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Noite de Caxias Fotografia de @Queila Fernandes
Teatro é, sobretudo, memória A sua marca maior são as memórias de quem viu, de quem criou, de quem sentiu, de um lado e do outro da cena. O teatro, este extraordinário ato de comunicação, é o maior livro de memórias da humanidade E além disso, teatro é documento vivo Não apenas o chamado "teatro documental", que por inerência do próprio género se pressupõe ter por base investigação histórica e documental Na verdade, todo o teatro é resultado da memória de alguém, de alguma coisa Ao contrário do que parece, no teatro, como na vida, nada se cria, tudo se transforma
Teatro do Noroeste
NOITE DE CAXIAS
PALCO 2
Por João Branco
Serve esta introdução para falar sobre o espetáculo "Noite de Caxias", da Cia Teatro do Noroeste, que se apresentou no Palco 2, no Mindelo, e na extensão do evento, na cidade da Praia
A narrativa gira à volta de Leninha, a mais temida e poderosa figura feminina da política portuguesa: a PIDE; e Laura, uma das vítimas que mais sofreu às mãos da terrível agente Aqui reside uma das facetas mais interessantes do espetáculo: a voz, desta vez, é dada ao torturador E a verdade é que raramente ouvimos esse "outro" lado
O espetáculo, sustentado num espaço cénico eficiente e minimalista, é ritmado por uma atuação competente da atriz Ana Perfeito, dirgida por Ricardo Simões, diretor artístico da companhia É um espetáculo que nos apresenta uma partitura de energia elaborada com mestria, numa paleta de emoções que se vão desenvolendo durante os 75 minutos de espetáculo E issto bastaria para se ter uma noção do desafio: um monólogo com uma hora e quinze de duração uma temática dura baseada em factos reais só poderia se transformar num excelente espetáculo com uma equipa criativa e artística à altura do desafio E foi precisamente isso que aconteceu
"Todo o teatro é resultado da memória de alguém, de alguma coisa"
Sur la table Ronde de Cie Gbadie, alia um delicioso senso de humor à crítica enérgica à moderna política. Manobras manipulativas dança de cadeiras, lambeduras de rabos, gritarias ofensivas, o ócio indiferente desfilam coreograficamente numa sarcástica mímica do jogo político
O título estabelece o tom do espetáculo, numa alusão irónica a Távola Redonda a mesa sem cabeceira, como símbolo da igualdade, da busca pela perfeição humana, da integridade, do respeito imparcial ao semelhante, da justiça, valentia, lealdade A retangularidade do círculo aludido (a mesa aqui é, claro está, retangular) oferece uma acurada imagem da política moderna ao estabelecer a disjunção entre os nomes e as coisas, os discursos e os atos, as imagens e a realidade
Temos assim uma perturbadora e acurada imagem da política moderna, onde quer para os cidadãos quer para os políticos envolver se politicamente se reveste de valor meramente instrumental, no sentido de servir o conforto da vida privada O envolvimento político ou a sua ausência possuem essa mesma raiz.. Para quem tem uma vida confortável e não almeja poder, a política não tem interesse senão como entretenimento e mote para piadas de café Para quem se envolve ativamente, o interesse é meramente instrumental no sentido de prover luxos privados e ampliar o âmbito de poder.
SUR LA TABLE RONDE
PALCO 1
Cie. Gbadie
Por Caplan Neves
Mas é então que, embalados pela enérgica coreografia graciosa do jogo político, pelo leve humor de café, pelo ócio indiferente, nos esquecemos que decisões políticas tem consequências no mundo real e que, entretanto, a igualdade e liberdade permanecem promessas inalcançadas, que o acesso ao ensino, à segurança, à assistência médica ou à nutrição básica é ainda uma miragem para muitos de nós, que a redução das desigualdades em termos de recursos e oportunidades se restringe ao âmbito discursivo, que as guerras e suas terríveis consequências não são ainda uma ameaça ultrapassada, mas, ainda e infelizmente, parte importante da natureza do jogo político.
Sur la table Ronde de Cie. Gbadie, possui suas fragilidades. O desenvolvimento é por vezes lento, a tentativa demasiado literal para ilustrar conceitos como o ócio indiferente, inicialmente bem conseguido torne se por vezes, ela mesma algo ociosa, ao ponto de resultar em momentos mortos; não há um claro senso de progressão coreográfica e temos por vezes a sensação de repetição excessiva dos mesmos motivos coreográficos.
A força do espetáculo reside, para além da incrível força enérgica dos interpretes, na clareza e relevância da mensagem expressa, no movimento, com o tipo de precisão geralmente apanágio da linguagem. Um movimento vale afinal mil palavras.