Hematologia - Áreas de Excelência

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Hematologia Áreas de Excelência



História

Hematologia 2010

Da Sociedade Portuguesa de Hematologia A Sociedade Portuguesa de Hematologia (SPH) é uma associação sem fins lucrativos, constituída por médicos e outros profissionais ligados à saúde empenhados na prática e/ou investigação no campo da Hematologia. Esta é a designação actual da Sociedade, devidamente oficializada e registada como uma associação científica. Contudo nem sempre assim foi. Conta-nos a história o Prof. António Parreira, actualmente o director do Departamento de Hematologia do Instituto Português de Oncologia, de Lisboa, que recua até aos seus tempos de interno de Medicina Interna. Decorria o ano de 1974/75, trabalhava eu no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, como interno de Medicina e tive o privilégio de ter como chefe o Prof. Armando Ducla Soares, Professor de Medicina da Faculdade de Medicina de Lisboa com grande interesse pela clínica hematológica e que foi de facto um dos pioneiros da hematologia clínica em Portugal , refere António Parreira, sublinhando que o seu próprio interesse pela Hematologia lhe foi, desde muito cedo, incutido pelo seu Pai, Prof. Francisco Parreira, hematologista de vocação, que se dedicou à Hematologia desde os anos 60 (trabalhando com Ricardo Trincão no inicio da sua carreira) e principalmente depois da sua estadia em Itália, onde obteve, em 1968 o título de Professor de Hematologia na Universidade de Roma. É bem conhecida, talvez dos hematologistas mais velhos, a consistente colaboração entre o Prof. Ducla Soares e o Prof. Francisco Parreira, um na vertente da clínica, outro na área laboratorial e de investigação. Juntos, publicaram muitos trabalhos científicos, em particular em modelos experimentais de estudo das trombocitopenias e de outras alterações da hemostase e organizaram muitas reuniões científicas em áreas diversas da Hematologia , recorda o especialista. Foi por influência destes profissionais e de outros entusiastas pela patologia do sangue que existiam à data no país que em 1975 foi criada a especialidade de hematologia como carreira hospitalar. Recordo bem o papel do Dr. Valadas Preto, ilustre clínico dos Hospitais Civis de Lisboa, do Prof. Freitas Tavares da Universidade de Coimbra, do Prof. Pina Cabral e do Dr. Benvindo Justiça, no Porto, que contribuíram para que o Ministério da Saúde e a Ordem dos Médicos viessem a oficializar a especialidade de Hematologia Clínica . Foi assim que um conjunto de especialistas de Lisboa, Coimbra e Porto deram corpo à iniciativa do Prof. Ducla Soares em criar a Sociedade Portuguesa de Hematologia, talvez no ano de 1976. Começou por ser uma sociedade aberta a todos os médicos com interesse em hematologia, independentemente da sua especialização, tendo como objectivo principal o de proporcionar encontros e debate de ideias e opiniões sobre temas científicos da especialidade. A SPH não teve inicialmente existência formal e foi desenvolvendo as suas actividades durante vários anos, sem que tivesse sido oficializada através de registo público. Tenho ainda em arquivo, as fichas de inscrições de muitos sócios, escritas à mão pelo meu pai salienta António Parreira. Segundo o director, eram reuniões organizadas de uma forma muito informal, com discussões de casos clínicos dos diversos Serviços e debate sobre temas quentes da especialidade recém-criada. Esta actividade inicial que se prolongou pela década de 80, foi progressivamente diminuindo por um conjunto variado de razões, entre as quais o decorrer das carreiras profissionais de uns e outros, tendo-se esbatido o interesse inicial pelas reuniões da SPH. Tal aconteceu entre 1990 e 1994, anos em já o Prof. Ducla Soares


não estava entre nós e o meu pai, Prof. Francisco Parreira, aposentado e doente. Deixou assim de haver, transitoriamente, qualquer actividade regular da SPH. Recordo, com saudade, as recomendações insistentes que ele me faz antes da sua morte em 1994, para não deixar a SPH inactiva, o que certamente contribuiu para que eu me tivesse envolvido, depois dessa data, na recuperação e reactivação da SPH como sociedade científica, recorda. Assim foi necessário refazer os estatutos da sociedade e formalizar a existência da SPH através de escritura notarial, o que foi concretizado em 1994/1995, com a colaboração de vários especialistas de Hematologia. Assim, conta o Professor, entre os anos 97/98 e 2008 acabei por representar a Sociedade Portuguesa de Hematologia na figura do seu Presidente, tendo sido sucessivamente reeleito para esse desempenho até há 2 anos. Tive durante todo esse período a sorte e o privilégio de contar com a ajuda de muitos hematologistas de todos os Serviços de Hematologia do País, não querendo deixar de destacar o do meu amigo e colega Dr. João Raposo, como secretário-geral, cujo indefectível entusiasmo, generosidade e espírito de organização, certamente contribuíram em muito para o sucesso da SPH em anos mais recentes . Desde então, foi possível concretizar a Reunião Anual da Sociedade, com o apoio logístico da Verantura na pessoa da Cidália Semedo. A lógica de organização das Reuniões baseou-se no modelo de outras sociedades congéneres, ao querer ser cientificamente aberta, conter um programa de matriz comum de ano para ano, e incluir uma componente educacional, um espaço de apresentação de temas (comunicações orais e posters) ou grandes revisões e ainda, Mesas Redondas, temáticas, ideais para o confronto de opiniões diversas sobre um mesmo tema. Tem sido também muito bem sucedido a espaço reservado à enfermagem, contribuindo para a interacção entre médicos clínicos e enfermeiros. Preocupou-nos ainda organizar a Reunião anual numa data fixa, em período do ano não coincidente com outras reuniões da especialidade, contribuindo desse modo para fidelizar os nossos associados e/ou entusiastas e participantes. A opção por Novembro baseou-se nas datas de outras reuniões a que os hematologistas nacionais assistem, como sejam as reuniões anuais das sociedades europeia, americana e espanhola , explica António Parreira, acrescentando ainda que, neste modelo tivemos a preocupação de contar, para cada edição da reunião, com um conselho científico cujas funções são as de elaborar o programa e seleccionar os intervenientes, assim como proceder à revisão dos trabalhos enviados ou propostos para apresentação na reunião, como forma de garantir a qualidade científica e pedagógica da mesma . Também nos últimos anos, a direcção da SPH se preocupou em manter laços constantes com a Sociedade europeia (EHA) da qual passou a ser sociedade afiliada. Desta forma foi possível assumir o papel de provider no que diz respeito à atribuição de acreditação para efeitos de educação médica contínua (CME) para cada uma das sessões que integram o programa, de acordo com as normas internacionalmente definidas pela EHA. Com base neste sistema, a SPH pretende aproximar-se, no que diz respeito à formação e actualização de especialistas, da utilização sistemática de unidades de CME, prática já obrigatória em diversos países europeus para a manutenção da titularidade de especialista, ainda que sistema pouco conhecido na prática médica portuguesa. Em 2008 toma posse como presidente da SPH a Prof.ª Leticia Ribeiro, do Centro Hospitalar de Coimbra. A história da SPH continua a fazer-se, de forma consolidada e em velocidade cruzeiro


A Hematologia

História

Hematologia 2010

Por Benvindo Justiça - Ex-Director de Serviço de Hematologia Clínica do HGSA Homenagem ao Professor Doutor Ducla Soares

Será extremamente difícil escrever uma história consensual da Hematologia em Portugal dos últimos 60 anos. Dez hematologistas, dos que se lembram do passado ainda recente, escreveriam 10 histórias diferentes, com razões óbvias de que a sua seria a mais correcta. Tudo é complexo, tudo teve causas pessoais e circunstâncias locais que levaram a determinada evolução. Vou contar a minha versão. Terminado o Curso de Medicina (1959) era obrigatória então a Tese de Licenciatura. Após leituras e estudos anteriores escolho o tema Anemias Hemolíticas Adquiridas Importância das Enzimas para o seu diagnóstico , Claro que esta decisão levou a entrar, a ver e a aprender o que se fazia neste campo e a concluir que praticamente pouco estava a ser feito para estes doentes. Estávamos no ano de inauguração do Hospital de S. João, no Porto. Foi necessário aprender o princípio da prática laboratorial desta área. Outras tentativas, em áreas circunvizinhas, serviram para me familiarizar com a hematologia laboratorial, que estava nos seus primórdios, incalculáveis para os hematologistas de hoje. Mas fiquei então introduzido na prática laboratorial. Foi posto à venda, entretanto, um livro de estudo da Hematologia, editado pela Gulbenkian, cujos Autores eram Ducla Soares e Francisco Parreira. Foi um livro vindo na altura própria e que ainda hoje me levam aqueles dois Professores Catedráticos a serem considerados os pais da minha Hematologia de então. Pessoas de muito prestígio nesta área, organizaram entretanto em Lisboa o Congresso Mundial De Hematologia a que não assisti por estar em Serviço Militar e já tinham organizado no Hospital de Santa Maria o seu núcleo laboratorial de investigação com reuniões aos Sábados, 1 a 2 vezes por mês, a que fui sempre que pude. A discussão era nesse tempo principalmente sobre hemoglobinopatias, que eu não tinha visto no Norte. De formação excelente, cada um na sua área, foram todavia sempre duas pessoas distintas com um objectivo comum. Já tinham um embrião de uma equipa hematológica, com imunologia à mistura. Mas um sem o outro não conseguiam ter feito progredir a Hematologia. Passei, entretanto, a Médico do Internato Geral do Hospital de Santo António e também a responsável da Consulta e do Internamento dos doentes Hematológicos (8 camas, 2 consultas por semana) pois esta área estava abandonada há vários anos, havendo uma rotina primária dos anos 50. Cada doente obrigava a estudo e a descer ao Laboratório: a resposta, do Director de então, sempre muito amável, era: não fazemos o que nos pede mas o Laboratório está à sua disposição para montar esses métodos. Ao internato de Medicina comecei a juntar horas no Laboratório, pois alguém teria que estudar o doente: hemofílico, défice congénito de protrombina, anemia hemolítica, hemoglobinopatia, doente que sangra sem se saber a causa, gamopatias monoclonais, etc. Em breve os estudos da Hemostase e das Anemias Hemolíticas eram quase só da minha exclusiva responsabilidade, tendo-me sido postas à disposição uma Técnica Superior e uma Técnica Especialista de Análises Clínicas. Entretanto o lógico foi seguir o Internato de Análises Clínicas, continuando com o apoio no Internamento de Hematologia e na Consulta, que ia aumentando e que se tornou, a breve prazo, independente da Medicina Interna. Claramente que a maior parte dos doentes hematológicos necessitavam (e necessitam) de sangue, área que estava em péssimas condições de profissionais, de espaço, de equipamento, de organização. Ajudei. Estimulei. Criou-se o embrião de uma equipa, destruiu-se a organização antiga.


Começaram a surgir as solicitações de muitos Hospitais para lhes contar como tinha resolvido os vários problemas graves da Hematologia: como fazer o diagnóstico rápido; como tratar; como ter sangue sempre que necessário. Chegamos, assim, a poder expor a nossa problemática da Hematologia dos anos 70/80: a) Se um Profissional souber clínica, laboratório e hemoterapia e puder ter tudo à sua disposição, pode ter possibilidades de tratar rapidamente o doente; b) Se o Profissional é só Clínico, que tem que mandar chamar o Analista (que pode ou não estar dentro daquele problema), que comunica os resultados ao Clínico que então chama o Hemoterapeuta (que nada conhece do caso e pode dizer simplesmente não tenho sangue ) então não há solução ou a solução será extremamente difícil. Chegamos assim à diferença inicial entre a preparação dos Hematologistas do Porto que tinham começado pelo Laboratório e passaram também a fazer Clínica ou ao contrário (como no meu caso) são vários com o mesmo percurso e dos Hematologistas de Lisboa também são vários com o mesmo percurso que nunca se adaptaram a fazer o essencial nas duas áreas : ou dedicavam-se à Clínica ou ao Laboratório. Estávamos em posições diferentes. Uns, inicialmente dedicados à Oncologia ou à Medicina Interna, começaram por esta e só depois iniciaram a prática hematológica, sem bases laboratoriais, como regra. O laboratório era sempre com outros. Estágios em Londres, Espanha, Paris, Estados Unidos, idas a Congressos, reuniões científicas, etc., quase sempre deram razão à tese do Norte. Em 1975 outro Serviço passa a ser dirigido por um Hematologista com Especialidade em Inglaterra: implanta exactamente o que vínhamos a tentar fazer desde há anos. Em finais dos anos 70 um grupo extraordinário, de Lisboa, faz estágio de longa duração num dos melhores serviços de Hematologia de Londres. Encontrei-os vários dias, pelas 8 da manhã, a fazer o seu trabalho de Laboratório e de investigação antes de irem para as Consultas e para o trabalho Clínico. Entretanto, em 1976, tinha sido criada a Comissão Executiva para a Criação do Serviço Nacional de Sangue. e de que faziam parte todas as individualidades e profissionais ligadas ao Sector e os Directores de Serviços dos Hospitais Centrais. Reunião todas as semanas durante 4 anos, com discussões intensas e com um relatório final cheio de pormenores que desapareceu e nunca mais foi discutido, quer para aprovação, quer para reprovação. Na prática foi criada, contra a opinião desta Comissão, a Especialidade de Imunohemoterapia e a Especialidade de Hematologia Clínica (com a sua componente laboratorial). Estava criada oficialmente a teoria sempre defendida pelo grupo de Lisboa, em que a Hematologia Clínica nada tinha a ver com a Imunohemoterapia (ex-Hemoterapia). Foi criado o fosso e a colaboração ou total ausência de colaboração de acordo com os actores em causa. Agora esta falta de colaboração passou a ser legal, por Decreto. Todos os que tinham então acabado de ser Especialistas ficaram colocados em Lisboa, com este simples desdobramento de lugares para Hematologia Clínica e para Imunohemoterapia. O Sul e Interior do País continuaram desprotegidos durante anos. A maior parte dos Hematologistas continuaram a não se interessar e a não desenvolver a área Laboratorial da Hematologia. A nossa teoria era a de que num pequeno Hospital um Hematologista seria suficiente, num maior teria que haver quadros para as várias valências, mas pertencendo a um quadro comum para que a colaboração e o conhecimento mútuo resultassem. Assim aconteceu no HGSA e no CHC. Quase todos os outros ficaram completamente partidos e agora, em 2010, a Hematologia Clínica praticamente não existe na maior parte dos Hospitais não Centrais e a Imunohemoterapia hospitalar realiza tarefas extremamente discutíveis, que nenhuma outra especialidade quer fazer ou, os mais capazes, fazem Hematologia. Alguns Hematologistas estão agregados a Serviços de Medicina Interna, tal como nos anos 50! Não houve progressos na organização da Hematologia. A Hematologia Laboratorial começa entretanto a automatizar-se, a desenvolver novos conceitos e saberes que são a base central do conhecimento hematológico. As áreas laboratoriais da Hemostase, do estudo das doenças do glóbulo branco e, nos anos 90, da genética molecular nada têm a ver com a prática laboratorial dos anos 70 e 80. O advento do transplante de medula óssea e mais tarde de células histaminais ou dos tratamentos com anticorpos monoclonais e outros novos medicamentos foram outros avanços menos relacionados com o Laboratório mas que exigiram treino específico e intenso em novas áreas. Toda esta evolução hoje verificada foi simplesmente a junção de uma massa crítica enorme resultante da união da clínica com técnicas especializadas, laboratoriais ou de outra natureza. Ao longo dos anos tivemos bolseiros em Inglaterra, França, Bélgica, Espanha, Estados Unidos, etc. para aprendizagem no diagnóstico e tratamento de todas as doenças do sangue, bolseiros estes que teriam


que cumprir os objectivos de Serviço: integração em todas as tarefas, inclusão sempre da clínica com o laboratório (excepto em casos especiais), responsabilidade total pelo progresso constante na área em que se prepararam. Mas passados esses cinquenta anos, consideramos como praticamente quase perdido todo o esforço de união entre a clínica e o laboratório na hematologia, sempre muito defendido pela Ordem dos Médicos, na qual também ocupei o grau de Presidente do Colégio da Especialidade de Hematologia Clínica. Hoje já o problema não se pode ver desse modo e há uns grupos que evoluíram de um modo e outros de outro, sem que tal evolução, 50 anos após, tenha causado discrepâncias na evolução dos Serviços, principalmente após a introdução, nos anos 90, da intensa tecnologia laboratorial. A Hematologia perdeu. Há excepções, há Serviços e sectores de Hematologia com funcionamento adequado, mas não há dúvidas de que a maior parte dos exames laboratoriais dos doentes hematológicos de hoje são da responsabilidade única e indiscutível da Patologia Clínica. Mesmo a nível privado são os Patologistas que têm o monopólio de todos os contratos com as inúmeras Entidades. Grande número de doentes perdeu, a evolução da Hematologia em Portugal ainda não se pode, em minha opinião, considerar estabilizada. Continua a haver Patologias só interpretáveis pelo Hematologista e por quem conhece a doença e o doente, haverá desnecessariamente exames que se repetem indefinidamente até que um Hematologista os interprete ou veja o que falta para que se faça o diagnóstico. Esta é a minha prática corrente actual. Nos anos 60 era habitual dizer que o Internista tinha o Estetoscópio e que o Hematologista tinha o Espreitoscópio! (Microscópio). Hoje tudo se modificou e cada um tem que ter e saber manejar uma panóplia enorme de aparelhos e de técnicas auxiliares que o levam ao diagnóstico e ao tratamento. Pode não fazer directamente o exame, mas tem que saber tudo acerca dele e que trabalhar em equipa, cada vez mais multidisciplinar. Será esta prática que realmente prevalece entre nós?



O desenvolvimento da Hemoterapia e dos Serviços de Transfusão Sanguínea deve-se, entre nós, a médicos como José Gentil, nos anos 20, Armando Luzes e Almerindo Lessa, a partir de 1940. Almerindo Lessa contribuiu para a organização dos Serviços de Transfusões em Portugal, fomentando a dádiva do sangue e os estudos serológicos de grupos sanguíneos. Publicou diversos trabalhos de importante difusão no País. A criação mais recente de Serviços hospitalares autónomos em três Centros Universitários do País (Lisboa, Porto e Coimbra) traduziu-se na definição, a partir dos anos 70, de programas de preparação pós-graduada em Hematologia Clínica, os quais seguiram genericamente as linhas existentes em vários Países europeus. Foi nestes Centros que se formou a actual geração de Hematologistas portugueses, alguns dos quais efectuaram estágios em Serviços estrangeiros de renome internacional, transpondo para Portugal os modernos métodos de diagnóstico e tratamento das hemopatias e contribuindo para a criação de Unidades hospitalares e de investigação competitivas no domínio da especialidade. Razões conjunturais de diversa ordem, essencialmente relacionadas com vicissitudes da carreira hospitalar, fizeram com que em Portugal e logo a partir da criação da especialidade de Hematologia Clínica em 1975, se tenha criado separadamente a especialidade de Imunohemoterapia, enquanto carreira hospitalar de conteúdo programático próprio. Perdeu-se assim a oportunidade de reunir numa só especialidade médica, todos os profissionais que se dedicam à patologia do sangue e da medula óssea, orientação divergente da verificada em vários Países europeus nos quais a Hematologia moderna tem sido alvo de maior desenvolvimento e pujança.



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FICHA TÉCNICA

Propriedade: Presidente:

Profª. Doutora Letícia Ribeiro Secretário Geral: Dra. Fernanda Trigo Secretariado: Veranatura - Conference Organizers Rua Augusto Macedo, Nº 12-D - Esc. 2 1600-503 Lisboa Tel. + 351 217 120 778 / 79 Fax. + 351 217 120 204 @ geral@sph.org.pt Produção: Manuel José Guedes da Silva, Lda. Rua S. Francisco Xavier, 31-4º 2745-766 Massamá Tel: +351 21 466 99 05/6 Fax: +351 21 467 57 99 @ redaccao@mjgs.pt Textos: Célia Figueiredo Fotos: Célia Figueiredo, SXC.hu Paginação: Filipe Leonardo Revisão: Bruno Guedes da Silva Impressão e acabamento: G.C. - Gráfica de Coimbra, Lda. Deposito Legal: Tiragem: 600 exemplares ISBN: 978-989-97000-8-6 Novembro 2011

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ÍNDICE Centro Hospitalar do Porto - Hospital de Santo António Prof.ª Graça Porto Hemocromatose e sobrecarga de Ferro Dr. Manuel Campos Trombose e Hemostase Prof.ª Margarida Lima Citometria de fluxo Centro Hospitalar de São João Prof. Eduardo Guimarães Leucemias agudas Transplante de células progenitoras hematopoiéticas Dra. Fátima Ferreira Hematologia pediátrica Dra. Fernanda Trigo Mieloma e discrasias plasmocelulares Dr. Fernando Príncipe Linfomas e D. Hodgkin Dr. Joaquim Andrade LLC Patologia hematológica gravidez e puerpério Prof. M. Sobrinho Simões LMC Dra. Maria José Silva Síndromes mielodisplásicos Instituto Português de Oncologia - Porto Dr. Ângelo Martins Linfomas Centro Hospitalar de Coimbra Prof.ª Letícia Ribeiro e Dra. Natália Martins Patologia Eritrocitária e Trombose e Hemostase Hospitais da Universidade de Coimbra Prof.ª Ana Bela Sarmento Ribeiro Investigação básica Dra. Isabel Sousa Investigação clínica Centro Hospitalar Lisboa Norte - Hospital de Santa Maria Dr. Carlos Martins Transplantação Prof. Doutor João Forjaz de Lacerda Transplantação Dr. João Raposo Hospital de Dia Dra. Lurdes Guerra Consulta Externa Centro Hospitalar de Lisboa Central - Hospital dos Capuchos Dra. Aida Botelho de Sousa Leucemia Mielóide Aguda Transplante Dra. Patricia Ribeiro e Dra. Isabel Costa Diagnóstico Laboratorial das Leucemias Agudas Instituto Português de Oncologia - Lisboa Prof. Manuel Abecasis Transplantação de Progenitores Hematopoiéticos (UTM) Prof.ª Maria Gomes da Silva Laboratório de Hemato-Oncologia Prof.ª Maria Gomes da Silva Clínica Hematológica

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NOTA DE REDACÇÃO Com a edição da Hematologia 2010, distribuída durante a Reunião Anual da Sociedade Portuguesa de Hematologia do mesmo ano, pretendemos contar um pouco da história desta instituição. Esta publicação de 2011 tem como objectivo principal dar um relevo especial às Áreas de Excelência, desta especialidade médica, de cada um dos serviços de hematologia, em Portugal. A metodologia utilizada para apurar quais as Áreas de Excelência a incluir nesta edição assentou na opinião de cada um dos directores de cada serviço de hematologia, sendo os próprios a informar quais as áreas de excelência dos mesmos, bem como dos respectivos responsáveis por cada uma delas. Todos os serviços/áreas foram colocados em pé de igualdade, sendo a distribuição do espaço na publicação equitativa. Ou seja, cada área teria lugar a 2 páginas para a entrevista e a 3 páginas para o texto livre. Para a rubrica "Entrevista" considerámos que seria adequado questionar/abordar, sensivelmente, os mesmos temas, utilizando perguntas similares, com o objectivo de não provocar diferenças significativas na descrição da realidade de cada Área de Excelência. Por outro lado, cada responsável, teve liberdade absoluta para escrever um texto - que apelidámos de "Texto Livre" - fosse ele científico, de opinião, ensaio clínico, etc., com o objectivo de retratar/realçar/reproduzir a realidade da Área que representa. Infelizmente nem todos os responsáveis responderam de forma positiva à nossa solicitação. Obviamente respeitamos esta posição, da mesma forma que, por outro lado, recebemos "Textos Livres" que ultrapassavam as 3 páginas, e "Entrevistas" que se alongaram mais que previsto… Como corolário de tudo isto fica o testemunho, aqui representado por esta edição de 2011. Muito gostaríamos que o resultado seja do agrado de todos… e a todos aproveitamos para agradecer a prestimosa colaboração e disponibilidade. Bem Hajam O Editor

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EDITORIAL Esta segunda edição de um livro que caracteriza os serviços de Hematologia em Portugal surge na continuação do projecto iniciado há um ano por proposta do grupo de jornalistas que têm acompanhado a Reunião Anual da Sociedade Portuguesa de Hematologia. Se a edição inicial da obra, através da contribuição essencial de importantes figuras da actual Hematologia portuguesa, contribuiu para dar a conhecer aspectos cruciais da História da especialidade em Portugal, vista por quem tão activamente a viveu e construiu, este segundo livro foca-se nas Áreas de Excelência de vários serviços de Hematologia nacionais. Também nele sentimos a nossa "história" - a forma como cresceram e se desenvolveram ao longo do tempo as áreas de excelência, tão diversas e tão frequentemente na dependência do interesse, do entusiasmo e empenho de algumas figuras em cada um dos nossos hospitais. A capacidade de crescer, ultrapassar dificuldades, motivar e criar equipas de trabalho em volta de pequenos núcleos de projectos e ideias acabou por imprimir uma tónica particular a cada um dos serviços. A união destes textos numa só obra, que sentimos um pouco como uma "manta de retalhos" de tantas "cores", ajuda-nos a compreender o papel enriquecedor desta heterogeneidade dentro da especialidade. É certo que crescemos e desenvolvemos estruturas progressivamente complexas, multidisciplinares e que cada vez mais são sólidas, qualificadas e capazes de responder à exigência crescente da nossa sociedade e dos nossos doentes. A reunião dos textos centrados nas áreas de excelência vem contribuir para uma muito necessária aproximação entre os serviços de Hematologia do país. Este livro torna bem clara a complementaridade dos recursos existentes em muitos dos nossos centros e as sinergias potenciais entre eles. Não é possível no mundo médico actual assegurar o crescimento constante e a qualidade de prestação de cuidados que todos desejamos sem um trabalho cooperativo entre os centros. O crescimento e afirmação da especialidade passa pelo trabalho integrado em redes e grupos cooperativos, nacionais e internacionais. Tem aqui papel fundamental a Sociedade Portuguesa de Hematologia, enquanto fórum estruturante para a comunicação e construção de Grupos de Trabalho - mas temo-lo também todos nós, a quem mais e mais é pedido que encontremos soluções criativas e dinâmicas para a colaboração aquém e além fronteiras. É preciso olhar além da Hematologia nacional e posicionar-nos cada vez mais, como centros individuais mas sobretudo como país, numa Hematologia europeia marcada por uma cultura de exigência e rigor, pela homogeneidade na formação pós graduada, e pela integração de valências de actividade assistencial (inexoravelmente ligada, nesta especialidade como em poucas, ao diagnóstico laboratorial), de ensino e de investigação. Não nos esperam tempos fáceis, enquanto profissionais em actividade dentro de instituições de saúde que terão de contar com recursos limitados. É nossa responsabilidade, dentro de cada serviço, optimizar a gestão de recursos por forma a fazer mais e melhor, continuar a formar os nossos alunos e a transmitir-lhe as razões da nossa paixão pela Hematologia e motivar os nossos internos para "fazer crescer e melhorar" a Hematologia em Portugal - só assim asseguramos o futuro da especialidade e a qualidade dos cuidados que queremos prestar aos nossos doentes. A partilha de experiências e conhecimentos é essencial no processo do crescimento - e para isso pode contribuir esta colectânea. Por isso, aqui fica um agradecimento a todos os que elaboraram os textos que a compõem e aos jornalistas e patrocinadores que concretizaram a sua edição. Maria Gomes da Silva Serviço de Hematologia, Instituto Português de Oncologia de Lisboa

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Centro Hospitalar do Porto Hospital de Santo António

Serviço de Hematologia Hemocromatose e Sobrecarga de Ferro

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ENTREVISTA

Prof.ª Graça Porto

Que características tem esta área para ser considerada de excelência? Bom, esta área aqui no serviço nasceu quase ao mesmo tempo que nasceu o interesse em investigar a hemocromatose. Ou seja, quando vim para este serviço e comecei a dedicar-me à hematologia, nos anos 80 coincidiu com a vinda da Prof. Maria de Sousa para Portugal, com a ideia de estudar a hemocromatose hereditária, até porque tinha formulado um modelo para testar essa hipótese: pior que os perigos exteriores são os perigos interiores e o sistema imunológico podia ter um papel importante nisso. Recordo que as primeiras fases desta consulta foram quase divertidas, porque tivemos que fazer trabalho de campo e andar pelo país à procura dos doentes com hemocromatose. Surge, portanto, a necessidade de uma consulta própria e cresce uma dualidade perfeita: um serviço clínico para tratar das pessoas com hemocromatose e, ao mesmo tempo, passámos a ter o material clínico para poder fazer a investigação. É assim que nasce esta área e assim continua. A hemocromatose é uma doença de excesso de ferro no sangue, acumula-se em vários tecidos e pode resultar em toxicidade para esses tecidos. A questão que se coloca é porque se acumula? Percebemos que é por um defeito de regulação. Na hemocromatose esta regulação falha, há um defeito genético, e os doentes comportam-se como se estivessem sempre deficientes de ferro, e estão sempre a absorvê-lo mesmo que não precisem. Enquanto ele for utilizado e gasto não há problema nenhum em absorvê-lo. No período de crescimento - crianças - é quando mais se gasta, logo nesta altura não se colocam problemas. No entanto na vida adulta o ferro começa a acumular-se no fígado e outros órgãos o que resulta numa série de problemas que não sendo específicos da hemocromatose, são consequência dessa acumulação. Tudo isto é evitável, por exemplo através das dádivas de sangue. O nosso forte investimento é na prevenção. Estando já está identificada a mutação genética associada à hemocromatose, falta-nos saber como e porquê os doentes acumulam mais ou menos ferro e porque é que a toxicidade é mais evidente nuns que noutros. Para isso continuamos a investigar e, nesta altura, estou a dirigir um grupo de investigação no Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC), com o objectivo de estudar a biologia do ferro nos próprios linfócitos. Por outro lado, em colaboração com o Instituo EMBL em Heidelberg, temos uma área que continua a estudar a genética. Pretendemos fazer a sequenciação de uma região completa do cromossoma 6. Toda esta investigação tem como objectivo final ajudar os doentes, dar solução ao problema, para isso precisamos perceber os mecanismos de base do problema e depois sim podem ser descobertas

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ENTREVISTA novas terapêuticas. Uma área de excelência tem de ter várias componentes, a começar pela clínica, a investigação, mas também temos uma obrigação com a sociedade: o ensino. Através do ensino conseguimos que mais pessoas se interessem por esta área. Para isso, o hospital tem uma boa relação com o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, e temos a preocupação de incluir o tema da hemocromatose nos conteúdos de ensino da faculdade. É importante pôr a biologia do ferro no mapa. Existindo esta colaboração, os custos da investigação são partilhados? Sim, os custos são partilhados. Aqui no serviço, os custos que temos são só os da saúde, ou seja, o que se gasta é o que se gastaria de qualquer forma para fornecer os serviços de saúde aos doentes, nem mais nem menos. Existe colaboração, mas apenas em me permitir que dedique tempo a esta área, não deixando de assegurar o bom funcionamento aqui no serviço. No IBMC temos que procurar financiamento para a investigação, submeter projectos à Fundação para a Ciência e Tecnologia e felizmente temos tido a sorte e o privilégio de ter os nossos projectos financiados. Isto quer dizer que a investigação que temos feito não tem sido financiada pelo Ministério da Saúde, mas sim pelo Ministério da Ciência. Na sua opinião, o que se desenvolve nesta área está ao nível europeu? Sim, sem dúvida, a nível europeu e mundial. Ou melhor, nós não atingimos o nível europeu e mundial numa coisa: o nível de impacto de publicações. É extraordinariamente difícil, porque isso não depende só da qualidade do nosso trabalho. Falta-nos atingir esse patamar porque ao nível do pensamento e das ideias, do material clínico, não somos piores que os outros. O que prevê que sejam os próximos passos desta área de excelência? Terão de passar pela descoberta do como e do porquê, uma vez que já temos identificado o problema, queremos agora perceber a sua biologia. É nesse sentido que a investigação se está a desenvolver. Assim sendo o que falta a esta área, que considere ser ainda necessário conquistar? Bom, na verdade não tenho que me queixar. Estou sozinha nesta área, mas sei que não adianta pedir mais gente para se dedicar à área no Serviço porque sei que não há possibilidade uma vez que não há dinheiro. A dificuldade que sinto é que de dia para dia são referenciados mais doentes para a consulta e, sozinha, tenho que dar resposta a cada vez mais casos. Considero que é necessário dar um passo para o exterior, ou seja, criarmos parcerias com a Medicina Geral e Familiar para que os doentes possam ser referenciados para estes especialistas. Aqui continuaríamos a acompanhar os doentes nas formas de tratamento e protocolos, mas o seguimento pode ser feito pelos médicos de família. Penso que é uma das ambições do hospital, é que haja articulação com os centros de saúde. A articulação com outras especialidades é claramente é uma situação para investir nos próximos tempos. Por exemplo, é comum confundir hemocromatose com fígado gordo. Recebemos muitos doentes com estas características, que não são desta especialidade e não me sinto competente para tratar destes casos. No fundo fazer com a consulta o que fizemos com a investigação: articular com outros centros, formar redes e parcerias. Esse é o caminho.

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INVESTIGAÇÃO FUNDAMENTAL E CLÍNICA EM BIOLOGIA DO FERRO Por Graça Porto, responsável pela consulta de hemocromatose e sobrecarga de ferro Introdução: o desafio da investigação A investigação científica é a base da evolução de qualquer área do conhecimento. Pode ser também uma enorme fonte de satisfação para quem a pratica. Na área da investigação médica a satisfação é muito visível já que os ganhos obtidos têm uma aplicação muito imediata com possibilidade de influenciar a saúde humana. Mas é claro que a satisfação do investigador depende não só do sucesso do seu trabalho mas também do da sua equipa. Ora este aspecto acaba por ser o mais difícil de atingir e manter. Num discurso a propósito do elogio da carreira científica proferido em cerimónia de abertura de um Programa Graduado em Ciência,1 o Professor Ernest Beutler, cientista reconhecido pela sua grande contribuição na área da Hematologia, explicou bem que não existe uma fórmula mágica para garantir o sucesso de uma equipa de investigação, mas que seguramente existem alguns ingredientes que são fundamentais e nunca devem ser desprezados. Entre eles destacam-se o modo como se persegue uma boa pergunta original e o modo como se mantém uma equipa motivada e inspirada! Desde 1985, o Serviço de Hematologia Clínica do Hospital de Santo António apostou na formação de um grupo de investigação na área do metabolismo do ferro, tendo como principal modelo clínico a Hemocromatose Hereditária (HH). Essa área cresceu ao longo dos anos numa lógica de "Centro Integrado de Clínica e Investigação" de modo que os serviços clínicos, de ensino e de investigação participam formalmente em sinergia, com todos os benefícios reconhecidos de promoção efectiva da transferência recíproca de resultados e aumento de massa crítica. São parceiros institucionais na equipa o Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) da Universidade do Porto e o Instituto de Biologia Molecular e Celular (IBMC), onde o grupo foi inicialmente inserido na Divisão de Genética Humana e Doenças Genéticas, sob a direcção de Maria de Sousa (ICBAS, UP). Com a actual reestruturação do IBMC foi criado um novo grupo de "Investigação Básica e Clínica em Biologia do Ferro" (BCRIB) que passei a dirigir na Unidade de Biologia Molecular e Celular, sendo assim o primeiro dos raros exemplos de grupos de investigação no IBMC dirigidos por médicos de um Serviço Hospitalar. Uma pergunta original e o seu desenvolvimento A observação da capacidade única que têm as células do sistema imunológico (SI) de circular entre o sangue e a linfa e de se posicionarem em diferentes territórios em interacção com o seu micro ambiente,2 bem como a demonstração de que a migração dos linfócitos T ocorre frequentemente para os locais onde se deposita ferro, levaram Maria de Sousa a postular, em 1978, que o SI teria uma função essencial na protecção contra a toxicidade do ferro.3 Esta foi a ideia que nos motivou a partir de 1985 a procurar (e a encontrar) anomalias imunológicas no modelo clínico da HH,4 a doença genética de sobrecarga de ferro que mais tarde se veio a demonstrar estar associada a uma mutação no HFE, um gene do Sistema Maior de Histocompatibilidade.5 Dos resultados da investigação clínica desenvolvida nasceram posteriormente novas perguntas que nos transportam hoje para questões fundamentais da biologia do ferro e da

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TEXTO LIVRE homeostasia das células do SI. Salientam-se como resultados prévios mais relevantes do grupo: 1) a primeira demonstração que a severidade clínica da sobrecarga de ferro na HH está relacionada com defeitos nos números de linfócitos T CD8+ (6-8); 2) a primeira evidência, no homem, que os números de linfócitos T CD8+ são determinados geneticamente em associação com outros marcadores genéticos da região MHC classe I (9-11); e 3) a primeira descrição que os linfócitos expressam hepcidina, a molécula-chave de regulação da homeostasia do ferro, modulando assim a expressão de ferroportina, o único exportador de ferro conhecido.12 É agora uma ambição do grupo passar da evidência que os linfócitos podem contribuir para a regulação sistémica do metabolismo do ferro, para a clarificação de como é que isso acontece. O grupo actual e os seus objectivos O principal objectivo do nosso grupo é compreender as interacções funcionais entre o metabolismo do ferro e as células do SI focando em duas questões fundamentais: como é que essas células contribuem para a regulação sistémica da homeostasia do ferro e, por outro lado, que factores, genéticos ou ambientais, contribuem para a regulação homeostática dos números de linfócitos no sangue periférico? Resultados preliminares demonstraram já que os linfócitos do sangue periférico são capazes de reter/exportar NTBI (uma forma particularmente tóxica de ferro não-ligado à transferrina), oferecendo assim a primeira explicação mecanista de como estas células poderão proteger da sobrecarga de ferro circulante (Pinto et al. artigo em revisão). Será fundamental agora dissecar os mecanismos de transporte e tráfico intracelular do ferro nos linfócitos de modo a poder compreender que vias poderão estar alteradas em situações de deficiente retenção de NTBI, como encontramos nos casos da HH. Relativamente à regulação genética dos números de linfócitos T CD8+, os resultados preliminares de associação com marcadores na região do MHC classe I justificam a procura de novos actores moleculares envolvidos na diferenciação e proliferação daquelas células, uma linha de investigação que seguimos quer no modelo clínico da HH quer em modelos animais e de diferenciação in vitro. As implicações clínicas O maior impacto clínico das linhas de investigação actuais reside na compreensão da patofisiologia das doenças da homeostasia do ferro, a maior parte delas de origem genética, levando ao desenvolvimento de novos marcadores de prognóstico ou mesmo novas formas de tratamento ou prevenção. No caso da HH, apesar de uma grande homogeneidade genética, permanece a questão da sua grande heterogeneidade na expressão clínica, variando desde uma simples alteração bioquímica até formas gravíssimas de lesão tecidular com manifestações como a cirrose hepática ou o hepatocarcinoma. A procura de novos modificadores de expressão da doença que permitam prever e explicar esta variação na penetrância clínica é hoje um dos focos de maior atenção na investigação desta patologia. Os agradecimentos Uma equipa de investigação não pode existir sem aqueles que a formam ou a apoiam. Agradeço em especial à Professora Maria de Sousa, a iniciadora e grande inspiradora do trabalho realizado até agora. A todos os directores (passados e presente) do Serviço de Hematologia do Hospital de Santo António nomeadamente o Dr. Benvindo

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TEXTO LIVRE Justiça, o primeiro a aceitar e aprovar um projecto inovador, o Dr. António Pinto Ribeiro que promoveu o processo de certificação da consulta de Hemocromatose, o Dr. Manuel Campos que nomeou a área da Hemocromatose como uma das áreas de excelência do Serviço e o Dr. Jorge Coutinho que hoje reconhece e aposta na projecção desta área quer ao nível nacional quer internacional. À enfermeira Graça Melo que tem sido um suporte essencial na consulta de Hemocromatose. Aos doentes da consulta que sempre têm colaborado de forma incondicional e entusiástica. A toda a equipa actual do grupo BCRIB no IBMC nomeadamente o co-investigador principal Jorge Pinto, as post-docs Susana Oliveira e Eugénia Cruz, os alunos de mestrado e doutoramento Mónica Costa e João Arezes, as técnicas Vera Dias e Joana Gomes e a gestora do laboratório Ana Campos. Agradeço à Fundação para a Ciência e Tecnologia todo o apoio financeiro que tem sido essencial para manter a progressão do grupo, não só com o financiamento plurianual mas também através dos projectos PTDC/SAUGMC/67868/2006 e PIC/IC/82785/2007, bem como a outras entidades financiadoras nomeadamente a Fundação Calouste Gulbenkian e o Departamento de Ensino e Investigação do Hospital de Santo António. Referências 1. Beutler E. A vision of the future for Ph.D. graduates in science: A commencement address. Blood Cells Mol Dis (2008) 41: 234-235 2. De Sousa M. Lymphocyte Circulation. Experimental & Clinical Aspects. John Wiley & Sons, New York, 1981, pp 201-216 3. De Sousa M. Lymphoid cell positioning: a new proposal for the mechanism of control of lymphoid cell migration. Symp Soc Exp Biol. (1978) 32:393-410 4. De Sousa, M & Porto, G. The immunological system in hemochromatosis. Journal of Hepatology (1998) 28:1-7 5. Feder JN e tal. A novel MHC class I like gene is mutated in patients with hereditary haemochromatosis. Nat Genet (1996) 13:399-406. 6. Porto G, Reimão R, Gonçalves C, Vicente C, Justiça B & De Sousa M. Haemochromatosis as a window into the study of the immunological system in man:a novel correlation between CD8+ lymphocytes and iron overload. Eur J Haematol (1994) 52:283-290 7. Porto G, Vicente C, Teixeira MA, Martins O, Cabeda JM, Lacerda R, Gonçalves C, Fraga J, Macedo G, Da Silva B, Alves H, Justiça B & De Sousa M. Relative Impact of HLA and CD4/CD8 ratios on the Clinical Expression of Hemochromatosis. Hepatology (1997) 25:397-402 8. Cruz E, Melo G, Lacerda R, Almeida S, Porto G. The CD8+ T-lymphocyte profile as a modifier of iron overload in HFE hemochromatosis: An update of clinical and immunological data from 70 C282Y homozygous subjects. Blood Cells Mol Dis (2006) 37:33-39 9. Cruz E, Vieira J, Gonçalves R, Alves Helena, Almeida S, Rodrigues P, R Lacerda and G Porto. Involvement of the MHC region in the genetic regulation of circulating CD8+ T cell numbers in humans. Tissue Antigens (2004) 64:25-34, 10. Cruz E, Vieira J, Almeida S, Lacerda R, Gartner A, Cardoso CS, Alves H, Porto G. A study of 82 extended HLA haplotypes in HFE-C282Y homozygous hemochromatosis subjects: relationship to the genetic control of CD8+ T-lymphocyte numbers and severity of iron overload. BMC Med Genet (2006) 7:16 11. Vieira J, CardosoCS, PintoJ, Patil K, Brazdil P, Cruz E, Mascarenhas C, Lacerda R, Gartner A, Almeida S, Alves H and Porto G. A putative gene located at the MHC-class I region around the D6S105 marker contributes to the setting of CD8+ T lymphocyte numbers in humans. Int J Immunogenet (2007) 34:359-367 12. Pinto JP, Dias V, Zoller H, Porto G, Carmo H, Carvalho F, and De Sousa M. Hepcidin Messenger RNA expression in human lymphocytes. Immunology (2010) 130: 217-230

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Centro Hospitalar do Porto Hospital de Santo António

Serviço de Hematologia Trombose e Hemostase

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ENTREVISTA

Dr. Manuel Campos

Que características tem a área da trombose e hemostase para que seja considerada uma área de excelência? Esta área impôs-se há mais de 30 anos como uma linha de actividade importante tratando e dando apoio aos doentes hemofílicos. Foi assim que nasceu esta área que estuda, do ponto de vista clínico e laboratorial de diagnóstico, as doenças hemorrágicas, como a hemofilia e as doenças tromboembólicas. A partir do início do desenvolvimento do laboratório "a trombose e a hemostase" passou a ser uma área de diagnóstico laboratorial e de clínica, de apoio diário aos doentes hemofílicos, aos doentes com doenças da coagulação e aos doentes com trombose. Ou seja, foi-se sedimentando numa vertente dupla, o que é raro haver na maioria dos hospitais: fazemos o diagnóstico clínico e damos apoio ao tratamento destes doentes. Estamos em condições de executar o diagnóstico clínico e laboratorial de todas as doenças da coagulação, hemorrágicas e trombóticas. Na área da hemofilia trabalhámos como centro de "compreensive care"com todas as valências de apoio, consultas de especialidades, apoio 24 horas internamento próprio e com áreas certificadas. Estas características por si só conferem-nos características de excelência. Como foi o percurso nestes 30 anos até à actualidade? Os doentes hemofílicos necessitam de um apoio diário e ao longo do tempo fomo-nos especializando cada vez mais, quer do ponto de vista laboratorial, quer na área clínica, proporcionando a estes doentes uma perspectiva de tratamento pluridisciplinar. Na área das coagulopatias congénitas - hemofilia e a doença de von willebrand - temos estado envolvidos desde há muitos anos na investigação clínica, em ensaios clínicos e numa grande actividade neste ramo. No outro ramo, o das doenças tromboembólicas, existe no serviço uma consulta - consulta de trombofilia - que estuda os doentes que desenvolveram tromboses venosas em idades jovens e o laboratório faz o diagnóstico destas situações. Assim, a partir do momento em que começámos a juntar as duas valências Doenças hemorrágicas e tromboembólicas - e quando os nossos laboratórios e a consulta foram acreditados, fomos sedimentando esta vivência, fomos acompanhando os desenvolvimentos sempre apoiados no laboratório. O que está a ser preconizado, quer numa e noutra área, está ao nível do que se faz a nível internacional? Sim, em qualquer uma das áreas estamos preparados para fazer diagnóstico, investigação e para tratar os doentes ao mais alto nível. Não há diferenças entre o nosso centro e outros centros europeus. Quer isto dizer que temos todas as possibilidades de diagnóstico e tratamento para estes doentes.

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ENTREVISTA A região de abrangência do hospital é somente a norte? Recebemos muitos doentes das ilhas que nos solicitam para fazermos diagnósticos mais minuciosos e para os aconselharmos no tratamento. Apesar de só abrangermos a área norte somos muitas vezes chamados a colaborar em situações pontuais. Acontece também com doentes vindos de Lisboa, que os colegas nos enviam, para procedermos ao diagnóstico e depois o tratamento é seguido nos centros de onde provêem. Numa e noutra doença estamos a falar de que casuística? Na área da trombose temos cerca de 60 a 70 doentes por dia, a quem fazemos a prescrição e a monitorização da terapêutica anti-coagulante. Nos últimos tempos estamos empenhados em descentralizar estas consultas de forma a permitir que estes doentes sejam encaminhados para os seus centros de saúde. Na área da hemofilia, apesar de não termos muitos doentes, são cerca de 40 doentes com tratamento regular, é uma estrutura pesada: os hemofílicos precisam de muito apoio. Em relação às coagulopatias em geral temos mais de 300 doentes com todo o tipo de doenças hemorrágicas. Ao nível dos custos como classifica esta área? Não são necessários grandes investimentos. Na área laboratorial estamos equipados com o que de mais moderno existe e não vamos aí investir muito mais. A hemofilia, de facto, fica onerosa porque o tratamento do doente hemofílico é pluridisciplinar muito caro. Podia aqui haver alguma redução de custos, mas é complicado porque, por exemplo, as crianças em risco precisam cada vez mais de fazer tratamento profilático, quase diário, para manter os níveis de crescimento e não ter complicações músculo-esqueléticas. É uma área cara, mas tratamos os doentes segundo o estado da arte, com as terapêuticas adequadas. Na área da trombose estamos a descentralizar os doentes para os centros de saúde, logo diminuímos os custos. Considerando que o laboratório tem cinco técnicos, três médicos a trabalhar diariamente e uma consulta extensa, considerámos não haver desequilíbrios orçamentais. Como é ser responsável por esta área? Sou responsável por esta área há quase 30 anos. Tive um interregno, durante alguns anos, porque fui director do serviço de hematologia. É desafiante porque há sempre muita coisa nova que surge, seja ao nível da investigação ou novas terapêuticas. Para além disso, a clínica também é gratificante: é um privilégio ter um grupo de médicos e técnicos tão bem cotados, e um laboratório a funcionar com prestações rigorosas e certificado. Logo, esta posição, cria responsabilidades mas é um desafio. Temos também organizado na área da trombose e hemostase, cursos, congressos, reuniões, algumas de grande prestígio. Este ano, no passado mês de Abril organizámos o 13º Simpósio de Trombose e Hemostase, que teve uma elevada adesão de todos os centros portugueses. Temos uma actividade científica importante.

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UNIDADE DE ESTUDOS DE COAGULOPATIAS: SERVIÇO DE HEMATOLOGIA CLINICA Por Manuel Campos, chefe de serviço de hematologia clínica A área da trombose e hemostase do Serviço de Hematologia Clínica do CHP - Hospital de Santo António inicia a sua actividade nos anos 70 do século XX com o desenvolvimento do laboratório de Trombose e Hemostase para estudo das coagulopatias congénitas nomeadamente a, Hemofilia sobre a direcção de Benvindo Justiça, director de serviço nessa época O progresso rapidamente alcançado os novos conhecimentos na área Laboratorial atingiu uma dinâmica muito importante. Os grupos franceses dirigidos pelo Prof. J Caen em Lariboisiére, INSERM, Paris eram notáveis nessa altura graças a um grupo liderado por Gerard Tobelem e Alain Nurden. Era o grande desenvolvimento do estudo das plaquetas da agregação plaquetária descrita em Londres pelo Prof. Born. Aproveitando uma bolsa de estudo, uma técnica do Serviço Luísa Regalo faz um estágio em Paris com o grupo de J. Caen e monta no Serviço a metodologia de estudo da função plaquetária - agregação plaquetária. Iniciava-se uma época de reconhecimento do nosso laboratório que sempre com uma vertente clínica importante se ia afirmando no panorama da trombose e hemostase no País. No final da década de 70 Manuel Campos inicia um estágio em Leuven com uma bolsa da Federação Mundial de Hemofilia. O contacto com um centro de excelência como era o Centro de Hemofilia da Universidade Católica de Leuven dirigido superiormente pelos Prof. Marc Verstraete e Jos Vermylen deu uma visão estratégica moderna à trombose e hemostase. O conceito de que o laboratório e a Clínica devem estar unidos num bloco comum em que a necessidade do estudo das diversas patologias deve ser dirigida por quem trata os doentes foi seguido e amplamente demonstrada a sua eficácia e modernidade. Nos anos 80 o reconhecimento de um laboratório bem equipado capaz do diagnóstico das principais patologias da coagulação com ligação à clínica colocou-nos na vanguarda da investigação das coagulopatias. As Hemofilias e Doença de Von Willebrand foram a prioridade, mas progressivamente outras patologias raras como a Trombastenia de Glanzmann e a Doença de Bernard Soulier foram descritas nas primeiras famílias em Portugal. Aliás as primeiras famílias com Doença de Bernard Soulier foram caracterizadas do ponto de vista molecular com a colaboração do grupo de Múrcia liderado por V. Vicente, num trabalho comum profícuo. Era a época em que as coagulopatias de consumo (CID) eram frequentes e de gravidade assinalável. Foram aperfeiçoadas técnicas laboratoriais e atingimos um patamar elevado na investigação destas patologias com publicações e apresentações em congressos nacionais e internacionais. Por essa altura descrevemos os primeiros casos de Púrpura Trombocitopénica Trombótica - Doença de Moschowitz, situação rara e grave, de alta mortalidade que com técnicas de remoção de Plasma (Plasmaferese) se conseguiam controlar diminuindo significativamente a mortalidade da doença. Na década de 80 e início de 90 a colaboração com a Universidade de Salamanca

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TEXTO LIVRE dirigida pelo Prof. António Borrasca que tutelava um grupo notável de hematologistas espanhóis (J. Batlle, San Miguel, V. Vicente) entre outros, foi assinalável. Foi uma época rica na colaboração mútua entre o Porto e Salamanca envolvendo-nos numa actividade científica notável: reuniões no Porto e em Salamanca, troca de experiências e publicações em revistas de prestigio nomeadamente no Blood. Entretanto o Serviço organizava bianualmente os Simpósios Internacionais de Trombose e Hemostase que atingiram um prestígio reconhecido até hoje. Passaram pelo Porto os vultos mais consagrados da Hematologia Mundial ligada às áreas de Trombose e Hemostase nomeadamente M. Verstraete, Jos Vermylen, J. Caen, A Nurden, M. Rutllant, Jordi Felez, Arthur Bloom, P. Mannucci, etc., primeiras figuras na área da trombose e Hemostase. A década de 80 foi a consolidação do diagnóstico, investigação e tratamento da Hemofilia e Doença de Von Willebrand. Um número crescente de diagnósticos e tratamentos mais rigorosos. Foi a época do aparecimento de casos de HIV nos hemofílicos por transfusões nos anos 70 de sangue e derivados infectados: Pudemos escapar a uma grande epidemia nos hemofílicos, graças a políticas rigorosas de Medicina Transfusional. A preparação de Crioprecipitados de dadores conhecidos seguros e fidelizados evitou que a catástrofe fosse de maior dimensão. Nos anos 90 As técnicas laboratoriais foram-se aperfeiçoando e o diagnóstico e a terapêutica atingiram um nível de qualidade apreciável. É nesta década que a atenção sobre o diagnóstico de risco trombótico genético e funcional (Trombofilia) se consolida. O nosso laboratório inicia protocolos de diagnóstico de trombofilia. Somos considerados nessa época um centro de referência dando apoio ao diagnóstico e aconselhamento terapêutico e profilático a doentes de diversas áreas geográficas nomeadamente, Açores, Madeira, Lisboa, Algarve, etc. Milhares de estudos de trombofilia são efectuados e diagnosticados défices de ATIII, PC e S, síndromas antifosfolipideo, mutação V Leiden, etc. O envolvimento de Sara Morais que em perfeita colaboração laboratório-clínica mantendo uma qualidade inquestionável nesta área foi fundamental. A terapêutica antitrombótica com anticoagulantes orais cresce exponencialmente. A maior esperança de vida com envelhecimento e o número acrescido de Arritmias, nomeadamente a Fibrilação auricular, leva a um crescente número de doentes hipo coagulados que necessitavam de monitorização laboratorial. Nesta área o trabalho diário foi-se ampliando. Chegamos a ultrapassar os 100 doentes dia para monitorização da terapêutica anticoagulante oral. O trabalho diário e a gestão da consulta têm sido exemplarmente dirigidos por Eugénia Cruz que em inter relação com os centros de saúde mantém uma descentralização recomendada pelas autoridades de saúde locais. Chegados ao século XXI vemos os nossos laboratórios e consultas certificados pela norma ISO 9001. È a época de consolidação da unidade. Mantivemos uma actividade de investigação clínica no ensino pré e pôs graduado que já vinha dos anos 80 do século XX. Envolvemo-nos em estudos clínicos nas áreas da hemofilia e DvW. A nossa vocação para o ensino pós graduado envolveu o Serviço sobre a orientação de M. Campos numa actividade constante para a manutenção do reconhecimento de uma área de especial importância para o Hospital.

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TEXTO LIVRE A Hemofilia e outras coagulopatias congénitas têm sido ao longo dos anos uma das áreas de excelência do Serviço. Um centro compreensivo impõe nomeadamente 1) o diagnóstico laboratorial por técnicas certificadas, 2) internamento próprio 3) atendimento de urgência de 24 horas, 4) consultas de especialidade de ortopedia, infeciologia, estomatologia, fisioterapia e outras 5) tratamento disponível em ambulatório nas 24 horas e apoio ao tratamento domiciliário. O envolvimento no ensino e investigação clínica e laboratorial têm sido nesta área uma preocupação da unidade. Com todas as valências descritas, o nosso centro primou, desde os anos 70 por se afirmar como centro de excelência na investigação, diagnóstico e tratamento da Hemofilia, Doença de Von Willebrand e outras coagulopatias congénitas È na história e no presente que se projecta o futuro e estamos conscientes dos novos desafios que a conjuntura actual nos impõe. Estaremos preparados para esses desafios!

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Centro Hospitalar do Porto Hospital de Santo António

Serviço de Hematologia Citometria de Fluxo

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ENTREVISTA

Prof.ª Margarida Lima

Em que consiste a citometria de fluxo? Antes, penso que vale a pena retroceder um pouco e explicar que o Laboratório de Citometria do Hospital de Santo António existe desde 1992, altura em que o estudo das células era feito quase exclusivamente ao microscópico. Eventualmente, em alguns casos, era feito também o seu estudo fenotípico, através de microscopia de fluorescência. No entanto, a maioria dos diagnósticos era baseado na morfologia. Mais ou menos na mesma altura - 1992 - começou a ser implementada a citometria de fluxo, que não é mais do que uma forma de avaliar o fenótipo das células com um equipamento mais sofisticado, que à data era usado em alguns laboratórios de investigação básica, mas pouco nos laboratórios clínicos. Estando eu a fazer o meu Internato de Especialidade nesta instituição e por já ter trabalhado com essa técnica no âmbito da investigação em Imunologia, percebi que o futuro passava por ali e propus ao director de serviço de então - Dr. Benvindo Justiça - que investisse nessa área. Foi dada luz verde e uns meses depois tínhamos um citómetro no laboratório. Com a citometria de fluxo podemos estudar o fenótipo das células, isto é estudar as moléculas que as células expressam, com a vantagem de que esta informação processada, armazenada e analisada com recurso à informática. Nesse primeiro ano e no seguinte, os poucos estudos que tínhamos eram basicamente estudos de plaquetas e de quantificação de populações linfocitárias em doentes hemofílicos, alguns infectados pelo HIV. Mas a verdade é que as aplicações da citometria eram tantas que o laboratório cresceu e passou a fazer o estudo de praticamente todas as doenças hematológicas, não só a nível interno como também de outros hospitais. De alguma forma precisávamos justificar o investimento, pois falamos de custos elevados. Passámos a estudar outras amostras, que não só sangue, como aspirados de medula óssea, líquidos de derrame e biopsias de gânglios e de outros orgão e tecidos. As aplicações foram sendo cada vez mais diversificadas. Começamos a prestar serviços aos hospitais das redondezas, e alargámos até onde nos foi possível. Neste momento as aplicações da citometria são muitas e os serviços para o exterior representam cerca de 65% do movimento do laboratório. Podemos dizer que este é um método de diagnóstico avançado? Sim. Apesar de já ter mais de 20 anos de história, tem evoluído imenso e continua a sofrer desenvolvimentos. Por exemplo, hoje é possível usar a citometria para fazer o estudo funcional das células. E as aplicações continuam a aumentar. Embora saibamos que nunca substituirá a genética, já é possível detectar por citometria moléculas produzidas em resultado de alterações genéticas específicas de determinadas doenças.

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ENTREVISTA Isto quer dizer que estão ao mesmo nível científico do resto da Europa? Completamente. Na rotina geral de hematologia estamos perfeitamente equiparados, e em algumas áreas de excelência estamos mesmo acima do nível geral. Mas cada hospital investe mais numa ou noutra área muitas vezes por questões circunstanciais. Por exemplo, este hospital perdeu durante muito tempo o tratamento das leucemias agudas porque, enquanto se construiu o edifício novo, as condições não eram as melhores e houve necessidade de transferir os doentes para o Instituto Português de Oncologia e para o Hospital de São João. Houve, portanto, um período de interregno e de "desinvestimento" no estudo destas doenças. Se me perguntar se durante esse tempo estávamos ao mesmo nível nesta área de diagnóstico… é claro que não, uma vez que nem sequer tratávamos estes doentes. Durante esse tempo investimos no diagnóstico das doenças linfoproliferativas crónicas e nesta área diferenciamo-nos cada vez mais. Agora, que recuperamos as leucemias agudas, passámos a também a investir nessa área. Para manter esta área como de excelência que custos são necessários? Quando falei em custos referia-me, por exemplo, aos reagentes que são necessários e que têm data limite de utilização e, obviamente, se o laboratório não tiver movimento, passam de prazo e não se justifica o gasto. Portanto, o importante é a rentabilização de reagentes e equipamentos que precisam ter utilização que garanta que não desperdiçamos recursos. Mas como temos estudos de doenças em que nos diferenciamos e recebemos pedidos de várias instituições do país temos uma casuística que justifica o movimento/gasto. Por outro lado, este movimento permitiu-nos que ganhássemos experiência e tenhamos adquirido diferenciação. Apesar de existirem protocolos de estudo, este é orientado caso a caso, em função da informação clínica e dos resultados que vão sendo obtidos. É possível que gastemos um pouco mais em recursos humanos, mas na citometria aplicada ao diagnóstico hematológico ainda não é possível, na maioria dos casos, a automatização. Outro dos investimentos do laboratório ao longo dos anos foi facultar estágios e formação a profissionais de saúde e a alunos, no âmbito de licenciaturas, mestrados e doutoramentos, o que tem contribuído imenso para o avanço do laboratório. Recebem portanto casos de vários hospitais. Estamos a falar de que hospitais? Da região norte recebemos de praticamente todos os hospitais, à excepção do Hospital de São João e do Instituto Português de Oncologia (IPO) do Porto, que têm laboratório de citometria e que só nos enviam alguns casos específicos. Logo, recebemos casos vindos dos hospitais do Norte, de alguns da região centro, como o da Vila da Feira, e até dos Açores, como o de Ponta Delgada. Ou seja, os doentes destes hospitais podem ser, posteriormente, transferidos para o Hospital de São João ou para o IPO do Porto por uma questão de zona de referenciação, mas quando necessitam de um estudo de citometria, este é efectuado no Hospital de Santo António. Do ponto de vista de gestão de recursos não será o processo ideal, mas as coisas evoluíram assim, e é assim que estão. Por outro lado, a verdade é que o laboratório se diferenciou em áreas específicas, em que é pioneiro a nível nacional, e nessas áreas recebe de todo o país. Por exemplo, as leucemias e linfomas de células T e de células NK, etc. - doenças raras, em que nos especializamos, e onde é preciso um conhecimento detalhado e tecnologia diferente. Esses casos recebemos de todas as zonas incluíndo Lisboa/Vale do Tejo, Alentejo e Algarve.

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LABORATÓRIO DE CITOMETRIA DO SERVIÇO DE HEMATOLOGIA CLÍNICA DO HOSPITAL DE SANTO ANTÓNIO: 20 ANOS DE HISTÓRIA Por Margarida Lima, responsável pelo laboratório de citometria Origem e evolução O Laboratório de Citometria (LC) do Serviço de Hematologia Clínica (SHC) do Hospital de Santo António (HSA) foi criado em 1992. No início, ocupava uma pequena sala com um citómetro e tinha apenas uma médica e uma técnica. Desde então, mudou de instalações várias vezes, aumentou o número de médicos e técnicos e adquiriu novos equipamentos. Inicialmente limitados a amostras de sangue, os estudos começaram a ser efectuados noutros produtos biológicos. Para além da marcação de antigénios de superfície, começou a ser feita a marcação de antigénios intracelulares e as marcações simples foram substituídas por marcações múltiplas. Ao longo do tempo houve um aumento gradual do número diário de amostras e do tipo e complexidade dos estudos, assistindo-se, em consequência, ao rápido crescimento do Laboratório e do volume de trabalho para o exterior do Hospital. Neste trajecto, o LC foi pioneiro na implementação de muitos estudos de citometria em Portugal - estudos plaquetários, diagnóstico de Hemoglobinúria Paroxística Nocturna (HPN), quantificação de eritrócitos fetais, estudo imunofenotípico dos mastócitos, caracterização fenotípica dos linfócitos T (LT) e das células NK (CNK), estudo dos repertórios de receptores e avaliação da actividade citotóxica, etc. Em muitas destas áreas, é considerado hoje um laboratório de referência. Caracterização geral Instalações: O LC funciona actualmente na Rua R. Manuel II, no ex. Cicap. Tem 4 salas para recepção e processamento de amostras, análise dos resultados, elaboração de relatórios e arquivo, 1 pequeno armazém e 1 gabinete médico; Equipamento: O LC está equipado com 5 citómetros de fluxo, estações de processamento de amostras, contador hematológico, microscópio, centrífugas, e equipamento de frio e informático; Recursos humanos: No LC trabalham actualmente 3 Médicos, 2 Técnicos Superiores de Saúde (TSS) e 3 Técnicos de Diagnóstico e Terapêutica (TDT), que partilham funções noutras áreas. Uma das Assistentes Técnicas da Secretaria dá apoio administrativo; Informatização: O LC tem uma aplicação informática que permite o registo de amostras, análises, criopreservação, arquivo de esfregaços, relatórios (interface com o SAM), contabilidade analítica e facturação (interface com o SONHO). Em breve será implementada a requisição electrónica. Os ficheiros informáticos são gravados e é mantido o arquivo em papel; Qualidade: O LC foi certificado segundo as normas ISO 9001:2000 em 2005, tendo sido recertificado em 2007 e em 2010. Participa no controlo externo de qualidade UK-NEQAS; Integração no Hospital: O trabalho envolve a colaboração das restantes Secções do SHC e de outros Serviços do Hospital. Em 1999 foram iniciadas reuniões de Hemopatologia, com os Serviços de Hematologia Clínica, Anatomia Patológica e Hematologia Laboratorial, onde foram discutidos, até à data, mais de 2600 casos. Em 2003, foi criada uma unidade funcional e multidisciplinar, que integrava os Laboratórios de Citometria, Citogenética e Biologia Molecular do SHC. Durante 3 anos, estes laboratórios partilharam a recepção de amostras, fizeram reuniões e promoveram acções de formação, mas em 2007 a Unidade foi extinta. Em 2011, com a nova direcção do SHC, foi criada uma nova unidade, ainda em estruturação; Serviços para o exterior: Nos últimos anos, foi evidente o aumento da prestação de serviços para o exterior (65-70% do movimento

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TEXTO LIVRE em 2009-2010). Actualmente, o LC recebe regularmente amostras da maioria dos hospitais da região Norte e de alguns da região Centro e dos Açores. Em áreas específicas, recebe amostras de todo o País; Colaborações: O LC trabalha em colaboração com outros centros, entre os quais se salienta o Hospital Universitario e o Centro de Investigación del Cáncer de Salamanca, e o Centro de Estudios de Mastocitosis de Castilla la Mancha de Toledo; Grupos de trabalho: Desde a origem, o LC já integrou vários grupos, nomeadamente o Grupo Português de Citometria, o European Working Group on Clinical Cell Analysis, a European Competence Network on Mastocytosis, a Orphanet e o Euroflow; Estudos: A maioria dos estudos (~80%) é de imunofenotipagem dos leucócitos e, destes, mais de 90% são realizados por suspeita de doença hemato-oncológica. Os estudos plaquetários são maioritariamente de pesquisa de anticorpos anti-plaqueta e de quantificação de glicoproteínas plaquetárias e os eritrocitários são fundamentalmente estudos de HPN; Amostras: No LC são estudadas cerca de amostras 3500 amostras/ano, a maioria de sangue periférico (~50%) ou medula óssea (~30%), com menor representação de produtos de biopsia e de líquidos biológicos (~20%); Áreas de diferenciação: O LC diferenciou-se no estudo de doenças linfoproliferativas, em particular as que têm origem nos LT e de CNK. Outras áreas de diferenciação são os estudos plaquetários e a HPN. Recentemente, começou a investir nos estudos eritrocitários. Actividade assistencial O LC é um laboratório especializado no estudo de células do sangue e dos órgãos linfóides e hematopoiéticos, vocacionado para o diagnóstico de doenças hematológicas. Os protocolos são estabelecidos em função da suspeita de diagnóstico e do objectivo do estudo. Os resultados são acompanhados por um relatório interpretativo. Leucócitos: Nesta área, os estudos abrangem os aspectos hematimétricos, morfológicos e imunofenotípicos do diagnóstico de doenças hematológicas; Doenças hemato-oncológicas: Entre as patologias mais frequentes salientam-se as doenças linfoproliferativas (40-45%) e dos plasmócitos (10-15%), leucemias agudas (5-10%), neoplasias mielodisplásicas e mieloproliferativas (5-10%); Repertórios de receptores celulares: É efectuado o estudo o repertório de famílias de regiões variáveis do TCR, que fornece informações sobre a clonalidade dos LT. O estudo dos receptores de quimiocinas dá indicações sobre a capacidade de migração das células para os diferentes órgãos e tecidos. É também efectuado o estudo dos receptores killer dos LT citotóxicos e das CNK; ADN e ciclo celular: Estes estudos são efectuados nas doenças de células plasmáticas, em algumas doenças linfoproliferativas e leucemias linfoblásticas agudas e dão-nos informação acerca das anomalias quantitativas do ADN e da taxa de proliferação celular; Hemoglobinúria Paroxística Nocturna: A demonstração da deficiência de proteínas ligadas ao GPI constitui o método de escolha para diagnóstico de HPN. Inicialmente realizado apenas nos eritrócitos, foi posteriormente alargado aos leucócitos e plaquetas; Anticorpos anti-neutrófilo: É feita a pesquisa de anticorpos anti-neutrófilo, para diagnóstico das neutropenias imunes; Apoptose: A quantificação de Bcl2 é efectuada nas doenças linfoproliferativas crónicas. O estudo de outras proteínas envolvidas na apoptose e a quantificação de células apoptóticas são feitos apenas no contexto de protocolos específicos; Estudos funcionais: No LC, procede-se à avaliação da actividade citotóxica das CNK, em complemento de outros realizados no Serviço de Imunologia (SI) na área das imunodeficiências. Fazem-se também culturas celulares e procede-se a quantificação de citocinas intracelulares e solúveis; Populações linfocitárias: No início era efectuada

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TEXTO LIVRE a quantificação de populações linfocitárias em doentes politransfundidos, hemocromatóticos, e hemofílicos. Por questões históricas, o LC continua a assegurar estes dois últimos, mas o estudo das imunodeficiências é feito no SI; Outras aplicações: No passado, foram também feitos estudos de moléculas de adesão e de avaliação de actividade fagocítica e bactericida, actualmente realizados no SI; Actualmente é feito o estudo de tumores cerebrais, para o diagnóstico de linfomas e de tumores primitivos do sistema nervoso central. Fazem-se também estudos "in vitro" para avaliação da maturação dos monócitos em células dendríticas; Plaquetas: Esta área foi decisiva para a melhoria do diagnóstico das trombocitopenias e trombocitopatias e para o estudo da imunização plaquetária fetomaterna e pós transfusional; Anticorpos anti-plaqueta: A pesquisa de anticorpos anti-plaqueta, implementada desde a origem do Laboratório, representa actualmente mais de 90% dos estudos plaquetários e assume grande importância na investigação das trombocitopenias; Glicoproteínas plaquetárias: Foi um dos primeiros estudos implementados. Inicialmente limitado à quantificação das GpIIb/IIIa (Trombastenia de Glanzmann), e da GpIIb (Doença de Bernard Soulier), foi depois alargado a outras glicoproteínas; Outras aplicações: No passado, foi efectuada a monitorização da actividade de fármacos anti-plaqueta, a quantificação de plaquetas activadas e de plaquetas reticuladas, bem como estudos de incorporação de mepacrina, que hoje não são efectuados na rotina; Eritrócitos: Para além do diagnóstico da HPN, os estudos nesta área são as seguintes; Hemoglobina F e eritrócitos fetais: A pesquisa de HbF e a quantificação de eritrócitos fetais, efectuada no LC, é importante para a detecção e quantificação de hemorragia fetomaterna, em caso de isoimunização; Maturação da linha eritróide: Estamos a desenvolver as aplicações da citometria ao estudo dos eritrócitos, nomeadamente da diferenciação da linha eritróide na medula e da maturação dos reticulócitos no sangue; Outras aplicações: Pontualmente, têm sido efectuados estudos de quantificação dos eritrócitos transfundidos, em doentes com mau rendimento transfusional. Em breve, será iniciado o estudo de anemias hemolíticas congénitas; Outras células: Recentemente, a citometria passou também a ser aplicada à quantificação e caracterização das células endoteliais circulantes para avaliar a lesão endotelial associada a algumas patologias e o seu papel na hemostase. O estudo dos fibroblastos cutâneos foi outra das aplicações implementadas no LC, para estudo da anemia de Fanconi. Ensino, Formação e Investigação Na sequência das actividades desenvolvidas, o LC organizou cursos e colaborou em várias iniciativas no âmbito da formação, facultou estágios, participou em projectos de investigação, publicou e apresentou trabalhos. Até à data, o LC facultou pelo menos 165 estágios a 133 alunos e profissionais de Saúde e os seus profissionais foram autores ou co-autores de mais de 70 artigos, colaboraram em mais de 70 trabalhos académicos, fizeram mais de 50 palestras, apresentaram mais de 250 trabalhos em reuniões científicas e receberam pelo menos 16 prémios.

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Centro Hospitalar de São João

Serviço de Hematologia Leucemias Agudas Transplante de Células Progenitoras Hematopoiéticas

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ENTREVISTA

Prof. Eduardo Guimarães

Que características tem uma e outra área para serem consideradas de excelência? Em primeiro lugar gostava de vincar que este é um Serviço de um hospital central universitário, seguramente o hospital do norte do país com mais movimento de doentes a nível hemato-oncológico. Isto porque é o hospital de referência para uma área que cobre dois milhões e meio de pessoas. Sendo o hospital de referência tem de procurar a excelência em todas as situações. Enquanto director de serviço, obviamente não me compete fazer aqui uma apreciação sobre a qualidade do meu serviço, mas aproveito para deixar expresso que este centro é buscado por uma larga maioria de doentes e já foi considerado o melhor do país no ranking regularmente realizado pela Escola Nacional de Saúde Pública, a nível nacional, tendo desde então continuado a ocupar um dos primeiros lugares. Como em tudo, há vários métodos de avaliar o desempenho de um serviço, sendo este um deles, que se inspira em modelos estrangeiros. Além da qualidade clínica, as actividades de docência, de investigação e de pós-graduação, etc., devem ser igualmente consideradas na avaliação. Como hospital de referência temos a obrigação de dar a melhor resposta possível aos doentes e, para, isso individualizámos áreas de patologias. Dentro dessas áreas procurámos estabelecer um conjunto de guidelines que publicámos na intranet do hospital como protocolos do serviço. Temos um responsável por cada área e temos um grupo hemato-oncológico que realiza reuniões habituais (2 reuniões semanais) para discussão de casos. No que respeita à leucemia aguda mantemos uma ligação de longa data, de há 15/20 anos, à European Organisation for Research and Treatment of Cancer (EORTC), onde somos membros do Leukaemia Group, em que registamos doentes nos estudos em curso. Neste momento não há nenhum protocolo activado mas esperamos que muito em breve venhamos a ter. Anteriormente incluímos um número significativo de doentes no protocolo AML 12, que incluiu doentes até aos 60 anos e no AML 17, com inclusão de doentes com idade superior a 60 anos. Estamos entre os 10 centros que contribuíram com maior número de doentes para esses estudos específicos. Em relação a novas atitudes pensamos que será em breve lançado um protocolo para as leucemias mieloblásticas do doente jovem (menos de 60 anos) - AML 14 - mas ainda estão em discussão os termos do mesmo. Vai também ser activado um protocolo para as leucemias refractárias com um fármaco experimental e está a ser activado um outro estudo, em colaboração com o grupo holandês HOVON, para as leucemias linfoblásticas do adulto.

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ENTREVISTA E ao nível de transplantação? Este ano celebramos os 15 anos de transplante de progenitores hematopoiéticos no hospital. Temos mantido uma média superior a 40 transplantes autólogos por ano, basicamente em mielomas múltiplos e em linfomas não hodgkin ou doença de hodgkin refractários ou em recaída, e nos linfomas do manto, cuja casuística de auto-transplante apresentámos este ano na reunião da European Hematology Association (EHA). Ainda em relação ao transplante, queremos evoluir a curto prazo para o transplante alogénico, o que esperamos se venha a concretizar com a mudança de todo o serviço para um único local físico, porque embora tenhamos condições excelentes para o tratamento dos doentes, e que muito provavelmente não são replicáveis em muitos outros serviços nacionais, temos o serviço disperso por diversos locais e não integrado numa estrutura única. Temos duas unidades com 16 quartos individuais, um quarto para dois doentes e duas enfermarias para três doentes cada. Os quartos estão equipados com ar filtrado sob pressão positiva e todas as condições de conforto e de assépsia. A mudança está dependente da finalização das obras, uma circunstância fundamental para que o serviço possa funcionar com melhor gestão dos recursos permitindo apostar nos transplantes alogénicos. A casuística é elevada? Há um aumento de incidência/prevalência destas doenças? Não temos um registo oncológico que nos dê esses dados com absoluto rigor, portanto tudo o que se possa dizer a esse respeito são meras conjecturas. Ou seja, pode haver um aumento de referenciação o que não quer necessariamente dizer que traduza um aumento de casos. Era necessário que houvesse um registo epidemiológico a nível nacional. A Sociedade Portuguesa de Hematologia (SPH) está a desenvolver uma aplicação com os hospitais e os serviços de hematologia, financiada pela Administração Central de Sistemas de Saúde e por verbas do QREN, e que pretende fazer o registo sistemático de todos os doentes hemato-oncológicos, o que permitirá ter um melhor panorama da realidade nacional. No entanto, sabemos que de um modo geral a incidência de linfomas tem aumentado, isto independentemente da correcção para o aumento da esperança média de vida da população. E esta realidade não sucede só em Portugal mas também a nível mundial, ainda que não se saiba exactamente o porquê. Na investigação em que nível considera que estão? São comparações difíceis de fazer, até porque não quero ser acusado de falar em causa própria. Temos consciência de que aqui se pratica hematologia como ela deve ser praticada e como é praticada na generalidade dos países desenvolvidos. Se a qualidade é melhor ou pior devem ser outras pessoas a pronunciarem-se. Por exemplo, nas comparações que têm sido feitas entre os hospitais portugueses e espanhóis, não estamos propriamente mal posicionados, antes pelo contrário. Seja como for, parece-me relativamente pacífico que não há neste momento necessidade de qualquer pessoa ir a um país estrangeiro para se tratar. A hematologia que se pratica em Portugal é basicamente aquela que se pratica em todo o mundo desenvolvido. Ao nível da investigação clínica e de translação, temos seguramente de fazer um esforço considerável para acompanharmos o que se faz nos outros países desenvolvidos, e esse é o grande desafio que se nos coloca nos próximos anos, bem como às novas gerações de hematologistas.

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ENTREVISTA

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Centro Hospitalar de São João

Serviço de Hematologia Hematologia Pediátrica

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ENTREVISTA

Dra. Fátima Ferreira

Como caracteriza a área de hematologia pediátrica do serviço de hematologia? A Hematologia Pediátrica do Centro Hospitalar São João actualmente diagnostica e trata as doenças benignas do sangue na criança, faz o diagnóstico de patologias hemato-oncológicas da infância e, nestes casos, as crianças são, de imediato, transferidas para o Serviço de Pediatria do IPO - Porto para orientação terapêutica. A Hematologia Pediátrica também colabora com a Oncologia Pediátrica desta instituição para o estadiamento e avaliação medulares de tumores sólidos na criança. A realidade actual é, no entanto, muito diferente da que existia até 2004. Lembrando a História da Hematologia Pediátrica do Hospital São João: esta sub-especialidade "nasceu" da estreita colaboração do Serviço de Hematologia Clínica com a então Unidade de Hemato-Oncologia Pediátrica pertencente ao Departamento de Pediatria e chefiada na altura pela Dra. Ilidia Lima Reis. O serviço de Hematologia Clínica disponibilizou uma especialista, a saudosa Dra. Manuela Correia, que se dedicava em exclusividade à Pediatria e trabalhava em articulação com Pediatras daquela Unidade, nomeadamente Dra. Lucília Norton, Dra. Amélia Vilas Boas e Dra. Maria João Gil Costa. Assim a Hematologia Pediátrica diagnosticava e tratava toda a patologia hematooncológica e hematológica benigna da infância referenciada a esta instituição. Porque gostava desta área da Hematologia, e também por necessidade do Serviço, continuei a dar apoio à Unidade de Hemato-Oncologia Pediátrica. Em 2004, por decisão ministerial houve uma dissociação da Hematologia Pediátrica e desde então a Hematologia Pediátrica diagnostica e trata as doenças benignas: anemias, trombocitopenias e doenças do glóbulo branco. São a maior parte das doenças hematológicas da infância, mas as que têm menos impacto. Penso que, juntamente com o Serviço de Hematologia do Hospital Central Especializado de Crianças Maria Pia, na pessoa do Dr. José Barbot, somos as únicas instituições do Norte do País como referência da hematologia pediátrica não oncológica. Portanto, apenas recebem a população da zona norte? Sim, mas a população do norte é vasta: o Centro Hospitalar São João abrange uma população calculada de 2- 2.5 milhões de pessoas. Como disse, apenas nós e o Hospital Maria Pia somos referência para a Hematologia Pediátrica. Actualmente, nesta área, ainda estou a trabalhar sozinha, mas em breve poderá ser diferente, porque há internos de Hematologia Clínica que gostam da hematologia pediátrica e querem continuar. A nossa mais-valia e diferença relativamente aos Pediatras assenta na formação clínica e laboratorial que nos permite integrar as duas vertentes e assim chegar mais rapidamente ao diagnóstico. Ou seja, consultamos o doente, observamos o sangue periférico e a medula óssea se necessário e assim fazemos o diagnóstico. Há um complemento entre a clínica e a parte laboratorial, isso é importante no tratamento das patologias. Outro aspecto particular da Hematologia Pediátrica desta instituição é que diagnostica e trata praticamente todos os casos de drepanocitoses

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ENTREVISTA do Norte do País. Não são muitos, mas tanto quanto sei, a maior parte estão na minha consulta. Em termos de casuística falamos de quantos doentes e de que doenças? No caso de primeiras consultas são cerca de 200 doentes por ano. O total de doentes em seguimento ronda os 700 por ano. As doenças mais frequentes sãos as trombocitopenias e as anemias. Dentro das anemias, as mais frequentes são as ferropénicas, as que não respondem ao ferro e os pediatras encaminham-nas porque têm uma evolução que não é favorável e não percebem o que se passa. No grupo das anemias congénitas a mais frequente é a esferocitose hereditária - em colaboração com a Faculdade de Farmácia fizemos a caracterização das alterações das proteínas de membrana do glóbulo rubro nas nossas crianças; existem também algumas anemias congénitas raras em que o diagnóstico definitivo exige confirmação por técnicas de biologia molecular e geralmente enviamos as amostras de sangue para o centro de referência do estudo molecular da patologia do glóbulo vermelho, no Hospital Pediátrico de Coimbra, dirigido pela Prof.ª Dra. Letícia Ribeiro. Há portanto um elevado volume de trabalho. E de custos? Esta área da hematologia pediátrica não é a mais onerosa. Temos regras para prescrever determinadas terapêuticas, geralmente as mais caras, para as quais precisamos de autorização prévia da Direcção Clínica, nomeadamente nas imunoglobulinas polivalentes. Em relação ao volume de trabalho é verdade que estamos muito sobrecarregados, porque sou a única pessoa que faz Hematologia Pediátrica nesta instituição, e apesar de trabalhar em colaboração com os pediatras, estes não têm formação na área laboratorial e, por isso, tenho de fazer sozinha grande parte do trabalho na área do diagnóstico e na orientação terapêutica. Como se caracteriza esta área ao nível de formação? A formação é mais individualizada do que seria desejável, ou seja, passa pela leitura de revistas da especialidade, consultas em "sites" específicos na internet, etc. Tenho pouco tempo para participação em reuniões de formação pós graduada. Sempre que possível participo em congressos nacionais e internacionais e faço algum trabalho de divulgação inter-hospital com pediatras que se dedicam à hematologia. Também colaboro no ensino médico pré-graduado como docente de Hematologia do 4º ano do Curso de Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Como vê o futuro desta área de excelência do serviço de hematologia? Para ser franca, nesta fase, é um alívio que as crianças oncológicas estejam a ser encaminhadas para o IPO, caso contrário seria difícil conciliar toda a actividade. Se assim não fosse o Serviço de Hematologia Clínica não poderia contar comigo para ver adultos - nesta área tenho uma consulta de Hematologia Oncológica e pertenço à equipa médica da Unidade de Doentes Neutropénicos. No futuro, o ideal seria ter outro especialista. Temos uma interna que gosta desta área e que brevemente poderá enveredar por aqui. Há muito trabalho a fazer ao nível de estudos e divulgação dos nossos resultados da prática clínica. Como é ser responsável pela área de hematologia pediátrica? É um desafio. Sempre gostei de tratar crianças e é uma área que me permite contactar com pediatras e hematologistas pediátricos de outras instituições. Recebo muitos pedidos de colaboração, ou orientação, vindos de pediatras de outros hospitais. Claro que às vezes passo momentos de grande preocupação, porque aparece uma criança que não está bem e há que articular uma série de sub-especialidades para responder ao problema. De uma forma geral o saldo é muito positivo, é muito gratificante trabalhar nesta área. O ideal seria ter mais tempo para a investigação clínica.

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TEXTO LIVRE

HEMATOLOGIA PEDIÁTRICA NO CENTRO HOSPITALAR S. JOÃO Por Maria Fátima Ferreira, assistente hospitalar graduada de hematologia clínica A Hematologia Pediátrica tem como objectivo diagnosticar e tratar as doenças do sangue na criança e inclui a sua prevenção, nos casos de patologia congénita, mediante aconselhamento genético. As crianças com patologia hemato-oncológica diagnosticadas no Centro Hospitalar São João são encaminhadas para o serviço de Pediatria do IPO - Porto para tratamento e seguimento. As doenças da coagulação e fibrinólise são diagnosticadas e tratadas no serviço de Imuno-hemoterapia da nossa instituição. No Centro Hospitalar São João, a área de excelência da Hematologia Pediátrica inclui as trombocitopenias e as anemias que são as patologias hematológicas mais comuns na infância. Como única hematologista a trabalhar nesta área e, porque acumulo com funções assistenciais no internamento e ambulatório da hematologia oncológica - adultos, o meu trabalho é exercido em regime de estreita colaboração e articulação com os Pediatras, principalmente no internamento. Um grupo de doenças particularmente importante é o das hemoglobinopatias que, embora raras entre a população abrangida por esta unidade hospitalar, exige multiplicidade de recursos técnicos e humanos para o seu tratamento e acompanhamento adequados. Estou a referir-me às anemias de células falciformes e às beta-talassemias major e intermédia que nesta instituição beneficiam do apoio da pedopsiquiatria, valência importantíssima no equilíbrio emocional da criança e família. Saliento a estreita colaboração com a unidade de anemias congénitas e hematologia molecular do Centro Hospitalar de Coimbra no estudo de algumas anemias hereditárias desta instituição. Registo também o trabalho desenvolvido com a Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto que nos permitiu a caracterização bioquímica das crianças com esferocitose hereditária e respectivas famílias e serviu de base a algumas publicações internacionais. Finalizo exteriorizando uma grande preocupação: a continuidade desta área de excelência do Serviço de Hematologia Clínica do Centro Hospitalar São João devido à escassez de recursos humanos com que se debate.

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Centro Hospitalar de São João

Serviço de Hematologia Mieloma e Discrasias Plasmocelulares

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ENTREVISTA

Dra. Fernanda Trigo

Que características tem esta área para que seja considerada de excelência? Costumo chamar à ultima década a "década do ouro" do Mieloma Múltiplo (MM), isto porque, e apesar de o MM continuar uma doença incurável, dispomos desde há alguns anos de boas opções terapêuticas: primeiro foi a introdução na prática clínica (nos anos 80) do Transplante Autólogo de Progenitores Hematopoiéticos (TAPH) do sangue periférico que trouxe um incremento de 1 ano (em média) à Sobrevivência Global (SG) dos doentes elegíveis para TAPH. Virtualmente todos os doentes com < 65 anos de idade e sem co-morbilidades significativas dispõem neste momento desta arma terapêutica. Posteriormente, o aparecimento dos chamados novos fármacos (talidomida, bortezomib e lenalidomida), no ano de 2000, trouxe também melhorias significativas, nomeadamente no aumento da taxa de remissão completa (RC) e na sobrevida livre de progressão (SLP). No serviço de Hematologia Clínica do Hospital São João o programa de TAPH existe há 15 anos. Nos primeiros anos teve uma actividade residual passando a ser considerada nos últimos 10 anos um centro de dimensão média, realizando-se aproximadamente 40 transplantes por ano. A maioria dos doentes transplantados no serviço são doentes com MM. Encarregou-me a mim, o Senhor Prof. José Eduardo Guimarães (Director de Serviço), a responsabilidade da consulta pré e pós transplante de doentes com MM. Ou seja, o que me é pedido é o acompanhamento dos doentes do serviço e de 3 outros importantes hospitais da zona norte que nos referenciam doentes para autotransplante: a saber Hospital São Marcos - Braga, Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro e Hospital Pedro Hispano - Matosinhos. Sou portanto o elemento do serviço responsável por todo o processo de transplantação de MM quer no pré quer no transplante propriamente dito e após transplante. E como é ser responsável por esta área? É gratificante. Há 10-12 anos atrás os doentes tinham um prognóstico muito mais adverso. Os chamados novos medicamentos (de que já falei) ainda não estavam disponíveis, o autotransplante estava no início (no serviço) o tratamento de suporte (factores de crescimento, bifosfonatos, consulta da dor) foi implementado na última década. A consulta da dor e a radioterapia são um complemento inestimável em termos de qualidade de vida destes doentes.

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ENTREVISTA Neste momento tenho pacientes nesta consulta com 10 anos de evolução pós-transplantes, com uma vida perfeitamente normal. Muitos deles retomaram a sua actividade profissional o que é fantástico! Há contudo doentes que infelizmente têm progressão da doença precocemente... Enquanto responsável por esta consulta há tanto tempo, que alterações positivas regista? Exactamente as que enumerei atrás. Os novos fármacos e o tratamento de suporte muito mais adequado e atempado, o que se traduz naturalmente em mais e melhor tempo de vida. Em termos de investigação nesta área o que está a ser feito? Não há investigação básica nesta área… E em termos de protocolos? Neste momento não há nenhum protocolo em curso. Participamos em alguns protocolos de investigação internacional, mas não conseguimos incluir doentes… Por alguma razão específica? Não sei dizer, eu própria não consigo entender porque não o conseguimos. Pode ser inércia dos profissionais em seleccionar os doentes, ou porque os critérios de inclusão são muito rigorosos… não sei, não consigo dizer, mas o facto é que assim... Qual o volume de trabalho que a consulta regista? Neste momento, doentes com MM transplantados a ser seguidos nesta consulta são cerca de 60. Verificamos que há alguma tendência para aumentar o número de doentes com esta patologia com indicação para TAPH. Por exemplo, este ano, no primeiro semestre, foram feitos 19 transplantes, dos quais 16 foram MM. De resto, o MM é a patologia que mais contribui para o número de transplantes quer nos EUA quer na Europa.

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TEXTO LIVRE

TRANSPLANTE AUTÓLOGO DE PROGENITORES HEMATOPOIÉTICOS EM MIELOMA MULTIPLO: 10 ANOS DE HISTÓRIA Por Fernanda Trigo, responsável da consulta pré e pós transplante de doentes com MM Introdução O Mieloma Múltiplo (MM) é uma neoplasia caracterizada por proliferação anómala de plasmócitos e secreção de imunoglobulina monoclonal no sangue e/ou urina.1,2 É responsável por 1% das neoplasias em geral e 10-15% das hematológicas, sendo responsável por 20% da mortalidade atribuída a neoplasias hematológicas. Apresenta uma incidência anual de 4.3/10000 que aumenta com a idade (mediana de idade de 65 anos). Cerca de 90% dos casos ocorre após os 50 anos. É mais frequente nos doentes do sexo masculino que feminino (1.4:1) e nos afro-americanos comparativamente aos caucasianos (2:1).1,3 Clinicamente manifesta-se de forma muito variável - desde casos indolentes e assintomáticos a casos que constituem emergências hematológicas.1 Para além dos clássicos sistemas de classificação prognóstica Durie-Salmon Staging (DSS)4 e International Staging System (ISS)5, actualmente a estratificação de risco de acordo com a avaliação citogenética assume-se com um pilar central no prognóstico e decisão terapêutica.6 Ao longo dos últimos 30 anos verificou-se uma evolução ímpar na abordagem terapêutica dos doentes com MM. 1,2,7,8 O primeiro marco desta evolução, à volta de 1980, foi a introdução do Transplante Autólogo de Progenitores Hematopoiéticos (TAPH) como consolidação após quimioterapia intensiva (QTi), traduzindo-se numa maior sobrevivência global quando comparado a esquemas unicamente com QT. 1,2,3,9,10,11,12,13 Estes resultados afirmaram-se gradualmente, de modo que actualmente o MM é a principal indicação para TAPH nos Estados Unidos e na Europa.14,15 Baseando-se no conhecimento da imunosupressão causada pelos agentes alquilantes e necessidade de restaurar a funcionalidade da medula óssea após infusão dos progenitores hematopoiéticos, o uso de melfalano cedo se mostrou o fármaco de eleição no regime de condicionamento do TAPH.2 Apesar do aperfeiçoamento na abordagem terapêutica nos 20 anos que se seguiram à introdução do TAPH, é no início de 2000 que se assiste a outro marco fulcral no tratamento do MM, quando começam a ser publicados resultados do uso dos chamados novos fármacos - talidomida16, bortezomib17,18,19 e lenalidomida20,21 - na terapêutica de indução do MM, atingindo-se respostas acima dos 70% e tempos livres de doença superiores todavia, ainda, sem efeito comprovado na sobrevivência global.22,23,24 Assiste-se à mudança de paradigma não só terapêutico como de história natural da doença, apoiados numa terapêutica sequencial que permite que se encare o MM como uma patologia oncológica tendencialmente crónica. Paralelamente a esta evolução, o Serviço de Hematologia Clínica do Hospital S. João (SHC-HSJ) foi modelando a sua abordagem terapêutica de modo a oferecer a solução mais eficaz aos seus doentes, tendo realizado o primeiro TAPH em MM

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TEXTO LIVRE em 1995. Deste modo, pretende-se descrever a experiência do SHC-HSJ na transplantação hematopoiética em MM no período de 2000 a 2010. Consulta de transplante autólogo em MM Apesar da transplantação hematopoiética ter sido iniciada no SHC-HSJ em 1995, apresentou uma actividade residual (cerca de 2 TAPH/ano) até cerca de 2005, altura em que o serviço começa a ter expressão de um centro médio de transplantação hematopoiética (cerca de 40 TAPH/ano). O TAPH em MM representou desde sempre uma grande parcela dos TAPH do SHC-HSJ, a título de exemplo no ano de 2010, dos 42 transplantes efectuados, 18 referem-se a MM. A consulta de Transplante Autólogo em MM foi criada em 2003 na sequência da reestruturação do Programa de Transplante do SHC-HSJ. Ao longo destes anos tem apresentado um crescimento sustentado, à semelhança do resto da actividade de transplantação do serviço (Gráficos 1 e 2). Nesta consulta é feita a avaliação pré-transplante, a programação da mobilização de progenitores hematopoiéticos e do transplante, e o seguimento pós-transplante. São referenciados a esta consulta doentes internos, assim como doentes externos, nomeadamente do Hospital de Vila Real, Hospital de S. Marcos e Hospital Pedro Hispano. Procedimentos Os doentes com idade inferior ou igual a 65 anos, com performance status ECOG25 inferior ou igual a 2 e sem comorbilidades significativas ou disfunção multiorgânica foram elegíveis para TAPH após indução, desde que se tenha atingido pelo menos uma resposta parcial no fim da mesma. A mobilização de progenitores hematopoiéticos foi efectuada segundo o protocolo com alta dose de ciclofosfamida (4g/m2) e factor de crescimento de granulócitos (G-CSF)26,27, com aférese realizada quando o número de células CD34 é igual ou superior a 10 células/ml para um alvo de 2.0x10^6 células/kg, mínimo de dois transplantes de progenitores hematopoiéticos. O regime de condicionamento utilizado foi o de melfalano 200mg/m2, com redução de dose (140mg/m2) se insuficiência renal (considerada para creatinina > 2.0mg/dL).28 A infusão de progenitores ocorreu 24 horas após término do melfalano. O suporte transfusional de concentrados de eritrócitos e/ou plaquetas foi assegurado sempre que justificado. Até 2006, foi administrado G-CSF até ocorrer enxerto hematológico, definido como recuperação de neutrófilos acima de 0.5x10^9/L em três dias consecutivos e plaquetas superiores a 20x10^9/L em 7 dias consecutivos sem suporte transfusional. A avaliação de resposta ao TAPH foi efectuada ao dia 100 (+/-10), segundo os critérios do International Myeloma Working Group (IMWG).29 Os efeitos adversos relacionados com o condicionamento foram classificados segundo os Commom Terminology Criteria for Adverse Events - National Cancer Institute (CTCAE-NCI).30 A mortalidade relacionada com o transplante (MRT) refere-se a qualquer óbito nos primeiros 100 (+/-10) dias após TAPH cuja causa tenha sido atribuída directamente à doença ou a complicação decorrente do transplante.

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TEXTO LIVRE A sobrevivência livre de progressão (SLP) foi definida como o tempo desde o início do transplante até progressão ou morte, e sobrevivência global (SG) como o tempo desde o inicio do transplante até ocorrer morte. Procedeu-se a uma análise retrospectiva observacional dos 132 transplantes efectuados consecutivamente de 2000 a 2010, inclusive. A análise estatística foi efectuada no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) v.18; o método de Kaplan-Meier foi usado para estimar o SLP e SG, com comparação de diferenças pelo teste log-rank e com intervalo de confiança de 95%. Resultados 1. Características dos Doentes Foram transplantados 85 doentes, dos quais 50.6% (n=43) do sexo masculino. A mediana de idades ao diagnóstico foi de 56 anos, com uma variância 37-69 anos de idade. As características clínicas dos doentes são apresentadas na Tabela 1. 2. Tratamentos prévios e de Indução Previamente ao TAPH, os doentes receberam 1 a 3 linhas terapêuticas (mediana 1), com cerca de 64.7% (n=55) recebendo apenas uma linha terapêutica. Relativamente ao ciclo de indução que, precedeu imediatamente o TAPH, 34.1% (n=29) doentes foram tratados com Idarrubicina e Dexametasona, 16.5% (n=14) com Talidomida e Dexametasona, 5.9% (n=5) doentes com Vincristina, Idarrubicina e Dexametasona, 15.3% (n=13) doentes com Vincristina, Adriamicina e Dexametasona, 21.2% (n=18) com Bortezomib e Dexametasona. Em 6 doentes não foi possível apurar o protocolo de Indução. Do total de doentes, 8.2% foram submetidos a radioterapia por apresentarem plasmocitomas com compressão medular. 3. Mobilização de progenitores hematopoiéticos, modalidade de transplante autólogo e cinética do enxerto hematológico Todos os doentes foram mobilizados com alta dose de ciclofosfamida e GCS-F. Após 1-4 aféreses (mediana de 2), um número suficiente de células CD34+ (> 2x10^6 CD34+/Kg) foi atingido, assegurando pelo menos a realização de dois TAPH. O número mediano de células totais CD34+ infundidas foi de 8.24x10^6/kg (variância, 3.17 a 52.7x10^6/Kg). Quarenta doentes (47.1%) foram submetidos a TAPH tandem, 38 doentes (44.7%) a um TAPH e 7 doentes (8.2%) foram retransplantados após recaída. O tempo mediano entre cada TAPH nos doentes submetidos à estratégia tandem foi de 4 meses, com variância entre 3 e 6 meses. Após o primeiro TAPH, o tempo mediano para enxerto de neutrófilos foi de 16 dias (variância, 8 a 49 dias) e o de plaquetas foi de 13 dias (variância, 5 a 41 dias). Nos doentes submetidos a segundo TAPH, verificou-se um enxerto igualmente eficaz com um tempo mediano para neutrófilos de 16 dias (variância, 3-24 dias) e para plaquetas de 13 dias (variância, 2 a 22 dias). Quarenta e quatro doentes (51.8%) receberam G-CSF no período pós transplante. Não se verificou associação estatisticamente significativa entre o uso de GCSF e o número de dias de internamento, nem com o número de dias de enxerto de plaquetas ou neutrófilos. Do ponto vista de intercorrências infecciosas e recaídas nenhuma associação foi igualmente encontrada.

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TEXTO LIVRE 4. Complicações e Mortalidade Associada ao TAPH Toxicidade severa (superior a grau II) ocorreu em 72 doentes (84.2%), sendo que as mais frequentes foram mucosite orofaríngea (67%, n=57) e neutropenia febril/ intercorrências infecciosas (78.8%, n =67). Dois doentes necessitaram de ventilação invasiva, com recuperação progressiva e independência ventilatória. Não se verificou nenhum óbito relacionado com o TAPH. 5. Resposta Clínica Com um seguimento mediano de 22 meses (variância, 3 a 117 meses), a SG mediana foi de 43 meses e a de SLP de 22 meses. Aos 5 anos, a SG foi de 45.3% (36.7-53.9%, IC 95%) e a SLP de 24.5% (18-31%, IC 95%) (Gráficos 3 e 4). Após terapêutica de indução, 15 doentes (17.6%) atingiram Resposta Completa (RC), 35 doentes (41.2%) Muito Boa Resposta Parcial (MBRP) e 34 doentes (41.2%) Resposta Parcial (RP). Após TAPH, verificou-se um incremento na RC dos doentes que previamente estavam em MBRP ou RP. Dos doentes transplantados em RC, 13 (86.7%) permaneceram em RC e 2 (13.3%) em MBRP. Dos que não estavam em RC à data do TAPH, RC foi atingida em 25 doentes (35.6%), MBRP em 33 (47.1%), e RP em 12 (17.2%). Globalmente, após TAPH, RC foi de 44.7%, MBRP de 15.3% e RP de 40.0%. Nenhuma diferença estatisticamente significativa foi encontrada para a SLP e SG nos doentes em RC no fim da indução. Após TAPH, os doentes com RC apresentam maior SLP em relação aos pacientes com RP com significância estatística (27 vs 7 meses; p = 0,034), mas não quando comparados a pacientes com MBRP (27 vs 19 meses, p = 0,485) (Gráficos 5 e 6). Relativamente à SG parece haver uma tendência em favor da RC e RPMC comparativamente à RP, sem ser, no entanto, estatisticamente significativa. A realização de um segundo TAPH, modalidade tandem, representou uma vantagem estatisticamente significativa face aos doentes submetidos apenas a um transplante, atingindo-se SLP mediana de 31 vs 19 meses para TAPH tandem vs TAPH único (p=0.018), respectivamente, e a SG mediana de 40 vs 31 meses para TAPH tandem vs TAPH único (p=0.040), respectivamente (Gráficos 7 e 8). 6. Estado Actual Dos 51 doentes que ainda frequentam a consulta, 25% (n=21) encontram-se em RC, 1.2% (n=1) em segunda RC, 15.5% (n=13) em MBRP, 2.4% (n=2) em segunda MBRP e 16.7% (n=14) em RP. Nenhum doente se encontra a fazer qualquer terapêutica de manutenção. Discussão Apesar de o TAPH não constituir uma terapêutica curativa do MM, permitiu o aumento da sobrevivência global e livre de progressão, oferecendo aos doentes melhor qualidade de vida. Como esperado, constatou-se que com um seguimento máximo de 9.5 anos, a SG e o SLP aos 5 anos foram de 45.3% e 24.5%, respectivamente, é sobreponível a outras séries de doentes.3,9,10,31 O impacto da resposta no fim da indução é difícil de interpretar uma vez que as taxas de RC/MBRP são geralmente baixas (5-10%) e a dimensão reduzida da amostra dificulta o estabelecimento de uma associação significativa.

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TEXTO LIVRE Relativamente ao impacto da resposta após TAPH, verificou-se um incremento na RC (44.7%) comparativamente à avaliação no fim da indução, reflectindo-se na SLP com uma vantagem de 8/20 meses em relação aos que atingiram MBRP/RP, respectivamente. Todavia esta relação não é consensual, nomeadamente no que diz respeito à SG com resultados contraditórios em vários estudos.32,33,34,35,36 Questiona-se não só o impacto da biologia da doença em atingir essa RC e duração da mesma, mas também a definição de RC numa patologia caracterizada por uma recaída inevitável.37 Os doentes de baixo/médio risco (cerca de 85% de todos os com MM) parecem apresentar uma SG sobreponível independentemente da RC, ao contrário dos doentes de alto risco, cuja RC parece ser fundamental.38 Os doentes que fizeram Talidomida e Bortezomib na indução apesar de terem atingindo proporcionalmente uma taxa de RC superior aos que fizeram esquemas clássicos, não mostraram benefício em termos de SG e SLP, pelo menos com o tempo de seguimento actual. A toxicidade não hematológica associada ao condicionamento é sobreponível a outras séries de doentes transplantados, destacando-se a mucosite e as intercorrências infecciosas. Por outro lado, a Mortalidade Relacionada com Transplante (MRT) foi de zero, inferior à de outras séries que apresentam valores entre os 1 e 5%.1,9,10 A melhoria dos cuidados de suporte e controlo de infecções ao longo dos anos contribuiu indubitavelmente para este resultado. Relativamente à toxicidade hematológica, verificou-se sucesso do enxerto de neutrófilos e plaquetas de forma consistente quer no primeiro quer no segundo TAPH. Quarenta e quatro doentes receberam G-CSF após o TAPH. Todavia, a cinética do enxerto foi semelhante independentemente da toma ou não de G-CSF, não havendo também vantagem em termos de SG ou SLP, tal como reportado previamente.39 Quarenta doentes da nossa série foram submetidos a um segundo transplante de progenitores hematopoiéticos, modalidade tandem, apresentando uma maior SG e SLP comparativamente aos doentes que apenas foram submetidos a um TAPH. Até à data, três ensaios randomizados foram realizados na tentativa de esclarecer o benefício desta abordagem.40,41,42 Os resultados são incongruentes, registando-se diferenças metodológicas que dificultam uma interpretação global. Em todos estes estudos e à semelhança dos nossos doentes, o segundo TAPH mostrou ter vantagem no que concerne a SLP. Por outro lado, apenas em dois dos ensaios parece haver algum benefício na SG.41,42 A realização de um segundo transplante foi exequível em 75% dos doentes e a MRT inferior a 5%. O ensaio IFM94 mostrou que o único parâmetro que poderia predizer a realização de um segundo transplante seria a resposta ao primeiro transplante43, o que foi corroborado posteriormente por um outro ensaio de um grupo italiano.41 Assim, considera-se a modalidade tandem naqueles doentes que não atingem pelo menos uma MBRP após o primeiro transplante. Os novos fármacos, inicialmente introduzidos no tratamento das recaídas, foram rapidamente incorporados nos protocolos de indução, levando à mudança de paradigma na abordagem do tratamento do MM, até então assente no TAPH. Destes fármacos e dos múltiplos ensaios sobre o papel do TAPH no MM, duas

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TEXTO LIVRE visões parecem colidir37,44,45: a primeira - curativa - que aposta na incorporação de todos os agentes activos de forma a atingir as células mielomatosas numa fase anterior ao aparecimento de alterações do microambiente e citogenéticas secundárias; a segunda - controladora - aposta numa abordagem estratificada por risco, em que a estratégia mais agressiva é reservada para doentes de alto risco, e em que os doentes de risco médio/baixo beneficiariam de um tratamento sequencial de forma a minimizar a toxicidade. O TAPH até agora visto como tratamento standard do MM em doentes jovens e integrado na abordagem controladora, e talvez a preferida dos clínicos, é assim, ameaçado pelos novos fármacos.46,47,48 Uma alternativa, que parece ganhar progressivamente impacto, é a de reservar o TAPH para o tratamento de recaída. Apesar de um estudo piloto mostrar que a SG foi equivalente em doentes submetidos a TAPH precocemente ou na recaída e o mesmo não se ter verificado com a SLP, maior na transplantação precoce,49 a combinação desses novos fármacos sem TAPH parece desafiar os resultados obtidos com o transplante. Actualmente estão em curso dois ensaios randomizados levados a cabo pelos grupos European Myeloma Network e pelo consórcio franco-americano IFM/DFCI 2009.50 No entanto, e enquanto estes estudos não mostrarem resultados, o TAPH após indução com combinação dupla ou tripla dos novos fármacos permanece o gold standard do tratamento do MM. Em conclusão, os nossos dados mostram, à semelhança de outras séries, que o transplante autólogo de progenitores hematopoiéticos constitui uma abordagem segura e efectiva no tratamento de doentes com MM, proporcionando a estes doentes uma sobrevivência global e sobrevivência livre de doença superiores à de doentes previamente tratados apenas com quimioterapia convencional. Referências 1. Palumbo A, Anderson K. Multiple myeloma. The New England journal of medicine. 2011;364(11):1046-60. 2. Kyle R a, Rajkumar SV. Multiple myeloma. Blood. 2008;111(6):2962-72. 3. Kristinsson SY, Landgren O, Dickman PW, Derolf AR, Björkholm M. Patterns of survival in multiple myeloma: a population-based study of patients diagnosed in Sweden from 1973 to 2003. 4. Durie BG, Salmon SE. A clinical staging system for multiple myeloma. Correlation of measured myeloma cell mass with presenting clinical features, response to treatment, and survival. Cancer. 1975;36(3):842-54.. 5. 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TEXTO LIVRE

Tipo de MM

Estadio ISS

Estadio Durie-Salmon

IgG kappa IgG Lambda IgA kappa IgA Lambda Gamapatia BiClonal Cadeias Leves Não Secretor I II III Desconhecido IA IIA IIIA IIB IIIB

n =85 (%) 34 (40.0%) 14 (16.5%) 10 (11.8%) 8 (9.4%) 4 (4.7%) 11 (12.9%) 4 (4.7%) 15 (17.6%) 47 (55.3%) 20 (23.5%) 3 (3.5%) 7 (8.2%) 16 (8.8%) 49 (57.6%) 3 (3.5%) 10 (11.8%)

TABELA 1. Características clínicas dos doentes transplantados. GRÁFICOS

GRÁFICO 1. Evolução do número de consultas de TAPH em MM.

GRÁFICO 2. Evolução do número de doentes com MM que frequentam a consulta de TAPH em MM.

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TEXTO LIVRE

GRÁFICO 3 e 4. SG e SLP dos doentes com MM submetidos a TAPH de 2000 a 2010.

GRÁFICO 5 e 6. SG e SLP de acordo com o grau de resposta após TAPH.

GRÁFICO 7 e 8. SG e SLP de acordo com a modalidade de transplante autólogo de progenitores hematopoiéticos.

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Centro Hospitalar de São João

Serviço de Hematologia Linfomas e D. Hodgkin

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ENTREVISTA

Dr. Fernando Príncipe

Que características tem esta área para que seja considerada de excelência? A definição de área de excelência engloba uma simultaneidade de objectivos; a do hospital, do serviço e dos seus profissionais, em ter os melhores padrões de diagnóstico e tratamento para este grupo de doentes. Foi um plano que se foi construindo e organizando em interface com todos os profissionais que se dedicam e têm interesse nesta área tendo como objectivo proporcionar o melhor para os doentes. Esta excelência é reforçada pela referenciação que temos quer através dos nossos pares profissionais, quer pelos doentes e seus familiares ou amigos. É pois uma actividade que se (re) constrói no dia-a-dia com os doentes e a estrutura que lhe dá apoio. E a forma como o serviço de hematologia está organizado é também uma vantagem para essa excelência? Claro que sim. Todo o tratamento de um doente com linfoma pressupõe um diagnóstico preferencialmente em gânglios ou tecido linfóide que é essencialmente realizado pelo serviço de anatomia patológica, contudo há um sem número de outros pressupostos ao diagnóstico que a hematologia proporciona, nomeadamente a fenotipagem, os estudos moleculares (de alguns desses gânglios e medula ósseas) e a experiência morfológicas celular que temos. A centralização de todos estes dados e a sua integração na nossa experiência clínica. Permite, posteriormente, a programação de um projecto terapêutica. Toda essa "rotina" está ao nível do que se faz em outros centros do país e internacionalmente? O nosso padrão de diagnóstico tem reprodutibilidade e identidade em muitos outros laboratórios / serviços estrangeiros e nacionais. Sabemos isso porque há doentes que recorrem a uma segunda opinião e, portanto, temos o feedback dos nossas decisões e/ou orientações, e dos diagnósticos que têm como base a classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS). A doença (linfoma) está muito bem explicita do ponto de vista da sua classificação e tem tido actualizações sucessivas, por isso, seguimos a classificação universal, permitindo o paralelismo desta linguagem global entre nós e qualquer outro centro nacional ou estrangeiro. Estes dados são também demonstrados quando participamos em estudos multicêntricos internacionais.

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ENTREVISTA Agora se me pergunta se estamos a fazer estudos genéticos / moleculares de investigação sobre o padrão da doença linfomatosa, digo-lhe que não, embora haja massa crítica, falta contudo suporte técnico. Mas, numa perspectiva diagnóstica acho que temos o padrão universal e do ponto de vista terapêutico temos uma identificação com aquilo que é o estado da arte para tratar estes doentes. Assim, considero que trabalhamos da mesma maneira que os outros, provavelmente com as mesmas dúvidas que os outros têm. Tratamos tão bem os nossos doentes aqui no serviço, ou em Portugal, tão bem como nos centros europeus ou até americanos. Temos, inclusive, a mesma equivalência de números em termos de resposta, e temos a certeza que estamos a proporcionar bem-estar e qualidade de vida aos doentes. O facto de não haver doentes em número suficiente para incluir nos estudos quer dizer que a casuística não é elevada? Bom, quando falo de protocolos refiro-me aos de iniciativa do serviço. Os protocolos precisam de ter um número "mínimo" de doentes e muitas vezes isso não é possível, existem, pois, estudos multicêntricos. Claro se houvesse um grupo nacional de doença linfomatosa muitos ensaios poderiam ser programados, mas ainda não chegamos a este patamar, o degrau para o atingir é cada vez mais pequeno... Seja como for, não temos um elevado número de doentes - novos doentes por ano são cerca de 60, mas temos massa crítica e boa cultura científica. Os dados disponíveis indicam que a incidência dos linfomas continua a aumentar. A realidade é semelhante aqui no serviço e em Portugal? É verdade. Portugal também reproduz aquilo que acontece nos outros países que é o aumento de incidência de doença linfoproliferativa, incidência essa que tem que ver essencialmente com três situações: melhor diagnóstico, maior esperança de vida e as outras doenças de imunodeficiência, que aumentam a incidência de linfoma. O Hospital de São João funciona como um centro de referência, mas a referenciação interhospitalar é cada vez mais para os casos clínicos, mais complicados e mais graves e para quimioterapia intensiva com suporte de células progenitoras hematopoiéticas e para os doentes refractários ou recaídas. Presentemente muitos doentes são inicialmente tratados nos hospitais das suas residências, pelo que é difícil de contabilizar em número esta tendência de novos casos. Mas há claramente uma tendência crescente. Falemos de tratamento, existe cura para estes doentes ou o grande objectivo é aumentar a sobrevida? A resposta merece um preâmbulo, e talvez convenha fazê-lo, porque é preciso ter cuidado quando falamos de cura. É certo que temos tratamentos curativos para doenças potencialmente curativas. Contudo, só podemos falar de cura de uma maneira retrospectiva, quando damos o melhor tratamento ao doente e verificamos que ao fim de 10 anos o doente está bem e viveu sem doença. E digo isto porque sabemos que entre os tratamentos que temos disponíveis, há complicações que surgem a longo prazo. Logo falar de cura de uma doença para a qual

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ENTREVISTA nós damos um tratamento e ao fim de 10 anos aparece uma segunda doença, não representa uma perspectiva de cura. Ou seja, o doente fica curado para a primeira doença mas nós induzimos-lhe outra. A posição que defendo é que devem ser definidos tratamentos curativos para as doenças linfomatosas, potencialmente, mais curativas, tendo sempre como objectivo projectar uma sobrevida livre de doença. No caso dos linfomas, curiosamente o subgrupo de doentes com melhor taxa curativa são os que têm os tipos de doença mais agressiva e que, por sua vez, obriga a uma agressividade terapêutica (adaptados à idade e à biologia dos doentes). É, portanto, curioso pensar que os linfomas mais agressivos são os potencialmente mais curativos. Nos doentes mais novos com melhor índice de prognóstico, em estadios precoces obtemos sobrevidas livres de doença e globais extremamente boas aos cinco anos, na ordem dos 90 por cento. Antigamente estes doentes se não fossem tratados ao fim de 6 meses poderiam estar mortos. No grupo de doentes com biologias mais indolentes conseguimos perspectivar sobrevidas mais longas, à custa daquilo que é o retratamento sucessivo das recaídas. É claro também, que às vezes o melhor tratamento é não tratar, oferecendo qualidade, conforto e bem-estar ao doente. Com estes objectivos a nossa decisão terapêutica prende-se com a caracterização e definição da entidade clínica, em função da sua histologia, molecular, fenotipagem, sem esquecer o estado geral do doente e as suas co-morbilidades e a indução das morbilidades. Com a existência de terapêutica alvo era possível diminuir as consequências, a longo prazo, de que fala? Naquilo que é a expressão de algumas doenças linfoproliferativas há as chamadas terapêuticas alvo dirigidas para receptores específicos do linfócito patológico, em associação sempre com a quimioterapia. Ainda não temos a sorte de ter um medicamento como existe para a LMC, uma verdadeira terapêutica dirigida, um inibidor da actividade enzimática com toma diária oral. Mas temos terapêuticas dirigidas, essencialmente anticorpos monoclonais, aos receptores específicos dos linfócitos de células B e células T. Trata-se de uma terapêutica dirigida, mas "musculada" pela quimioterapia. Os custos inerentes a esta área são elevados? Enquanto médicos também temos de fazer a gestão de muitos processos, gerir o doente, a doença, o tratamento, os recursos, etc.. É certo que temos de fazer a gestão do melhor tratamento, conforme a biologia e estratificação da doença, o estado geral do doente e a sua idade, proporcionando-lhe qualidade de vida, mas naquilo que são os custos directos dos citostáticos, não temos tido limitação ao tratamento protocolado das doenças, fora dos protocolos há sempre uma avaliação custo benefício. O serviço tem um grupo hemato-oncológico onde são discutidos todos os casos e as atitudes terapêuticas protocoladas, e também, as individualizadas. É a discutir que encontramos sempre o melhor concenso.

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ENTREVISTA Como é ser responsável por esta área? Numa perspectiva de organigrama do serviço há uma área de doenças oncológicas subdivididas em grupos diagnósticos. No grupo de doenças linfoproliferativas sou o coordenador do grupo. Além da experiência permite enquadrar as pessoas mais novas naquilo que são os protocolos, os doentes e as doenças. Mantemos reuniões clínicas regulares e abertas, onde todos podem colocar as suas dúvidas e problemas. Ou seja, tudo acontece em função de uma cultura que se foi criando onde não se discute só a clínica ou a decisão terapêutica, discute-se também o diagnóstico com a anatomia patológica, a imagem com os colegas da radiologia, a radioterapia com o radioterapeuta, etc.. Mantemos uma abordagem multidisciplinar daquilo que é o doente oncológico na sua perspectiva curativa ou paliativa.

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TEXTO LIVRE

LINFOMAS HODGKIN E LINFOMAS NÃO HODGKIN Por Fernando Príncipe, coordenador do grupo de doenças linfoproliferativas Linfoma O linfoma B difuso de grandes células (LBDGC) é o mais comum dos linfomas do adulto, com uma mediana de idade na apresentação de 60 anos. Segundo a classificação de Ann Arbor mais de 50% dos casos são diagnosticados em estadios precoces e, aproximadamente 40% têm sintomas B ou DHL elevadas na apresentação. O envolvimento quer nodal ou extranodal também é comum. A classificação do LBDGC foi inicialmente definida pelo sistema REAL (Revised European-American Lymphoma) e, posteriormente, actualizada pela WHO.1 Presentemente reconhece-se que o grupo de doenças linfóides tem heterogeneidade clínica, histológica e molecular. Estratificação de risco clínico Aproximadamente dois terços dos doentes podem ser curados com as novas terapêuticas, mas um terço continua a morrer por doença. O risco clínico pode ser estimado usando o índice IPI (International Prognostic Index),2 que identifica cinco factores de risco em linfomas não hodgkin clinicamente agressivos. Estes factores de risco - idade superior a 60 anos, mau performance status, DHL elevada, estádios avançados de Ann Arbor, e presença de mais do que um local extranodal estratificam quatro grupos de risco com sobrevidas globais aos 5 anos que variam entre os 73% nos mais favoráveis e de 26% nos de alto risco. A moderna terapêutica com inclusão de rituximab melhorou significativamente o prognóstico em todos os grupos de riscos, e as sobrevidas estimadas pelo IPI foram ultrapassdos, mantendo-se contudo o valor preditivo dos factores de risco. Um estudo retrospectivo de LBDGC tratados com R-CHOP 21, identificou três grupos distintos com sobrevidas globais aos 4 anos de 94% nos doentes de baixo risco (0 risco), 79% risco intermédio (1-2 riscos) e 55% alto risco (3-5 riscos).3 Estratificação de risco biológico O anticorpo CD5 é normalmente expresso nas células T, mas tem sido observado nalguns tipos de linfomas de células B, nomeadamente em 5% a 10% dos LBDGC. Estes LBDGC CD5 positivos, geralmente são de alto risco, com estadios avançados, DHL elevada e envolvimento extra nodal.4 Esta positividade é preditiva de mau prognóstico, sem melhoria de sobrevida quando tratados com rituximab e quando comparados com os CD5 negativos. O perfil molecular identificou dois tipos de LBDGC, um com origem em linfocitos B derivado de centro germinativo (GC) e outro de linfocitos B activadas (ABC). Baseados nesta assinatura de origem celular, os GC tem melhor prognóstico que os ABC, independente do score IPI. A expressão de perfil genético é dificilmente enquadrada na clínica quer pela dificuldade da reprodutibilidade laboratorial quer pelas dificuldades técnicas, o que foi permitindo o desenvolvimento de anticorpos para imunohistoquímica. Vários algoritmos de imunohistoquímica (com uma grande concordância em microarray) foram desenvolvidos para definir se LBDCG são do tipo GC ou ABC, o que confirmou esta diferença prognóstica de origem celular, com sobrevidas globais aos 3 anos de 85% para os GC e de 65% para os ABC quando

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TEXTO LIVRE tratados com R-CHOP.5 As translocações cromossómicas envolvendo o gene BCL-6 são as mais frequentes em LBDGC, ocorrendo em cerca de 35% dos casos. A expressão da proteína BCL-6 está associada a melhor prognóstico, contudo a melhoria de sobrevida dos doentes BCL-6 negativos tratados com R-CHOP negativou este valor preditivo independente6. A expressão da proteína BCL-2 está historicamente associada a pior prognóstico, contudo tratamento que incluem rituximab ultrapassam este factor adverso.7 A t(14;18) só por si não é factor preditivo prognóstico, mas quando ocorre associado á translocação cMYC é factor de agressividade clínica (double hit lymphoma) O factor de transcrição MYC está rearranjado em cerca de 5% a 10% dos LBDGC. Esta desregulação acontece por t (8;14). A análise prognóstica deste rearranjo MYC é confusa, mas a maioria considera-a um efeito adverso, independentemente do tratamento com ou sem rituximab.8,9 A translocação MYC é observada em praticamente todos os casos de Linfoma Burkitt (LB) e a distinção clínica e histológica entre LB e LBDGC pode-se tornar difícil. Marcadores moleculares mostram perfis transcricionais distintos para MYC positivos de LBDGC e LB, baseados no padrão único dos genes alvos MYC. Contudo, pela dificuldade em distinguir clínica e histologicamente esta duas entidades, a classificação WHO enquadra-a numa categoria provisória: linfoma de células B não classificado com características intermédias entre LB e LBDGC. Do ponto de vista terapêutico devem ser tratada com regimes intensivos semelhantes ao de LB.10 Linfoma double-hit Estes linfomas são caracterizados pela dupla translocação do MYC e BCL2, originando, como se viu, uma dificuldade diagnóstica por poderem ser linfomas Burkitt ou linfoma B difusos de grandes células. Clinicamente tem uma grande agressividade com estadio avançado, IPI e DHL elevados e lesões extra nodais. O prognóstico é mau, com sobrevidas inferiores a 6 meses.11,12 Terapêutica de estadios precoces É reconhecido que o LBDGC é uma doença sistémica em qualquer estadio e que o tratamento curativo standard requer sempre quimioterapia. Alguns estudos realçaram o papel da radioterapia em doentes submetidos a quimioterapia. Um estudo randomizado do ECOG (Eastern Cooperative Oncology Group) demonstrou que doentes em estadio precoce e em remissão completa após 8 ciclos CHOP se, submetidos a radioterapia com 30Gy, tinham uma sobrevida livre doença superior a 17% quando comparado com o grupo sem radioterapia, tendo contudo sobrevidas globais idênticas.13 O grupo SWOG (Southest Oncology Group), comparou 3 ciclos CHOP seguidos de radioterapia consolidativa com 8 ciclos CHOP e verificou uma melhoria na progressão livre de doença e sobrevida global no grupo com terapêutica combinada.14 A observação a longo prazo deste ensaio demonstrou que as curvas de sobrevida se sobreponham, isto porque havia recaídas tardias no grupo de terapêutica combinada. Estudos adicionais questionaram o papel da terapêutica combinada quer em doentes idosos quer nos mais jovens. Em doentes jovens, com idade inferior a 60 anos e sem factores de risco, o grupo GELA (Groupe d´Etude Des Lymphomes de l´Adulte) comparou três ciclos CHOP e radioterapia com quimioterapia intensiva, o regime

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TEXTO LIVRE ACVBP (doxorubicina, ciclofosfamida, vindesina, bleomicina, prednisona e metotrexato IR, seguido de consolidação com alta dose de metotrexato, etoposido, ifosfamida e citarabina ).15 O ACVBP tem melhoria em sobrevida global em 9%, mas à custa de uma toxicidade aumentada, havendo contudo uma boa percentagem de curas em ambos os ramos. Para doentes com idades superior a 60 anos e de baixo risco, o grupo GELA comparou 4 ciclos CHOP com e sem radioterapia, não encontrando benefício no grupo de radioterapia, quer em progressão livre de doença, quer em sobrevida global.16 Com a introdução do rituximab, a estratégia de quimioterapia isolada teve um grande avanço, começando a ser discutido o benefício adicional da radioterapia após R-CHOP em doença localizada. Um ensaio de fase II demonstrou aos 4 anos uma progressão livre de doença e sobrevida global, respectivamente de 88% e 92% em doentes com estadio I e II sem doença volumosa quando tratados com 3 ciclos R-CHOP seguidos de radioterapia.17 O ensaio MInt (Mabthera International Trial) comparou quimioterapia CHOP like com rituximb e quimioterapia CHOP like em jovens, de baixo risco em que ¾ deles tinham doença limitada. Este ensaio mostrou benefício na quimioterapia com rituximab com sobrevida global aos 3 anos de 93% comparada com 84%.18 Em sub-analise, doentes de baixo risco sem doença volumosa, têm aos 3 anos sobrevida livre de evento de aproximadamente 93% com sobrevida global de 98%, enquanto doentes com doença volumosa tratados com R-CHOP like e radioterapia, têm aos 3 anos uma sobrevida livre de evento de 75% com sobrevida global de 90%. Estes dados permitem concluir que doentes com LBDGC em estádio precoce devem ser tratados com R-CHOP. O número de ciclos e a inclusão de radioterapia devem ser individualizados. Doentes com doença volumosa, apesar de evolução limitada, deverão ser propostos para 6 ciclos de RCHOP com ou sem radioterapia. Na ausência de um claro benefício da sobrevida global com radioterapia, esta deve ser balanceada de acordo com a área a irradiar e as toxicidades de curto e longo prazo. Tratamento doença avançada O regime CHOP demonstrou eficácia clínica com resposta sustentada em linfomas malignos.19 Múltiplos regimes de segunda e terceira geração de intensidade variável foram posteriormente desenvolvidos, mas em ensaio randomizado nenhum demonstrou superioridade ao CHOP.20 A terapêutica moderna dos linfomas de células B iniciou-se com introdução do rituximab que, quando associado aquele regime, demonstrou clara superioridade. O ensaio pioneiro foi de grupo GELA, que em doente de 60-80 anos, com LBDGC em estadio avançada, quando tratados com R-CHOP a sobrevida global aos 5 anos foi de 58% e, no grupo de tratamento CHOP de 45%.21 O ensaio do US Intergroup confirma também o benefício RCHOP em primeira linha para doentes com idades superiores a 60 anos, incluindo uma segunda randomização para manutenção com rituximab.22 Como não foi observado benefício em manutenção com rituximab no grupo que inicialmente foi tratado com R-CHOP, esta decisão deixou de ter indicação. A intensificação de dose continuou a ser explorada para melhorar os resultados com LBDGC. O grupo GELA, comparou o regime ACVBP com CHOP em doentes idosos e encontrou uma melhoria em sobrevida global aos 5 anos no grupo ACVBP, mas à custa

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TEXTO LIVRE de uma toxicidade significativa, (cerca de 13% de mortes).23 Em doentes jovens com um único factor de risco com IPI ajustado á idade, R-ACVBP comparado com R-CHOP está associado a uma melhoria na sobrevida global aos 3 anos de 92% comparado com 84% com R-CHOP.24 Estes resultados têm contudo uma dificuldade na sua aplicabilidade quer pelas restrições de inclusão quer pela ausência de vindesina nos USA. O DSHNHL (German High grade Lymphoma Study Group) avaliou a densidade de dose em doentes jovens e idosos administrando CHOP cada 2 semanas (CHOP-14) com suporte de factor de crescimento, comparando-o com CHOP de 21 dias com ou sem adição de etoposido. Em doentes com idade superior a 60 anos, CHOP-14 melhorou sobrevida livre de evento e sobrevida global, enquanto etoposido acrescentou só toxicidade.25 Em doentes jovens de baixo risco, etoposido melhorou sobrevida livre de evento, mas não sobrevida global, isto pela eficácia da terapêutica de salvação nos doentes jovens.26 A integração de rituximab ao CHOP para idades superiores a 60 anos (RICOVER-60), avaliou a associação deste anticorpo ao esquema dose dense CHOP (R-CHOP -14), comparado com CHOP-14, com uma segunda randomização entre 6 ciclos ou 8 ciclos.27 R-CHOP-14 melhorou sobrevida livre de evento e sobrevida global quando comparado com CHOP-14. Seis ciclos de R-CHOP-14 foram superiores a 8 ciclos pela dimunuição da toxicidade. Pela simultaneidade do standard a care, o R-CHOP cada 21 dias continua a ser o mais usado internacionalmente. Dois ensaios randomizados comparam o R-CHOP-14 ao R-CHOP-21, mas dados finais faltam. Uma análise interina entre R-CHOP-14 e R-CHOP-21 mostra que R-CHOP-14 está associado a idêntica eficácia clínica mas maior toxicidade.28 Num segundo ensaio randomizado, as taxas de remissão completas são idênticas, mas a análise de sobrevivência está pendente. Até presente data não há evidencia que o R-CHOP-14 seja superior ao R-CHOP21. Auto transplantação como quimioterapia intensiva de consolidação em primeira remissão tem sido avaliado com resultados não reprodutíveis. Nenhum ensaio prospectivo demonstrou uma sobrevida global superior, mas em análise retrospectiva poderá haver benefício para um subgrupo de doentes alto risco. Uma meta-análise da Cochrane não demonstrou benefício de auto transplantação em primeira atitude, devendo esta ser só recomendada no contexto de ensaios clínicos.29 Profilaxia SNC A frequência estimada de recaída no SNC é cerca de 3 a 5%, contudo ela poderá ser superior em doentes com certas características de risco como: envolvimento ósseo, testicular, seios paranasais, doença epidural. Modelos de risco de multivariância identificam lesões extranodais com DHL elevada como risco de recaída de SNC entre 17 a 34%, na era rituximab.30,31 A identificação de doentes com risco de recaída SNC, criou a necessidade de definir a terapêutica profiláctica com metotrexato intraraquideo. A evidência deste benefício tem resultados ambíguos em análise retrospectiva e sem aparente benefício protector em dois ensaios randomizados.30,31 O metotrexato endovenoso em dose elevada atravessa a barreira hemato encefálica sendo o grande fármaco para o tratamento do LBDGC primária SNC. O ensaio comparando ACVBP com CHOP oferece uma comparação randomizada de estratégia. O primeiro engloba quatro administrações IR de MTX e duas infusões com MTX na

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TEXTO LIVRE dose 3 gr/m2, enquanto no CHOP não há profilaxia SNC. O ACVBP teve uma taxa de recaída de SNC de 2,7% e o CHOP 8%, sugerindo portanto benefício. Recentemente uma análise em 65 doentes com LBDGC com risco de recaída no SNC, a associação de metotrexato na dose de 3gr/m2 resultou numa taxa diminuta de recaída SNC.32 Baseado nestes resultados, o uso de metotrexato sistémico, deve ser proposto para a protecção do SNC em doentes com risco elevado de recaída SNC. Tratamento da recaída Doentes em recaída de LBDGC devem ser proposto para uma segunda linha de quimioterapia e se quimiosensíveis, devem ser seguidos de auto transplante. Esta estratégia está assente no ensaio Parma, que compara o regime DHAP (Dexametasona, Citarabina e Cisplatino) isolado com DHAP seguido de HDT /ASCT (High dose treatment/Autologous Stem Cell Transplantation) em doentes com recaída quimiosensíveis, com melhoria de sobrevida global após HDT/ASCT.33 Doentes sem quimiosensibilidade não beneficiam desta estratégia devendo ser considerados para terapêuticas paliativas ou ensaios clínicos. Doentes em recaída/refractários que são candidatos a HDT/ASCT, tem como regime de quimiosensibilidade o DHAP, ICE (Ifosfamida, Carboplatina e Etoposido) ou ESHAP (Etoposido, Solumedrol, Citarabina e Cisplatino) entre outros. Não há até ao presente momento, nenhuma vantagem de um destes esquemas sobre qualquer um dos ouros. A associação com rituximab melhora os esquemas de segunda linha e deve fazer parte da sua inclusão.34 O prognóstico para cura com HDT/ASCT piorou significativamente na era rituximab, pela selecção de doentes de alta risco que recaiem após primeira linha com R-CHOP. Um ensaio randomizado (CORAL Study) avaliando as respostas com RDHAP versus R-ICE como terapêutica de segunda linha antes da HDT/ASCT, não encontrou diferenças entre os dois regimes quanto a respostas globais, mas demonstrou um pior resultado no grupo de doentes que já tinha sido tratado com regime que incluíam rituximab em terapêutica prévia.35 Só metade dos doentes que receberam previamente rituximab atingiram resposta á segunda linha de terapêutica, comparado com 83% respostas em doentes naives ao rituximab. A sobrevida livre de eventos aos 3 anos é só de 21% em doentes que já foram tratados com rituximab o que demonstra a alta resistência/refractariedade destes LBDGC. Referências 1-World Health Organization Classification of Tumors of Hematopoietic and Lymphoid Tissues .Lyon: World Health Organization;2008. 2-A preditive model for agressive non-hodgkin lymphoma.The International Non Hodgkin Lymphoma Prognostic Factor Project. N Engl J Med 1993;329:987-994 3-Sehn LH et al The revised International Prognostic Index ( R-IPI ) is better predictor of outcome than the standart IPI for patients with diffuse large B cell lymphoma treated with R-CHOP. Blood. 2007;109:1857-1861 4-Niitsu N et al. Clinicopathologic characteristics and treatment outcomes of the addition of rituximab to chemotherapy for CD5-positive in comparision with CD5 negativa diffuse large B cell lymphoma. Ann Oncol 2010;21:2069-2074 5-Meyer PN et al. Immunohistochemical methods for predicting cell origin and survival in patients with diffuse large B cell lymphoma treated with rituximab. J Clin Oncol 2011;29:200-207 6-Winter JN et al. Prognostic significance of BCL-6 protein expression in DLBCL treated with CHOP or R-CHOP: A prospective correlative study. Blood 2006;107:4207-4213 7-Mounier N et al.Rituximab plus CHOP (R-CHOP) overcomes bcl-2 associated resistance to chemotherapy in elderly patients with diffuse large B cell lymphoma (DLBCL).Blood 2003;101:4279-4284 8-Barrans S et al. Rearrangement of MYC is associated with poor prognostic in patients with diffuse large B cell lymphoma in the era rituximab. J Clin Oncol 2010;28:3360-3365 9-Salvage KG et al. MYC rearrangements are associated with poor prognosis in diffuse large B cell lymphoma patients treated with R-CHOP chemotherapy. Blood 2009;114:3533-3537

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TEXTO LIVRE 10- Dave SS et al. Molecular diagnosis of Burkitt´s lymphoma.N Eng J Med 2006;354:2431-2442 11-Jonhson NA et al.Lymphoma with concurrent BCL2 and MYC translocations:the critical factors associated with survival.Blood 2009;114:2273-2279 12-Snuderl M et al.Lymphomas with concurrent IGH-BCL2 and MYC rearrangemments are aggressive neoplasms with clinical and pathologic features distint from Burkitt lymphoma and diffuse large B cell lymphoma. Am J Surg Pathol 2010;34:327-340 13-Horning SJ et al. Chemotherapy with or without radiotherapy in limited stage diffuse aggressive non hodgkin lymphoma: Eastern Cooperative Oncology Group study 1484. J Clin Oncol 2004;22:3032-3038 14-Miller TP et al. Chemotherapy alone compared with chemotherapy plus radiotherapy for localized intermediate and high grade non Hodgkin lymphoma N Engl J Med 1998;339:21-26 15-Reyes F et al. ACVBP versus CHOP plus radiotherapy for localized aggressive lymphoma.N Engl J Med 2005;352:1197-1205 16-Bonnet C et al.CHOP alone compared with CHOP plus radiotherapy for localized aggressive lymphoma in elderly patients: a study by Groupe d´Etude des lymphomes de l´Adulte.J Clin Oncol 2007;25:787-792 17-Persky DO et al.Phase II study of rituximab plus three cycle of CHOP and involved field radiotherapy for patients with limited stage aggressive b cell lymphoma: Southest Oncology Group Study 0014. J Clin Oncol 2008; 26:2258-2263 18-Pfreundschuh M et al. CHOP-like chemotherapy plus rituximab versus CHOP-like alone in young patients with good prognosis diffuse large B cell lymphoma: a randomised controlled trial by the Mabthera International Trial ( MInt) Group. Lancet Oncol 2006;7:379-391 19- Mckelvey EM et al. Hydroxyldaunomycin ( adriamycin ) combination chemotherapy in malignant lymphoma. Cancer.1976;38:1484-1493 20-Fisher RI et al. 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TEXTO LIVRE

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Centro Hospitalar de São João

Leucemia Linfóide Crónica Patologia Hematológica Gravidez e Puerpério

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ENTREVISTA

Dr. Joaquim Andrade

Que características tem cada uma das áreas - LLC e patologia hematológica na gravidez - para que sejam consideradas de excelência? A consulta de patologia hematológica na grávida (Consulta de HematologiaObstetrícia) existe há mais de 10 anos. Quando da sua criação, com o Dr. Manuel Gandra, eram observadas quase só grávidas com trombocitopenias. Hoje em dia, o leque alargou-se e seguimos grávidas com variadas patologias, sobretudo trombofilias, anemias e até situações hematológicas malignas (trombocitemias, leucemias mielóides crónicas, etc.). Em média registamos duas/três primeiras consultas por semana, apesar de, já há algum tempo, termos sido obrigados a separar, para uma nova consulta, grávidas com doenças auto-imunes - síndromes anti-fosfolipídicos, lúpus, etc. -, isto pela elevada incidência de casos e também pela especificidade que apresentam. Portanto, esta é uma consulta única no país? É única pela estrutura que tem. A consulta é feita em simultâneo por um hematologista e uma obstetra (Dra. Mariana Guimarães), quando a metodologia habitual é as grávidas serem acompanhadas pelos obstetras e estes depois, e pontualmente, pedirem a colaboração dos hematologistas. Pelo que temos constatado, estamos certos que as grávidas - e as famílias - apreciam muito a estrutura da consulta, pois pelo facto de encontrarem dois especialistas, cada um em sua área, a consultar e a esclarecer, ficam mais conscientes da realidade, mais informadas e sobretudo com menos medos e insegurança. E quanto à LLC? A estrutura da nossa consulta de LLC é comum a outros Serviços e Hospitais, isto é, os doentes são distribuídos pelos hematologistas, que aplicam consensos próprios do Serviço, aprovados após ampla discussão. E na consulta hematológica gravidez e puerpério qual a doença mais frequente? Como já referi, no início havia a ideia de que as trombocitopenias tinham uma elevada prevalência, mas com o tempo e mais experiência, verificámos que tal não era o caso. Se, por um lado, alguma baixa nas contagens de plaquetas faz parte do processo fisiológico da gravidez por outro, aprendemos que são frequentes as chamadas trombocitopenias gestacionais. Quer num caso quer noutro não são necessários tratamentos ou medidas específicas, apenas tranquilizar a grávida e manter vigilância. Muitas trombofílias determinam abortamentos e outras complicações obstétricas,

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ENTREVISTA sendo estes motivos frequentes de referenciação. O tratamento destes casos - heparina, aspirina e, mais raramente, gamaglobulina - na nossa experiência tem-se revelado seguro e com elevada taxa de sucesso. A referenciação de anemias tem vindo a aumentar, na maior parte dos casos grávidas com ferropenias em fim de gestação e também talassemias. Dentro das doenças hematológicas menos frequentes, temos acompanhado grávidas com hemoglobinúrias paroxísticas nocturnas, trombocitemias e, mais raramente, leucemias mielóides crónicas. É agradável constatar que, com frequência crescente, têm aparecido na consulta antigas doentes hematológicas, mulheres que anos atrás tiveram doenças hematológicas graves (linfomas, doenças de Hodgkin, leucemias agudas, etc.) que foram tratadas e ficaram curadas, e que agora nos são referenciadas pelos obstetras ou médicos de família. Em regra são casos que correm bem e que apenas necessitam de uma vigilância um pouco mais apertada. Em relação à investigação, o que está a ser feito numa e noutra área? Na LLC temos um ensaio clínico a decorrer onde cumprimos o que se faz noutros centros. Pensamos que esta é uma patologia que não é fácil, onde é necessário ter muito bom senso com os doentes - muitas vezes de grupos etários avançados -, pois tratar antes ou depois do momento certo, a mais ou a menos em relação à intensidade ideal, pode prejudicar os doentes de modo irreversível. Por isso se procuram cada vez mais terapêuticas-alvo… É verdade. Os efeitos secundários, em especial em grupos mais frágeis, como os idosos, diminuem muito a qualidade de vida dos doentes, a aderência e a continuação dos tratamentos. Nesta área, para além daquele ensaio clínico, estamos a desenvolver um programa de seguimento próximo dos doentes, através do telefone. No caso, a ideia é avaliar os efeitos secundários que os doentes apresentam logo após os tratamentos. Uma enfermeira liga ao doente - e/ou familiares ou cuidadores e através de um questionário orientado, avaliar o estado do doente. Saber se tem vómitos, anorexia, febre, etc. e perante o resultado aconselhar medidas de correcção, saber se pode continuar em casa ou o seu estado obriga a ir ao hospital, ou, tão somente, tirar dúvidas e tranquilizar. Como é ser responsável por estas duas áreas? Na prática e, objectivamente, aquela que dá mais satisfação é a consulta das grávidas. No início, também receei que dois médicos de diferentes especialidades a fazerem uma consulta em conjunto, para além de estranho, seria ineficaz. Com o tempo percebi que funciona muito bem e é excepcional o entendimento com as mulheres e familiares. A área das leucemias é menos diferente, a prática e a actividade clínica tem muitos pontos comuns com outras doenças hematológicas, linfomas por exemplo. O interessante desta área talvez seja que a estratégia de tratamento de muitos doentes já não passa por curar, mas sim por prolongar a vida com qualidade, um desafio a que nós, hematologistas, não estamos muito habituados. São áreas muito distintas…

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TEXTO LIVRE

LEUCEMIA LINFÓIDE CRÓNICA - 3 MIN. PIT STOP Por Joaquim Andrade, responsável pela consulta de gravidez e puerpério

patologia hematológica

1º Minuto de reflexão. 3% dos adultos com mais de 40 anos apresentam no sangue periférico populações linfoides monoclonais fenotipicamente iguais ás dos doentes com leucemias linfoides crónicas (Andy Rawstron, Blood, 2002), que passam a mais de 20% quando a idade é superior a 70 anos (Wendy Nieto, Blood, 2009). Em todos os doentes com LLC em quem foi possível analisar amostras de sangue periférico colhidas até 5 anos antes de estabelecido o diagnóstico, foram encontrados clones com a mesma expressão fenotipica e mutacional (Ola Landgren, NEJM, 2009) e o mesmo acontece, embora mais raramente, em familiares próximos (Gerald Marty, Cytometry Part B Clinical Cytometry, 2003). Quando diagnosticar LLC? Estes achados sugerem que, para muitos doentes, o dia em que é estabelecido o diagnóstico - em 3/4 dos casos um resultado inesperado num hemograma de rotina - muito pouco significará na história natural do que, partir desse momento, chamamos LLC.

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TEXTO LIVRE 2º Minuto de reflexão Conhecido o diagnóstico de LLC quase todos os doentes vão pensar que irá ser necessário tratamento, e, na maior parte dos casos, desejam começá-lo logo que possível. No mesmo sentido, como a remissão completa e a erradicação da doença já parecem possíveis (quimio-imunoterapia, transplantação) será tentador iniciar o tratamento quando a doença está menos avançada e menos comprometido o sistema imune e a função medular. Mas muitos doentes nesta altura não apresentam qualquer outro sinal da doença, que só existe analiticamente (linfocitose superior 5 000/ mm3, critérios do IWCLL), enquanto muitos outros - ao contrário do que acontece com outras leucemias - vivem bem com a doença, sem verem afectada a sua qualidade de vida por muitos anos. Por outro lado, no que se refere á frequência de resposta ao tratamento e à taxa de sobrevivência global, ainda não foi demonstrada vantagem em iniciar o tratamento precocemente (A. Mhaskar, Cancer Treatment Reviews, 2010). Quando começar a tratar a LLC ? Dispomos hoje de marcadores fiáveis de prognóstico da doença (mutação/não mutação da IgVH, ZAP - 70, CD 38, del (17p), etc.), mas são ainda a clínica (doença sintomática, estadios avançados) e parâmetros analíticos simples (tempo de duplicação dos linfócitos) a base mais robusta para a decisão de iniciar o tratamento.

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TEXTO LIVRE 3º Minuto de reflexão Não foi fácil estabelecer um paradigma de tratamento superior à monoterapia com clorambucilo, pois se a frequência de respostas é maior com a utilização de fludarabina - particularmente em associação com outros fármacos (FC) -, a sobrevivência global só com a introdução da imunoterapia (rituximab, RFC) melhorou significativamente (Hallek, Blood Reviews, 2011). Todavia, em muitos destes estudos, os doentes tratados - metade dos quais com menos de 57 anos no estudo de MDACC (Constantine Tam, Blood, 2008) e performance status muito favoráveis e ausência de co-morbilidades (Hallek, Lancet, 2010) - pouco tinham a ver com os encontrados no dia-a-dia dos consultórios, onde os doentes se apresentam bastante mais frágeis, muitas vezes com patologias associadas que limitam fortemente a agressividade terapêutica e, sobretudo, bastante mais idosos: 50% com mais de 71 ou 74 anos, respectivamente para homens e mulheres (SEER, 2004- 2008). Por outro lado, a elevada frequência de citopenias inesperadas, persistentes umas, recorrentes outras, frequentemente tornam muito difícil, ou mesmo impossível, que sejam completados os tratamentos programados e, não raramente, impedem - ou pelo menos atrasam - tratamentos de segunda linha eficazes para uma doença onde tão raramente se atinge a cura (Hallek, Lancet, 2010). Como tratar os doentes com LLC? Ao contrário do que acontece na generalidade das doenças malignas hematológicas, por enquanto na LLC raramente se atinge a cura, pelo que, em muitos doentes, a decisão sobre os tratamentos de segunda linha poderá ter de ser considerada (antecipada) ao estabelecer o plano inicial de tratamento. Este texto é um tributo, e muito devemos, a Terry Hamblin, que desde sempre - agora com imenso sacrifício pessoal - nos tem mostrado como pensar a LLC.

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Centro Hospitalar de São João

Serviço de Hematologia Leucemia Mielóide Crónica

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ENTREVISTA

Prof. M. Sobrinho Simões

Que características tem esta área para ser considerada de excelência? Penso que será pela experiência que temos no tratamento desta doença, e também alguma experiência que adquiri enquanto trabalhei em diferentes centros de referência em Londres, quer para o transplante alogénico dos doentes com leucemia mielóide crónica (LMC), quer para a utilização dos inibidores da tirosina quinase. Foi nesses centros que desenvolvi actividade não só clínica, como também laboratorial de investigação. É uma área pela qual me tenho interessado bastante. Uma vez que teve a experiência de trabalhar na investigação em centros fora de Portugal, que principais diferenças regista, agora que a sua actividade é em Portugal? Estão ao mesmo nível? Não, e isso é um grande problema que temos. Provavelmente o que vou dizer aplica-se à hematologia em geral e atrevo-me a dizer à medicina em geral. Ou seja, se é verdade que tratamos os doentes de acordo com os padrões de qualidade do resto do mundo, ainda não é verdade com a investigação. Apesar de termos acompanhado os desenvolvimentos, não temos sido nós próprios produtores de inovação na área da investigação. E, provavelmente, isto é verdade também para a medicina em geral, claro com excepção para algumas áreas específicas. E na sua opinião isso deve-se a quê? A questões económicas? Penso que em primeiro lugar se deve à falta de tradição. Não acho que haja falta de financiamento, porque há em Portugal capacidade de recorrer a agências de financiamento. A falta de tradição levou a que os serviços não se tenham organizado nesse sentido, tendência que se acentuou devido à pressão que temos tido para um aumento da quantidade de trabalho clínico, tornando difícil equilibrar os dois aspectos - clínica e investigação. Há, portanto, falta de lastro e de experiência e há uma cada vez maior rotina clínica. Assim sendo que tipo de investigação se faz neste serviço na LMC? Nesta altura, na área da LMC não temos nenhuma linha de investigação activa em termos de trabalho experimental. Temos participado em alguns ensaios clínicos, quer retrospectivos, quer prospectivos, sobretudo em doentes tratados com inibidores da tirosina quinase. Isso deve-se às limitações que atrás referi e, considero, que é uma coisa que temos e queremos mudar. Temos um laboratório que de rotina já faz a citogénitca e os PCR qualitativos para o diagnóstico da LMC, não fazemos ainda quantificação dos transcritos do BCRHDL, e queremos passar a fazer a breve trecho.

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ENTREVISTA Falou na experiência que têm nesta área. Isso tem que ver com o número de casos de LMC que é elevado? Neste momento, seguimos aqui na consulta cerca de 70 doentes com LMC. Não sei como este número se compara com os outros centros em Portugal, mas referimo-nos a uma doença cada vez mais crónica, logo, a maior parte dos doentes são seguidos ao longo de muitos e muitos anos. Contudo, não falamos de uma doença muito frequente, pois falamos de uma incidência que ronda os 1,5 casos por 100 mil habitantes. Pelo facto de ser cada vez mais uma doença crónica, sobretudo nestes últimos 10/12 anos, o prognóstico destes doentes é extraordinário, isto se considerarmos que as mortes relacionadas com LMC andam próximo dos 90 por cento aos 9/10 anos. Este cenário só é possível à descoberta dos inibidores da tirosina quinase, uma das histórias de sucesso da medicina, senso lato. A discussão sobre a cura é mais complicada. Falamos, portanto, de uma terapêutica dirigida? É talvez o protótipo do exemplo da terapêutica dirigida. É uma molécula, muito fácil de administrar, e que é específica para a proteína oncogénica na LMC. Estamos a falar de um panorama extraordinariamente positivo para 80/85 por cento dos doentes. É de tal ordem positivo que neste momento a discussão se centra sobre a possibilidade de, num grupo seleccionado de doentes, parar a terapêutica e atingir aquilo a que chamamos de cura funcional, com todos os cuidados que a palavra obriga. E a relação custo/eficácia está equilibrada? Não sei o suficiente para discutir esta questão. Sei que estas terapêuticas são muito caras, mas também muito eficazes. Neste aspecto do custo/benefício há de resto um problema muito curioso que se vai colocar agora na LMC a curto prazo. O Imatinib vai deixar de ser protegido pela patente e passará também a existir em genérico, o que deixa prever que o seu preço desça brutalmente. Coloca-se, portanto, a questão de até que ponto será justificável o custo adicional dos inibidores de 2ª geração se se verificar que eles têm alguma vantagem clínica, ainda que marginal, em primeira linha. Será uma discussão engraçada nos próximos anos, para a qual os médicos podem contribuir com o seu conhecimento científico e médico, mas no limite é uma decisão mais política do que técnica. Que expectativas tem para o futuro para esta área da LMC? Tenho duas: primeira continuamos a ter um grupo de doentes, uma minoria, com uma resposta menos boa ao imatinib e aos inibidores de tirosina quinase de 2ª geração; por outro lado, temos nos doentes que respondem bem ou muito bem, de colocar a hipótese de podermos atingir uma cura funcional, mesmo na ausência de manutenção da terapêutica. Como é ser responsável por esta área? É bom, no sentido em que se se quiser ser hematologista, é bom. Estamos a falar exclusivamente do aspecto clínico. Voltando ao aspecto da investigação que falávamos, há a vontade de conseguir transpor o tal bloqueio na utilização do conhecimento, do material e das possibilidades que dispomos para produzir alguma investigação original, que é importante não só em si mesma, mas como forma de melhorar, de disciplinar e de até tornar melhores os cuidados clínicos que prestamos aos nossos doentes.

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ENTREVISTA

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Centro Hospitalar de São João

Serviço de Hematologia Síndromes Mielodisplásicos

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ENTREVISTA

Dra. Maria José Silva

Porque considera a área de síndromes mielodisplásicos uma área de excelência? Os síndromes mielodisplásicos são um conjunto de patologias clonais, envolvendo a célula progenitora hematopoiética, para cujo diagnóstico é indispensável a observação dos esfregaços de medula óssea e de sangue periférico, para avaliação das alterações displásicas, das 3 linhagens celulares: mielóide, eritróide e megacariocítica. No nosso Serviço são os hematologistas que fazem essa observação. Ou seja, o diagnóstico é essencialmente feito pelo Serviço de Hematologia, embora em certos casos, seja aconselhável fazer biópsia da medula, para exame histológico, para confirmar o diagnóstico, avaliar a celularidade ou fibrose medular. Temos também um bom laboratório de genética, onde contamos com profissionais experientes. Trabalha no nosso laboratório uma bióloga com cerca de 30 anos de experiência em citogenética, que é uma técnica que exige muita prática, para se obterem bons resultados em patologia hematológica. A biologia molecular e a técnica de FISH também estão a ser realizadas no nosso Serviço. Estão assim disponíveis as condições essenciais para fazermos um bom trabalho no diagnóstico e avaliação prognóstica dos Síndromes Mielodisplásicos. Existe uma elevada casuística de doentes? Sim temos muitos doentes. Estão distribuídos por todos os médicos especialistas do Serviço e está a ser feito um esforço para organizarmos uma base de dados, para termos uma noção mais precisa do número e distribuição pelos diferentes subtipos. E em termos de tratamento os doentes são sempre aqui acompanhados? Na generalidade dos casos sim, embora haja doentes com indicação para transplante de medula óssea alogénico que são referenciados para outro hospital, normalmente para o IPO, aqui no Porto. No futuro podemos vir a ter o tratamento completo, uma vez que temos previsto vir a ter também este tipo de transplante. Disse que há uma elevada casuística de doentes, estamos a falar de números? As síndromes mielodisplásicos são uma doença polimórfica. Ou seja, temos doentes muito graves e outros que só têm baixa de uma linhagem celular, que pode ser anemia, trombocitopenia, neutropenia. No geral ainda não conseguimos ter uma estatística, mas estaremos a falar de cerca de 50 doentes por ano. Alguns destes

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ENTREVISTA doentes podem falecer rapidamente com situações graves, os de baixo risco podem ter sobrevidas prolongadas e são acompanhados na nossa consulta durante muitos anos. Isso mostra que a incidência e prevalência desta doença não são muito elevadas… Sim, é uma doença que segundo as estatísticas dos Estados Unidos, por onde nos regulamos, tem cerca de 20 casos por 100 mil habitantes. A mediana de idades é entre os 60 e os 70 anos. São raros os doentes jovens e, por isso, o número de doentes com indicação para alotransplante não é muito alto. Está a ser feita algum tipo de investigação na área dos Síndromes Mielodisplásicos? Já fizemos investigação clínica, entrando em protocolos de tratamento no âmbito da European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC). Actualmente fazemos a caracterização da doença a nível morfológico, genético e molecular e usamos os tratamentos aprovados pelo grupo de estudo de Síndromes Mielodisplásicos. Participamos nas reuniões do Grupo de Estudos de Síndromes Mielodisplásicos Português, coordenado pela Dra. Isabel Sousa. Temos em perspectiva participarmos em estudos clínicos a decorrer na EORTC Os custos inerentes a esta área - síndromes mielodisplásicos - são elevados? A maior parte dos doentes com síndromes mielodisplásicos tem anemia com necessidade de suporte transfusional de glóbulos rubros. São também frequentes os tratamentos prolongados com alta dose de Epoetinas. Menos são os doentes a necessitar de suporte de plaquetas, mas muitas vezes com grandes necessidades. Nos doentes de alto risco o tratamento com 5-Azacitidina, recomendado por estudos que mostram aumento da sobrevida, vai onerar os custos atribuídos à doença, bem como, o tratamento com Lenalidomida, em doentes com a alteração citogenética del (5q-) e o transplante alogénico nos poucos doentes com indicação. Todos estes tratamentos são bastante dispendiosos. Como é ser responsável por esta área? Coordenar na definição da metodologia de estudo dos doentes e elaboração dos protocolos de tratamento. Coordenar a elaboração da base de dados, contando com a colaboração dos médicos a fazer o Internato de Hematologia. Participar nas reuniões da EORTC e reuniões do Grupo de Estudo de Síndromes Mielodisplásicos Português.

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ENTREVISTA

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Instituto Portugues de Oncologia Porto

Serviço de Onco-Hematologia Linfomas

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ENTREVISTA

Dr. Ângelo Martins

Enquanto responsável por esta área que características acha que tem para que seja considerada de excelência? A nossa actividade clínica no serviço abrange todos os grupos de patologia, portanto não serei o responsável mas antes um porta-voz do serviço para a área dos linfomas. Os protocolos de actuação são elaborados por vários elementos da equipa médica, sendo alvo de discussão em reunião de serviço previamente à sua aprovação. Não há, portanto, um elemento responsável por um tipo específico de patologia. Mas respondendo à questão, penso que a excelência tem que ver acima de tudo com a nossa experiência. Entrei nesta instituição no ano de 2002, que à data era já um serviço com muita experiência nesta área, e que tem actualmente uma elevada casuística em novos doentes - em média serão 600 novos doentes por ano, dos quais cerca de 70 por cento serão linfomas. Logo, para além dos conceitos teóricos que todos podemos ter, a nossa excelência tem a ver com a prática clínica diária neste tipo de doença. Grande parte das nossas consultas externas, bem como, dos internamentos são motivadas por esta patologia. Desde 2010 passamos a ter excelentes condições para tratamento, com melhoria das condições físicas do internamento, nomeadamente quartos com ar filtrado e pressão positiva, o que se traduziu numa acentuada melhoria da qualidade no tratamento dos doentes. Dispomos de 20 camas, que grande parte das vezes são insuficientes, excedendo-se a taxa de ocupação frequentemente sendo necessário recorrer ao internamento noutros serviços. As condições que temos são também um contributo para nossa qualidade. Temos cerca de 10 mil consultas externas por ano, grande número motivada por este tipo de patologia. Penso que a curto prazo haverá necessidade crescimento do espaço físico. Por outro lado, é importante referir que, enquanto Serviço de Onco-hematologia temos evoluído muito. Apostamos na formação de novos internos, tendo havido nos últimos anos um crescimento nesse sentido. Neste momento temos nove internos em formação. O serviço dinamizou-se e ganhou maturidade, prova disso são os cerca de 20 trabalhos que levámos à Reunião Anual da Sociedade Portuguesa de Hematologia no ano passado, a maioria na área das doenças linfoproliferativas. Na prática clínica diária o contributo dos médicos do internato complementar é uma mais-valia para o serviço. Parte integrante da excelência do serviço reside no contributo fundamental do Serviço de Anatomia Patológica a nível do diagnóstico, bem como, da Radioterapia a nível do tratamento. Seja como for, o nosso modo de actuação vai sendo ditado pelos nossos protocolos que vão sendo actualizados consoante o estado da arte. Assim sendo, os doentes são tratados de uma forma uniforme e actual e os resultados também são analisados de uma maneira mais eficaz. Esta análise leva à alteração dos protocolos em vigor. Esta forma de actuação na minha opinião melhora a qualidade do serviço.

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ENTREVISTA É, portanto, uma doença com elevada incidência… Trata-se de uma doença que tem vindo a aumentar em incidência ao longo dos anos, a nível mundial. No nosso serviço, e tendo em conta a minha experiência noutros hospitais, a incidência e prevalência são elevadas. Aqui talvez por não termos urgência geral e também porque os doentes nos são referenciados por outros médicos e instituições temos talvez uma realidade diferente de outros hospitais. É natural que alguns hospitais tenham, por exemplo, um maior número de casos de leucemias agudas devido a diferenças na forma de referenciação de doentes e do tipo de serviço de urgência. Por exemplo, outro grupo de patologia com elevada incidência/prevalência no nosso serviço é o Mieloma Múltiplo. Numa época em que se fala tanto de crise, qual é o impacto económico que esta área representa? Os custos destes tratamentos são muito elevados, mas em primeiro lugar estará sempre o doente e não temos dúvidas ou hesitações em submeter para aprovação os protocolos de actuação desde que fundamentados na melhor experiência científica. Aliás, diria que a existência dos protocolos facilita o tratamento dos doentes fazendo que não tenhamos de ter uma actuação caso a caso para fazer aprovar tratamentos que tem um elevado custo. Claro que a actual situação económica deixa-me apreensivo e temo que num futuro próximo haja cada vez mais obstáculos à utilização de novos tratamentos. Penso que um caminho a seguir será uma análise cuidada de custo benefício e organização de grupos de trabalho a nível nacional com o objectivo de elaborar protocolos de actuação, de maneira a racionalizar e uniformizar os tratamentos a nível das várias instituições do país. E ao nível da investigação, como funciona a área dos linfomas? Recentemente surgiu a ideia de um protocolo de investigação, de iniciativa do serviço em colaboração com o serviço de radioterapia, em que se fará a associação de radioterapia e um anticorpo monoclonal anti-CD20 em estadios avançados. Ainda está em fase de aprovação. O nosso serviço participa em vários ensaios clínicos de fase II e III. Actualmente temos em curso 10 ensaios, em diferentes áreas - mielomas, leucemias linfociticas crónicas, linfomas, infecções fúngicas. Estes ensaios permitem contribuir a nível internacional para o estudo de formas mais eficazes de tratamento, e também aumentar as opções terapêuticas disponíveis para cada doente. Como vê o futuro da área dos linfomas neste serviço? Vejo o futuro com optimismo se olhar para a evolução que existiu a nível da compreensão da fisiopatologia, diagnóstico e tratamento dos linfomas nos últimos anos. A pergunta que me deixa apreensivo é se teremos num futuro breve recursos económicos para a sua implementação. Necessitamos de crescer de forma sustentada, de modo a não perder qualidade em nome da quantidade. Temos e necessitamos de continuar a ter, neste serviço, uma visão multidisciplinar. O hematologista clínico será cada vez mais um elemento de ligação com o laboratório e com outras áreas - radioterapia, radiologia, nutricionistas, etc. A importância de decidir em grupo é cada vez mais premente. No fundo é uma maneira de trocar experiências e opiniões e diminuir o erro. É importante nunca esquecermos os doentes, pois por mais excelência que tenhamos nas condições logísticas, meios de diagnóstico, tratamentos, etc., não podemos nunca esquecer que o essencial é a confiança que os doentes precisam sentir em quem os trata. Penso que devemos pensar que a excelência é uma meta nunca atingida, pois se não o fizermos corremos o sério risco de estagnar.

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TEXTO LIVRE

HEMATOLOGIA CLÍNICA Por Ângelo Martins, hematologista A Hematologia Clínica como especialidade, para ser excelente sempre necessitou, e cada vez mais necessita, de uma integração multidisciplinar. Há necessidade de uma excelência de comunicação com outras áreas de diagnóstico, como por exemplo, a Anatomia Patológica, Genética, Radiologia, entre outros, bem como, com outras áreas de tratamento como, por exemplo, a Radioterapia. Há uma necessidade cada vez mais actual de reunir, a nível nacional, os vários serviços de Hematologia Clínica, com o objectivo de delinear protocolos de actuação a nível do diagnóstico, tratamento e seguimento, seja a nível da Sociedade Portuguesa de Hematologia (que parece ser o mais adequado) ou de outro organismo com a mesma abrangência. Reunir e produzir resultados terá de ser o objectivo. Não somente pela situação económica actual, o que permitiria rentabilizar os recursos, mas também criando directrizes que permitissem uma orientação para uma boa prática clínica, suporte muitas vezes necessário para um maior papel reivindicativo junto dos níveis superiores de decisão. Este definir de uma estratégia nacional teria também um importante impacto na valorização dos dados referentes aos doentes a nível nacional, criando bases para futuros ensaios clínicos de âmbito nacional. Não somos um país tão grande que impeça uma melhor coordenação e rentabilização da área em que a nossa actividade incide. Mudar de mentalidade, abandonando a perspectiva pessoal e de serviço, em detrimento de um projecto nacional poderá ser o caminho para o crescimento da Hematologia Clínica, pois não somos individualmente grandes em demasia para impedir que tal aconteça. Só assim é que podemos falar de uma excelência nacional em vez de excelência de cada serviço.

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Centro Hospitalar de Coimbra

Serviço de Hematologia Patologia Eritrocitária e Trombose Hemostase

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ENTREVISTA

Prof.ª Letícia Ribeiro e Dra. Natália Martins

Que características tem esta área para ser considerada de excelência? Letícia Ribeiro (LR) - No Serviço de Hematologia do Centro Hospitalar de Coimbra temos larga experiência no diagnóstico, tratamento e prevenção das doenças hematológicas congénitas e dispomos dos recursos humanos e logísticos necessários para sermos um centro de referência de doenças hematológicas congénitas. Para além de uma equipa multidisciplinar de reconhecida experiência clínica no atendimento de crianças e adultos, temos uma área de diagnóstico bem equipada para os estudos bioquímicos e moleculares. Esta conjugação das duas áreas permite-nos uma correlação clínico/laboratorial muito eficaz, com ganhos de eficiência e ganhos económicos. A análise e discussão conjunta dos dados permite racionalizar os recursos disponíveis de modo a evitar atrasos no diagnóstico e consumo inadequado de meios complementares. No âmbito da criação de centros de referência de doenças raras, que estão a ser planeados no país, preparámos a nossa candidatura a Centro Referência de Hematologia Congénita (CRHC). Consideramos da maior importância a criação destes centros de referência, com equipas multidisciplinares experientes no diagnóstico, acompanhamento e tratamento dos doentes, que invistam na prevenção, na formação e na investigação. Se os doentes com doenças raras estiverem dispersos por múltiplos Serviços não é possível nenhuma equipa adquirir experiência no seu diagnóstico e tratamento e há um muito maior consumo de recursos humanos e materiais. A maioria das doenças raras, e concretamente as hematológicas, atingem vários órgãos e sistemas e necessitam de apoio especializado de outras áreas, com formação de equipas multidisciplinares. Por exemplo, um doente hemofílico necessita de um ortopedista experiente, de um fisioterapeuta, de um estomatologista, etc. e não é possível criar experiência se os doentes estão dispersos e são atendidos de cada vez por um especialista diferente. Assim, o mais correcto é que os doentes sejam, em primeira instância, observados nestes centros de referência, e depois possam ser seguidos em serviços (centros de saúde, hospitais) mais próximos da sua residência, sob as indicações do centro. Apesar de ainda não estar oficializado já pode ser considerado um centro de referência, uma vez que os doentes são para aqui encaminhados? Natália Martins (NM) - Sim, é verdade, não somos oficialmente um centro de referência, mas recebemos doentes de todo o país e também amostras do estrangeiro para investigar. O reconhecimento oficial, que esperamos vir a obter, irá permitir-nos ter um financiamento adequado para podermos atender condignamente todos os doentes

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ENTREVISTA da nossa área de influência e os que nos forem referenciados de outros pontos do país, e vai permitir-nos desenvolver mais a investigação, em colaboração com outros centros nacionais e estrangeiros. Temos actualmente uma área de investigação aplicada que mantemos com bolsas a que nos candidatamos, e o Serviço tem um bom curriculum, mas é uma área que queremos desenvolver muito mais, o que implica uma logística completamente distinta. Estamos integrados em redes de investigação europeias e temos o reconhecimento dos nossos pares nacionais e europeus. E o que se faz neste serviço - a nível laboratorial e clínico - está ao nível europeu? LR - Sim, sem dúvida. Somos peritos nestas patologias e, por isso, recebemos muitas amostras do estrangeiro para investigar. Aliás, somos um serviço certificado a nível clínico e laboratorial, um pré-requisito essencial para se pertencer às redes europeias. Temos estudos e artigos em diversas revistas científicas indexadas, que podem ser consultados no nosso site www.chc-hematologia.org. Para além disso, o serviço organiza todos os anos uma "Sabatina" onde debatemos todos os temas da hematologia. Como investimos na interligação com os cuidados primários, a nossa próxima "Sabatina", em Janeiro de 2012, terá como tema a "Hematologia na Medicina Familiar". Concentram-se aqui a maioria dos doentes com doenças hematológicas congénitas da zona centro. Estamos a falar de que números? NM - Nos nossos ficheiros temos cerca de 800 doentes com patologias congénitas de várias etiologias. Predominam as hemoglobinopatias, enzimopatias, esferocitoses e eliptocitoses hereditárias, outras anemias congénitas, eritrocitoses familiares e alterações congénitas do metabolismo do ferro. Na área da hemostase estão registados cerca de 530 doentes com Hemofilia A, Hemofilia B, DVW, deficiências de outros factores da coagulação, alteração da função plaquetar e trombofilia congénita. Investimos também na sensibilização dos profissionais de saúde para a identificação de portadores, tendo em vista a prevenção do aparecimento das formas graves destas patologias, e disponibilizamos o diagnóstico pré-natal, em interligação com os Centros de Diagnóstico Pré-natal. Isso quer dizer que os doentes quando entram no serviço continuam a ser seguidos sempre aqui? NM - Obviamente não seguimos todos os doentes que diagnosticamos, muitos vêm para segunda opinião e outros são enviados só para que façamos o diagnóstico. Sempre que possível são referidos para os colegas mais próximos das áreas de residência e disponibilizamo-nos a colaborar no seu seguimento sempre que necessário. LR - Há muitas patologias que diagnosticamos e damos alta depois de fornecermos informações claras, muitas vezes com brochuras explicativas, e disponibilizamo-nos para novas consultas em caso de dúvidas ou de necessidade de estudar outros familiares. Enviamos sempre um relatório aos respectivos médicos de família com a informação detalhada e sugestões de seguimento. Falando de custos. É uma área que tem custos elevados? NM - Na área das doenças hemorrágicas congénitas, sobretudo na hemofilia, os custos do tratamento são muito elevados. Há que redefinir algumas questões relativamente

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ENTREVISTA ao budget que cada centro virá a ter para tratar estes doentes. É uma questão que está em discussão: os centros poderem concentrar recursos, embora caros, para que sejam melhor utilizados. O próprio diagnóstico necessita de uma equipa competente e experiente e, mais uma vez, também nesta área a concentração deve implicar maior qualidade e eficiência. LR - Na área das anemias congénitas os custos mais elevados estão associados às transfusões e aos quelantes do ferro. A nível do diagnóstico os gastos não são muito elevados, somos muito cuidadosos nas investigações que fazemos de maneira a rentabilizar ao máximo os recursos e a não desperdiçar. O facto de poderem vir a ser centro de referência facilitará esta área dos custos? LR - O simples facto de recebemos mais doentes e mais amostras para investigar, vai traduzir-se numa economia de escala e numa diminuição do desperdício em investigações, muitas vezes inúteis, de serviço em serviço. Falavam numa equipa multidisciplinar, como funciona? NM - Estas patologias causam múltiplas sequelas em vários órgãos e sistemas, por isso, para além da equipa do Serviço, que é multidisciplinar, temos um contacto estreito e regular com especialistas de outras áreas. Temos interlocutores fixos, ou seja, especialistas das diferentes áreas médico/cirúrgicas que se diferenciaram nestas patologias e têm competência e experiência para fazer o acompanhamento e tratamento destes doentes. A equipa integra também uma assistente social e aplica o conceito de "cuidados compreensivos", tendo em vista um melhor atendimento dos doentes e suas famílias, com reflexo óbvio na melhoria da qualidade de vida. Que evolução, ou seja, que conquistas foram conseguidas até agora? LR - Temos longa experiência a nível clínico e laboratorial para diagnosticar, seguir e tratar crianças e adultos, dispomos de infra-estruturas com toda a tecnologia necessária para elucidação do diagnóstico e dos factores prognósticos e somos um serviço certificado. Por fim, como é serem responsáveis por estas áreas? NM - Temos uma característica neste serviço: o espírito de grupo. É muito gratificante ver o serviço crescer, sentir a evolução, reconhecer que começámos com uma coisa pequenina e, passo a passo, ultrapassando numerosas dificuldades, conseguirmos com muita persistência contribuir para um Serviço que se afirma pelo profissionalismo, rigor, capacidade de diagnóstico e tratamento adequado, em suma, servir bem os doentes. Sentimo-nos muito orgulhosos. Não há fissuras neste grupo de trabalho e é meio caminho para que corra tudo bem. Houve sempre na direcção deste serviço gente que nos pôs o olhinho a tremer. E é isto que nos faz mover, mesmo nas situações mais difíceis, sentimo-nos bem com o que está feito. LR - De facto é um serviço onde as pessoas vestem a camisola. São muitos anos sempre na tentativa de fazer um pouco mais e melhor. Sentimos as conquistas e estamos orgulhosos delas.

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ENTREVISTA

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TEXTO LIVRE

SERVIÇO DE HEMATOLOGIA DO CENTRO HOSPITALAR DE COIMBRA, EPE DOENÇAS HEMATOLÓGICAS CONGÉNITAS Por Letícia Ribeiro, directora de serviço e Natália Martins, hematologista O Serviço de Hematologia do Centro Hospitalar de Coimbra (CHC, EPE) foi criado em 1976, por iniciativa do Dr. Gabriel Tamagnini, seguindo um modelo, à época inovador em Portugal, que privilegia a interligação entre as áreas clínica e laboratorial da hematologia e imunohemoterapia. O objectivo é rentabilizar os recursos disponíveis, tendo em vista uma estratégia de diagnóstico mais eficiente. Ao longo dos anos o Serviço estruturou-se em subespecialidades - hemato-oncologia, patologia do glóbulo vermelho, trombose e hemostase e imunohemoterapia - com equipas multidisciplinares com competências clínico-laboratoriais. Cada uma destas áreas tem a componente assistencial, de crianças e adultos, e áreas laboratoriais específicas para a elucidação bioquímica e molecular das respectivas patologias. A investigação das doenças hematológicas congénitas, que compreendem maioritariamente as patologias eritrocitárias e da hemostase, atingiu um elevado grau de diferenciação e hoje o Serviço de Hematologia do CHC, EPE, é reconhecido como referência nestas áreas. Atende a grande maioria das crianças e adultos da Região Centro com estas patologias e um número elevado de doentes de outras zonas do País, que são referidos para diagnóstico e orientação terapêutica. Nos Laboratórios são também estudadas amostras provenientes de outras Unidades de Saúde nacionais e estrangeiras. Em muitas das patologias o Serviço de Hematologia do CHC, EPE é o único Serviço na Península Ibérica com capacidade para estabelecer o diagnóstico, nomeadamente para o estudo de alguns genes (www.chc-hematologia.org; www.orphanet.pt; www.eddnal.com). Os estudos bioquímicos são complementados pelos estudos moleculares necessários ao esclarecimento do diagnóstico, à identificação de factores prognósticos e moduladores do fenótipo, à identificação e orientação de portadores de patologias hematológicas hereditárias e ao diagnóstico pré-natal, em colaboração com vários Centros de Diagnóstico Pré-natal. A investigação diagnóstica obedece a algoritmos bem definidos, as metodologias são submetidas a controlos de qualidade internos e externos e o Serviço é certificado pela norma ISO 9001:2008. Na área da Patologia do Glóbulo Vermelho são seguidos inúmeros doentes com formas graves de hemoglobinopatias, doenças de membrana, enzimopatias, anemias hipoplásicas congénitas, poliglobulias e doenças do metabolismo do ferro. A Hemostase e o Centro de Hemofilia são responsáveis pelo seguimento e tratamento substitutivo dos doentes com hemofilia Ae B, doença de von Willibrand e outras coagulopatias congénitas - em tratamento domiciliário, hospital de dia e internamento. O tratamento e seguimento dos doentes obedece a protocolos (guidelines) internacionais com demonstrada base científica. Como a maioria das patologias atinge vários órgãos e sistemas, os doentes são avaliados regularmente no Serviço e nas várias especialidades envolvidas no seguimento e tratamento das suas comorbilidades. O atendimento de todas as faixas etárias, de recém-nascido à idade adulta, permite que os doentes sejam seguidos sempre pela mesma equipa, com enormes vantagens

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TEXTO LIVRE na prestação de cuidados e no equilíbrio emocional dos doentes e famílias. É mantido um contacto regular com os respectivos médicos assistentes. A equipa multidisciplinar tem competências reconhecidas pelos seus pares a nível nacional e internacional e pelos doentes, famílias e associações. Tem uma metodologia de trabalho baseada numa constante correlação clínico-laboratorial, que permite elevados padrões de qualidade com economia de recursos. Tem toda uma história de cooperação regular com outras Instituições de Saúde em Portugal e Espanha, interligação com Redes Europeias e projectos de investigação multi-instuticionais. O extenso currículo do Serviço na área das doenças hematológicas congénitas (www.chc-hematologia.org) é o garante do empenho e da qualidade do trabalho de toda a equipa. Para além da actividade diagnóstica, assistencial e de investigação aplicada, o Serviço investe na formação contínua dos seus colaboradores e no ensino pré e pós-graduado em colaboração com várias Universidades. Recebe a maioria dos Internos de Hematologia do País para formação na área da patologia do Glóbulo Vermelho e também na área da Trombose e Hemostase e Hematologia Pediátrica. Todos os anos o Serviço organiza uma reunião científica de âmbito nacional, a Sabatina de Hematologia, e cursos teórico-práticos de prestígio reconhecido. A maioria das doenças hematológicas congénitas são raras na população que vive em Portugal e, tendo em conta as directivas nacionais e europeias, deveriam ser concentradas em Centros de Referência. Embora se trate de um conjunto de patologias fisiopatologicamente heterogéneas, há inúmeras vantagens de ordem assistencial, científica, logística e financeira que justificam o seu englobamento num único Centro de Referência na Região Centro. Pelas condições logísticas de que dispõe e pela sólida experiência da sua equipa multidisciplinar o Serviço de Hematologia do CHC, EPE, reúne as condições para ser Centro de Referência de Hematologia Congénita, o que irá permitir uma melhor rentabilização de recursos, com diminuição de custos e melhoria da qualidade assistencial e da investigação científica.

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Hospitais da Universidade de Coimbra

Serviço de Hematologia Investigação Básica

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ENTREVISTA

Prof.ª Ana Bela Sarmento Ribeiro

Sendo este um hospital universitário, que características tem a investigação básica para que seja considerada área de excelência? O facto de ser um hospital universitário, além de ter a vertente assistencial, tem a vertente de ensino e de investigação. Embora a investigação seja preferencialmente de natureza clínica, a ligação com a Faculdade de Medicina tem permitido o desenvolvimento de vários projectos nas áreas da investigação básica e translacional. Independentemente do local onde é produzida qualquer tipo de investigação deve procurar sempre a excelência. Evidentemente que sendo um Hospital Escola, temos a obrigação e a responsabilidade da formação de futuros médicos, na sua vertente clínica e de investigação. Por isso, a maior parte da investigação tem um objectivo de aplicação prática, ou seja, contribuir para a melhoria do conhecimento médico nas áreas do diagnóstico, do prognóstico e tratamento dos doentes. Considero que cada vez mais a formação do médico passa, para além da clínica, por desenvolver o gosto pela investigação e, nesse sentido, temos vários alunos de medicina a fazer projectos de investigação básica e translacional que vão dar origem às suas teses de mestrado. Até porque a hematologia tem tanto de clínica como de investigação… É um facto que a hematologia é uma área privilegiada nesse sentido, até porque é uma área clínico-laboratorial. Por outro lado, o material de estudo é de fácil acesso, possibilitando que a investigação possa estar na vanguarda em relação a outras áreas. De facto, a investigação em hematologia tem tido grande incremento nos últimos anos, o que tem permitido conhecer melhor as doenças hematológicas a nível molecular e, desta forma, melhorar o diagnóstico, o prognóstico e o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas dirigidas a alvos moleculares. Aliás, um dos primeiros fármacos dirigido a uma alteração molecular foi precisamente um inibidor de tirosina cinase para o tratamento de uma neoplasia hematológica, a Leucemia Mielóide Crónica. Também o estudo de algumas alterações genéticas/moleculares tem permitido classificar e avaliar melhor o prognóstico dos doentes. Por falar em vanguarda em que nível considera que está a investigação que aqui se faz? Acho que em Portugal se faz boa investigação e não estou a falar só na Faculdade de Medicina e nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC). Considero que temos, mais ou menos, os meios necessários para estarmos a nível do que se faz internacionalmente. E digo mais ou menos, porque temos pessoas capazes mas falta por vezes o financiamento e meios humanos. Temos o equipamento adequado, temos bons investigadores, mas temos dificuldade em os contratar, muitas vezes por razões económicas. Apesar de alguns constrangimentos, os projectos de investigação em áreas básicas e translacionais na área da hematologia tem aumentado. Basta ver, por

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ENTREVISTA exemplo, a Reunião Anual da Sociedade Portuguesa de Hematologia, que nos últimos anos tem existido a um incremento substancial no número de trabalhos de investigação que são apresentados. Além disso, muitos dos trabalhos desenvolvidos por investigadores portugueses são publicados em revistas internacionais com elevado factor de impacto. Isto mostra que tem havido evolução a nível nacional e um investimento dos respectivos centros e dos seus profissionais, no sentido de desenvolver investigação de alta qualidade. Como é feita a coordenação entre a investigação básica e a clínica? Na Faculdade de Medicina de Coimbra temos em curso vários projectos de investigação que procuram estudar e/ou clarificar os mecanismos celulares e moleculares envolvidos nas etiopatogenia das neoplasias hematológicas, e a sua relação com o diagnóstico, com o prognóstico e como alvos terapêuticos. Além disso, muitos dos nossos projectos procuram estudar o potencial terapêutico de novos fármacos dirigidos a alvos moleculares, bem como, os mecanismos envolvidos na resistência à quimioterapia convencional e às novas terapêuticas ditas dirigidas. Ou seja, todos os trabalhos têm uma perspectiva interdisciplinar e de aplicação clínica e não unicamente mecanista. Por isso, trabalhamos em colaboração não só com os HUC mas também com outros centros dentro da própria Faculdade, no âmbito do Centro de Investigação em meio Ambiente, Genética e Oncobiologia (CIMAGO), e também com ligação a outros centros de investigação, nomeadamente com o CNC, com a Faculdade de Farmácia e, até mesmo, com outras instituições fora de Coimbra (Ex. IPOL, FMUL, entre outras). A investigação básica desenvolvida começa por estudos em linhas celulares de diferentes neoplasias humanas em modelos animais, para depois efectuarmos estudos com material humano. Aqui a ligação com o serviço de hematologia é fundamental. E, apesar de, serem estudos in vitro, estes são realizados após aprovação das comissões de ética e com o respectivo consentimento informado. Esta colaboração tem sido muito profícua e permitido a realização da chamada investigação translacional, essencial para que haja reprodutibilidade na prática clínica. Penso que temos a "simbiose" perfeita. O objectivo na descoberta de novos tratamentos é que ela seja uma terapêutica dirigida? Evidentemente que a descoberta de novos fármacos não passa única e exclusivamente pelo desenvolvimento de terapêuticas dirigidas. No entanto, cada vez mais este é um aspecto muito importante, uma vez que podemos minimizar a toxicidade secundária. Como já referi, uma das primeiras terapêuticas dirigidas a um alvo molecular foi a descoberta de um inibidor de tirosina cinase para o tratamento da leucemia mielóide crónica. Depois disso, têm surgido outros fármacos dirigidos, por exemplo, inibidores multicinase, inibidores do proteasoma e da farnesiltransferase, moduladores epigenéticos, etc. O problema é que tal como no cancro em geral, nas neoplasias hematológicas, não há um único mecanismo envolvido. Deste modo é necessário identificar aquele que é predominante, ou identificar quais os que estão relacionados com um determinado tipo de neoplasia. Nessa altura teremos que provavelmente fazer aquilo que se faz na quimioterapia convencional, que é associar vários fármacos de modo a atingir vários alvos nas cascatas de sinalização celular que estão envolvidas no aparecimento das neoplasias. Apesar dos custos destes fármacos serem elevados, com a associação entre eles e/ou com a quimioterapia dita convencional, podemos diminuir as doses com redução da toxicidade secundária. Para além disso, é importante avaliar a eficácia destes fármacos não só em termos de sobrevivência global, e da progressão livre de doença, mas também na possibilidade de melhorarem a qualidade de vida dos doentes.

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TEXTO LIVRE

MECANISMOS CELULARES E MOLECULARES ENVOLVIDOS NA ETIOPATOGENIA DAS NEOPLASIAS HEMATOLÓGICAS E NA FALÊNCIA DA TERAPÊUTICA - IMPLICAÇÕES NO PROGNÓSTICO E TERAPÊUTICA Por Ana Bela Sarmento Ribeiro, professora auxiliar da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, Investigadora do CIMAGO e CNC As doenças hematológicas neoplásicas resultam de alterações genéticas e epigenéticas que conduzem à desregulação das vias de sinalização envolvidas na normal proliferação, diferenciação e morte celular por apoptose, podendo atingir todos os tipos de células do sistema hematopoiético. Por outro lado, a hiper ou hipometilação das ilhas CpG das regiões promotoras dos genes e a desacetilação/acetilação das histonas são responsáveis pela alteração dos níveis de expressão génica. Ao contrário das mutações, as alterações epigenéticas são potencialmente reversíveis, criando novas hipóteses de intervenção médica. Além disso, as alterações genéticas e/ou epigenéticas podem contribuir para a desregulação da expressão de pequenas moléculas de RNA envolvidas também na regulação da expressão de genes, os microRNAs (miRNA). De facto, em vários tumores tem sido demonstrado alteração da expressão de miRNAs, sugerindo que estas moléculas podem funcionar como novos biomarcadores importantes no diagnóstico e/ou como uma nova estratégia terapêutica. Para além das alterações somáticas, as anomalias genéticas/epigenéticas ocorrem também a nível germinativo, participando na variabilidade genética individual e/ou na susceptibilidade a determinada neoplasia, bem como na resposta à terapêutica. Além do referido, sabe-se que os tumores têm uma natureza heterogénea, baseada na sua histopatologia e função das células que os compõem, bem como, na sua capacidade de resposta ao tratamento clínico. Essa heterogeneidade levou a que recentemente os investigadores colocassem uma nova hipótese para o aparecimento e progressão tumoral, baseada na existência de células estaminais. Esta nova hipótese sugere que uma única população de células estaminais, as células estaminais cancerígenas (CSCs) seja responsável pela iniciação, progressão, metastização e recidivas tumorais. Além disso, as células estaminais são mantidas num microambiente especializado, composto por uma rede microvascular e uma variedade de células do estroma que produzem substâncias essenciais ao crescimento, diferenciação, maturação e morte das células hematopoiéticas. Várias vias de sinalização celular estão envolvidas na proliferação e diferenciação celular no sistema hematopoiético, através da activação de receptores específicos com actividade de tirosina cinase por factores de crescimento. Entre estas, salientamos a via das MAPK (Mitogen Activated Protein Kinase), a via JAK-STAT (Just Another Kinase - Signal Transducter and Activator of Transcription) e a via do PI3K/AKT (Phosphatidylinositol 3-kinase/Protein Kinase B). Um desses receptores, o receptor FLT3, desempenha uma função bem conhecida na sobrevivência, proliferação e diferenciação das células do sistema hematopoiético,

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TEXTO LIVRE sendo expresso normalmente em células progenitoras hematopoiéticas. As leucemias mielóides agudas (LMA), leucemia mielóide crónica (LMC), as síndromes mielodisplásicas (SMD) e certos casos de leucemia linfoblástica aguda (LLA), podem apresentar sobre-expressão da proteína FLT3. Esta sobre-expressão pode estar relacionada com a existência de mutações no gene FLT3. Existem dois tipos principais de mutações neste gene, as duplicações internas em tandem (ITD) e a mutação pontual D835. Ambas resultam na activação constitutiva do receptor tirosina cinase, mesmo na ausência do ligando, o que contribui para o aumento da proliferação celular e redução da apoptose e, consequentemente, maior taxa de recaídas e menor sobrevivência do doente. Estudos pré-clínicos têm demonstrado que a expressão de receptores do TRAIL (TNF-Related Apoptotic Inducing Ligand), e de proteínas inibidoras da apoptose, pode estar relacionada com a resistência à apoptose podendo ter implicações na terapêutica. Por outro lado, um dos mecanismos envolvidos na morte celular por apoptose e/ou proliferação anómala da célula tumoral está relacionado com a produção de radicais livres do oxigénio. No entanto, a célula possui um conjunto de defesas antioxidantes enzimáticas e não enzimáticas - responsáveis pela prevenção da lesão oxidativa. O desequilíbrio entre estes dois mecanismos conduz ao stresse oxidativo (SO) o qual, para além de poder levar à lesão oxidativa de macromoléculas, pode também causar respostas adaptativas nas células tumorais conferindo-lhes resistência à apoptose e à terapêutica. Os avanços na biologia molecular permitiram a identificação das várias vias de sinalização celular e das proteínas envolvidas na transformação neoplásica, as quais podem constituir bons alvos para o tratamento cancro. Nesse sentido, existe um vasto leque de moléculas em estudo, quer em ensaios pré-clínicos quer clínicos, incluindo anticorpos monoclonais, oligonucleótidos antisense, inibidores de tirosina cinases, inibidores da farnesiltransferase, inibidores do mTOR e NF-kB, inibidores do proteasoma, moduladores epigenéticos, siRNAs, entre outros. Os resultados obtidos com o imatinib na leucemia mielóide crónica, com o rituximab nos linfomas não hodking, com o bortezomib no mieloma múltiplo e com a azacitidina na SMD, são alguns dos exemplos de terapêuticas dirigidas a alvos moleculares já utilizadas na prática clínica. Apesar da diversidade dos parâmetros clínicos, morfológicos e moleculares usados para a classificação das neoplasias linfóides e mielóides, muitos doentes com o mesmo diagnóstico apresentam diferente evolução clínica, respondem de forma diferente à terapêutica, podendo apresentar resistência aos fármacos anticancerígenos no início ou no decurso do tratamento condicionando, assim, a eficácia da terapêutica e a sobrevivência dos doentes. Assim, a avaliação de aspectos moleculares como a metabolização do fármaco, o influxo e efluxo na célula e a interacção com proteínas plasmáticas poderão ser de extrema importância. Deste modo, o conhecimento dos mecanismos moleculares envolvidos na etiopatogenia das várias neoplasias hematológicas e na recidiva e/ou resistência à terapêutica, poderá contribuir para uma abordagem terapêutica personalizada, de menor toxicidade e, por conseguinte, com menor efeitos secundários, permitindo melhorar qualidade de vida dos doentes com neoplasias hematológicas.

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Hospitais da Universidade de Coimbra

Serviço de Hematologia Investigação Clínica

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ENTREVISTA

Dra. Isabel Sousa

Que características tem a investigação clínica no serviço de hematologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra para que seja considerada uma área de excelência? O hospital tem um número de ensaios clínicos muito significativo. O Serviço de Hematologia, desde há uns anos, não muitos infelizmente, começou a participar em vários ensaios clínicos de fase III a nível internacional. Ensaios que têm sido bem seleccionados em função do seu interesse científico e da mais-valia que possam trazer para o próprio serviço. Felizmente, aqui temos tido essa oportunidade, não só porque temos uma casuística elevada de doentes - somos um dos maiores serviços do país e, na zona centro, o serviço de hematologia com maior casuística - o que nos dá a possibilidade de ter um número significativo de doentes para incluir nos ensaios clínicos; como também, e em consequência disso mesmo, acabamos por ser um dos centros preferidos para incluir nos vários ensaios. Esta realidade tem permitido que o nome do nosso serviço surja em publicações internacionais, mas, mais importante que isso, permite que desenvolvamos uma metodologia muito organizada e rigorosa para estudar e avaliar os doentes. Isto porque, as regras de um ensaio clínico aleatorizado obrigam a um controlo rígido dos procedimentos do tratamento, da observância das regras dos protocolos e da monitorização das funções orgânicas dos participantes. Esta é de facto a melhor maneira de estudar os doentes. E de os tratar. Disse que só alguns anos a esta parte têm ensaios clínicos. Isso deveu-se a quê? De facto, o nosso serviço nas direcções anteriores, não tinha a cultura de se abrir para o exterior e de participar em estudos internacionais. Desde há cerca de 10 anos começámos a participar em alguns ensaios e, progressivamente, esse número foi aumentando, não só pelo empenho da actual directora, Dra. Adriana Teixeira, mas também de todos os elementos do Serviço. Progressivamente, a existência de massa crítica local e o criterioso cumprimento das regras definidas, tem levado também que a indústria farmacêutica, de quem parte a proposta da totalidade destes ensaios, eleja o nosso Serviço como um parceiro importante. Como é feito o equilíbrio entre a investigação clínica e a básica? Temos aproveitado bastante essa ligação graças à Prof.ª Ana Bela Sarmento da Faculdade de Medicina, hematologista clínica de formação e investigadora nas ciências básicas do Instituto de Neurociências da Universidade de Coimbra. Esta é uma realidade que se vem a mostrar desde há vários anos, traduzida não só pela própria tese de doutoramento da Prof.ª Ana Bela - "mecanismos de resistência múltipla às drogas em doenças hematológicas" - como pelas sucessivas teses de mestrado realizadas, não só por especialistas, como pelos internos do internato da

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ENTREVISTA especialidade no nosso serviço (concluídas com brilhantismo), todas elas versando investigação básica em áreas clínicas muito relevantes como estudos moleculares na mielodisplasia, doenças mieloproliferativas e leucemias agudas. A necessidade da conciliação destas duas vertentes está já consignada no próprio curriculum da especialidade que obriga à realização duma tese de mestrado, de preferência com inclusão de investigação laboratorial. O nosso serviço de Hematologia, ao ter uma casuística muito abundante, dá-nos também a oportunidade de ter matéria e material de investigação que possa reverter em eventual aplicação terapêutica e melhoria clínica dos doentes. Cada vez mais se tenta actuar com terapêuticas dirigidas, pesquisando vias de sobrevida e morte celular dos diferentes tumores como, inclusive, pesquisando factores de prognóstico em cada doente que indiquem, para aquele doente em particular, qual será a melhor atitude terapêutica que lhe possa dar a maior esperança de sobrevida. E por falar em futuro, como vê o futuro da investigação neste serviço. Tem de evoluir mais? Estão ao nível do que se faz internacionalmente? A capacidade e a tecnologia é idêntica àquilo que podemos encontrar "lá fora", mas não temos os mesmos recursos humanos. São poucas as pessoas que se empenham na investigação. Ela não pode ser deixada ao critério dos clínicos. É urgente que se formem mais equipas multidisciplinares, compostas por químicos, bioquímicos, biólogos, farmacêuticos, geneticistas, etc., que inevitavelmente, acho, deveriam estar nas universidades, trabalhando em conjunto com os clínicos das várias áreas para uma investigação aplicada à prática. Isso implica uma abertura dos quadros universitários a várias áreas, atribuição de bolsas de estudo quer por organismos estatais, empresas públicas em regime de mecenato ou qualquer outra forma que permitisse dar sustentabilidade e continuidade aos projectos. Falou de uma casuística elevada… Sim, para se ter uma noção da dimensão do serviço, no ano de 2010 foram efectuadas 16621 consultas externas e realizados 1102 internamentos para tratamento. Qual a doença mais frequentemente vista aqui no serviço? O Serviço de Hematologia dos HUC é um serviço polivalente, como todos, mas especialmente vocacionado para a hemato-oncologia. A patologia linfoproliferativa é sem dúvida a mais prevalente. A seguir surgem as leucemias agudas uma vez que, por termos melhores condições de internamento, centralizamos no nosso serviço todos os doentes com esta patologia da zona centro. Como é ser responsável por esta área de excelência? É um trabalho atraente e de que eu gosto. Acho particularmente interessante a possibilidade de ensaiar novos medicamentos, sobretudo em áreas de inovação. Considero estimulante participar em estudos multicêntricos, gosto da rigidez da metodologia de trabalho e análise (embora obrigue a uma disciplina grande porque a tentação da improvização é um hábito enraizado). A avaliação estatística final e apresentação dos resultados é sempre esperada com impaciência e sempre com um pequeno orgulho por termos contribuído para a melhoria no tratamento dos nossos doentes.

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ENTREVISTA

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Centro Hospitalar Lisboa Norte Hospital de Santa Maria

Serviço de Hematologia Transplantação

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ENTREVISTA

Dr. Carlos Martins

Que características tem esta área para ser considerada de excelência? Na Unidade de Transplantação efectuamos todos os tipos de transplante nomeadamente autólogos e alogénicos a partir de dadores familiares e não familiares incluindo o transplante sub-mieloablativo, bem como, um tipo de transplante mais complexo que consiste no transplante haplo-idêntico, isto é, a partir de um dador familiar parcialmente idêntico. Este último, permite alargar o número de dadores para qualquer doente potencial, dado que podemos efectuar o transplante a partir dos progenitores ou filhos do doente. Por estes motivos, consideramos o Hospital de Dia de doentes transplantados uma unidade fundamental. Infelizmente estamos aquém das nossas necessidades, dado que o número crescente de doentes com indicação para transplante tem aumentado nos últimos anos, e dada a limitação do espaço físico da nossa Unidade, temos uma capacidade que limita o número de transplantes. O facto de os internamentos serem relativamente prolongados - cerca de 3 a 4 semanas - condiciona o número de transplantes a realizar. Pelas características inerentes aos doentes transplantados, isto é, maior susceptibilidade a complicações infecciosas, dispomos de um gabinete médico e uma sala de tratamentos no Hospital de Dia, onde os doentes após a alta são diariamente atendidos. Mais uma vez, dado o espaço físico limitado, temos que gerir este sector, dando prioridade aos doentes submetidos a transplante alogénico pelo risco acrescido de complicações. E qual é a taxa de transplantação por ano? No último ano foram efectuados 81 transplantes autólogos e alogénicos. Mas dada a limitação de quartos que referi atrás, a nossa média anual poderá, contudo, atingir os 90 transplantes. A diferença centra-se no tipo de transplante que realizamos. Por exemplo, quando fazemos mais transplantes autólogos, o número total no final do ano é maior, porque este tipo de transplante acarreta um internamento mais curto logo, conseguimos transplantar mais doentes. O contrário acontece se tivermos mais transplantes alogénicos, originando automaticamente a média anual de transplantes. De uma forma geral, a média tem-se situado entre os 70 - 80. E falamos de que tipo de doenças? A maioria dos doentes transplantados sofrem de patologia hemato-oncológica, isto é, leucemias agudas, linfomas de Hodgkin e não Hodgkin, mieloma múltiplo e aplasia medular. São transplantados maioritariamente adultos. Mais raramente são

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ENTREVISTA transplantados doentes com tumores sólidos, nomeadamente sarcomas e tumores de células germinativas. Também são referenciados pela pediatria algumas crianças com aplasia medular e imunodeficiências primárias. O transplante alogénico, isto é, a partir de um dador total ou parcialmente idêntico relacionado ou não relacionado, é efectuado sobretudo nos doentes com leucemias agudas. Doentes com mieloma múltiplo e linfomas são submetidos a transplante autólogo, dado que este procedimento se associa a uma baixa taxa de morbilidade e mortalidade e com bons resultados, como está descrito na literatura. Voltando à questão da excelência, este serviço já foi considerado, por diferentes estudos, um dos melhores a nível nacional. Que características ressalva para ser considerado de excelência? Em primeiro lugar gostaria de salientar que os critérios utilizados nesses estudos têm vindo a melhorar ano após ano, na avaliação final dos vários hospitais. Essa avaliação é de todo o Serviço reflectindo a qualidade global do Serviço de Hematologia e Transplantação. Seguramente que a Unidade de Transplantação pelas suas características muito próprias e o facto de efectuar todo o tipo de transplante, contribui positivamente para a avaliação final. Só tenho que congratular toda a equipa que tem contribuído para este resultado. Falando de custos. Esta é uma área onerosa? Sem dúvida. Eu diria antes, que os custos na área da saúde em geral são bastante onerosos. No entanto, quando falamos de vidas humanas, não podemos avaliar numa perspectiva exclusivamente económica. Para além das exigências internacionais no que concerne aos requisitos das Unidades de Transplante, nomeadamente, quartos isolados providos de filtros de alta eficiência que são bastante onerosos, temos ainda a colheita e armazenamento de medula óssea que implicam custos adicionais. Para além disso, quando se trata de transplantes de dador não familiar, isto é, de painel internacional, temos os custos acrescidos da colheita e do transporte da medula óssea. No entanto, nalgumas patologias, os bons resultados e eventualmente a cura que só é possível com este procedimento, parece-me importante propôr o transplante como alternativa. Perspectivando um pouco o futuro, o que espera, o que falta a esta área? Bem, saliento a necessidade de mais espaço para assim podermos aumentar o número de transplantes. Como disse inicialmente, o número de doentes com indicação para transplante tem vindo a aumentar, e dada a limitação do número de camas, estamos obrigados a uma gestão muito rigorosa na elaboração da lista de espera. Felizmente, nos últimos anos, o nosso Serviço foi ampliado e este facto permitiu-nos uma melhor gestão de internamentos. No que respeita à transplantação, e em particular ao transplante haplo-idêntico, isto é, a partir de um dador parcialmente compatível, estamos a tentar implementar uma técnica mais complexa, que poderá permitir reduzir as complicações graves inerentes a este tipo de transplante, e assim aumentar o número potencial de doentes sem dadores compatíveis, de modo a que possam realizar a única terapêutica potencialmente curativa.

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ENTREVISTA Qual é a importância funcional do Hospital de Dia dos doentes transplantados? Esta Unidade funcional, permite atender o doente no período pós-transplante, das 8 horas às 20 horas. As consultas programadas ou as consultas solicitadas por ocorrências, dão um nível de segurança e comodidade desejáveis ao doente transplantado, que se mantem assim integrado no seu meio familiar e sempre que possível na sua actividade profissional. Procede-se ao doseamento de imunosupressores, à vigilância periódica de CMV, EBV e sempre que necessário à monitorização do teste de galactomanano para a infecção a Aspergillus. Quando necessário o doente recebe suporte transfusional com concentrado de plaquetário e/ou eritrocitários. Os casos menos graves de Doença do Enxerto contra o Hospedeiro, na sua grande maioria , recebem terapêutica, igualmente em regime de ambulatório. O apoio do Psicólogo e da Assistente Social, representam mais-valias no suporte psico-social destes doentes, e é imprescindível. Em conclusão, o Hospital de Dia de doente transplantados é uma estrutura fundamental na actividade da transplantação de progenitores hematopoiéticos, permitindo o apoio a estes doentes, em regime de ambulatório, com atendimento permanente e articulação com o internamento sempre que necessário. A monitorização correcta e periódica, dão o nível de segurança desejável. A integração no meio familiar e profissional, tão precoce quanto possível e a menor exposição destes doentes ao meio hospitalar, são mais-valias, reduzindo o risco de infecção hospitalar e conferindo comodidade, bem como, melhor qualidade de vida para o doente transplantado.

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Centro Hospitalar Lisboa Norte Hospital de Santa Maria

Serviço de Hematologia Transplantação

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ENTREVISTA

Prof. Doutor João Forjaz de Lacerda

Que características tem a área da transplantação para ser considerada de excelência? Eu acho que o nosso Serviço, e não me refiro só à valência de transplante, mas a todo o Serviço no seu conjunto, tem a particularidade de poder tratar o doente desde o início até à fase final do tratamento. E essa é uma grande mais-valia da nossa Instituição: a de ter disponível a larga maioria das modalidades terapêuticas na área da Hematologia e do Transplante de Progenitores Hematopoiéticos. Em termos da orgânica do Serviço, o facto de todos os médicos do corpo clínico estarem presentes nas grandes decisões de cada doente e de estabelecerem em conjunto um programa terapêutico específico para ser implementado constitui uma significativa mais-valia. Somos uma equipa multidisciplinar que funciona em conjunto. Portanto, da mesma maneira que os médicos que realizam o transplante podem emitir as suas opiniões em relação aos doentes numa fase do tratamento pré-transplante, o inverso também se passa. Foi assim que fomos formados e isso tem-se revelado, até agora, como uma boa opção. Mas do ponto específico do Transplante de Progenitores Hematopoiéticos a nossa principal mais-valia é a vantagem de poder oferecer aos doentes todas as formas de transplante que hoje estão amplamente disponíveis a nível internacional. Ou seja, o transplante autólogo e as 3 principais vertentes do transplante alogénico: de dador familiar compatível, de dador não familiar tão compatível quanto possível e de dador familiar haploidêntico (50% compatível). A decisão de uma técnica em relação a outra tem a ver com os dados da literatura, com a medicina baseada na evidência, com a disponibilidade de um dador ou não. Portanto, penso que na perspectiva do doente, este é um cenário que lhe interessa e muito vantajoso porque todas as opções terapêuticas estão disponíveis de imediato no nosso Serviço. Que evolução sofreu esta área para chegar aqui e ter todas estas valência para oferecer aos doentes? São vários os marcos importantes ao longo do tempo. Este Serviço foi o primeiro a realizar transplantes autólogos com criopreservação em Portugal; foi também o primeiro centro a realizar transplantes de progenitores hematopoiéticos colhidos do sangue periférico e é, possivelmente, o único que tem um programa activo de transplante de dador familiar haploidêntico com selecção dos progenitores hematopoiéticos, e ao mesmo tempo depleção dos linfócitos T. Tem tido também nos últimos anos um papel relevante no transplante de progenitores hematopoiéticos

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ENTREVISTA de doadores não familiares. A experiência nas formas mais complexas de transplante de progenitores hematopoiéticos é uma grande segurança para quem nos procura. Portanto, estamos sem dúvida nenhuma ligados à história da transplantação de progenitores hematopoiéticos em Portugal. E esse percurso já é longo. Mais recentemente, temos enveredado por técnicas de imunoterapia pós-transplante. É uma área que nos interessa desenvolver num futuro próximo, quer com células específicas dirigidas por vírus, quer com células imunomodeladoras pós-transplante. É algo que esperamos poder vir a desenvolver nos próximos anos. E qual a patologia mais transplantada? A patologia mais transplantada no transplante alogénico é a leucemia aguda. No transplante autólogo predominam os mielomas e os linfomas. Isso quer dizer que o que se faz neste centro está ao mesmo nível de outro centro nacional, ou mesmo a nível internacional? Eu diria que estamos a um nível aceitável, em geral em Portugal e, em particular, no nosso Centro. A nossa principal visão para o futuro próximo é a de alguma forma continuar a encarnar a visão da própria Instituição. Ou seja, a instituição Hospital de Santa Maria faz parte do chamado Centro Académico de Medicina de Lisboa (CAML) que envolve três instituições: a unidade hospitalar/assistencial - que na realidade são dois hospitais: Hospital de Santa Maria e o Hospital Pulido Valente - a vertente de investigação com a criação do Instituto de Medicina Molecular (IMM), e a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Em relação à componente assistencial, temos uma presença muito forte em termos de número de doentes tratados, internamentos, consultas externas, sessões de Hospital de Dia, número de transplantes. Em relação à investigação, temos tido uma presença crescente no IMM, com ligações importantes à investigação mais fundamental e àquela dita de translação clínica. Temos neste momento vários projectos financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, num dos casos em colaboração com o Hospital dos Capuchos. A terceira vertente muito importante num Centro Académico é a Faculdade de Medicina. O Serviço de Hematologia recebe alunos durante todo o ano, dos 4ºs e 5º anos do Curso de Medicina, bem como estudantes internacionais que recorrem até nós. Portanto, em resumo, penso que vivemos de uma forma muito natural o espírito do Centro Académico nas suas três instituições. Numa época de crise é inevitável falar de custos e de quanto custam estes desenvolvimentos? É de facto uma área muito onerosa. Os tratamentos custam muito dinheiro, o que não é sinónimo de ser caro; conseguir salvar um doente com uma atitude, um fármaco ou uma técnica terapêutica avançada não tem preço. O custo elevado é uma realidade inescapável na medicina moderna e, nomeadamente, quando estão em causa tecnologias muito avançadas como é o caso do transplante de progenitores hematopoiéticos. Obviamente, que é muito oneroso em todo o mundo e aqui não pode ser diferente. Tendo dito isto não quer dizer que não tenhamos atenção aos custos. Temos de ter cada vez mais. Temos, inclusive, que racionalizar os custos de uma forma muito clara

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ENTREVISTA e ética para que aos doentes que tenham inequivocamente de ser tratados com uma técnica não faltem fundos, que serão preciosos. É preciso saber fazer as contas aos custos directos mas também aos custos indirectos e saber alocar verbas de forma judiciosa e científica e não utilizar recursos excessivos quando não existe indicação para tal, independentemente das pressões que possam surgir. Como tem sido acompanhar este percurso e ser responsável por esta área? Eu entendo a responsabilidade muito mais como o resultado de uma actividade em que é reconhecida competência, e muito menos como um título que se manda imprimir para mostrar aos outros. O que é de facto importante é que consigamos pólos de excelência dentro do próprio Serviço e que cada uma das áreas constitua, em si mesmo, um pólo natural de excelência em termos assistenciais e de investigação. É claro que é necessária alguma forma de organização e de capacidade de reconhecer e privilegiar o mérito e as competências. Só assim se conseguirá um desenvolvimento sustentado e uma melhoria da qualidade que se traduza subsequentemente num benefício institucional e nacional.

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Centro Hospitalar Lisboa Norte Hospital de Santa Maria

Serviço de Hematologia Hospital de Dia

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ENTREVISTA

Dr. João Raposo

Que características tem o Hospital de Dia para ser considerado de excelência? O Hospital de Dia de Hematologia do Hospital de Santa Maria é um dos mais antigos do país, senão o mais antigo, e existe desde que foi criado este conceito. Um conceito que nasceu com a necessidade de tratamento de doenças complicadas, crónicas, de exames médicos complementares e/ou de tratamentos, mas que não precisavam de internamento superiores a 24 horas. Fundamentalmente os primeiros hospitais de dia estruturaram-se para tratamentos oncológicos programados, e o nosso existe desde 1980, temos, portanto toda uma experiência no tratamento destas doenças. Fundamentalmente a nossa actividade centra-se nas áreas de 1) Tratamento dos doentes hemato-oncológicos e sua monitorização periódica; 2) Ambulatório dos doentes transplantados; 3) Tratamento de doentes hematológicos não oncológicos mas que necessitam de actuação imediata (crises de trombocitopenia imunes, anemias hemolíticas auto-imunes, anemias ferropénicas com necessidade ou indicação para terapêutica parentérica com ferro, …). Durante estes anos tivemos oportunidade de evoluir, melhorando todo um trabalho de grupo que abrange médicos, enfermeiras, administrativos especialmente preparados, auxiliares de acção médica, assistente social e psicólogo. Sem o Hospital de Dia, este tipo de doentes fragilizados estariam condenados a passar o seu tempo em serviços de urgência médica para resolver as intercorrências e a vaguear entre os vários atendimentos dos serviços de saúde de modo a poderem ter acesso a exames complementares e a observações de especialidade. Neste momento, é muito raro que um doente nosso tenha a necessidade de ser mandado para o serviço de urgência. Temos a opção de o internar no serviço, ou de lhe proporcionar cuidados imediatos como se de um serviço de urgência se tratasse, com a realização de exames complementares de rotina que podem ser feitos em menos de 24 horas. Para além da componente médica, dispomos de apoio social e psicológico, permitindo que os doentes sejam razoavelmente acompanhados em todos os seus problemas diários envolvendo a sua doença. Como foi o percurso/evolução do Hospital de Dia até chegar aqui? De alguma forma já respondi, mas há que referir a nossa capacidade actual para fazer qualquer tipo de tratamento de ambulatório neste campo, tendo à nossa disposição a maioria dos medicamentos considerados adequados. Os nossos protocolos sofrem actualizações periódicas, sempre que consideradas necessárias, no sentido de que os nossos doentes possam beneficiar das mais-valias que se vão obtendo. Também

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ENTREVISTA evoluímos muito na investigação clínica em colaboração com outras instituições internacionais, uma vez que a investigação de iniciativa médica na área dos tratamentos ainda não está devidamente regulamentada em Portugal e, como tal, é muito difícil fazê-la. Logo, temos alguma investigação de iniciativa médica mas não tão importante como a investigação clínica em colaboração com grupos cooperativos. Fomos dos primeiros a ter ensaios clínicos na nossa área e esforçamo-nos por aumentar essa actividade. É o caso dos Mielomas, Leucemias Linfocíticas Crónicas e Linfomas que foram a nossa primeira área de investigação. Actualmente, temos vários ensaios a decorrer e outros que vão começar, porque consideramos que apesar de a maioria destes estudos serem promovidos pela indústria farmacêutica, a verdade é que não há alternativa credível. Não tenho conhecimento de que qualquer governo de estado tenha um programa de investimento contínuo em investigação clínica na área do tratamento. De realçar que este Hospital de Dia participou na primeira aprovação do Rituximab para tratamento em primeira linha de linfomas foliculares. Também colaborámos em ensaios clínicos que fizeram a diferença nas indicações para o Bortezomib e para a Doxorrubicina peguilada no tratamento dos mielomas. Isto fez com que tivéssemos a capacidade de usar medicamentos inovadores nos nossos doentes algum tempo antes dos restantes. Tem sido de facto uma evolução qualitativa e assim temos conseguimos tratar mais doentes de uma forma mais moderna e gastando menos dinheiro às instituições. Considero que é uma parceria que se deve manter e desenvolver. As regulamentações são universalmente aceites e os ensaios clínicos só se fazem se os médicos os quiserem fazer. Cabe aos investigadores seleccionar os ensaios que no seu entender tem potencialidade para melhorar os tratamentos. Neste momento trabalhamos das 8 da manhã às 20 horas, ininterruptamente, de segunda a sexta-feira. Só ainda não conseguimos abrir o Hospital de Dia aos fins-de-semana, gostávamos que isso acontecesse mas com a situação económico-social actual é talvez um pouco difícil ter autorização para isso. Passámos a ter um novo espaço, não importando se é maior ou menor, dependendo mais de como está organizado e do material que temos para trabalhar. A verdade é que temos actualmente metade do espaço físico, mas curiosamente temos uma maior produtividade. É certo que temos um melhor apoio informático, as coisas estão mais agilizadas, logo há mais facilidade em trabalhar, mas isto requer um esforço global de todo o pessoal implicado no funcionamento do Hospital de Dia, sempre em prol dos doentes. E os custos inerentes a está área são elevados? A oncologia é talvez a segunda área mais onerosa para o Estado, mas isso decorre do aumento da sobrevivência média das pessoas e do facto de a patologia oncológica ser a segunda causa de morte nas sociedades mais evoluídas. Não vale a pena ter ilusões: o tratamento das doenças oncológicas é fatalmente caro. Terão de ser procuradas alternativas sem diminuir a qualidade, como por exemplo, integrando os doentes em ensaios clínicos para que os dinheiros de uns revertam a favor de outros e, no fim, as instituições hospitalares se consigam equilibrar

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ENTREVISTA economicamente. É por aqui que eu acho que temos que fazer mais alguma coisa e não nos acomodarmos à secretária. Devemos observar e tratar os doentes procurando a qualidade. Outra maneira, é haver centros de referenciação de modo a que os diagnósticos sejam atempados e os tratamentos a instituir devidamente protocolados. Em oncologia, é frequente não haver só um tratamento standard, mas vários de acordo com a situação clínica global dos doentes. Apesar de terem a mesma doença podem ter indicação para fazer um tratamento diferente de acordo com o seu estado. Acho que é isto tudo que faz a diferença nos custos, embora nunca venham a ser baixos. São meras opiniões, mas gostaria de ver mais alguma actividade na reestruturação desta área e, sobretudo, que se tivesse em conta a opinião de quem sabe e tem trabalho na área. Como é ser responsável por esta área? Sou responsável pelo Hospital de Dia desde que nos mudámos para estas novas instalações, há 4 anos. De qualquer maneira os últimos 20 anos da minha vida foram feitos maioritariamente aqui e considero-me com alguma experiência no assunto. Provavelmente foi por isso que me convidaram para ser o responsável por esta área. É preciso, fundamentalmente, ter sensibilidade para lidar com pessoas - sejam doentes ou as que cá trabalham - e levar em consideração bastantes aspectos que se escapam à área técnica. Sinto-me confortável, mas só o sinto porque tenho de facto comigo uma equipa de A a Z - médicos, enfermeiros, administrativos, auxiliares de acção médica, assistente social e psicólogo - cujo objectivo é o mesmo. Dá gosto gerir uma equipa assim.

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Centro Hospitalar Lisboa Norte Hospital de Santa Maria

Serviço de Hematologia Consulta Externa

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ENTREVISTA

Dra. Lurdes Guerra

Que características tem a consulta externa que fazem dela uma área de excelência? O serviço de hematologia está inserido num grande hospital talvez o maior do país, e a consulta externa tem tido muitos desenvolvimentos, principalmente num aumento da sua procura, exactamente porque tentamos sempre responder em tempo adequado às solicitações. A consulta de hematologia dedica-se essencialmente ao diagnóstico e tratamento de doenças hematológicas não oncológicas. Os doentes são-nos referenciados pelos vários serviços do Hospital de Santa Maria, centros de saúde da nossa área de influência, hospitais distritais que não tenham hematologia e, eventualmente, por outros colegas de outros subsistemas de saúde e privados. A consulta funcionava, inicialmente, em condições que não eram as melhores, uma vez que não tínhamos gabinetes informatizados, mas a partir de 2006 com o novo centro de ambulatório conseguimos optimizar tudo isto. Melhoramos quer na qualidade quer na quantidade dos serviços que prestamos. A partir dessa altura os gabinetes passaram a ser individuais, informatizados, com as agendas médicas e processo clínico informatizados permitindo-nos o acesso a toda a informação clínica (incluindo os exames complementares de diagnóstico), mesmo de outras consultas onde esteja a ser seguido, para além da prescrição electrónica. Há critérios pré-definidos de referenciação à consulta de hematologia, e assim todos os doentes, devem ser portadores de relatório médico e exames complementares que justifiquem o pedido. Actualmente, os métodos de referenciação são maioritariamente via informática, sistema Alert, sendo da responsabilidade do médico triador a marcação da 1ª consulta de acordo com os critérios de acessibilidade (muito urgente, urgente ou normal), conseguindo assim optimizar todos os passos necessários à marcação das consultas com celeridade sem que tenhamos lista de espera. O tempo médio de espera para a 1ª consulta é cerca de um mês. Semanalmente são observados cerca de 35 doentes em 1ª consulta - consulta de triagem, onde conto com a colaboração de mais dois especialistas - Dr. José Fajardo e Dra. Fernanda Lourenço, e sempre que o diagnóstico e situação clínica o justifique é atribuído um médico e agendada a consulta subsequente. Os doentes, que após esta consulta de triagem, não têm patologia ou a situação clínica não requer a continuidade na consulta de hematologia (cerca de 1/3) são referenciados ao seu médico assistente com informação clínica e eventual orientação terapêutica.

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ENTREVISTA Em termos de evolução, o maior destaque é para a informatização da informação? Quando fomos nomeados responsáveis pela consulta externa de hematologia a média de tempo de espera era de cerca de 5 meses. Obviamente, que nessa altura os tempos de consultas e as instalações não nos permitiam fazer muito melhor. Tínhamos três gabinetes de consulta que partilhávamos com outras especialidades e muitas vezes com dois médicos em cada gabinete. Portanto, o investimento não foi só da nossa parte. Houve uma melhoria muito significativa nas instalações, passámos a ter melhores condições físicas o que nos permitiu estender o horário das consultas e, pouco a pouco, conseguíamos saltos qualitativos e quantitativos. Houve também um aumento no número de especialistas? Sim. Para além dos médicos responsáveis pela consulta de triagem contamos com mais 17 médicos (especialistas e internos da especialidade) que fazem as consultas subsequentes. Portanto, na triagem contabilizamos cerca de 14 horas de consulta por semana e mais 34 horas distribuídas em dois dias, de consultas subsequentes. Outra das atribuições do médico responsável pela consulta é a integração dos internos da especialidade para, posteriormente, a fazerem de um modo autónomo. Somos ainda procurados por Médicos de Saúde Geral e Familiar para estágios nesta consulta. Portanto, houve também um incremento no volume de trabalho… Ainda não temos os dados totais deste ano, mas nos últimos anos houve uma crescente procura com tendência para estabilização, como se pode observar no quadro abaixo. 2009 2010 2011 (Jan-Set) 1ª Consultas 1049 1003 796 C. Subsequente 2867 3147 2215 Total 3910 4150 3011 No que toca aos custos, esta não parece ser uma área onerosa... Não sei atribuir custos a esta valência. As patologias mais frequentemente referenciadas e seguidas nesta consulta são patologias hematológicas não oncológicas, onde se ressaltam as anemias ferropénicas ou multifactoriais, neutropenias e trombocitopenias, alterações e complicações hematológicas de doenças sistémicas, hemoglobinopatias, alterações da coagulação e gamapatias monoclonais, entre outras. Todas estas situações necessitam de investigação laboratorial e, frequentemente, com outros métodos de diagnóstico, como por exemplo métodos de imagem. Em relação às terapêuticas prescritas na consulta externa de hematologia não são muito onerosas, mas estes doentes necessitam de monitorização periódica o que actualmente está mais facilitado já que há centros de saúde onde os doentes podem fazer as análises sem necessidade de deslocação ao hospital, ficando os resultados disponíveis no sistema informático. Como é ser responsável por esta área? É gratificante e motivador, não só porque oferecemos um serviço de qualidade mas também porque podemos contar com uma equipa empenhada e responsável. Outra grande vantagem advém de funcionarmos sempre em interligação com o Hospital de Dia e unidades de internamento, o que no caso de uma situação urgente ou a necessitar de terapêutica, o doente é transferido para o Hospital de Dia ou internamento.

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ENTREVISTA

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Centro Hospitalar Lisboa Norte Hospital dos Capuchos

Serviço de Hematologia Leucemia Mielóide Aguda Transplante

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ENTREVISTA

Dra. Aida Botelho de Sousa

Como se caracteriza esta área para que seja considerada pelo Serviço de excelência? A Leucemia Aguda (LA) é uma das doenças mais estimulantes para os hematologistas que se dedicam à hemato-oncologia. Por três razões: por um lado, sendo uma doença aguda, necessita de ser rapidamente diagnosticada e rapidamente tratada, e estes dois requisitos implicam a existência de uma equipa especializada e experiente. Por outro lado, a detecção precoce e o manejo adequado das complicações potencialmente mortais da doença, e do seu tratamento, obrigam a um pesado investimento diário de uma equipa multidisciplinar. Finalmente, é uma área em constante progressão e mudança: os resultados do tratamento das LA, nomeadamente das Leucemias Mielóides Agudas (LMA) embora tenham vindo a melhorar ao longo dos últimos 20 anos, estão ainda longe do desejável, e não é possível curar a maioria dos doentes, sobretudo os mais velhos, pelo que há largo espaço para melhoria. Esta área, como outras hemato-oncológicas, caracteriza-se por uma procura constante de novas drogas mais eficazes e de medidas de suporte inovadoras que diminuam a mortalidade por complicações. Estamos a falar de que casuística? A LA tem uma incidência de 9 novos casos por 100 000, dos quais metade serão LMAs, o que faz supor que em Portugal surjam pelo menos 400 novas LMA por ano. O Serviço de Hematologia dos Capuchos recebe actualmente cerca de 100 novos casos de LA por ano, dos quais cerca de 80 são de LMA. Destes 80, ¼ (cerca de 20) não tem condições (por diferentes razões) para suportar quimioterapia intensiva de intento curativo, e 15 a 18 por cento (cerca de 10-15 casos) são Leucemias Promielocíticas (LP). Serão discutidos na Sociedade Portuguesa de Hematologia (SPH) os resultados do regime terapêutico em vigor na LMA não-LP nos últimos 13 anos (Maio de 1998 a Dezembro de 2010), no decurso dos quais tratámos 479 doentes com LMA não-LP e 148 com LP. Como descreve a evolução desta área? Há algumas décadas a enorme maioria dos doentes com LMA não sobrevivia à doença. As complicações do tratamento da LMA são resultantes da mielosupressão induzida pela quimioterapia intensiva, passo obrigatório para o controlo da doença: infecções bacterianas, virais e fúngicas por um lado, hemorragias por outro. O progressivo aperfeiçoamento das medidas de suporte está em grande parte na origem da melhoria de resultados, por dispormos de melhores meios de prevenção, detecção precoce e tratamento das complicações (antibacterianos, anti-fúngicos, factores de crescimento hematopoiéticos, suporte transfusional, etc.).

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ENTREVISTA Quanto ao prognóstico, sabe-se hoje que a LMA é uma doença extremamente heterogénea, não existindo "uma" LMA mas diversas LMAs. Os factores de risco mais importantes são a idade e a caracterização genética de cada caso. Esta última é de tal modo determinante que a classificação das LMA actualmente em uso, proposta pela OMS em 2008, as divide em subtipos associados a alterações citogenéticas/moleculares recorrentes, dos quais uma minoria são favoráveis; outros, frequentemente secundários a síndromes mielodisplásicas prévias ou a terapêuticas (quimio ou radioterapia) recebidas pelo doente no passado, são desfavoráveis. De um modo geral, a taxa de remissão completa vai de 70-80% nos doentes com menos de 60 anos sem mielodisplasia associada, até 50% nos doentes mais velhos. Dos primeiros, cerca de 40% dos que entram em remissão continuam em remissão aos 5 anos, o que sugere uma cura provável. Nos casos associados a genética desfavorável esta probabilidade cai para 5%, mas em contrapartida sobe para 70% nos casos de genética favorável. Como noutras neoplasias, a tendência será estratificar os doentes em função dos factores de risco particulares de cada um e diferenciar o tratamento em função desses dados. O próprio regime de consolidação da remissão é decidido em função do grupo de risco a que cada doente pertence, sendo já hoje o melhor exemplo a proposta de transplantação alogénica como consolidação da primeira remissão nos casos de prognóstico desfavorável, proposta não aplicável (enquanto mantiver mortalidade apreciável) aos casos de bom prognóstico. Por outro lado, vão surgindo drogas inovadoras adaptadas a subgrupos particulares. Refere-se às terapêuticas alvo? Sim, os tratamentos dirigidos a um alvo específico são, obviamente, o ideal em todos os tumores. Não falámos ainda do tratamento da LP, uma LMA especial, que foi o primeiro e mais espectacular exemplo de tratamento dirigido ao alvo. Um retinóide (tretinoína) capaz de modificar as anomalias celulares induzidas pela alteração genética que provoca a doença, transformou a LP, de LMA mais mortífera que era nos anos 80, na LA mais curável. Uma segunda descoberta major na LP foi a da eficácia de outra molécula, também uma terapêutica "dirigida", o trióxido de arsénio. A utilização destas 2 substâncias nas diferentes fases do tratamento da LP tornou a doença curável em cerca de 80% dos casos. Nas restantes LMAs múltiplas novas drogas ou novas estratégias têm estado em avaliação, umas mais decepcionantes (inibidores de MDR, interleucina 2, antiCD33) outras potencialmente promissoras (inibidores de FLT3, hipometilantes, etc.). Estes tratamentos dirigidos para além de aumentarem a sobrevida também permitem melhor qualidade de vida, a toxicidade é menor? Na LMA não estamos ainda na fase de equacionar (com excepções como a LP) a modificação dos regimes de tratamento em função da qualidade de vida. Actualmente a possibilidade de atingir a remissão (primeiro passo para a cura posterior) passa ainda obrigatoriamente por regimes de quimioterapia intensiva, que condicionam mielosupressão prolongada, obrigando a longos internamentos (3 a 5 semanas) em cada ciclo. A qualidade de vida nesta situação, por confortáveis que possam ser os serviços e por agradáveis que possam ser as equipas, sofre obviamente uma enorme queda, tanto

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ENTREVISTA mais que a tripla notícia do diagnóstico, da necessidade de longas estadias no hospital e dos riscos envolvidos, é abrupta (habitualmente nas horas que precedem ou seguem a entrada no serviço) constituindo uma disrupção quase inimaginável na vida normal. Numa altura em que se fala tanto em crise, que custos tem o tratamento desta doença? À medida que os regimes de tratamento se sofisticam, tornam-se mais onerosos, e o da LMA não difere. Contrariamente a outras áreas oncológicas, onde as drogas antineoplásicas constituem a fatia mais pesada dos custos, na LMA os custos maiores advêm dos longos tempos de internamento, da instalação e manutenção do condicionamento do ar dos quartos, das técnicas de diagnóstico, do suporte anti-infeccioso e transfusional, e do tratamento das complicações, que não raramente inclui estadias prolongadas em unidade de cuidados intensivos. Um serviço que trata LAs tem obrigatoriamente um médico presente 24 horas por dia, uma equipa de enfermagem com treino específico, e uma urgência referenciada aberta 24 horas por dia. À medida que a população envelhece, as complicações, e portanto os custos, aumentam também. É certo que quanto mais eficaz for o tratamento de primeira linha, menos recidivas sucessivas necessitarão tratamento. Uma resposta mais directa à sua pergunta implica um cálculo, que julgo não estar feito em Portugal para esta patologia, que incorpora desde custos brutos de uso dos serviços hospitalares até custos dos anos de vida produtiva perdidos para a sociedade. O facto de o serviço ter agrupado num mesmo piso a clínica e a investigação laboratorial, é uma vantagem? Uma das questões essenciais no manejo das LA é a rapidez e fiabilidade do diagnóstico. Um serviço que quer tratar LAs tem de estar preparado para as diagnosticar em 24 horas, e também para as caracterizar (morfologia, citoquímica e imunofenotipagem, genética celular e molecular) de forma a ser possível colocar cada caso na grelha de risco de que falámos. Nos Capuchos temos a sorte de possuir estas valências laboratoriais num espaço adjacente à enfermaria, integrado no serviço, no qual duas patologistas se encarregam da morfocitoquímica e alguns dos hematologistas são responsáveis pela citometria e genética. Entendemos que este tipo de organização, que permite uma ligação estreita constante entre todos os intervenientes, é o mais adequado para a boa qualidade dos resultados, e até - quanto à questão de custos que levantou - para a boa gestão dos recursos. Em Medicina, por muito "protocolados" que estejam os actos (e o Serviço dos Capuchos é desde sempre um defensor da existência de protocolos) a discussão diária destinada a resolver dúvidas e a gizar estratégias para cada caso continua a ser um sine qua non da boa prática clínica.

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ENTREVISTA

Dra. Aida Botelho de Sousa

TRANSPLANTES, quantos são feitos e com que resultados? Actualmente, a Unidade de Transplante dos Capuchos dedica-se à transplantação autóloga. Com quatro quartos de isolamento, temos realizado nos últimos anos uma média de 60 transplantes anuais. De 1997 (data da criação do programa, por iniciativa do então director do Serviço, Dr. Joaquim Gouveia) a Dezembro de 2010, foi efectuado um total de 507 transplantes em 435 doentes. A maioria destes transplantes foi realizada em doentes com mieloma (metade do total) seguindo-se os linfomas não Hodgkin, e em terceiro lugar os linfomas de Hodgkin. Uma minoria de transplantes efectuou-se em LAs (nomeadamente LP em segunda remissão) e em tumores de células germinativas em recaída ou refractários. A mortalidade aos 30 dias foi de 0.9 por cento, e a mortalidade (não relacionada com recidiva) aos 100 dias de 2.7 por cento, o que nos satisfaz. Em mieloma (patologia na qual o transplante não tem a ambição de cura mas de prolongamento do tempo livre de doença) com um seguimento mediano de 4 anos estão vivos 60 por cento dos doentes; dos doentes com linfomas (que não transplantamos em primeira remissão) com follow up mediano de cinco anos, estão vivos 65 por cento; dos doentes com LA (follow up três anos) estão vivos 65 por cento. Como se sente ser responsável por esta área? Trabalhar em hemato-oncologia é gerador de entusiasmo. Não só porque os resultados têm vindo a melhorar permitindo a mais pessoas sobreviver a doenças outrora mortais, mas também porque o estímulo é grande para… melhorarem muito mais. O ambiente de trabalho é bom no serviço. As equipas médica, de enfermagem, de secretariado e de técnicos têm conseguido criar boas plataformas de entendimento, mas a sobrecarga de trabalho tem notoriamente vindo a afectar o funcionamento diário da casa. Com taxas de ocupação no internamento de 130% (ou seja 1/3 dos doentes - quase todos os casos "não-LA" - em camas de outros serviços) e com "carolice" dos hematologistas como motivo da inexistência de lista de espera, é certo que a equipa precisa de crescer para continuar a trabalhar com a mesma qualidade.

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TEXTO LIVRE

PROTOCOLO de TRATAMENTO da LEUCEMIA PROMIELOCÍTICA AGUDA (LPA) Actualização em Junho 2010 - Serviço de Hematologia, HSAC Por Aida Botelho de Sousa, directora do serviço Foi-nos solicitado pelos organizadores desta publicação da Sociedade Portuguesa de Hematologia um “texto livre” relacionado com uma das áreas de eleição do Serviço. Entendendo que numa publicação destinada a divulgar a actividade e o modo de trabalho de cada centro cabe melhor uma amostra da rotina real do que uma revisão teórica, optei por enviar ipsis verbis o texto que em 2010 resumiu as decisões do serviço dos Capuchos em leucemia promielocítica, servindo simultaneamente de introdução à alteração protocolar submetida à Comissão de Farmácia e Terapêutica da instituição (Setembro 2011). Na discussão anual dos resultados do tratamento da LPA (reuniões de 25/5 e 1/6) tornou-se claro que os bons resultados do regime iniciado em 2003 podem ainda ser melhorados. Sendo a LPA uma neoplasia eminentemente curável, a redução da toxicidade e a prevenção e tratamento precoce da recaída são objectivos obrigatórios dos serviços que a tratam. As alterações ao protocolo agora aprovadas destinam-se a: 1) reduzir a mortalidade na indução; 2) reduzir a taxa elevada de recaída no grupo Sanz "alto risco"; 3) reduzir a toxicidade no grupo "baixo risco"; 4) optimizar o tratamento da recaída. 1) resumo dos resultados 2003-10

1992-2002 n=100 recuo mediano 12a 2003-2010 n=82 recuo mediano 3a

RC

SG

85%

67%

87%

80%

SLD

morte em RC1

60% aos 12a 82% aos 4a

3 (1 na consol.) 4 (1 na consol.)

INDUÇÃO: Não existindo na LPA casos de doença resistente, todos os casos de "não-RC" são mortes na indução (MI). A revisão das 11 MI do período 2003-10 mostra: a) o desconhecimento pelos médicos referenciadores de que o tratamento da LPA constitui uma emergência (5 dos 11 entraram "já" com hemorragia SNC e/ou pulmonar, 4 deles com inexplicável atraso de envio e falecendo entre o 1º e o 5º dia, apesar de início de tratamento à chegada); b) 2 casos de MI em pós-op de cirurgia por trombose da mesentérica (possível equivalente não descrito de síndr. de diferenciação ?); c) dos factores de risco para MI analisados, a idade como único significativo. Da toxicidade da indução, salientam-se: 5 bacteriémias a Gram-neg mortais; 14 casos (17%) de síndrome de diferenciação (2 necessitando ventilação assistida; nenhum mortal, contrariamente ao período pré-2003, com 3/15 casos mortais). CONSOLIDAÇÃO e MANUTENÇÃO: a toxicidade das consolidações (actualmente possíveis em ambulatório) reduziu-se marcadamente, havendo porém a registar

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TEXTO LIVRE 1 morte séptica em remissão (sepsis neutropénica com início tardio de antibs em SU de outro hospital). Em 70% dos ciclos 2, e em 18% dos ciclos 1 e 3, houve internamento por neutropenia febril. Apesar da relativa "leveza" das consolidações deste regime, registaram-se recentemente 2 casos de aspergilose invasiva (os primeiros em LPA dos últimos 10 anos) reflectindo a preocupante incidência actual desta micose no internamento. DURAÇÃO DA REMISSÃO e RECAÍDA (REC): o regime actual permitiu reduzir significativamente a taxa de REC de 38% no estudo pré-2003 para 13% (a confirmar em seguimento mais longo neste último). As REC são agora muito tardias, com duração mediana da RC1 até à REC de 32 meses, vs 14 meses no período anterior. A análise dos factores predisponentes para a REC mostra que é significativamente mais frequente no grupo de alto risco (27% vs 6% nos riscos baixo/interm.) sobretudo se havia mutação FLT3-ITD no diagnóstico (57% REC se ambos factores presentes vs 0% se ambos ausentes). Registaram-se 4 recaídas no SNC, em parte atribuíveis à retirada de AraC da IND e da CONSOL no regime actual. EVOLUÇÃO PÓS-REC: com trióxido de arsénio (ATO) a maioria dos doentes que recaem vem a curar-se desde que a RC2 obtida com ATO seja consolidada com transplantação autóloga hematopoiética. Assim, estão vivos 87% dos doentes submetidos a auto-transplante em RC2, 66% dos submetidos a autotransplante em RC >3, e 33% dos submetidos (por impossibilidade de auto) a alotransplante. 2) alterações aprovadas Estes resultados comparam-se favoravelmente com as recentes actualizações a longo prazo dos ensaios PETHEMA, GIMEMA, germânico e European APL Group. A nossa taxa de RC ligeiramente inferior (mas > à do InterGroup EUA) explica-se pela não inclusão nos ensaios multicêntricos europeus dos doentes "demasiado mal" para recrutamento: só recentemente se tornou claro que, mesmo na era "ATRA", a taxa real de morte precoce da APL é muito superior à apontada nos ensaios (cf Alizadeh ASH 2009: 24% mortes até d7 no grupo "alto risco" em Stanford). Necessitamos empreender um esforço major de sensibilização dos médicos dos SU de Lisboa (incl. privados) e distritais referenciadores. Para além de pequenas alterações formais nos exames de avaliação de resposta, a questão premente é a necessidade de reduzir a taxa de REC nos doentes de "alto risco" sem agravar indevidamente toxicidade e custo do tratamento pós-remissão. Das opções possíveis (excluindo por enquanto da discussão o trióxido de arsénio como consolidação de RC1) a mais promissora é a do LPA2005-PETHEMA que, adoptando a filosofia GIMEMA ao reintroduzir AraC no alto risco e reduzindo as doses de antraciclinas no baixo risco, parece conseguir diminuir a taxa de REC no alto risco de 25% (LPA99) para 8% (LPA2005). Torna-se ainda necessário introduzir QT intratecal profiláctica para o alto risco. O tratamento da REC não sofreu alterações, à excepção da incorporação de profilaxia da localização neuromeníngea.

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TEXTO LIVRE

LEUCEMIA PROMIELOCÍTICA AGUDA (Início 1 Julho 2010) À CHEGADA - O tratamento é uma emergência --> iniciar tratamento na suspeita de LPA sem aguardar confirmação diagnóstica - O diagnóstico é genético --> enviar medula para PML/RARA (FISH) + cariotipo (Lab. Serv. Hemato); e também para pesquisa FLT3-ITD por PCR - Registar grupo de risco (usar contagem de GB anterior a ATRA e de plaquetas anterior à 1ª transfusão!) --> Grupo de risco Alto Intermédio Baixo

GB /μl > 10 000 10 000 10 000

plaquetas /μl quaisquer 40 000 > 40 000

INDUÇÃO tretinoína (ATRA, Vesanoid, caps 10mg) 45 mg/m2/d po (em 2 tomas, fim peq.alm. e jantar) até RC hemat. + IDARRUBICINA (amp 5 mg) 12 mg/m2/d iv dias 2*, 4, 6 e 8

Regras: 1) *se GB >20 000, IDR começa d1 (antes de confirm. genética, desde que doc. ser LMA) 2) Se >70 anos, omitir toma de d8 de IDR 3) Se <20 anos, reduzir dose de ATRA para 25 mg/m2/d 3) Até controlo de coagulopatia: contagens SP+coagulação diárias / manter plaquetas >50 000 e fibrinogéneo >150, se necessário transfundindo várias vezes por dia 4) Se GB > 30 000/μl à entrada, DXM 10 mg iv q12h até redução de GB 5) Toxicidade de ATRA - À mínima suspeita de síndrome de diferenciação: DXM 10 mg iv q12h, mínimo 3 dias (suspensa logo que sintomatologia resolvida); - Sempre que toxicidade grave (s. diferenciação grave, pseudotumor cerebri, etc): interrupção de ATRA até resolução e retoma com dose diária de 25 mg/m2/d - Citopenias tardias (> 3ª-4ª semana de ATRA): suspender ATRA e aguardar recuperação espontânea; - Triglicéridos e amilasémia à entrada e 1x/semana 6) Avaliação da resposta: - Não há lugar a mielograma no nadir, só após recuperação de contagens de SP; - Os atrasos de diferenciação até à 6ª semana de indução NÃO justificam decisões de tratamento alternativo nem violações protocolares; - Não há lugar a avaliação genética na RC hematológica: a resposta molecular será avaliada APÓS CONSOL (ver adiante) excepto em casos particulares. CONSOLIDAÇÃO: (doses /m2) Grupo de risco Baixo Intermédio

Ciclo 1 IDR 5mg d1-4 ATRA 45mg d1-14 IDR 7mg d1-4 ATRA 45mg d1-14

Ciclo 2 DHAD 10mg d1-3 ATRA 45mg d1-14 DHAD 10mg d1-3 ATRA 45mg d1-14

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Ciclo 3 IDR 12mg d1 ATRA 45mg d1-14 IDR 12mg d1-2 ATRA 45mg d1-14

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TEXTO LIVRE Alto e < 60 anos

IDR 5mg d1-4 AraC 1g d1-4 ATRA 45mg d1-14

DHAD 10mg d1-5 ATRA 45mg d1-14 QT it profiláctica*

Alto e >60 anos

IDR 7mg d1-4 ATRA 45mg d1-14

DHAD 10mg d1-5 ATRA 45mg d1-14 QT it profiláctica*

IDR 12mg d1 AraC 150mg d1-4 ATRA 45mg d1-14 QT it profiláctica* IDR 12mg d1-2 ATRA 45mg d1-14 QT it profiláctica d1

Idarrubicina (IDR) amp 5mg Mitoxantrona (DHAD) amp 20mg AraC em c1: em 250 G5 ou SF em 2horas com profilaxia conjuntivite AraC em c3: em 500 G5 ou SF em 8 (oito) horas *QT it profiláctica: MTX 12 mg + AraC 50mg (em c2 é feita NUM dos dias do ciclo (escolhido à conveniência da equipa HD)

Regras: 1) Se houve hemorragia intracraniana na IND, a QT it profiláctica indicada para alto risco aplica-se independentemente do grupo de risco do doente 2) Iniciar ciclos quando 1500 neutrófilos e 100 000 plaquetas 3) Documentar RC molecular (FISH de medula) após o 2º ou o 3º ciclo (se não há RC molecular no fim das consolidações --> discutir reindução com ATO) 4) Processo de H.DIA aberto desde saída do 1º internamento até última consolidação e fechado no início manutenção, data em que há um resumo/ponto da situação/plano para a consulta. MANUTENÇÃO: durante 2 anos 6-MERCAPTOPURINA (Purinethol, cp 50mg) 50 mg/m2/d po METOTREXATO 15 mg/m2 1x/semana, im ou po (Ledertrexato, cp 2.5mg) ATRA (Vesanoid, caps 10mg) 25 mg/m2/d x15 dias de 3 em 3 meses

Regras: 1) 6MP e MTX: reduzir dose de 50% se neutr <2500; interrupção temporária se <1000; admitir subida de transaminases grau 1 2) Vigilância de DMR: medula para PML-RARA por PCR (Lab. Serv. Hemato) de 4/4 meses nos primeiros 3 anos após o fim da consolidação. Um resultado + implica repetição nas 2 semanas seguintes. Dois + consecutivos comprovam recaída molecular --> para tratar 3) TODAS as alterações /violações protocolares são trazidas à discussão TRATAMENTO DA RECAÍDA INDUÇÃO: TRIÓXIDO DE ARSÉNIO (ATO; Trisenox, amp 10mg) 0.15 mg/kg/d em 250cc SF (1h) x25 tomas (se ambulat:5 dias/semana, HD Hematologia) Regras: 1) tox. cardíaca de ATO: - Vigilância de iões 2-3x/semana: manter K>4.0 e Mg>1.8 - Vigilância de ECG 1-2x/semana: se intervalo QT >500 msec, suspensão temporária - Suspensão de toda a medicação que possa alargar QT 2) Outra tox de ATO: síndrome de diferenciação (trat: igual ao de ATRA, ver acima); hiper-leucocitose (pico à 3ª semana); dermatite; hepatopatia; hiperglicémia 3) Se REC SNC (isolada ou associada a medular): ATO + QT it + RT CE (dose terapêutica !) (QT it 3-4x/semana até LCN normal, depois 1x/semana durante 1 mês, depois cada 3 meses indefinidamente)

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TEXTO LIVRE PROFILAXIA SNC: MTX 12mg + AraC 50mg, via intratecal x 2 (após recuperação de contagens SP) RESPOSTA: avaliada com mielograma e FISH, 8-10 dias após o fim de ATO; se não for obtida RC molecular, 2º ciclo idêntico de ATO 25 dias; após este, se não RC molecular, ATRA + HAM3 CONSOLIDAÇÃO: - Candidato a transplantação: autóloga se RC2 molecular alogénica se não obtida RC2 molecular ou colheita inadequada de progenitores - Não candidato (comorbilidade, idade): discutir caso a caso a indicação de ATO x 2 ciclos (dose e regras: iguais a IND, ver acima) PETHEMA LPA2005 (Sanz, Blood 2008) "How I treat"(Tallman, Blood 2009) LeukemiaNet (Sanz, Blood 2009) European APL Group (Adès, Blood 2010) German AMLCG (Lengfelder, Leukemia 2009) InterGroup EUA (Powell, Blood 2007)

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Centro Hospitalar Lisboa Norte Hospital dos Capuchos

Serviço de Hematologia Diagnóstico Laboratorial das Leucemias Agudas

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ENTREVISTA

Dra. Patricia Ribeiro

Dra. Isabel Costa

Como se caracteriza esta área para ser considerada de excelência? Patrícia Ribeiro (PR) - Diria que a principal característica do nosso serviço é sua capacidade de resposta à urgência da patologia. Ou seja, um doente que entra na urgência do hospital de manhã com a hipótese de leucemia aguda terá o diagnóstico confirmado passadas poucas horas, e depois ir-se-ão realizando uma série de exames para determinar o prognóstico da sua doença. Portanto, o que nos caracteriza é a ligação entre o laboratório e a clínica; por estarmos fisicamente todos no mesmo local, aumenta o diálogo e a rapidez no diagnóstico. Há serviços que têm os laboratórios separados e com certeza não terão a mesma facilidade. Isabel Costa (IC) - Falamos de leucemias agudas, são estas que requerem rapidez de diagnóstico. Aqui conseguimos de facto conciliar as duas áreas: a clínica e o laboratório. Aliás, conseguimos ser auto-suficientes em praticamente todos os exames complementares para definir o prognóstico de todas as leucemias, à luz do conhecimento actual, como é evidente. Este aspecto é muito interessante e tem repercussão na formação/ensino dos internos da especialidade. Procuramos incutir nos internos a importância desta dualidade clínica/laboratório. Há internos que nitidamente preferem só a clínica mas outros não. Portanto as instalações, o espaço físico é outra característica importante para a área de excelência? PR - Sim, é uma vantagem, mas para além de funcionarmos no mesmo piso, é muito importante o facto de trabalharmos em equipa. Isto é, os médicos que se dedicam à clínica também se dedicam à área laboratorial. O que acontece habitualmente é que os (excelentes) profissionais que trabalham no laboratório, não têm ligação à clínica e vice-versa. Nós fazemos esta ligação: observamos, tratamos e seguimos o doente, orientamos e participamos na parte laboratorial fazendo sugestões para que se efectue determinada análise em detrimento de outra. IC - Há um diálogo estreito e a maior vantagem desta relação é um maior rigor no pedido das análises, logo uma maior rentabilização dos recursos. PR - Aliás a especialidade de hematologia clínica prevê que haja uma componente laboratorial. O que acontece habitualmente é que existe muita pressão na clínica e o número acrescido de actividades clínicas torna difícil libertarmo-nos para a área laboratorial. IC - São estas variações que tornam os serviços de hematologia do país todos diferentes. Mas esta diversidade não é exclusiva de Portugal, passa-se o mesmo lá fora. E porquê a excelência nas leucemias agudas? PR - Tem que ver com a incidência, uma vez que 90 por cento dos casos que nos chegam são leucemias agudas.

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ENTREVISTA IC - Ao longo dos anos já passámos por várias etapas. Ou seja, há anos atrás as doenças do glóbulo vermelho tinham maior relevância no serviço, mas com a evolução da especialidade, a patologia do glóbulo branco tomou maior peso e passámos a ter cada vez mais leucemias agudas. O facto de o hospital ter uma urgência aberta 24h também permitiu que outros centros nos referenciassem muitos doentes suspeitos de leucemia. Isto não quer dizer que não tenhamos outros doentes hematológicos, mas estamos diferenciados e preparados para tratar este grupo de doenças. Podemos então dizer que funciona como um centro de referência? PR - Sim, considero que somos um centro de referência. IC - Quantos mais doentes tratamos, maior experiência temos e melhor sabemos lidar com os efeitos adversos dos tratamentos. A nível pessoal quais os principais aspectos que realçam ao trabalhar nesta área? PR - Bom, temos experiências diferentes. Estou no serviço há 20 anos e desde o início que queria dedicar-me às leucemias agudas, ou seja à hemato-oncologia. IC - O meu caso é diferente. Estive, inicialmente, em medicina interna e os meus horizontes eram diferentes, mas sem querer direccionei-me para esta área e não estou arrependida. Coincidiu com uma altura em que a hematologia começava a ter uma maior importância. Actualmente, penso que é a especialidade em que mais novidades vão surgindo a nível genético e molecular com consequências terapêuticas. PR - O que fazíamos há 20 anos não tem nada a ver com o que fazemos hoje. Por exemplo um doente com uma leucemia aguda promielocítica há 20 anos teria um risco acrescido de não sobreviver por hemorragia grave e hoje em dia apenas com uns comprimidos conseguimos estabilizar o doente e aumentar-lhe a esperança de vida para 80 a 95%. A evolução tem sido fantástica. O serviço está preparado para diagnosticar e tratar estes doentes da mesma forma que no resto da Europa? PR - Sim, não há nenhuma diferença. Utilizamos os critérios internacionais na classificação das doenças e no prognóstico, temos controlos de qualidade, revemos frequentemente as publicações e verificamos aquilo que fazemos na prática através de reuniões clínicas e revisão dos casos clínicos. Portanto, o tratamento que um doente recebe aqui ou no estrangeiro é semelhante. Como é serem responsáveis por esta área? IC - É um desafio muito grande. Muitas vezes dramático, mas tentamos ultrapassar os aspectos negativos e ser úteis. Como não curamos todas as pessoas ficamos psicologicamente mais frágeis, deprimidos… Temos que arranjar uma estrutura mental forte que nos proteja; não podemos ser demasiado sensíveis nem demasiado frios, temos que encontrar o equilíbrio. PR - Para mim é mais ou menos a concretização do que sempre quis fazer. O que é que esta área ainda tem mais para desenvolver? IC - Muita coisa, alguma muito cara! Há técnicas caras a que não conseguimos ter acesso. O futuro é a genética. PR - Ou seja, os exames que fazemos para o diagnóstico e o prognóstico são os fundamentais para decidir a terapêutica. O que nós gostaríamos de fazer prende-se com o conhecimento da doença com a sua fisiopatologia, e isso está ligado à investigação básica, o que não está no âmbito deste serviço. Essas técnicas laboratoriais Implicam metodologias mais caras do que aquelas que por serem rotina são mais facilmente sustentáveis.

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TEXTO LIVRE

SERVIÇO DE HEMATOLOGIA - "UM ENORME LABORATÓRIO" Por Patricia Ribeiro e Isabel Costa, hematologistas O Serviço de Hematologia do Hospital de Santo António dos Capuchos em Lisboa tem, no âmbito do diagnóstico e tratamento das leucemias agudas, características ímpares no conjunto dos outros Serviços de Hematologia do país. Esta relevância é-lhe conferida, essencialmente, por conter no mesmo espaço físico uma área clínica e uma área laboratorial em perfeita consonância. Cumpriu-se assim o objectivo do seu fundador, Dr. Renato Valadas Preto para quem um Serviço de Hematologia deveria ser "um enorme laboratório". Este tem-se mantido também o objectivo das pessoas que se lhe seguiram incentivando nos clínicos o interesse pela montagem de técnicas úteis ao estudo das patologias que tratam e que não existem no meio em que trabalham. Porque os grandes progressos nas leucemias agudas dos adultos nas últimas décadas têm sido essencialmente moleculares, com o conhecimento de novos factores de prognóstico, que condicionam diferentes estratégias terapêuticas, o serviço dispõe, neste momento, de todas as técnicas que permitem o diagnóstico das leucemias, desde a citomorfologia e citoquímica, à citometria de fluxo, à citogenética clássica e técnicas de FISH, e às técnicas de PCR, das amostras de medula óssea e sangue periférico na sua grande maioria. As vantagens desta coabitação são inúmeras, permitindo: - Uma maior rapidez no diagnóstico, rapidez esta que é de extrema importância em doenças agudas. - Uma maior economia de gastos, porque a selecção dos exames de investigação a fazer é ditada pela citomorfologia, citoquímica e citometria. - Um maior interesse para os internos da especialidade que se habituam a "perseguir" o produto biológico pelos diversos sectores, conseguindo ter uma visão global e dinâmica do diagnóstico. - Um maior entusiasmo para quem estuda e trata estas patologias. Esta coabitação pretendeu-se que fosse também um estímulo aos trabalhos de investigação clínica. Assim tem permitido: - A prática de trabalhos de fácil e rápida execução que têm sido apresentados anualmente à comunidade científica. - O despertar do gosto e abrir novas perspectivas às pessoas mais jovens do serviço que colaboram activamente executando alguns deles. - Estudos de maior "fôlego" como o da detecção da doença mínima residual em Leucemia Aguda Linfática, que decorre já. Na diversidade do que é a Hematologia este serviço privilegiou o diagnóstico das leucemias, e alcançou esse objectivo.

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Instituto Português de Oncologia Lisboa

Departamento de Hematologia Transplantação de Progenitores Hematopoiéticos (UTM)

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ENTREVISTA

Prof. Manuel Abecasis

Que características tem este Serviço para que seja considerado uma área de excelência? Este serviço foi pioneiro no país, em 1987, na área de transplantação de progenitores hematopoiéticos. Desde então o Instituto Português de Oncologia (IPO) tem liderado em todos os avanços mais relevantes na área do transplante de medula óssea em Portugal. Fomos os primeiros a fazer transplantes com sangue de cordão umbilical e com dadores não relacionados, respectivamente em 1994 e 1995, assim como os primeiros a utlizar células progenitoras circulantes para transplante autólogo e alogénico. Em 2000 estabelecemos o primeiro programa de fotoforese extracorporal no país e também iniciámos um programa de tratamento da doença de enxerto contra o hospedeiro com células mesenquimatosas, provenientes de doadores saudáveis em 2007. Somos os únicos em Portugal a fazer a irradiação corporal total, desde 1987, em estreita colaboração com o Serviço de Radioterapia. Em todas as áreas da transplantação em Portugal, o IPO de Lisboa foi pioneiro. Considero que isso é demonstrativo que, apesar das suas limitações e constrangimentos verificados, este é um serviço que se tem esforçado e investido para acompanhar o que de mais relevante se faz a nível internacional. Isso quer dizer que o que aqui se faz na área da transplantação está ao nível internacional? Sim. Realizamos aqui tudo aquilo que é considerado como procedimento de rotina na área do transplante de medula. Todos os desenvolvimentos que têm surgido, e que já estão transpostos para a clínica, são praticados aqui no serviço. Isto apesar da limitação e dos constrangimentos que temos quer ao nível de recursos humanos - somos muito poucos - e de espaço físico no sector do internamento, onde temos o maior estrangulamento. Dispomos de apenas sete quartos com fracas condições. Na altura em que foram implementados era o que se fazia no resto na Europa, mas hoje em dia estão perfeitamente desadequados, sobretudo em conforto e em espaço. Em tempos tivemos prevista uma unidade de internamento nova, para um edifício que devia ter sido construído há 10 anos, mas contingências várias bloquearam esse desenvolvimento, inclusive alguns melhoramentos foram adiados com o pretexto de se ir ter novas instalações. A área onde agora funciona o ambulatório, o hospital de dia e a consulta é aceitável, e permite-nos prestar um serviço de qualidade, para além de oferecer conforto aos doentes.

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ENTREVISTA Existe um projecto na direcção que prevê a disponibilização de um espaço físico que tem dimensões perfeitamente adequadas àquilo que se pretende para o sector do transplante. Esse espaço está ocupado por outro serviço e obriga a uma recolocação de serviços. Vamos ver se é possível. Considero que o IPO de Lisboa tem sido um pouco esquecido pela tutela e isso leva a que diversas áreas tenham sido penalizadas. Essa situação parece não estar de acordo com o nível da investigação e dos serviços prestados… De forma nenhuma. Não é justificável que um serviço que tem tido uma actividade relevante a nível nacional e internacional, seja o serviço bandeira do IPO de Lisboa (isto não quer dizer que os outros não trabalhem bem), tenhamos que nos debater com estas dificuldades. O nosso esforço não tem sido reconhecido nem acarinhado pela tutela. Falou em constrangimentos também ao nível de recursos humanos. Como se constitui o serviço? Somos muito poucos. Estamos neste momento numa situação de transição porque com a saída do anterior director do Departamento de Hematologia, fui designado pela direcção do IPO para assumir essas funções, em acumulação com a direcção do Serviço de Transplantação. Por outro lado, foi necessário nomear um director para o serviço de hematologia, foi nomeado o Dr. Leal da Costa que fazia parte do corpo clínico do transplante portanto, saiu. Aliás como é sabido o Dr. Leal da Costa é actualmente Secretário de Estado da Saúde, sendo a Prof.ª Maria Gomes da Silva a nova directora do Serviço de Hematologia. O Dr. Nuno Miranda está neste momento como director clínico do IPO e também deixou de fazer parte do serviço. Neste momento, conto na minha equipa, efectivamente, com a Dra. Isabelina Ferreira, a Dra. Gilda Teixeira e comigo próprio. Somos os três elementos sobre os quais repousa toda a actividade de transplantação. Estamos a viver um período particularmente difícil, mas espero que no espaço de alguns meses já estejamos em condições mais folgadas. E ao nível de custos - que se calculam elevados - como é feita a gestão? Os custos são elevados não só pela medicação que os doentes têm necessidade de fazer como, por vezes, pelos internamentos prolongados. Há doentes que ficam internados mais de seis meses e para um serviço que tem apenas sete camas é de calcular a limitação, mas é a realidade que temos. Portanto, os custos são variáveis mas reconhecidamente elevados. Somos financiados através de duas alíneas: uma que diz respeito aos GDH da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), fruto da negociação da Direcção do Centro e da Administração Regional de Saúde (ARS); no segundo caso, temos o financiamento que vem directamente do Ministério da Saúde, através da ACSS, financiamento esse que foi reduzido de 50%. Penso que é indispensável esclarecer que os incentivos destinados à transplantação nunca foram atribuídos à equipa de transplante, sendo a totalidade das verbas retida pela administração do IPO. É de prever que havendo apenas sete camas haja lista de espera? Sim, sim temos. No entanto, conseguirmos fazer cerca de 80 transplantes por ano,

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ENTREVISTA o que obriga a uma gestão ao milímetro das camas que temos para que não tenhamos tempos mortos e os quartos sejam rentabilizados ao máximo. Também temos que analisar cada caso e dar prioridade aos doentes mais urgentes. É constrangedor o facto de não podermos tratar de todos tão rapidamente quanto queríamos. Pontualmente, se acharmos que não podemos dar resposta dentro do tempo aceitável, os doentes são referidos para fora, mas não são muitos, felizmente. Falou em diferentes tipos de transplante. Quais as principais actividades que tem o serviço de transplantação, tendo em conta as doenças mais frequentes? Fazemos transplantes autólogos e alógenicos, seja em doentes adultos ou pediátricos. Os trasplantes autólogos, utilizando a medula dos próprios doentes e isso correspondem aproximadamente a dois terços da nossa actividade, com particular destaque para os mielomas e os linfomas. A seguir na lista dos mais frequentes estão os tumores sólidos, essencialmente pediátricos, neuroblastomas, sarcoma de Ewing e tumores do sistema nervoso central. Nos alotransplantes a nossa actividade é muito virada para as leucemias agudas, e para situações pontuais, como sejam aplasias medulares, anemias de Fanconi, doenças metabólicas, alguns linfomas, etc. Dos transplantes de natureza alogénica, cerca de dois terços são feitos com dadores não relacionados, quer do painel português, quer de dadores estrangeiros. O nosso serviço dá ainda apoio ao Registo Português de Dadores de Medula Óssea através da colheita de células que depois vão para o estrangeiro. É uma outra actividade que temos além da transplantação, das consultas e do hospital de dia, é a colheita de células por citaferese, cuja responsável é a Dra. Maria João Guterres. O Laboratório de Criobiologia, onde trabalham técnicos superiores, faz o processamento e armazenamento dos produtos que são colhidos e congelados à espera de serem transplantados. Para além de tudo isto, temos ainda a obrigação de registar e reportar todos os doentes, participamos em estudos internacionais e em ensaios clínicos. É, portanto, uma actividade diria quase frenética. Na sua opinião as doenças hematológicas têm tido maior incidência ou são diagnosticadas precocemente? Os dados estatísticos que existem a nível nacional e internacional mostram que os linfomas estão a aumentar em todo o mundo ocidental. Isto terá que ver com factores epigenéticos e outros como sejam, exposição a agentes poluentes, o modo de vida das pessoas, enfim… diversos factores que fazem com que estas situações tenham vindo nos últimos 10/15 anos a tornarem-se mais prevalentes. Por outro lado, temos a impressão, subjectiva, que também os mielomas estão a aumentar, isto porque transplantamos muitos mais doentes e em idades mais jovens. Em relação às restantes patologias a incidência mantém-se embora a prevalência esteja provavelmente a aumentar como consequência de tratamentos mais eficazes. O exemplo mais notável desta situação é a leucemia mielóide crónica desde a introdução dos inibidores da tirosina cinase (imatinib, dastinib e nilotinib) cuja eficácia mudou por completo o prognóstico da doença e a vai transformar numa das doenças hematológicas mais frequentes.

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Instituto Português de Oncologia Lisboa

Departamento de Hematologia Laboratório de Hemato-Oncologia

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ENTREVISTA

Prof.ª Maria Gomes da Silva

Como se caracteriza a área laboratorial de diagnóstico do Departamento de Hematologia do IPO Lisboa para que seja considerada uma área de excelência? O Laboratório de Hemato-Oncologia do nosso Departamento promove a caracterização fenotípica e genética dos tumores hematológicos, no momento do diagnóstico e ao longo do curso da doença e da resposta ou resistência à terapêutica. Esta área está incluída no departamento de hematologia e tem autonomia técnica exactamente pela sua especificidade. Ou seja, utilizam-se aqui técnicas relativamente complexas do ponto de vista laboratorial. Não há, penso eu, nenhum laboratório no país com as mesmas características, sobretudo porque junta dentro do mesmo serviço metodologias muito diferentes e não automatizadas, ou seja, dependentes do observador. A caracterização fenótipica é feita através de técnicas de citometria de fluxo (actualmente feita a oito cores), e é a metodologia que dá resultados mais rápidos e imediatos e que, juntamente com a informação que nos chega do laboratório de morfologia, permite orientar outros exames para a caracterização da doença. Temos ainda um contacto muito próximo com o Serviço de Anatomia Patológica, com quem estamos em contacto constante para melhor decidirmos quais os estudos pertinentes em casos de diagnóstico mais complexo. As metodologias que usamos no Laboratório têm ainda o potencial de permitir acompanhar a evolução da doença, quer sob terapêutica, quer nas fases de recidiva ou, nalguns casos, a monitorização sem tratamento de forma a anteciparmos a recidiva. As técnicas moleculares, as mais sensíveis de todas, possibilitam-nos alertar atempadamente os clínicos para a possibilidade de reaparecimento da doença ou instituição de terapêuticas mais precoces e mais eficazes. Naturalmente, a sua aplicabilidade e a utilidade das informações por elas fornecida depende em muito do tipo de doença. Também a caracterização citogenética das patologias no momento do diagnóstico pode ter um impacto decisivo sobre este e sobre a definição do prognóstico e a escolha de estratégias de tratamento adequadas. No fundo o objectivo desta área de trabalho, que ainda não está completamente alcançado, é fazer um diagnóstico integrado, em conjunto com a observação morfológica. Ou seja, conseguirmos fazer uma caracterização global e exaustiva da doença na fase do diagnóstico. Para que isto aconteça, damos prioridade sempre ao contacto estreito com os clínicos que pedem os exames, com o Laboratório de Hematologia Geral (onde é feito o estudo morfológico dos aspirados medulares) e o Serviço de Anatomia Patológica. Desta

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ENTREVISTA forma procuramos poupar tempo, dinheiro, recursos humanos, e estamos organizados com a mesma filosofia de base que é tentar chegar a um diagnóstico correcto e completo. Por fim, dizer que os principais "clientes" deste laboratório são serviços internos do IPO Lisboa: o Serviço de Hematologia, a Unidade de Transplantação de Medula Óssea, o Serviço de Pediatria, e o Serviço de Anatomia Patológica com o seu departamento laboratorial. Trata-se, portanto de um laboratório com diversos sectores. Funciona só internamente ao IPO ou também para fora? Sim, funciona para fora. Temos contractos estabelecidos com outras unidades de saúde - públicas e privadas - e estamos sempre abertos a receber amostras de fora sempre que nos seja solicitado. O regime de contrato é muito prático porque permite não atropelar a gestão do dia-a-dia, e ter uma perspectiva de qual a quantidade de amostras previsível em determinado espaço de tempo, e o volume de trabalho que isso vai acarretar para podermos responder em tempo útil e com qualidade. Perante esta caracterização, conclui-se que estão ao nível do que se realiza internacionalmente? Este laboratório, enquanto tal, foi criado em Janeiro de 2006. Antes disso as três secções - citometria de fluxo, citogenética e biologia molecular - estavam separadas: a citometria de fluxo pertenceu até 1996 ao laboratório de imunologia, a citogenética pertencia ao laboratório de patologia experimental, incluído na anatomia patológica, e a biologia molecular constituía o grupo de investigação de Hematologia do Centro de Patobiologia Molecular (CIPM) do IPO Lisboa. Em 2006 ficaram unidos sob a designação de Laboratório de Hemato-Oncologia e todos eles, desde o momento da sua criação, excepto talvez o de citogenética, surgiram no contexto de projectos de colaboração internacional, nos quais se mantiveram envolvidos, ou em novos, que englobam a actividade desses sectores. Isso para nós é fundamental não só porque nos assegura um nível de qualidade e de parceria internacional, como nos mantém vivos, despertos e actualizados. Curiosamente não trabalhamos com laboratórios europeus que tenham as três valências. Ou seja, o nosso laboratório tem características únicas não só no país como no contexto Europeu, onde a junção destas técnicas laboratoriais debaixo da mesma estrutura organizativa é muito rara. Como é gerir este serviço, em recursos humanos e económicos? Está a ser cada vez mais complicado sobretudo porque nenhum de nós médicos foi preparado para este tipo de gestão. A gestão dos recursos humanos depende da instituição. Ou seja, o Laboratório não tem autonomia nem capacidade contratual directa. Identificamos as carências e, como é habitual no contexto hospitalar, solicitamos à administração hospitalar as contratações e as aquisições de equipamentos, materiais e reagentes. Temos contado com muito apoio do ponto de vista de gestão de recursos humanos e materiais por parte de Administração Hospitalar. Todos os anos, fazemos o planeamento do ano seguinte, prevemos as aquisições e identificamos as necessidades. Do ponto de vista institucional este laboratório tem

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ENTREVISTA sido muito acarinhado e esperamos continuar a ser, porque fazemos o possível para retribuir. Com isso quero dizer que fazemos uma análise rigorosa e criteriosa dos custos e somos pedagógicos no relacionamento com os nossos clientes. Procuramos acompanhar rigorosamente as inovações científicas e técnicas e analisar os resultados publicados relacionados com as técnicas e doenças que estudamos, de forma a podermos alertas os clínicos que solicitam os exames para as vantagens específicas de cada teste e para a sensibilidade e especificidade dos métodos Tentamos sempre determinar qual a estratégia laboratorial que melhor responde à questão clínica e evitamos a duplicação de exames. Este laboratório está certificado desde há dois anos, e começámos a incluir nos nossos objectivos a contenção de custos. Obviamente que esta contenção é feita sem perder de vista a nossa prioridade, a qualidade dos serviços e dos resultados, o que significa que a planificação é feita dentro do laboratório e de acordo com os nossos clientes. Como é ser responsável por esta área? Bom, todos os dias há problemas para resolver mas devo dizer que é uma posição privilegiada de interface entre a clínica e o laboratório. Sou médica e tenho cerca de 50 por cento do meu tempo alocado à actividade assistencial. Gosto particularmente da patologia hematológica do foro oncológico, trabalho inserida no serviço de hematologia e isso faz com que esteja sempre presente nas reuniões clínicas. Procuro estar sempre disponível telefonicamente para quem precisar discutir algum problema relacionado com o diagnóstico, quer seja dentro quer fora do hospital. Gosto muito do trabalho de laboratório, conheço bem as técnicas de diagnóstico… É um privilégio. Ter mais do que um ponto de vista, ser o porta-voz dos problemas do laboratório para a clínica e vice-versa é uma mais-valia. Faço muita questão de aproximar técnicos de laboratório e clínicos, em reuniões regulares e trabalhos onde uns e outros apresentam e discutem resultados. Gosto muito desta actividade, que me faz sentir útil a um grupo vasto de doentes e médicos.

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Instituto Português de Oncologia Lisboa

Departamento de Hematologia Clínica Hematológica

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ENTREVISTA

Prof.ª Maria Gomes da Silva

O que faz da clínica hematológica uma área de excelência? Temos várias características que nos permitem afirmar como um serviço de excelência. Não falo ainda enquanto Directora do Serviço mas como membro activo deste serviço, desde há muitos anos. Há de facto características que o tornam um serviço único, a começar por nos focarmos na patologia oncológica dentro da Hematologia, ainda que mantenhamos algum contacto com a doença não oncológica, mais não seja por motivos formativos. É para nós um privilégio ser um centro de referência em oncologia hematológica. Pelas características da nossa instituição esta patologia é algo seleccionada. Não tendo um serviço de urgência aberto ao exterior, as situações agudas são-nos referenciadas mas não nos entram directamente. Em resultado disto, o número de doentes com patologia aguda que recebemos, nomeadamente de leucemias agudas, não é particularmente elevado, ainda que tenha aumentado nos últimos anos. Focamos a nossa actividade sobretudo na patologia linfóide crónica, nomeadamente linfomas, mielomas e nalguma patologia mielóide, essencialmente mielodisplasias e doenças mieloproliferativas. Realço que, neste como certamente noutros serviços, a qualidade e motivação dos recursos humanos é essencial - a excelência dos cuidados prestados deve-se à dedicação e qualidade da equipa que constitui o corpo clínico do serviço, e ao seu esforço continuado de melhoria. Uma das característica que contribui também para a excelência do serviço é a componente diagnóstica, que está integrada no Departamento de Hematologia (ou seja em estreita correlação com a actividade assistencial) e que procuramos que seja da melhor qualidade possível. Ou seja, estamos muito próximos das áreas laboratoriais de diagnóstico, seja histológico (através de reuniões regulares com o Serviço de Anatomia Patológica e de trabalhos de colaboração), seja em técnicas relativamente específicas (genéticas, moleculares e fenotípicas que aprofundam a caracterização das patologias e permitem depois acompanhá-las). Considero que esta aproximação com a área do diagnóstico e o conhecimento das técnicas que a ele conduzem, bem como, uma tentativa de aprofundar o conhecimento dos mecanismos biológicos das doenças através do envolvimento em projectos de estudo com componente laboratorial é uma das fortes características do nosso serviço. Outra característica importante é o envolvimento de elementos do serviço em projectos de investigação, seja translacional através da conexão de grupos dentro do Instituto Português de Oncologia (IPO) e com grupos externos, seja clínica, através de

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ENTREVISTA colaborações interinstitucionais também nacionais e internacionais. Temos tido ao longo dos últimos 20 anos uma colaboração mais e mais importante com grupos cooperativos internacionais em áreas de trabalho clínico e laboratorial em diferentes patologias, com um foco muito importante e uma diferenciação específica em neoplasias linfóides, e desenvolvemos a investigação clínica através do desenvolvimento de ensaios clínicos e epidemiológicos. Quais pensa que são os desafios que tem pela frente? São muitos e é difícil enumerá-los todos. Nesta altura, o primeiro será de fazer planos para o ano que se segue, e perceber como vamos conseguir fazer mais e melhor, e quase certamente com recursos limitados. Esta é uma questão transversal a todas as nossas instituições, que nos vai obrigar a uma disciplina de reflexão constante sobre aquilo que fazemos, o motivo pelo qual o estamos a fazer e a uma avaliação sistemática dos resultados obtidos. Não podemos prescindir do nosso papel na tomada de decisão relativa à gestão dos recursos, sobretudo quando estes são limitados. Considero que há margem para melhorar, é muito importante ter a noção precisa do que está ser feito usando instrumentos de avaliação quantitativos e qualitativos. Assim, no que respeita a planos para o futuro, um dos mais importantes é a organização. Outro é a estruturação da actividade assistencial por áreas de interesse dentro do serviço, que permitirá, penso, melhorar os cuidados prestados e a formação médica. Os nossos doentes gostam de nós, é uma das nossas imagens de marca de que me orgulho, contudo há formas de organização no atendimento assistencial que podem e devem ser optimizadas. Um outro desafio muito importante vai ser ampliar a nossa prática de investigação, clínica ou translacional, e o envolvimento na formação pré e pós graduada, áreas que acarinho. Não vai ser fácil continuar a fazê-la, mas não podemos deixar de o fazer, sob pena de perdermos qualidade na nossa prática diária. Perante as novas conjunturas políticas, económicas e sociais como vai gerir a questão dos custos? Bom, dirigi o Laboratório de Hemato-Oncologia no IPO durante 6 anos e sinto neste momento que a actividade laboratorial é mais previsível e fácil de planear do que a clínica. Como disse, os meus planos imediatos são "fazer o ponto da situação", incluindo nesta acção a identificação de áreas onde alguma intervenção possa permita poupar recursos. É óbvio que esta é uma função dos Directores, contudo também a tutela e as administrações das instituições têm uma palavra a dizer, nomeadamente no estabelecimento e planificação de prioridades e objectivos. Se nos for pedido, enquanto serviço, que ampliemos a nossa actividade e prestemos assistência a um maior número de doentes, quero acreditar que nos será dito como fazê-lo com menos recursos, através de uma estratificação clara de prioridades. Tenho neste momento alguns projectos de coordenação com outras unidades de saúde. Acredito que uma boa coordenação nas áreas de diagnostico e orientação terapêutica poderia optimizar não só a nossa performance como, provavelmente, a qualidade dos cuidados prestados aos nossos doentes. É importante que globalmente a conjuntura seja favorável ao estabelecimento dessas coordenações.

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ENTREVISTA Como se traduz a investigação e a formação nesta área de excelência? Temos neste momento 12 (doze) especialistas de hematologia envolvidos na actividade clínica do serviço, prestando cuidados assistenciais (ambulatório e internamento), de ensino e investigação. Naturalmente recebemos internos, embora ainda não tenhamos indicação de quantos nos vão ser atribuídos para o ano. Fazemos um forte investimento no ensino pré-graduado, mantemos uma colaboração com a Faculdade de Ciências Médicas, na cadeira de Medicina I e recebemos alguns alunos que vêm aqui estagiar. No âmbito do ensino pós graduado, além dos internos da especialidade (hematologia) que fazem a sua formação no serviço, recebemos frequentemente internos de outras especialidades que aqui vêm fazer formação em hematologia. Também alguns dos especialistas do serviço estão envolvidos na orientação de teses de mestrado e doutoramento. Esta actividade é fundamental porque mantém a necessidade de actualização constante, a disponibilidade para responder a dúvidas e questões, para estruturar informação e transmiti-la… é um desafio constante. No que toca à investigação temos em curso vários estudos clínicos na área dos linfomas, do mieloma múltiplo e da mielodisplasias, promovidos por grupos académicos e por companhias farmacêuticas. O nosso serviço faz parte de alguns grupos cooperativos europeus enquanto centro activo. Em muitos dos ensaios não participamos apenas como mais um centro, mas fazemos parte das comissões científicas, da comissão de monitorização de dados de segurança, etc.… A investigação translacional segue um pouco a inspiração da clínica e desenvolve-se centrada nas mesmas patologias. Falando de casuística, qual a patologia com maior incidência? Os dados até agora recolhidos indicam que em termos numéricos o ano de 2011 está a acompanhar o 2010, recebemos cerca de 800 novos doentes, sendo a patologia predominante a linfóide - linfomas (hodgkin e não hodgkin) e leucemia linfática crónica, com 350 novos doentes. O número de leucemias agudas recebido anualmente varia entre 35 e 45 novos casos. Recebemos também um número elevado de doentes - cerca de 100/120 - com gamopatias monoclonais/mieloma múltiplo. Os restantes são doentes portadores de mielodisplasia - um diagnóstico frequente e que não é fácil - mais raramente neoplasias mieloproliferativas, e ainda casos de alterações hematológicas relacionadas com outras doenças. Com toda esta actividade resta tempo para publicações em revistas da especialidade? Felizmente que sim. Gostava que fosse em maior número, mas apesar de tudo temos tido uma actividade relativamente constante, principalmente em revistas internacionais. Creio que a produção do serviço vai aumentar e espero que aumente sobretudo com trabalhos que sejam gerados, pensados e planeados por nós. Temos mantido colaborações dentro do país em áreas que nos interessam, através da participação activa na reunião dos grupos de trabalho, no âmbito das quais também esperamos poder continuar a publicar trabalhos.

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