo. Convidou o amigo Romero Luiz para dirigir e deu o nome de Afro Cabaré, eram apenas duas pessoas em cena, mas um grande espetáculo. Estrearam na sexta, foi recorde de publico, ficaram alguns meses em cartaz. O ecad causou problemas logo no inicio, tinha também a policia federal, os novos atores eram obrigados a fazer um show de apresentação para a PF, mas passaram pela censura, por vezes ajustavam alguma coisa, mas geralmente passavam, pois o espetáculo não tinha palavrão.

Foto: Acervo da artista/facebook

Samora Samer, a primeira artista a criar um espetáculo dentro de uma boate em Salvador. Há muitos anos mora na Itália, porém esteve no Brasil varias vezes. Em 1987, por exemplo, participou do programa da bolinha, em rede nacional transbordou beleza e sofisticação. A diva leva o nome da Bahia por onde passa. Faz shows e encanta ainda como se fosse a primeira vez. É amiga de Marcos Mello e agradece a oportunidade que teve no inicio. Em conversa com a nossa revista palavreou: “Vale a pena que a nova geração saiba da nossa história. Comecei com Marcos Melo em uma casinha humilde lá na Rui Barbosa, ele e Oscar me abriram as portas para o caminho da arte e me deram muito apoio. Vocês não imaginam o que passamos. Sofríamos repressão, enfrentamos todos os tipos de impedimentos, principalmente pela polícia.. Mas Marcos e Oscar nunca desistiram e nós resistimos, eles estão ai para contar. Eles tem todo o meu respeito e admiração.


EDMÉA BARBOSA

Ficaram em cena por algum tempo, em seguida foram surgindo outras artistas. Surgiram algumas raridades, Alan Leide, , Rarine Bergman, como se fosse uma fonte chegaram Lady di, Jane LeCrerier, Peti Blanche, todas querendo fazer parte, queriam um espetáculo também. Marcos não tinha escapatória, estava encantado com a novidade. Pensou muito e resolveu criar um espetáculo com todas elas, sabia que iria gastar muito, mas embarcou. Desta vez queria com bailarinos, teve dificuldade, mas encontrou o “Fefé” que dançava no Teatro castro Alves. “Com o Fefé foi uma conquista, ele tinha medo de trabalhar em outro local, mas propusemos a ele que estivesse conosco apenas nas horas vagas e que pedisse permissão lá no TCA. Fechamos com ele, Fernandes e Bebeto.” Novamente Romero Luiz dirigiu o espetáculo, meses de ensaio, tudo certinho, a estreia que seria na sexta, foi na quinta com recorde de publico, um verdadeiro sucesso. As criticas chegaram, dentre elas a mídia, que em 1976 divulgou que a boate só tinha travesti, homem nu, isso por que na época o proprietário já havia começado a inserir shows com gogoboy no palco, tinha também a critica pesada do dono da

Holmes, que na época já estava funcionando. Ele não entendia o porquê de Marcos investir em transformismo. Enquanto o concorrente desacreditava, Mello criava e produzia, certa vez respondeu a critica à altura. “Não são travestis, são atores transformistas que entram de homem, se montam e fazem o numero, depois voltam para as roupas masculinas, são atores, isto é arte!” A polícia também continuava inimiga, chamavam a boate de submundo do crime, não gostavam de travesti, invadiam o espaço dispostos a qualquer coisa. Por vezes estavam com o show para começar, madrugada, eles invadiam, faziam as grosserias, e só quando saiam é que acontecia o espetáculo. ”Não tenho vergonha de dizer que apanhei na cara, certa vez a policia queria bater em uma das artistas, intervi e me bateram perguntando depois se eu também queria apanhar.” A intensão da policia era fechar a casa, acabar com o reduto, batiam em clientes, em artistas, foi uma época nojenta na arte, deprimente e cheia de violência. Depois disso tudo Romero Luis inventou o espetáculo ilha tropical Canal 24 foi e não passou pela censura a censura proibiu por conta da palavra 24 censura proibia.

Bailarino, Zezé (in memoriam), Marcela, Alan, Peti e Suzaná (in memoriam).


Ludimilla (in memoriam), Romero Luiz(in memoriam), Suzaná (In memoriam)

Espetáculo “Mulher rica, mulher pobre”

Marcos Mello e Alan Ivete Leide

Marcos Mello

Em uma das reformas voltou com espetáculos de grandes artistas PETI BLANCK, Lady Di, SAMORA SUMER, MONIQUE LAFOND, SUZANA VERMON... A casa funcionava de terça a domingo, e no domingo abria às 14:00 horas para o Chá das cinco, o mesmo que revelou Marina Garlen. A concorrência ficava com A Safari de Julio Cesar Habib, depois a Is´Kiss, além da Holmes que era a principal concorrente. Primeiro a resistência e critica dos espetáculos de transformista, além do seleto publico de gays da classe A, por outro lado a tropical fazia o corpo a corpo, o proprietário fazia questão de estar sempre presente, a popularização da clientela era proposital, pois a meta era tropicalizar. A tática valia, pois conseguia colocar quase mil pessoas por final de semana, frequentando a casa. “Enquanto abriam e fechavam casas, eu estava lá recebendo meu público, investido em espetáculos.” Já em 1995, exatamente no dia dois de janeiro, após anos de sucesso, resolveu fechar a tropical. Foi morar em Nova York. “Dormia em cima de dólar, estava cansado e resolvi mudar os ares”


EDMÉA BARBOSA

Estrutura da boate Após alguns anos morando nos Estados Unidos, Marcos retornou a Salvador, encontrou com Dion, que na época era proprietária da “Boate Yes”, a transformista e empresária ofereceu venda do estabelecimento a o amigo, que comprou de portas fechadas por dez mil reais. O negocio foi fechado sem conhecer o local e no dia seguinte o novo dono tomou o susto, segundo ele, era impossível funcionar daquele jeito: “Vendi um apartamento e investi, reformei completamente e fiz um grande palco, pois a minha intensão era o show com transformistas, era uma questão de honra fazer aquela boate acontecer” O empresário sente-se muito orgulhoso, afinal foi atacado por varias pessoas, seu maior concorrente era o dono da Holmes e na atualidade Marcos Mello é proprietário do prédio em que funcionava a “Holmes”; “Certa vez falei para ele o quanto ele estava errado nas criticas, o mundo dá voltas, e deu, enquanto ele elitizava, eu com a minha humildade cheguei aqui, com prédio próprio” Por mais que houvessem diferenças e brigas até entre os empresários, ainda se tinha respeito, conversavam, discutiam, mas no final das contas não passava de bate boca. “Naquela época a maldade era menor, em todos os sentidos, até nas questões profissionais, as discussões eram cara a cara, uma conversa, um bate boca, mas nada além, tudo girava entre a fofoca e a conversa. As pessoas eram melhores, as falsidades não passavam

para o palco, no camarim elas brigavam e no palco se apresentavam como divas. Na atualidade tudo têm maior proporção com ajuda da internet. As pessoas publicam não só noticias ou informações, mas a vida de qualquer pessoa fica exposta após qualquer desentendimento”. Após reformar a boate, apesar de todas as dificuldades, começou a investir em show de transformistas que vinham de fora, a intenção era promover para o publico um encontro com os melhores shows do Rio e De São Paulo. Pelo empreendimento Marcos Mello produções, já passaram nomes como Rogéria, Valéria, Marcia, Marcela, entre outras. Já teve em seu leque de artistas, 26 nomes com shows fixos em sua casa. Após um tempo, contratou como diretor artístico o produtor e ator, Sivaldo Tavares, a parceria que dura alguns anos já promoveu espetáculos como “Painho e Suas Cunhadas”, uma remontagem “O Diabo Veste Prata”, “As patricinhas da Cidade Baixa” , além da casa já ter sido alugada para o “Festival The Artes Cênicas” evento que abarcou atores globais, muito importante para a cultura local. O prêmio melhores do ano promovido pela boate, homenageou Paulo Dourado, Fernando Guerreir, Luiz Miranda, atores que independente de suas vertentes, promovem visibilidade e respeito para LGBTS. “Sala de Visita” e “Eu sou Tropical” foram mais dois projetos com recorde de publico.


Entrada principal da boate

Arquivo de Portal Marcellus

A personagem principal é o pai-de-santo Painho, afetadíssimo e cheio de maneirismos, que criou na época o bordão popular TÔ MORTA! Na peça, no teatro Carmem Miranda da Boite Tropical, palco dedicado à apresentações GLS, a visita mais ilustre durante a estréia foi a do Babalorixá Bel de Oxum, a personalidade do candomblé e famoso vidente, que inspirou o comediante Chico Anizio à criar o personagem. No elenco, o empresário Marcos Mello encarna o Painho e as estrelas Andrezza Lamarck, Scher Marie, Ivanelly Vergman e Peggy Larowski são as ekédis -- as Cunhãs daquele Abaitolá. (TEXTO DE PORTAL MARCCELUS) Marcos é ator, seus personagens são masculinos, passeia entre a música de Pepeu Gomes, Frank Sinatra Cauby Peixoto, a primeira musica que dublou foi “Casinha Branca de Gilson Campos” ao lado de Samora Samer. Tem 64 anos de idade e 44 anos de carreira, produzindo e empresáriando arte transformista na Bahia. É o tipo de pessoa que não gosta de estereótipos, nem das palavras do gueto, acredita que a palavra sapatão ou veado são palavras para diminuir a humanidade da outra pessoa. Talvez, o pensamento seja resquício do que viveu e conviveu no inicio. “A policia chegava arrancava a peruca batia e berrava: “seu veado, você não é mulher, veado! Certa vez no antigo Varandar, lá na Tropical do Pau Da Bandeira, a JANE LECRERIER, foram barra bater nela e eu intervi, na época tinha uma polícia chamada “mista”, eu disse, não é assim não, não vai bater nela e eles me deram um tapa na cara, “você quer apanhar também”. Eu apanhei muito na cara para conseguir o respeito, para defender outras pessoas, para manter a casa aberta. A intensão deles sempre foi fechar a casa”. O proprietário nos contou que mesmo com toda a dificuldade, sente falta daquela época, principalmente das artistas. Hoje mantém amizade com algumas pessoas, tenta manter o perfil de inovação em suas performances, em suas produções, continua investindo e valorizando artistas mais antigas. “Sinto falta das meninas, do compromisso que elas tinham, sinto falta dos atores que chegavam como homens e colocavam a roupa de show. Hoje a maioria já chega com roupa de show, em cima da hora, passam no meio do publico e voltam para o palco com a mesma roupa. Quebra o encanto”.

Foto: Acervo do artista/facebook


EDMÉA BARBOSA A Tropical já passou por suas fases de crise, por muitas vezes o dono é intuído a fechar. Às vezes por chateações do meio, por decepções, muitas vezes por propagandas negativas que algumas pessoas fazem. Mas por outro lado repensa quando é tratado com carinho por muitas artistas, por amigos de décadas. É inegável a importância da Tropical e de Marcos Mello para a história do transformismo, a maioria das artistas que conversamos, citam a casa como primeiro local, existiam os espações de entretenimento heterossexual, mas foi o jovem quem deu literalmente à cara a tapa e começou um movimento artístico junto com a amiga Samora Samer e com as parceiras que se juntaram em seguida. Enquanto o teatro era ocupado por artistas revolucionários e tão valorizado na atualidade, o chamado submundo reproduzia para as minorias o que existe de melhor no mundo. Estamos falando da década de 70, onde a internet não ajudava, a televisão pouco mostrava, o rádio cantava, mas atores transformistas divavam em palcos minúsculos, em cima da mesa, no chão, mas com figurinos e dublagens de dar inveja. Falando em teatro, Marcos foi um dos nomes que lotou o Teatro Castro Alves. O Miss Universo esteve no Teatro Isba e também no Teatro Nazaré. Ganharam prêmios, a boate tropical repetidas vezes foi reconhecida como melhor boate gay da cidade.

Miss Universo Teatro de Revista é atração que não sai de moda Mais um miss Universo na Bahia. Como diz a canção de Rita Lee muito bem dublada pela irreverente e saudosa Saquarema Satanás na antologica boate Tropical na Rua Pau da Bandeira, velhos tempos. Será que ela continuar com a tradição. Vai sim meu bem, porque miss é puro glamour e nunca sai de moda e a prova disso foi a oitava e inusitada edição do concurso miss Universo Teatro de Revista, organizado pelo promoter e animador cultural Marcos Mello boate Tropical que tem nome e sobre nome e prestigio para dar e vender na noite gay de Salvador. O evento foi consagrado ao Teatro de Revista e por isso as candidatas desfilaram modelos característicos aos gloriosos anos do Teatro de Revista no Brasil. Quem esteve no Teatro da ACBEU quarta-feira passada pode conferir de perto o glamour, charme, beleza e simpatia das participantes na passarela. Quatorze participantes se sucederam desfilando no palco do Teatro aos olhares atentos de um corpo de jurados que observavam ao tempo que se divertiam os mínimos detalhes das candidatas que disputavam entre si a classificação de primeiro ao quinto lugares. A parte as glamourosas eleitas, foram escolhidos ainda traje típico, simpatia e elegância. Nathalia Strayker representando a Índia, Plinckt Ploc miss Paraguai e a finíssima Melenie Dorson da Grécia que ainda levou o melhor vestido. Por Redação MARCELO CERQUEIRA/ SALVADOR, BA, 23/01/09

Foto: Acervo de Portal Marccelo


Aos sessenta anos, Marcos é cultura viva. Como a maioria dos artistas que trabalham com a temática LGBT, também é colocado na subcultura. Por mais que seja um produtor cultural, quase nunca é visto como tal. O ator, produtor e empresário é um dos nomes que ficará na história, e muitas artistas agradecem a insistência dele se manter no cenário. Prova disto é a comemoração de aniversário que fez no ultimo dia dois de setembro deste ano, com presença de amigas e amigos, grandes nomes do cenário local.

Karine Bergman

Ginna D’Mascar

Eyshilla Borboleta

Dion Santyago

Alan Leide

Lady Di


EDMÉA BARBOSA

Alan Leide, a Ivete descoberta por Julio César Habib, virou tropicana com Marcos Mello e eternizou com Tina Turner nos palco do Brasil

É

bem provável que Alan Ivete Leide tenha sido uma das primeiras transformistas a se apresentar em um espetáculo teatral em Salvador, no ano de 1977 com as Coristas, aos 22 anos. Vestida de Carmem Miranda, por Júlio Cesar Habib. Antes, em 1975 tinha participado da escola de samba “Diplomata de Amaralina”, com o mesmo figurino.

A hitória de Ivete, como prefere ser chamada, começou no interior da Bahia, em um núcleo de traumas, como é dito por ela. Veio para Salvador aos cinco anos de idade, quinta filha de uma mãe que sofreu muito preconceito, afinal casou muito nova, aos 16 anos, separou e após 25 anos ficou gravida de um homem casado. Aos oito meses de gravidez foi vitima de 16 facadas. Tomou vários remédios para abortar e não aconteceu o aborto.

Nos anos cinquenta os preconceitos eram muito maiores e Alan Leide foi educado por uma prima do pai, vindo morar aqui em Salvador logo nos primeiros anos de vida. “Acredito que tenho uma missão na terra, sobrevivi desde sempre”. Na infância os primeiros traços da condição sexual já apontavam. Aos dez anos levava a fama de ter relações sexuais com outros garotos, mas na verdade era outro menino que tinha, porém a fama decaia sobre ele. Entendeu-se gay sozinho, sentia-se atraído por homens, ficava nervoso. Após se ver diferente evitava ir para rua brincar,, ficava em casa, com medo. A primeira relação sexual só veio aos 16 anos, conta que se tivesse a opção de escolher entre ser gay ou não, preferia não ser. Preferia ser casado com uma mulher e ter filhos, formando uma família tradicional. “Sou gay por condição, nasci assim, mas tudo que fiz, fiz por querer”.

“O sexo era livre, era tudo lindo, a gente pagava taxi com amor, fugia das garras da policia com amor”


Ano de 1975, com as coristas, primeira transformista em um palco teatral em Salvador.

Estudou no colégio Duque de Caxias, colégio modelo na década de 60, lá tinha o balé folclórico do Duque, e diz que sentiu o preconceito ao não ser aceita no grupo. “Eles diziam que era muito fresca”. Tentou também ser padre e não foi aceito pelo mesmo motivo. A vida sexual era aquecida, na década de 70 tinha o reduto chamado “O Maciel”. Aos 16 anos saia vestida de estudante, mas caia nos braços dos homens. “Na adolescência era bom e engraçado, as moças de família não transavam, os homens precisavam ir para o brega e procuravam as gays, a gente fazia de tudo, eles gostavam, eu era novinha, eles adoravam e eu também.” Aos 19 anos começou a trabalhar como cabeleireiro. Em 1975 fazia parte doa escola de samba “Diplomata de Amaralina”, Júlio Cesar Habib fez uma fantasia de Carmem Miranda para Alan.

No ano seguinte Vitoria convidou para que ela fizesse parte do espetáculo. Após alguns meses de ensaio, em 1977, aos 22 anos, vestida de Carmem Miranda com as Coristas, pisou pela primeira vez, no palco do teatro, como transformista . O espetáculo foi sucesso e a companhia foi para Aracaju e algumas cidade do interior da Bahia. Os shows na boate vieram logo em seguida, na boate de Marcos Mello. Trabalhou com Karine Bergman, Lady Di, Suzana Vermon, entre outras grandes artistas. Começou a fazer modificações corporais, mas garante que nunca foi induzida por ninguém, sempre decidia fazer as coisas por ela mesma, e sempre encarou as consequências de suas escolhas. “As pessoas diziam que eu era afetada, que usava drogas, nunca usei drogas, mas modifiquei meu corpo como eu quis, coloquei silicone nos seios, na bunda, fiz o meu corpo ninguém me forçou a nada, fiz o que eu quis e desejei.”


EDMÉA BARBOSA O camarim era dividido entre pessoas e opiniões diversas. A artista foi criada só, não costumava dividir seus pertences com ninguém e este foi um dos seus grandes problemas. O cabelo batia na cintura, raramente usava peruca, mas quando usava não gostava que ninguém colocasse na cabeça o que iria para a cabeça dela. Tinha um ventilador, se irritava com o uso das outras, e brigava quando algo sumia. “Eu era tida como brigona, mas na verdade não gostava de emprestar porque voltava quebrado ou não voltava, eu preferia dar, dava e pronto...” Os figurinos eram bordados por ela, os sapatos também. “Nunca costurei, mas sempre gostei de bordar”. Os números bolados por ela e por amigas dos espetáculos. Existia também rivalidade de show sempre teve e sempre terá, porém a briga de camarim não prejudicava o palco. Se houvesse espetáculo com todas juntas, acontecia. “Existe muita falsidade, a tirania de quem chegava era cruel, isso foi uma das coisas que me fez afastar. Quem chegava com seus guarda roupas melhores, eram endeusadas pelos empresários e quem já estava ficava de escanteio. Isso irritava e gerava confusões.”

Leide com Suzaná, na Boate Tropical. As duas brigavam muito por paqueras, mas eram amigas.

Seus shows foram apresentados na Tropical, Safari,Holmes, Holy Day, mas os maiores espetáculos foram na boate Tropical. Lá contracenavam em um estilo mais teatral. Por exemplo, fazia com a SUZANÁ vermon “ A mulher rica, mulher pobre”. Porém participou de espetáculos que juntava Ludymilla Bravo (in memoriam 2016), Karine Bergman, Suzana, entre outras dirigidas por Romero Luiz, diretor e figurinista. Sobre a convivência com outros atores, contou que nunca se relacionou com nenhum, que sempre gostou de homens que se relacionavam com mulheres. “Na Tropical do Pau da Bandeira tinha o quarto escuro, quarto da pegação, mas eu gostava mesmo era das casas do Centro. Lá raramente era ativa, gostava de ser a mulher passiva. Rodava todos aqueles prédios, adorava aquilo, as cafetinas me chamavam e eu ia, trabalhava em salão, mas escapulia para o amor, era novinha, bonitinha e os a homens adoravam”.


Nos anos 80 teve um grande amor que faleceu precocemente. Além disso tem uma produção genética, uma filha de 34 anos, fruto do romance com uma amiga lésbica. Naquela época era normal amigos e amigas gays se apresentarem aos pais, para facilitar as saídas e diminuir as cobranças. A moça vivia na casa de Alan, adorava andar com gays, foi apresentada como namorada e a amizade acabou ficando colorida. A moça tinha ciúmes, acabaram brigando e separando, algum tempo depois soube que ela estava grávida, mas que iria casar com outro rapaz que assumiu a paternidade. A vida da artista continuou, participou do Miss Bahia, foi rainha da Gaiola das loucas, fez top Less no TCA, foi a primeira atriz transformista com carteira da EDEBA, uma associação de atores transformistas da Bahia, indicada por Marisa Rangel. Viajava muito para o Rio de Janeiro, sempre foi apaixonada pelo “GalaG” e muito ia para os encontros de artistas. Era queridinha de Jessy Jessy , a ultima esposa de Vinicius de Morais.

Alan também foi das artistas abordadas pela policia militar, afinal era a época do militarismo, porém é uma das poucas que não tem má recordação. Por muito tempo sair na rua vestida de mulher era motivo de prisão, mas elas às vezes diziam que eram transformistas e que tinham acabado de fazer shows. Segundo Leide, eles abordavam, pediam para olhar a sacola, perguntava para onde iam ou de onde viam, mas muitas vezes tiravam proveito delas: “eles eram safadinhos, quando se interessavam, jogava a gente no camburão e levava para algum local escondido, lá a gente passava eles... A gente fica alegre por fazer amor com todo mundo. Com taxistas também era assim, quase nunca pagava taxi. O sexo era livre, era tudo lindo, a gente pagava taxi com amor, fugia das garras da policia com amor, depois que apareceu o HIV, o medo tomou conta...” O Hiv foi uma praga, a artista conta que perdeu muitos amigos e muitas colegas de show. A doença era a maior ameaça, ninguém sabia o que era, como seria o futuro e o tratamento era precário. “Perdi uma grande amiga, acabou suicidando-se por conta da convivência com o vírus”.

Aos 62, sente falta de amigos, porém que sabe que amizades nem sempre verdadeiras e prefere se manter no anonimato. Continua trabalhando no salão de René, na Barra. Trabalha travestida e faz shows sempre que solicitada. Parou de fazer porque para ela não mais compensava ir para o palco com figurino novo a cada parição e cachê que não possibilitava sustento, mas aparece por amor à arte e para reviver os 12 anos de grandes espetáculos. Alan Ivete Leide é uma mulher sensível, se esconde na fala rápida, gosta da vida que viveu e conta as histórias sorrindo. No dia a dia trabalha, conversa com amigas e se informa. Gosta de canais fechados, adora programas de gênero, discute politica e diz que conhece Salvador como a palma da mão. Costuma ir à igreja, comunga e vive como qualquer outra mulher. Não faz questão de companhia, pois sente medo de certas humanidades. A vida amorosa é de paquera em paquera, acredita que os homens estão muito promíscuos e as relações inconsistentes. Mas acredita no amor como um conto de fadas e sonha como sempre sonhou: ter uma família e um marido para esperar.


ME SALTE E DOIS TERÇOS

Com apenas cinco meses de show Amanda Moreno é super talento 2016

por Jorge Gauthier

A

manda Moreno nasceu da vontade de Fernando Teixeira, arquiteto de 26 anos, de externar para o público o que Nando não conseguia. Amanda é uma das mais novas drags queens de Salvador – tem apenas 5 meses de carreira – mas domingo (18) já conseguiu alcançar a glória: Nando escreveu o nome de Amanda na história do transformismo baiano ao vencer a edição 2016 do concurso Super Talento, maior concurso de arte transformista da Bahia, que é realizado por Valerie O’rarah há seis anos. Na final do concurso, que aconteceu no Teatro do Irdeb em Salvador, Amanda disputou contra as duas favoritas da competição: Aimée Lumière, que havia conquistado quatro eliminatórias do concurso, e Mell Blera que já

tinha vencido a competição em 2014. Mas, a estreante Amanda – que nasceu praticamente junto com o início do processo seletivo – levou para o palco do teatro a simplicidade e a inteligência que lhes acompanharam desde a primeira etapa do Super Talento. O resultado: venceu decisão unânime dos 11 juradxs. A performance que sagrou Amanda campeã falou sobre a mitologia africana. “A maior dificuldade dessa prova foi tratar de uma mitologia que está entrelaçada com uma religião viva, e da qual sou completamente leigo. Além disso, havia a dificuldade de ser um branco contando a história de uma cultura negra, sobre uma religião/mitologia de resistência, e fazendo uma performance drag (afinal de contas, tratava-se de uma prova de final de uma

competição, com critérios definidos). Convidei Lando Augusto – ator e roteirista de teatro além de drag queen – para pensarmos no tom do número e nossa primeira decisão foi que eu representaria a humanidade e não uma divindade. Para mim,era fundamental ter atores negros em destaque na peça também. Por isso, convidei para estar ao meu lado dois amigos e artistas que já haviam me ajudando em provas anteriores: Paulo Hugo e Gotham”, relembra. O roteiro, montado por Amanda, Paulo e Lando, foi inspirado na criação do mundo e da humanidade através dos orixás, que são representações de forças da natureza. A ideia principal era mostrar que o homem foi criado para amar, independente de gênero, e que o preconceito e a discriminação são criações humanas, mas o amor é divino. Dessa forma, decidimos focar o número na humanidade e trazer os orixás como síntese de suas representações. Cada orixá seria representado por suas indumentárias mais icônicas que “flutuariam” no espaço para interagir com os homens (por isso a veste toda preta sob o traje dos orixás, a fim de desumanizá-los)”. Ser Amanda: Como toda drag iniciante, Amanda tem referências para se inspirar. “Aqui em Salvador, admiro imensamente o trabalho de Ginna ’Mascar. Dublagem impecável, humor incrível e total domínio de qualquer palco que ela está. Além dela, me inspiro bastante nas minhas irmãs da HoG – coletivo de drags – Aleera, Spadina, Melissa, Aimée, Désiree…), por ver como elas com pouco tempo possuem tanta confiança no palco. Além disso, me inspiro nas divas que cantam as mágoas


(como Alcione e Adele), porque um pouco de mágoa sempre cai bem”, conta. “Amanda nasceu para que eu conseguisse externar lados meus que não consigo enquanto Nando. Por muito tempo, vi drags na tv e nos palcos e pensava em casa que eu seria capaz de fazer aquilo, mas sempre me faltou coragem pra iniciar. Em abril, a convite de DesiRee Beck, topei o desafiode subir num palco na estreia da pauta da HoG (coletivo de drags) no bar Âncora do Marujo. A reação das pessoas foi fantástica e serviu pra superar o momento aterrorizante que é estar num palco na frente de diversos desconhecidos. A maquiagem, pra mim, acaba servindo de armadura pra conseguir que as pessoas escutem o que eu tenho pra dizer nos palcos”, conta Nando. Nando sonha em poder tornar Amanda sua ocupação em tempo integral, mas sabe que na arte drag queen é difícil ter êxito financeiro. “Acredito quevencer o concurso vai me dar visibilidade e

pretendo aproveitar as oportunidades pra crescer dentro da cena artística daqui. Gostaria de ter meu trabalho como Amanda bastante reconhecido aqui na cidade e – por que não? – pelo Brasil afora”, sonha Nando que é arquiteto formado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) desde 2014. Para além de Amanda, Nando trabalha num escritório de arquitetura de interiores – 40 horas semanais – e ainda, quando arruma tempo e Amanda deixa – faz projetos particulares e ainda ministra cursos dentro da área de arquitetura. “Como o escritório é pequeno, o salário que recebo ainda é pouco para custear Nando e Amanda. Ainda assim, ter uma fonte de renda fixa foi o que me “patrocinou” no concurso. O maior desafio para mim é conciliar a rotina de um trabalho formal com os horários de show de uma vida drag. Até o momento, sempre um dos lados acaba sendo prejudicado para que o outro possa correr bem”, explica.

Mell Blera- Terceiro Lugar

Aimée Lumière - segundo Lugar

Número de Amanda Moreno causou emoção

FOTOS GENILSON COUTINHO

MATÉRIA DE JORGE GAUTHIER


Apoiadores

EDIÇÃO DE OUTUBRO COM ALANA ADRIELLE, A JORNALISTA DE RIACHÃO DO JACUÍPE


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.