Revista ATLAPSICO Edição 02

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ATLASPSICO NÚMERO 02 | AGOSTO 2007

A Revista do psicólogo

Uma análise Bioquímica Pesquisa básica em

Doença de Parkinson Matéria de Capa

Reações do sujeito frente ao diagnóstico de sorologia positiva para o vírus

AIDS/HIV


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MATÉRIA DE CAPA Reações do sujeito frente ao diagnóstico de sorologia positiva para o vírus AIDS/HIV

ATLASPSICO número 02 | agosto 2007

18 COMPORTAMENTO

O sintoma na relação homem animal

COMPORTAMENTO

Depressão pós-aposentadoria em idosos de baixa renda

BIOQUÍMICA

Pesquisa básica em Doença de Parkinson

PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL Mergulhe no silêncio e descubra o novo

COLUNA

Máscaras de carnaval, quem está por trás?

LIVROS AGENDA E CLASSIFICADOS

EXPEDIENTE

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Revista ATLASPSICO é uma publicação bimestral. Os artigos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. O uso de imagens e trechos dos textos somente podem ser reproduzidos com o consentimento formal do editor. Fevereiro. 2005 | Reeditado em agosto de 2007 | Curitiba – PR EDITOR-CHEFE Márcio Roberto Regis | CRP 08/10156 JORNALISTAS Rose Santana | 12.182/MG Audea Lima | 972/96/PI DIREÇÃO DE ARTE | DIAGRAMAÇÃO Equipe ATLASPSICO editorial@atlaspsico.com.br www.atlaspsico.com.br | revista.atlaspsico.com.br

COLABORADORES Psicóloga Alline Alves de Souza Psicóloga Roseli de Melo Braga dos Reis Psicóloga Viviane Marcon Duarte Psicóloga Gabriela Mezzomo Acadêmica Maristela Bordin Bioquímico Marcelo Ferro Psicóloga Lígia Guerra Psicólogo Márcio Roberto Regis

© Copyright 2007 - Todos os direitos reservados. All rights reserved.


Editorial

Nesta segunda edição da revista ATLASPSICO, abordaremos um assunto freqüente em clínicas e consultórios de psicologia e na área da psicologia hospitalar: quais são as reações do sujeito frente ao diagnóstico de sorologia positiva para vírus HIV/AIDS?

Para responder esta questão, as Psicólogas Viviane Duarte, Gabriela Mezzomo e Maristela Bordin se dirigiram à uma ONG e ao ambulatório de DST/AIDS na cidade de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul e entrevistaram indivíduos portadores de doenças crônicas, em especial os de DST/AIDS. Nesta matéria, as pesquisadoras relatam suas experiências no auxílio psicológico aos indivíduos portadores do HIV, quais são as expectativas dos clientes em relação ao profissional da saúde, qual o papel e o que a representação dos familiares à esses indivíduos, as drogas ilícitas, o medo da morte, comportamentos de fuga/esquiva e também o preconceito que essas pessoas sofrem da sociedade. Mais uma vez, agradeço meus Colaboradores que fazem da revista ATLASPSICO um sucesso na qualidade de seus artigos aqui publicados. Continuem participando! Boa leitura! Psicólogo Márcio Roberto Regis CRP 08/10156


COMPORTAMENTO

O sintoma na relação homem animal DURANTE QUASE TODO O TEMPO EM QUE A HUMANIDADE EXISTE, OS CÃES ESTÃO AO NOSSO LADO. ESTA ANTIGA RELAÇÃO QUE COMEÇOU HÁ 100 MIL ANOS, QUANDO O PRIMEIRO CÃO FOI DOMESTICADO, JÁ PASSOU POR PRECONCEITOS. NA IDADE MÉDIA, MUITOS CÃES ERAM VISTOS APENAS COMO PORTADORES DE DOENÇAS. JÁ NO SÉC. XIX, NOVAS RAÇAS COMEÇARAM A SER CRIADAS, PRINCIPALMENTE PARA ATENDER À DEMANDA DOS NOBRES POR COMPANHIA. E A PARTIR DAÍ A HISTÓRIA NOS MOSTRA QUE OS CÃES FORAM ADQUIRINDO OUTRO STATUS DENTRO DA SOCIEDADE, ASSIM COMO NOSSAS ATITUDES DIANTE DELES MUDARAM DRASTICAMENTE. Segundo Maldonado (1999), as diversas relações que mantemos com os animais, sejam estes silvestres, domésticos, de companhia, de laboratório, de consumo, de rua, etc. tem permitido uma aproximação com enfoques diferentes: acadêmico, filosófico, ético, jurídico, emocional, romântico, artístico, compassivo, fundamentalista, de saúde, clínico, etológico e comparado, entre outros. Para Burnier (200?) atualmente, os cães são tratados como membros da família; eles preenchem vazios em nossas vidas, aliviam nossas tensões e até ajudam a curar nossas doenças. Ainda para Burnier (200?), o cão é o único animal doméstico que alterou radicalmente todo o seu modo de vida e toda a sua esfera de interesses ao se relacionar com o homem. Além disso, passou a absorver as boas e as más influências da vida moderna. Os donos pouco sabem sobre as reais necessidades de seus animais domésticos e acabam humanizando ou mimando demais os bichos. Isto gera ansiedade, dependência emocional e problemas de agressividade. Por animal de estimação, entendemos todo animal que está presente no cotidiano do homem, sem que a ele lhe forneça, obrigatoriamente, algum benefício produtivo. O animal de estimação caracteriza-se como mais um componente da dinâmica familiar; um “indivíduo” que apesar da inferioridade biológica participa, de alguma forma, da vida emocional de pelo menos um dos integrantes da família. Segundo Kreisler ( 2002), o animal de estimação

passa a ser mais um membro da

família. Crianças que convivem com cachorros, trabalham melhor o afeto e também a questão do luto. A morte de um animal de estimação, por exemplo, representa, na grande maioria das vezes, a oportunidade da criança ou mesmo adulto vivenciar a finitude de seu ser e assim compreender melhor as emoções que emergem deste fenômeno. Segundo Mehl (2003), a psicologia do comportamento animal estuda os diferentes processos de aprendizagem de um animal. O cão aprende através de diversos processos como: “imprinting”, imitação, jogos, condicionamentos clássicos e operante; possui posturas diversas representan-

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COMPORTAMENTO

do: alerta, submissão, agressividade, dominância ou alegria; que emite sons e sinais orgânicos próprios para comunicar-se. A vida com o cão propicia vivências afetivas e os conteúdos pessoais de seus donos que surgem através dessa experiência podem ser trabalhados. Os distúrbios comportamentais do cão, referem-se ao sintoma: um sinal diferenciado das demais doenças que não resulta de causa orgânica e não obedece a nenhuma lei da anatomia ou fisiologia corporal, é uma mensagem que precisa ser lida. Freud, o criador da Psicanálise, lança elogios a relação Homem-animal, dizendo que ela é mais agradável e autentica que as relações entre os seres humanos. Também continua, em outra oportunidade, relatando o quanto o Homem se afastou desta relação, por temer seu lado instintivo. Segundo Freud: “ O abismo que os homens estabeleceram mais tarde entre eles e os animais não existiam para os povos primitivos, nem existe para nossas crianças, cujas fobias animais, segundo demonstramos, resultam de medo do pai”. E continua: “ Se admitirmos a sobrevivência de traços herdados(...) estaremos diminuindo o abismo que, nas primeiras épocas, a arrogância humana alargou demasiado entre a humanidade e os animais”. Segundo Silveira (1992), na concepção Junguiana, bichos representam o arquétipo primitivo da sombra interna do homem, banida na cultura ocidental, mas que sobrevive em nosso psiquismo. A psicologia terá de dar muita atenção ao animal no mundo interno do homem, animal que faz parte intrínseca de sua evolução tanto biológica como psicológica, e do qual a função configuradora de símbolos do inconsciente se utiliza para exprimir forças muito profundas. Neste sentido, este estudo tem como propósito discutir o deslocamento de sintoma do homem para o animal e vice-versa, evidenciando a relação bilateral entre ambos, a partir de uma revisão teórica e com ilustrações derivadas de dois estudos de caso de animais domésticos que apresentaram sintomas similares aos de seus donos. Procura-se sinalizar a importância de um trabalho multidisciplinar envolvendo o Clínico Veterinário e o Psicólogo, no sentido de disponibilizar o aconselhamento psicológico aos donos desses animais, uma vez entendida como questão emocional o sintoma apresentado nesta relação.

cos, científicos e sociais. Tornando-se mais estreita e complexa quando como espécie começamos a domesticá-los e a colecioná-los, criando interações que em principio ocorrem em detrimento das necessidades básicas das espécies mantidas em cativeiro ou de domesticidade. “Atualmente rodeiam o homem uma série de animais domésticos de grande valor econômico ou afetivo, considerados como algo natural, se esquecendo que todos eles não existiam há quinze mil anos e que a maioria não apareceram senão há uns dez mil anos (domesticação).” Morris (1900) Segundo Chieppa (2002) relata neste parágrafo sobre as fases de evolução da relação homemanimal. O homem, desde a gênese tem explorado o ambiente natural com um olhar particularmente atento e interessado para as outras formas de vida animal do Planeta. As primeiras expressões humanas de arte gráfica representavam animais. As figuras de paredes do Paleolítico mostram uma grande variedade de animais e quase nunca espécies vegetais. O homem troglodita manifestava uma tendência ao travestitismo e ao hibridismo na forma animal, comportamentos tribais que ainda sobrevivem – em arcaicas expressões propiciadoras – junto a diversas civilizações primitivas. O progresso da humanidade e os próprios acontecimentos históricos que têm marcado o destino dos povos, têm freqüentemente implicado uma determinante presença do animal. A relação homemanimal tem evoluído nos milênios através de três fases destacadas:Guer sisl dunt nulla commodionse dio dolorpero commy nos doloreros nonsed mincinit, vel ipisi eum veliquisim euis am zzrit ipisi. Duipiscidunt nostrud tatuerillaor sum iusto conum vel utpatiscipit wis acidui tio odolenit ulla adiam zzrit la consequismod dolorem in ut ut adit in ea consecte coreet augue feu facilisi. Dunt wissed ecte do er sequipisit lobor se tin henis aliquat, quat wiscin erciliquis dolore dolorpero erit lum ipit, sim amet autate magniat at ilit verosto er irilism olenis nosto dolore consequisi. Gait prat. Te dolutem ipisisit endre tie del ulla core commodo odolobortin erit incing endrem erciduisit vercil ut lute con heniamet ut vel ilis nostrud duisi esequis nonulputat am dipisit vel et nonse te dio odolor sum verosto et nim ipsusci tat velessim eugiam nonsed dolore tat, vulla conullandre magnim volore et, quisi eraestie dolore erostrud eniam nit, quis nonsequipit lum dolorperit am nulpute velit praestionum nulla adit, quam, si. At. Tie dolorperit in volorem illa faccum venibh A RELAÇÃO HOMEM-ANIMAL endre min henibh et doluptat, quipit iustin heniat Esta relação que a espécie humana tem estavero duip etueros euguer sustrud tie feuis et alit belecido com outras espécies animais se encontra inci tem zzril dolenisit prat. Rat iriure ver sis dolenis marcada por momentos históricos e culturais, assim et, quat. Amet veliqui tet wisi. como por fatores ambientais, políticos, econômi

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COMPORTAMENTO

PRIMEIRA FASE: Concepção arcaica do animal Nesta fase o homem tinha através do animal uma ligação que poderíamos definir como mágica-totêmica. O ser não humano era assimilado a uma entidade divina (culto pagão de alguns animais junto aos antigos egípcios). O animal foi percebido como uma divindade iniciadora de estirpes. A esta concepção arcaica se relaciona a presença de símbolos animais na antiga heráldica.

SEGUNDA FASE: Concepção econômico-funcional do animal Neste período histórico se afirma o conceito do homem “dominus”: mestre, favorito também de certa teologia cristã, afirmativa de uma Natureza constituída por um conjunto de elementos considerados a serviço das necessidades materiais do ser humano. O animal nesta fase é considerado “útil” – mediando um neologismo de origem anglo-saxônica, atualmente um tanto em voga em matéria econômico-financeira – produtores de carne, leite, lã, pele, ovos, força de trabalho. Portanto se afirma o repugnante conceito de uma besta total e indiscriminadamente a serviço das necessidades humanas.

TERCEIRA FASE: Concepção ética do animal Corresponde à visão do animal que se tem no período histórico. A criatura não humana, graças aos progressos da biologia, etologia, medicina veterinária, não é mais considerada como no passado: “corpo vil”, mas ser sensível, em condições de percepções conscientes de prazer e dor. Nasce uma legislação de tutela dos animais em todos os países mais evoluídos. O animal torna-se depositário de direitos elementares. É uma questão ótica ético-filosófica que se insere no atual conceito de pet-therapy, já que o animal passa a ser considerado também como distribuidor de benefícios psico-sociais. A progressiva urbanização e o desaparecimento da antiga civilização rural, o relegou a viver em ambientes metropolitanos caóticos e estressantes. Aumenta o número de solteiros, das famílias sem filhos, ou com filho único. Cresce de modo exponencial o exército de animais considerados “de companhia” que compartilham a nossa existência nas residências de hoje. Quanto ao Pet, segundo Chieppa (2002): significa literalmente “animal de afeição predileto”, não é bem uma descoberta mas, através da aproximação do animal de companhia o homem renova no seu novo contexto de vida uma antiga ligação desejada essencialmente em nível inconsciente. O homem contemporâneo, na busca da aproximação de um pet, tende à “infantilização” pelo animal de companhia. Através da seleção, tem miniaturizado muitos dos animais que os circunda, conferindo a diversas raças portes somáticos permanentemente infantis, em grau de reforçar a ligação de adoção por parte do homem.

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COMPORTAMENTO

BENEFÍCIO DE ANIMAIS DE COMPANHIA de afetos, isto é , são os animais, com seus elemen-

Grande parte do material teórico que trata sobre a relação entre Homem e animal, ainda surge como um sinal de protesto ao pensamento positivista, onde nesse contexto o animal é simples símbolo do passado instintivo do homem, uma “coisa inferior”, que só serve para ser usado em experiências ou finalidades específicas de adestramento. Prada (1997) que em seu livro “A alma dos animais” usa de argumentos com base na fisiologia cerebral para comprovar a existência de emoção no comportamento animal. Segundo ela, a estrutura neurológica responsável pela manifestação do comportamento emocional (sistema límbico e área pré-frontal), está presente em todas as espécies. O biólogo de campo Schaller (Apud Masson, 1997) escreve que “um amoroso dono de cão pode lhe dizer mais a respeito da consciência animal do que alguns cientistas que estudam comportamento em laboratório”. (p.29). Segundo o autor somos também animais domesticados; domesticados por nossa moral e nosso senso de responsabilidade. Nos últimos dez anos, a convicção de que a companhia de animais é benéfica para o homem, adquiriu fundamento científico e com base em um trabalho pioneiro, realizado nesta área, pela doutora Fuchs (1987), que se caracterizou as particularidades desta singular afetividade entre homens e animais. Fuchs (1987) desenvolveu uma pesquisa que tratava de levantar dados a respeito da interação entre o homem e o animal doméstico. Estes dados, podem, na necessidade desta pesquisa, pode ser observados da seguinte forma: Existência de um animal biológico e um animal psicológico Critérios singulares da relação afetiva homem-animal Benefícios da interação homem-animal Em conclusão à sua pesquisa, Fuchs (1987) determina a existência de um animal biológico, que seria aquele com que o dono se relaciona de maneira prática, alimentando-o, dandolhe banho, levando-o ao veterinário, exigindo resultados de adestramento, enfim tomando o animal pelos seu processos fisiológicos e de condicionamento; e um animal psicológico, que seria toda a imagem que o dono faz de seu animal, a partir, ou não, de gestos, posturas e comportamentos personalizados deste.

O AFETO NA RELAÇÃO BILATERAL ENTRE O HOMEM E O ANIMAL

A relação entre os homens e os animais tem origem na participação especial que o animais divulgam ao compartilhar com o homem uma troca

tos emocionais “puros” que dignificam ao homem uma visão mais clara do viver emocional. Basicamente, segundo Fuchs (1987), os animais são acolhidos pelos seres humanos porque; o relacionamento com animal e mais fácil do que com outro ser humano, o animal está sempre disponível , o animal é tolerante e expressa uma amizade incondicional, o animal supre a carência de afeto da pessoa desinteressadamente e o animal é acrítico, enfim o animal é fonte segura e previsível de afetos. No Brasil há um cachorro para cada sete humanos. Compreender o animal na relação com ser humano é entender não só o animal, mas também, aspectos particulares que emergem a partir desta relação. O trabalho original que Fuchs realiza como terapeuta de animais, mostram também que este animal pode apresentar “distúrbios” psíquicos, quando vive em um contexto desestruturado. O quanto o animal reflete, através de comportamentos inadequados, o conflito de uma família. FUCHS, (1987) Pigozza, (2002), lembra que a necessidade de estabelecer vínculos com animais e objetos existe em todas as idades. Quando a criança é pequena, la sente a necessidade daquilo que os especialistas chamam de objeto transicional. É algo que ela vai usar para sentir-se segura. Na primeira infância, quando é ainda imatura, esse objeto precisa ser realmente inanimado. Então ela elege o chocalho, a chupeta, o brinquedo. Ultrapassada essa fase e até o período pré-puberdade, surgem as condições para ser estabelecido um vínculo com animais. Segundo Eleutério (2002), é através das queixas sobre o comportamento do animal que o proprietário e terapeuta podem chegar à emoção que o incomoda. Comportamentos considerados em desequilíbrio como: medo, traumas, possessividade com relação ao dono, dificuldade de aprendizagem, desânimo, impaciência, temperamento dominador, agressividade podem ser ministrados com essências de florais que irão equilibrá-lo novamente. Para TURNER (200?), apenas a presença do animal de estimação pode reduzir a pressão sangüínea, o que é uma das justificativas para o alto índice de sobrevivência de donos de animais um ano depois de terem sido vítimas de ataque cardíaco. A outra explicação é óbvia e vale para todos os donos responsáveis de cães interessados em prevenir doenças cardíacas: mais exercício diário por conta das caminhadas com o animal pela vizinhança. Donos de animais de estimação geralmente têm baixo nível de colesterol, um dos fatores que pode levar a um ataque do coração. Um estudo publicado pelo British Journal da Royal Society of Medicine indica que, ao adquirir um cão ou gato, o dono reclama com menos freqüência de pequenos problemas de

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COMPORTAMENTO

saúde e desfruta de melhor qualidade de vida do As pessoas passam a tratar o cão como uma pesque pessoas sem animais de estimação. Este efei- soa. Vestem um cão com botas, roupas, pijamas e outo dura, no mínimo, 10 meses depois da aquisição tros acessórios. Ele vive perfeitamente sem eles e essa - que foi a duração da pesquisa - para os donos atitude deve-se a necessidades dos donos e não do de cachorros. Pesquisas médicas de larga escala na cão. Estamos a julgar os animais pelos nossos padrões Austrália concluíram que donos de animais de es- que são completamente diferentes das deles enquantimação se consultam com menor freqüência com to animais o que pode vir a causar um efeito nefasto. clínicos gerais e requerem menos medicação. Ain- Não é possível tratar com sucesso muitos casos resulda TURNER (200?) fala que animais de companhia tantes das situações acima. Pode-se e deve-se prevetambém se mostraram bastante prestativos para nir de uma forma bastante fácil. crianças tanto em casa quanto na escola. Eles auSegundo Freud, o sintoma é visto como alguma mentam a auto-estima da criança, melhoram sua coisa de recalcado, como signo e o substituto de integração na sala de aula, incentivam o contato uma satisfação pulsional que não teve lugar, uma social com outras crianças e aumentam sua vonta- satisfação impossível, um relato que não se escreve. de de aprender. Também na terceira idade, muitos Os distúrbios comportamentais do cão, refeestudos têm demonstrado a imrem-se ao sintoma: um sinal diportância e os benefícios ferenciado das demais dodo animal de compaA reenças que não resulta nhia. Quanto aos lação entre os homens e os de causa orgânica grupos de pessoanimais tem origem na participae não obedece a as com necessição especial que o animais divulgam ao nenhuma lei da dades especiais compartilhar com o homem uma troca de anatomia ou que podem reafetos, isto é, são os animais, com seus fisiologia corceber terapia aselementos emocionais “puros” que digporal, é uma sistida por animal nificam ao homem uma visão mais mensagem que ou participar de clara do viver emocional. precisa ser lida. atividade assistida por Não é possível tratar animal (AAA), tem estudos com sucesso muitos destes que comprovam a utilidade - e, na casos. A invisibilidade desse promaioria dos casos, o sucesso - do animal como co- cesso de construção social na medicina veterinária terapeuta: doentes psíquicos que não se comuni- parece expressar uma resistência quanto a estas sicam, crianças hiperativas ou agressivas, portadores tuações. da síndrome de Down, pacientes de Alzheimer, paSegundo Souza (2003), inserir o trabalho multi cientes com problemas neurológicos e deficientes e interdisciplinar envolvendo psicólogos, antropólofísicos. gos, veterinários, fisioterapeutas e biólogos uma vez Segundo Alves (2002), um efeito adverso do entendida como questão emocional o sintoma aprecontacto diário entre humanos e animais é que mui- sentado nesta relação bilateral homem-animal. tos destes que são tratados muitas vezes como gente e não preenchem todas as necessidades afetivas das O SIMBOLISMO DO CÃO pessoas sendo muitas vezes prejudicados por estas LEXIKON (1990), Dicionário de Símbolos, propois ao serem tratadas como humanas deixam de vavelmente o animal doméstico mais antigo e desde poder exercer instintos primordiais como o de ma- há muito motivo de interpretações simbólicas comtilha e muitas vezes não conseguem identificar a plexas e muitas vezes opostas. Em muitas culturas, hierarquia social em que se inserem. Pessoas com relaciona-se com a morte; é guardião do reino dos dificuldade de relacionamento igualmente podem mortos, guia almas ou intermediário entre o reino ter no animal um estímulo para se tornarem mais dos mortos e dos vivos (Anúbis, Cérbero); também sociáveis. O animal de estimação serve para pessoas os deuses das esferas escuras, noturnas e incertas carentes transferirem o seu afeto para eles o que aparecem eventualmente sob a forma de cães: por evidencia essa relação bilateral homem-animal. exemplo, Hécate, a deusa grega da encruzilhada. Ainda para Alves (2002), os chamados distúr- Em muitas culturas, por exemplo, na África, a sabebios comportamentais, são na maioria decorrentes do doria atribuída ao cão fez dele o ancestral da civiliabandono a que os animais de estimação são sujeitos zação e o portador do fogo aos homens; por outro durante o dia e à tentativa de humanização destes, lado, o forte vigor sexual observado no cão relapor parte dos seus donos. A destruição de objetos e ciona-o também com o simbolismo dos ancestrais outros comportamentos compulsivos surgem quando e dos geradores da espécie humana. A fidelidade os animais ficam longos períodos isolados. proverbial do cão faz dele ainda hoje um símbolo Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 02 | ago 2007


COMPORTAMENTO

muito difundido de fidelidade e por exemplo, no Japão, um ajudante e protetor mítico sobretudo das mulheres e crianças. No sentido negativo, o cão aparece como símbolo de impureza, do vício e da baixeza. Por exemplo, no Antigo Testamento e no islamismo, onde também se atribuem a ele características boas; a qualificação do cão como insulto humilhante é difundida em quase todas as culturas. A Idade Média conhecia a pena infamante de carregar cães; o enforcamento conjunto de cães era considerado um agravamento da pena. Na iconografia medieval, o cão é ambivalente; pode ser símbolo da inveja, da ira e da tentação do mal, mas também de fé e fidelidade. Um cão branco significa geralmente a bondade e a devoção das pessoas a cujos pés está representado; pode ser também símbolo de um bom casamento; um cão feio, quase sempre de cor escura simboliza, ao contrário a descrença ou o paganismo. Para CHEVALIER e GHEERBANT (1982), Dicionário de Símbolos, a primeira função mítica do cão, universalmente atestada, é a de psicopompo, i.e., guia do homem na noite da morte, após Ter sido seu companheiro no dia da vida. Serve também como intercessor entre este mundo e o outro, atuando como intermediário quando os vivos querem interrogar com os mortos e as divindades subterrâneas do país dos mortos. Por outro lado, Banyowski descreve um traje xamã feito de peles curtidas de cão (ROUF, 242), o que mostra o poder divinatório outorgado a esse animal. Reencontra-se essa crença na África ocidental, na antiga Costa dos Escravos. Os animais, que tão freqüentemente intervêm nos sonhos e nas artes, formam identificações parciais com o homem; aspectos, imagens de sua natureza complexa; espelhos de suas pulsões profundas, de seus instintos domesticados ou selvagens, cada um deles corresponde a uma parte de nós mesmos, integrada ou por ser integrada na unidade harmônica da pessoa. Os animais são símbolos dos princípios e das forças cósmicas, materiais ou espirituais. Sobre o totem, de forma geral, é revelado ao indivíduo através de uma visão, durante a observação do rito de passagem da Segunda colina (adolescência). É um animal ou planta, escolhido como protetor e guia, a exemplo de um antepassado com quem se instituiu um elo de parentesco, com todos os direitos e deveres que isso implica. Sua verdadeira significação é: guardião pessoal ou poder tutelar pertencente a um homem considerado individualmente. É freqüentemente representado na sua medicina (pacote-fetiche) ou pintado sobre suas roupas ou objetos pessoais sob a forma de um retrato ou de um símbolo. CHEVALIER e GHEERBANT (1982). Normalmente os animais de poder são selvagens, e não domesticados. Pessoas podem ter cachorros ou gatos como totem, porém estes poderes se manifestarão de uma forma mais suave. Então relaciona-se o cachorro com qualquer outro da família canina, como o lobo ou o coiote. WAGNER (200?).

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COMPORTAMENTO

RELATO DE DOIS CASOS CLÍNICOS Caso nº 1

B

. tem 40 anos de idade, é casada e tem uma filha de 15 anos e um casal de cães da raça Maltês. B. tem atividade sexual baixa ; preocupação com a filha de 15 anos que esta em casa e poderá “ouvir”. Não se desliga com a filha por perto. Espera que esta saia da casa no final de semana para poder transar. Sua cachorra maltês passou a apresentar coceiras na parte posterior da cocha no momento em que seu dono se encontrava desempregado. A cachorra passou por uma série de exames que não detectaram nada. Sendo então, fundo emocional, foi utilizado de floral para problemas de pele, stress e ansiedade. Foi procurado ajuda da Psicóloga e estudante de veterinária Mehl para o trabalho. A cachorra melhorou com os florais e quando seu dono obteve outro emprego. Conseguiu engravidar e teve 3 filhotes. Foi realizado parto normal. Durante o parto Mehl observou desespero da dona que chorava e fumava muito. O parto iniciou 23:00 até às 4:00h. B. relata a Mehl durante o parto de sua cachorra que suspeita de gravidez. Essa gravidez poderia ser suposta por não Ter mais objetivos de vida. Mais tarde teve queda de pêlos nas pernas e pelos pubianos. Realizou exames clínicos que nada constataram. B. apresentou o mesmo sintoma da cachorra. Anteriormente o cão se encontrava no papel de depositário das crises da família. Após melhora da mesma, o cão obteve melhora, ou seja, o sintoma de fundo emocional dos donos, foi deslocado do cão para a dona.

Caso nº 2

M

. tem 50 anos de idade, é casada, tem um casal de filhos já adultos, universitários, e mesmo assim cuida do filho e do marido como sendo seu único sentido de vida e também tem um cachorro macho da raça Maltês. Esta família dificuldades de lidar com perdas e doenças. M. como mãe, se encontra no papel de protetora da família, cuida do marido e do filho. Tem crises de depressão onde não sai da cama e o cão passa a apresentar o mesmo sintoma da dona. M. entra em depressão como forma de dar limite ao filho e ao marido tendo assim, um motivo para não fazer nada por um tempo. Quando entra em depressão, o cão também entra e quando melhora, o cão também melhora. Se sente obrigada a ser solicitada pelo marido e pelo filho. M. está sem identidade. Foi realizado um trabalho de psicologia com o cão de socialização e modificações de comportamentos para que o mesmo pudesse vivenciar experiências de “ser cachorro”, fato que a família vinha se omitindo de o fazer pois haviam cuidados exagerados com a limpeza, medos diversos, como descer de um sofá, de outros cães, de ruídos ou pessoas diferentes, de um pano que fosse pego de uma determinada maneira, de guarda-chuva, de roupas pretas, ansiedade e falta de apetite etc. Mehl preparou um floral para anorexia, traumas e fobias para o cão. M., a dona do cão, agora parece estar em processo psicoterápico.

Adotar um animal de estimação pode em alguns casos justificar o próprio “sufoco” que algumas pessoas sentem em relação ao mundo que estão vivendo...

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COMPORTAMENTO

Referente aos dois casos clínicos citados acima, percebe-se que sentimentos de alegria e mesmo de tristeza, podem transformar as várias expectativas que o ser humano tem durante seu desenvolvimento. Segundo Masson (1997), o luto por uma morte ou separação poderá até seguir um curso atípico, se o tipo de vínculo instalado for por demais ansiógeno a qualquer um dos integrantes. Adotar um animal de estimação pode em alguns casos justificar o próprio “sufoco” que algumas pessoas sentem em relação ao mundo que estão vivendo; o animal nestes termos, representa um retorno as origens, um retorno aquilo que foi deliberadamente esquecido pelo projeto da sociedade moderna: a emoção, a afetividade o vínculo sentimental com a natureza. Segundo Starling, Thomas e Guidi ( 200?), assumindo um papel afetivo dentro da família, o animal está a mercê de todos os ideais e conflitos desta família e corresponderá de forma adequada ou patológica, dependendo de como a família se organiza internamente. Neste exercício que os humanos fazem sobre os animais de estimação, parece ocorrer em paralelo uma estimulação para que o animal aguce sua percepção emocional, desenvolvendo certas comportamentos, antes inexistentes. Segundo Mehl (2003), a vida com o cão propicia vivências afetivas e os conteúdos pessoais de seus donos que surgem através dessa experiência podem ser trabalhados. Através da aproximação do animal de companhia o homem renova no seu novo contexto de vida uma antiga ligação desejada essencialmente em nível inconsciente. Chieppa (2002). O papel do animal de companhia na família irá depender da estrutura familiar, da força física e emocional, da fragilidade de cada membro da família, das propensões emocionais e do clima social. Levinson, (1967). Neste parágrafo segue segundo Lantzman (2004), a necessidade de escolha, de conhecimento da raça, de se conhecer o comportamento do cão, para evitar que algo dê errado. Pois basta um cão se comportar mal para convencer as pessoas de que todos os cães são inconvenientes, indesejáveis ou perigosos.

O CÃO NA FAMÍLIA: UMA VISÃO ECOLÓGICA-SISTÊMICA O paciente identificado: O funcionamento familiar ocorre em função e ao redor do comportamento do animal de estimação. O cão é visto como portador do problema. O facilitador da homeostase: a relação como o animal de companhia favorece e atua como mecanismo homeostático, operando para restabelecer o equilíbrio familiar. Elo de ligações entre os familiares: A relação com o animal de companhia é reconhecido como facilitadora das relações entre os familiares – elemento de coesão. Os membros da família podem estabelecer coalizões como o seu cão evitando confrontos diretos.

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COMPORTAMENTO

Expressão dos conflitos familiares: favorece a comunicação funcional entre os membros da família, favorece a comunicação disfuncional, desqualificadora e paradoxal. O cão está presente em estágios do ciclo familiar onde envolva transição, tais como: jovens solteiros saindo de casa ou se casando, famílias em estágio tardio, união de famílias, crises.

CONSIDERAÇÕES FINAIS As pessoas estabelecem formas de convivência harmoniosa com os animais, na qual o bemestar pleno de ambos é buscado através dessa relação bilateral entre homem e animal. Neste artigo, pode-se tecer algumas considerações com relação ao deslocamento de sintoma do homem para o animal e vice-versa, evidenciando a relação bilateral entre ambos. Uma prática veterinária centrada na relação das pessoas com seus animais busca qualificar a relação homemanimal juntamente com o trabalho de aconselhamento psicológico do Psicólogo com o dono do animal facilitando a comunicação para um procedimento médico mais seguro tratando os distúrbios comportamentais do animal como questão emocional de seu dono. Esse interesse que o homem sempre sentiu pelo animal, considerando-o como materialização de seus próprios complexos psíquicos e simbólicos, é hoje em dia muito sensível na popularidade dos animais domésticos sobretudo dos animais de estimação que são adotados, mais do que simplesmente criados. CHEVALIER e GHEERBRANT, (1998). É fundamental identificar as expectativas das pessoas em relação aos seus animais e orientá-las desfazendo possíveis equívocos avaliativos ao atribuir emoções humanas aos animais. Overall, (1997) O sucesso do atendimento de psicologia animal está nas mãos do cliente, depende da habilidade profissional em motivá-lo a reconhecer a origem e o desenvolvimento daquele sintoma referente ao comportamento do cão; fazer algo a partir de sua compreensão, capacidade de adaptação e de solucionar os conflitos caminhando–se assim, para um trabalho preventivo de bem estar nessa relação homem-animal.

AUTORA: Alline Alves de Souza Artigo de conclusão do curso de Psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná em 2004. E-mail: alline10@terra.com.br

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DEPRESSÃO PÓS-APOSENTADORIA A RELAÇÃO ENTRE APOSENTADORIA E DEPRESSÃO EM IDOSOS DE BAIXA RENDA O PRESENTE ARTIGO OBJETIVA TRABALHAR A DEPRESSÃO EM IDOSOS E SUA RELAÇÃO COM A APOSENTADORIA, PARTINDO DO CONCEITODE VELHICE E DEPRESSÃO A LUZ DO EIXO COMPORTAMENTAL, E RESPECTIVAMENTE CONCEITUANDO TRABALHO E APOSENTADORIA. A DISCUSSÃO GIRA EM TORNO DAS CONSEQÜÊNCIAS DA PERDA DO TRABALHO, ATRAVÉS DA APOSENTADORIA, E A INSERÇÃO DE TÉCNICAS COMPORTAMENTAIS EM GRUPO DE IDOSOS DE BAIXA RENDA QUE VIVEM A EXPERIÊNCIA DA APOSENTADORIA NO MOMENTO ATUAL. É imprescindível conceituarmos velhice e depressão baseado no eixo Comportamental, e ainda definirmos o que vem a ser trabalho e aposentadoria, para que posteriormente possamos discutir sobre a atuação do Terapeuta Comportamental em grupos de terceira idade, onde os idosos aposentados sofrem perdas significativas de seus papéis na sociedade, e desenvolvem comportamento depressivo, necessitando de intervenções terapêuticas rápidas e eficazes.

1. DEFINIÇÃO DE VELHICE E DEPRESSÃO A LUZ DO EIXO COMPORTAMENTAL No Brasil a proporção de pessoas com 60 anos ou mais, subiu de 7,9% em 1992 para 9,1% em 1999, conforme dados obtidos pelo Censo IBGE (2000). Existe no meio científico uma demarcação cronológica para a velhice iniciando aos 65 anos, mas para CAVALCANTI (1995) a velhice tem sua origem a partir do nascimento do indivíduo, sendo que este é um enfoque gerontológico que se baseia no envelhecimento das parte do organismo de cada pessoa, que pode variar de um indivíduo para outro. PAPALIA & OLDS (2000), relata dois tipos de envelhecimento: o envelhecimento primário, que é marcado por um processo gradual e inevitável de determinação corporal que começa mais cedo na vida e continua no decorrer dos anos; e o envelhecimento secundário advindo de resultados de doenças, abusos ou desuso do corpo, sendo que este pode ser controlado pelas pessoas. A velhice segundo MORAGAS (1991), possui 3 concepções diferentes: cronológica que marca seu inicio aos 65 anos; a funcional que determina a ve14

lhice pela incapacidade e limitação física; e a etapa vital que baseia-se no reconhecimento de que o transcurso do tempo produz efeitos nas pessoas e estas entram em etapas diferenciadas. DEBERT (1999) comenta em seu texto, que existe um movimento que marcou as sociedades modernas a partir da segunda metade do século XIX, onde a velhice foi tratada como uma etapa da vida caracterizada pela decadência física e ausência de papéis sociais. Ainda acontecerá, a consideração da divisão da velhice baseada em sistema cronológico nas sociedades ocidentais, sendo um mecanismo básico de atribuição de status (maioridade legal), definição de papéis ocupacionais (entrada no mercado de trabalho); formulação de demandas sociais (direito à aposentadoria); os estágios de maturidade fora do Ocidente estão relacionados pela transmissão de status social, como poder e autoridade jurídica, e na maioria das vezes depende das decisões dos mais velhos. A divisão cronológica orienta-se pelo fato da necessidade da vida social, através dos processos de socialização e é considerada por exigência das leis que determinam os direitos e deveres do cidadão, estruturando a família e o parentesco; o envelhecimento é estigmatizado pela perda de habilidades cognitivas, controle do corpo e controle emocional, com essas perdas verificamos o aparecimento da depressão. Algumas vezes, o terapeuta deve construir um novo repertório que seja eficiente no mundo em que o paciente se encontra. Skinner, 1953

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Segundo SKINNER (1995), a cultura onde um indivíduo nasce, compõe-se de variáveis que podem afetá-lo e estas são emitidas por outras pessoas. O ambiente social é o resultado dos procedimentos do grupo, que geram o comportamento ético e a extensão dos usos e costumes. A família do indivíduo pode controlá-lo, sendo que seu ambiente pode mudar no período de vida em que se sujeita a uma situação conflitante, onde as disposições emocionais vividas pelo indivíduo ficam como responsáveis pelos comportamentos de ódio, amor, raiva ou ressentimentos gerados por atmosferas desse mesmo tipo. Com base no pensamento de SKINNER (1995), observamos que os idosos podem apresentar sintomas de depressão devido a aposentadoria, pois quando ela ocorre o idoso não produz mais financeiramente, e muitas vezes eleva os gastos com saúde pois existe uma perda física onde as resistências são menores do que a de um jovem. Segundo PAPALIA & OLDS (2000), o fracasso em manter um estilo de vida saudável com exercícios adequados, acontecimentos estressantes ou solidão podem disparar a depressão. Podemos então dizer, que o isolamento das atividades profissionais, produzem no idoso a solidão e incidência de pensamentos negativos que irão alterando o humor, e desenvolvendo quadro depressivo nos idosos pelo fato de não se manterem no mesmo padrão de vida. “Alterações de situação como aposentadoria, separação do casal ou divórcio, mudança de residência ou de trabalho, isolamento ou solidão, poderão desencadear depressão. Em alguns casos, as pessoas que estão acostuma-

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das a trabalhar a vida toda sentemse deprimidas quando afastadas da atividade profissional, através da aposentadoria ou por qualquer outro motivo. Todo contexto de separação é doloroso, pois implica perda ou forte sentimento de incapacidade”. (JOÃO, 1987, p.22).

2. O QUE É TRABALHO E APOSENTADORIA? De acordo com o DICIONÁRIO DE CIÊNCIAS SOCIAIS (1987), o trabalho é a capacidade criadora do homem que o liberta em relação à natureza, exige esforço frequente transformando esse homem em ser social e independente. Nesse processo o homem modifica seu meio modificando a si mesmo, portanto o trabalho ocupa uma função social que produz satisfação de acordo com a forma e meio de desempenho da tarefa, e através das lutas sociais ocorreram várias garantias de direitos aos trabalhadores, inclusive a aposentadoria. O trabalho exerce na vida diária das pessoas grandes influências tais como: capitalista, valorização da profissionalização e rentabilidade, realização pessoal, remete ainda a uma forma de ocupação do tempo e estabelecimento de contatos sociais, onde a aposentadoria pode trazer a crise das perdas. “A concepção da velhice como um conjunto de perdas foi fundamentalmente para a legitimação de direitos sociais” (DEBERT, 1999, p. 68). A Previdência Social no Brasil, conforme SIMÕES (1999), instituiu a partir de 1930, a aposentadoria (dispensa do serviço conservando o ordenado), ocorrendo a legitimação do direito por tempo de serviço e por comprovação de contribuição. Segundo MORAGAS (1997), o papel do aposentado, socialmente é um papel sem papel. Espera-se que no século XXI essa nova realidade seja valorizada, prevendo uma mudança, da visão econômica-produtiva da aposentadoria para uma visão psicossocial, passando a ter “papel diferente”, a existência de outros papéis socialmente importantes para o aposentado, retirando-o do comportamento de depressão em que muitos se encontram. Segundo SHINOHARA (1995), os sintomas de depressão podem incluir sintomas afetivos como: desalento, baixa auto-estima, perda de gratificação, perda de vínculos, períodos de choro e perda de reação de alegria; sintomas motivacionais como: perda de motivação, diminuição de atividades, desejo de suicídio; sintomas cognitivos como: baixa auto-avaliação, expectativas negativas, culpa e autocrítica, indecisão e auto-imagem distorcida; sintomas fisiológicos como: perda de apetite e interesse sexual, distúrbios do sono e fadiga; sintomas comportamentais como: passividade, evitação e déficits sociais. 16

“[...] discriminado, inativo, vivendo em condições precárias e em situações de perda do status, do prestígio e das relações funcionais decorrentes do trabalho [...]. Conseqüentemente temos um idoso em crise: crise de identidade, que o leva, na maioria das vezes, à retração, à volta a si mesmo, à síndrome de pós-aposentadoria caracterizada pelo isolamento, pela solidão, pelo desinteresse pela vida, alcoolismo, divórcio, decrepitude, senilidade, morte social e morte física”. SÁ , 1991 citado por DEBERT (1999, p.148). PAPALIA & OLDS (2000), afirma que a depressão pode advir de acontecimentos estressantes ou solidão, e para modificação desses comportamentos, faz-se necessário o atendimento psicológico, onde atualmente a Psicoterapia Comportamental tem obtido resultados positivos na redução dos comportamentos depressivos dos indivíduos que a procuram.

3. INTERVENÇÕES COMPORTAMENTAIS PARA MODIFICAR COMPORTAMENTO DEPRESSIVO A terapia comportamental trata o indivíduo em três níveis complementares: cognitivo, autonômico e motor. Ajudando-o a superar influências dos preconceitos sociais em sua auto-imagem e em suas expectativas de autoimagem; fornecendo subsídios para melhor lidar com problemas de saúde; orientando e facilitando a mudança de comportamentos desadaptativos, por outros mais adequados, bem como a extinção de antigos padrões; para o bemestar do idoso em todas as áreas da vida. “O único meio usado hoje em dia para tratamento psicológico é a psicoterapia, considerando suas múltiplas dimensões e abordagens. A psicoterapia tem por objetivo integrar o indivíduo consigo mesmo e com o meio ambiente, através da recuperação de seus potenciais de consciência, espontaneidade e autonomia”. (JOÃO, 1987, p.112) Os comportamentos depressivos podem ser trabalhados de acordo com CAVALCANTI (1995), com a utilização de técnicas para intervenções comportamentais, ensinando aos clientes como reconhecer e corrigir os pensamentos negativos, através da utilização do reforço positivo, modelagem de comportamento através da observação de outros indivíduos no grupo terapêutico.

4. COMO UTILIZAR AS TÉCNICAS EM GRUPO DE IDOSOS DE BAIXA RENDA

As técnicas comportamentais mais usadas em terapia com depressivos incluem atividades planejadas englobando exercícios de controle e prazer, ensaio cognitivo, treinamento da autoconfiança,

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dramatização e técnicas de distração. Inicialmente o terapeuta necessita conhecer cada indivíduo através da entrevista inicial, e para atendimento em grupo, haverá necessidade da entrevista de triagem, estabelecendo as prioridades de atendimento. Após a formação do grupo, inicia-se a fase de conhecimento e posteriormente o trabalho de treinamento de habilidades sociais, que conforme FALCONE (1995), tem como objetivo ajudar na interação e aumento da satisfação nas relações sociais. DEL PRETTE & DEL PRETTE (1999), relacionam as principais técnicas comportamentais utilizadas em desenvolvimento de habilidades sociais, são elas: ensaio comportamental; reforçamento; modelagem; modelação real e simbólica; feedback verbal e videofeedback; relaxamento, tarefas de casa e dessensibilização sistemática. O Desenvolvimento de Habilidades Sociais, exposto por FALCONE (1995), possui vários fatores curativos, sendo: instalação

de esperança através de relatos de pessoas que já passaram pela mesma experiência; universalidade – sentimento de não estarem sozinhos com seus problemas; oferecimento de informações pelo terapeuta ou outros membros do grupo; altruísmo – sentimento de ser útil para os membros do grupo; desenvolvimento de técnicas de socialização onde ocorre aprendizado social; aprendizagem interpessoal; catarse – capacidade de expressão dos sentimentos e emoções fortes sem medo da não aceitação do grupo; reedição corretiva do grupo familiar primário – testagem de novos comportamentos; fatores existenciais – responsabilizandose pela condução da própria vida; aceitação, apoio mútuo.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. Seria interessante se houvesse um planejamento da aposentadoria não só para prevenção de necessidades financeiras, mas também para a estruturação da vida pós-aposentadoria para torná-la agradável e significativa, prevendo problemas físicos e emocionais, e discutindo ainda como a aposentadoria afetará outras pessoas do ambiente familiar, pois esses novos padrões podem trazer transtornos aos idosos; como por exemplo, a perda da independência que traz angústia e pensamentos negativos, isolamento e conseqüentemente solidão, por perderem o contato freqüente com os antigos amigos do trabalho. Consideramos que o atendimento em grupo só tem efeitos positivos (mudança do comportamento problema), quando cada indivíduo se empenha e sabe da necessidade de mudança do próprio comportamento, pois esta só ocorre quando o indivíduo está disposto a ampliar ou modificar seu repertório comportamental e extinguir outros.

AUTORA | Roseli de Melo Braga dos Reis. Psicóloga – CRP 04/21360 Artigo apresentado à Disciplina Estágio Supervisionado. (Em 2002 - Centro Universitário Newton Paiva)

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Reações do sujeito fre

de sorologia positiva p O presente trabalho surgiu como fruto dos estudos realizados sobre o atendimento a pacientes portadores de doenças crônicas, especialmente HIV/AIDS, por um grupo formado por duas psicólogas e uma estudante de psicologia. Para a realização da atividade, primeiramente as entrevistadoras dirigiram-se à FAPA (Frente de Apoio e Prevenção à AIDS) que se trata de uma Organização Não Governamental e ao Ambulatório de DST/AIDS de Caxias do Sul, serviço este prestado pela prefeitura em conjunto com o Ministério da Saúde e que oferece todo o atendimento médico e medicamentoso de que necessita um portador do vírus HIV ou doente de AIDS durante sua enfermidade. Sentindo certa dificuldade para a realização do trabalho na ONG, o grupo optou por realizar os contatos no Ambulatório. Sendo assim, partiu-se para um trabalho de pesquisa no Ambulatório cujo objetivo principal era obter respostas que refletissem os sentimentos e comportamentos do sujeito frente à descoberta do vírus HIV/AIDS, enfatizando aspectos psicológicos e emocionais do paciente. O método utilizado foi o clínico, que procura valorizar o achado individual e que, mais do que explicar o comportamento do doente, tenta compreendê-lo. É um método que se baseia em concepções mais amplas, que não aceitam que o indivíduo seja estudado fragmentariamente, mas postulam que seja visto de uma forma global, na qual todas as partes são referidas a um todo. Também utilizou-se esse método porque não havia a preocupação de quantificar resultados mas sim o objetivo de estudar o indivíduo qualitativamente. Os pacientes foram submetidos a uma entrevista individual semi-estruturada, com um roteiro básico de questões. A idade dos participantes da pesquisa variou de dezessete (17) a cinqüenta e nove (59) anos; seis (6) do sexo masculino e quinze (15), feminino; com escolaridade de 1º Grau Incompleto a 2º Grau; o estado civil dividiu-se entre casados, solteiros e amasiados. Referente ao tempo de contaminação, os pacientes só souberam precisar a data do diagnóstico que ficou entre dois (2) meses e oito (8) anos. Um aspecto a ser comentado é a própria aceitação, pelos sujeitos, de participar da pesquisa. Foram contatadas cerca de quarenta pessoas, para obter os vinte e um casos que constam no presente estudo. Acredita-se que haja várias razões para justificar a não participação dos demais pacientes, porém, no caso de alguns deles, pode-se supor uma maior dificuldade em lidar com o próprio mundo interno, com suas emoções, com a dor e o sofrimento. A pesquisa referese, pois, a um grupo diferenciado: trata-se daqueles que se dispuseram a falar de si mesmos e a entrar em contato com outra pessoa, que iria ouvi-los.

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ente ao diagnóstico

para o vírus HIV/AIDS

Viviane Marcon Duarte Psicóloga e coordenadora do grupo Gabriela Mezzomo Psicóloga e entrevistadora Maristela Bordin Estudante de psicologia e entrevistadora

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AIDS

Toda doença é uma ameaça à vida e, portanto, a AIDS pode aparecer como um aceno à morte. Uma questão perturbadora e significativa que vem sendo trabalhada desde seu surgimento maior; no Brasil por volta de 1980. Carregada de tabus, pois indiretamente confere-se a sexualidade, refletiu-se ainda em preconceitos, discriminações e até violência. Ela estabelece várias questões de cunho social, psicológico e biológico que, por vezes torna-se de difícil convivência e entendimento tanto para o paciente quanto para o profissional da saúde. Para o suporte desta doença se faz necessário o preparo de todo e qualquer profissional da saúde, como resposta às necessidades e elaboração dos portadores de HIV/AIDS. Quando se fala em HIV/AIDS, “o profissional e o doente têm que se defrontar com algumas questões mais carregadas de angústia e, conseqüentemente, cercadas de tabus do ser humano. Pois a AIDS ao associar sexualidade e morte, despertou na sociedade todo um conjunto de fantasmas aterrorizadores. Dentre esses, um dos que mais afetam o profissional de saúde é o da impotência, do desespero diante do inevitável, da impossibilidade de controle” (Sanches, 1997, p.47-48). E muitas vezes esses profissionais não se permitem conhecer seus sentimentos e nem os próprios pacientes, podendo despertar as mesmas vivências e ferindo o narcisismo e a onipotência. Percebemos nos relatos:

Assim como nos diz Angerami (2002), existe uma “propulsão social de que o bom profissional é aquele que não se envolve com a dor do paciente, como se fôssemos capazes diante do sofrimento de acionar algum botão que nos desligasse de todo e qualquer envolvimento que abalasse a nossa estrutura emocional”. Desta forma, é cada vez mais comum ouvir-se de um paciente que teve o surgimento da doença que a informação médica foi fria e distante.

G, (45 anos), a respeito da maneira como o médico lhe comunicou a notícia: “Ah! Foi triste! (…) Queria morrer. A vida da gente não tem mais sentido…”

“Meu Deus! E agora? Será que o médico vai dizer o que? Quanto tempo de vida eu ainda tenho? Porque a gente não é informada. Logo no começo a gente não tem aquela informação. E o preconceito é que foi triste para superar…” (N. – 40 anos).

“Daí uma médica lá, não sei se era médica, estava toda de branco, não sei se era médica. Mas nossa, ela me apavorou, ela disse assim, tu tem que ficar longe de todo mundo, tu não pode usar a mesma coisa dos outros, sabe, ela disse que eu tinha que ficar num lugar só eu” (R. – 22 anos).

“A gente não quer acreditar que com a “Está estabelecido de maneira rígida e formal gente vai acontecer. Eu não tinha certeza, que o profissional de saúde tem que se manter dismas desconfiava” (V. – 29 anos). tante de toda e qualquer emoção que possa surgir no tratamento de determinadas doenças” (Angera“Acho que eu sempre levei as coisas mais mi, 2002, p.54). Como uma forma de defesa, prona pancada. Se acontece, é porque tem que curam se manter distantes, sem se envolver com acontecer” (P. – 31 anos). o turbilhão de emoções que podem surgir de um paciente num momento tão delicado. É o que pode “Aí eu disse: ‘Peraí, não pode!’” (N. – 40 ser observado no relato das pacientes: anos). “Eu achava que pra mim nunca ia acontecer isso. Porque eu era casada, tinha “Ela (médica) disse: ‘cuida não gripar e não marido, né?” (M. – 27 anos). te cortar’, e lavou as mãos” (E. -59 anos). “A reação é uma surpresa, uma coisa que tu não espera, porque a gente nunca espera que vai acontecer com a gente” (J. – 37 anos).

DIAGNÓSTICO

“Ele (médico) foi bem discreto” (G. – 45 anos).

“Me deu vontade de me jogar embaixo de um caminhão por causa do jeito que ela me apavorou... chorava, chorava que nem condenada” (R. – 22 anos).

Baseando-se nos relatos obtidos com as entrevistas, um dos aspectos observados refere-se ao modo como o diagnóstico é transmitido ao sujeito, “Tem sido repetidamente enfatizado que a geralmente configurado de modo agressivo, impes- AIDS não oferece às suas vítimas nenhuma espesoal e não continente das angústias despertadas pela rança de cura e sua incurabilidade tornou-se um notícia de ser portador de uma enfermidade fatal. ponto central em praticamente todas as concep-

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MATÉRIA DE CAPA

ções populares da doença como um todo. (…) Mes- entanto ele não pode provocar um dano emocional mo um diagnóstico inicial traduz imediatamente no seu paciente, em nome dessa verdade”. uma sentença de morte… sua cidadania é colocada O caminhar lado a lado com o paciente é cheio entre parênteses” (Herbert e Parker, 1990, p.20). de imprevistos, mas deve-se ter sempre em mente que a finalidade dessa trajetória é a de proporcioR. (48 anos), nos diz a respeito da sua reação nar a adaptação adequada do sujeito ao seu estado ao diagnóstico: de saúde. Isso requer paciência, treino, sensibilidade e disposição. Para tanto, “é importante buscar “A igual de todo mundo. Fiquei no fundo do a compreensão ontológica da finitude do ser. Sopoço, pois você acha que está declarado que mente quando os profissionais entenderem a morte vai morrer, não existe outra, você está com a como parte da existência e não como um ponto fisentença de morte já preestabelecida”. nal, somente quando compreenderem que todo ser é um ser para a morte, é que eles poderão assumir a M. (27 anos), confirma: “Eu me desesperei, sua própria humanidade e relacionar-se de maneira imagina! Ouvir que tu tem uma doença que autêntica com os outros seres que, pela facticidade não tem cura, que tu vai morrer…” do mundo, estão vivendo uma situação de morte iminente: a sua própria ou a de alguém que muito E. (59 anos) “Foi um baque pra mim. No iní- amam” (Do Valle, 1991, p.192). cio eu achei que não ia passar de um ano, Varella (2004) em seu livro intitulado Por um um monte de coisa que eu tinha eu dei, mas fio, fala do seu questionamento a respeito da oninão me arrependo de ter dado... pra que eu ia potência sentida pelo médico – e, entenda-se, pelo segurar? Achava que não ia viver até hoje”. profissional de saúde – quando ouve da mãe de um paciente: ‘Vá com Deus, doutor. Seja abençoada a E também, F. (31 anos): “Não me desesperei sua profissão, que Deus criou para aliviar o sofrina hora, só dali uns quatro meses. Disse que mento da gente’. não ia tomar remédio nenhum, não tomava. “Por vergonhoso que possa parecer, dez anos Queria morrer mesmo…” depois de formado, nunca me havia ocorrido refletir sobre a finalidade de minha profissão. Para que O PROFISSIONAL DE SAÚDE serve a medicina? Se me perguntassem, provavelQuayle (1997) nos diz que “perder faz parte de mente teria respondido ingenuamente que ela exisnossa existência. Todavia, lidamos mal com as per- tia para curar pessoas, ignorando diabetes, hiperdas. Que o trabalho do profissional de saúde não tensão, reumatismo, os derrames cerebrais e tantas seja, jamais, o daquele que complica e dificulta a enfermidades crônicas. Pior, sem levar em conta elaboração de sentimentos de perda, pesar e luto…” sequer os doentes incuráveis que me procuram. “O paciente procura num profissional de saúFiquei com raiva de mim mesmo e de todos de a esperança e o reconhecimento de que existe os médicos onipotentes, que se atribuíam o papel nele, sujeito, uma força de vida” (Sanches, 1997, exclusivo de salvadores de vidas, pretensão equip.55). Tarefa esta que não deixa de ser difícil para vocada da razão de existirmos como profissionais, o profissional de saúde que não estiver tranqüilo justamente como havia acabado de lembrar com com suas próprias questões a respeito da vulnerabi- tanta simplicidade aquela senhora. (…) na medicina, lidade humana, pois do mesmo é exigido que sirva curar é objetivo secundário, se tanto. A finalidade de recurso para amenizar o sofrimento do outro primordial de nossa profissão é aliviar o sofrimento que precisa ressignificar a doença. O luto, de uma humano”. (Varella, 2004, p.147). forma ou de outra, está na vida de todos nós e nos A onipotência é usada como forma de negar atinge em aspectos pessoais e relacionais. “o medo da morte que evoca ansiedade. AspecTélis (1991), em seu artigo sobre o comporta- tos quanto ao sofrimento e a indignidade pessoal, mento psicológico de pacientes com câncer avan- sentimento de onipotência, do que vem depois da çado nos diz “que o médico deverá estar disponível morte, do desconhecido, da extinção, evoca vulpara ouvir, reconhecer os principais traços da perso- nerabilidade pela sensação de abandono” (Kovács, nalidade do doente e os dados mais significativos da 2002, p.15). Para o paciente, o medo é a resposta sua história de vida, para poder concluir se aquele psicológica mais comum diante da morte: paciente, naquele momento, é ou não capaz de suportar as informações sobre o seu diagnóstico, a sua “Sinto uma aceleração no peito. (…) É norevolução e o seu prognóstico. (…) O médico, como mal, dá um pouquinho de medo. A gente se indivíduo, tem um compromisso com a verdade. No assusta” (L.– 17 anos).

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“Dá um frio na barriga…” (H. – 30 anos).

O conformismo também aparece como uma “tendência do indivíduo a se perder no impessoal, Quando R., 22 anos nos diz “(…) choro bas- com a correspondente perda de sua própria constante, não falo com ninguém”, bem como T., ciência e potencialidades e de tudo o que possa 59 anos “é difícil, eu não conto, não é todo caracterizá-lo como um ser original e único” (Do mundo que sabe. As pessoas que sabem, eu Valle, 1991, p.188). não converso, não falo”, podemos perceber que a auto estima é inversamente relacio “O meu futuro se bitolou. O espaço ficou nada com a tendência à depressão, tendência pequeno (…) hoje em dia, o meu futuro a Deus a se sentir isolado e solitário e com uma suspertence. Tanto de um portador quanto de cetibilidade para quadros psicossomáticos. uma pessoa sã. Pra morrer basta estar vivo, hoje em dia tu pode sair de casa de manhã que Sanches (1997), no artigo ‘A relação médicotu não sabe se tu vai voltar” (J. – 37 anos).

“Ah, pra mim foi o fim do mundo!” paciente sob o signo da AIDS’, acrescenta sob a importância de uma continência neste momento tão desestruturador: “O mundo ameaça desabar. Mas não desaba, pois há um outro, ali do seu lado, que é capaz de ressignificar a situação: ‘isso não é o fim’… Um médico que, ao passar ao paciente todas as informações de que dispõe, lhe diz implicitamente: ‘eu te respeito como uma pessoa que merece saber, e acredito que você é capaz de entender e se utilizar da melhor forma dessas informações…’ Uma pessoa que compartilha a dor e se oferece para apoiá-lo dentro de suas possibilidades”. O comentário de A. (29 anos), reflete o seu desespero e falta de preparo para receber o diagnóstico:

“Ah, pra mim foi o fim do mundo!”

É importante que se conheça o significado que a doença tem para o doente, que sonhos, objetivos e esperanças essa doença frustra ou modifica, e que conseqüências principais essas mudanças acarretam na vida do sujeito e sua família. Cada pessoa tem seu próprio significado para a doença e este precisa ser conhecido e reformulado para que o sujeito possa estabelecer uma relação de vida com o seu futuro, criando uma possibilidade de viver com qualidade o tempo que lhe resta. Descobrir-se portador de uma enfermidade sem cura causa “…perda dos interesses habituais, dos projetos de futuro e o comportamento fica automatizado… geralmente estão presentes também uma perda da qualidade da linguagem, que fica mais pobre, com desaparecimento das metáforas, de imagens e sem criatividade” (Carvalho, 1996, p.72).

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“O que você pensa em relação ao futuro? Viver, só. (…) Não tenho planos”. (G. – 45 anos).

AUXÍLIO PSICOLÓGICO

Nestes casos, a psicoterapia deve visar o alívio da dor mental do sujeito, o que significa ajudá-lo a desenvolver as condições para reestruturar sua vida. Não negando a gravidade e conseqüências da doença, procurar reduzir o stress e trabalhar as questões do paciente relativas à manutenção de cuidados com sua saúde e também relativas ao contágio de outras pessoas; sempre levando em conta o estado emocional do paciente. Para o desenvolvimento de uma adequada aliança de trabalho, é necessário que o paciente encontre no terapeuta empatia, compreensão e acolhimento. O psicólogo Fernando Lima, do núcleo de estudos e temas em psicologia (NETPSI), diz que “um conjunto de aspectos são característicos do paciente com HIV/AIDS, nas nenhum deles é exclusivo”. No entanto, no caso de um paciente com esta doença, as condições emocionais interferem diretamente na qualidade de vida do mesmo, o que torna fundamental que as questões emocionais estejam bem resolvidas. O profissional de saúde, para exercer bem o seu papel, deve aprender a conviver antes com sua mortalidade, lutar contra sua onipotência e manter para com o paciente um distanciamento crítico. Todavia, não se pode exigir que o mesmo se exponha, totalmente sem defesas, a esses doentes. Ele, como o paciente, vai, em algumas ocasiões, precisar usar a negação, o distanciamento, o embotamento. O problema aparece quando esse comportamento torna-se rígido e permanente, quando “torna-se impossível prestar assistência humana porque não se consegue mesclar as defesas com a capacidade de, em outros momentos, estar disponível, em sintonia e em contato emocional significativo com a pessoa que está morrendo” (Maldonado in Télis, 1998, p.115).

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A FAMÍLIA

No período da doença, os familiares desempenham papel preponderante, e suas reações muito contribuem para a própria reação do paciente.

“A primeira pessoa que ficou sabendo foi a minha mãe, a minha família. Graças a Deus, eu tive um apoio muito bom” (N. – 40 anos).

Sobre a reação do marido: - “Só que ele não me trata que nem uma doente e nem joga na minha cara, porque ele não tem… Ele é um super marido, até”. E sobre os demais familiares: “Toda a minha família não sabe e nem vai saber… Minha mãe imagina que quem tem AIDS vai morrer, não pode chegar perto que pega…” (A. – 29 anos).

Vimos nos relatos que a família, o companheiro ou mesmo um amigo(a) pode servir de continente das angústias do paciente como também servir para aumentá-las, evitando que o assunto venha à tona. Para os sujeitos observados, parece ser um alívio quando o diagnóstico é compartilhado, lhe trazendo maior conforto, sensação de segurança e proteção. Desta forma, certamente os familiares tornamse suportes benéficos, principalmente no sentido afetivo para o portador. Perez Neto (2000) diz que “habitualmente, os mesmos traços regressivos que encontramos nos pacientes podem ser encontrados nos familiares. Na tentativa de dotar de significação espiritual a deterioração orgânica e posterior morte de seu familiar, não é incomum vermos mecanismos de defesa maníaca, como tentativas de negar o sofrimento com a doença e a morte, por meio de entusiasmos desmesurados com possíveis ressarcimentos econômicos pelo dano sofrido (como vitórias jurídicas, seguros, heranças)”. Ressalta ainda que, dessa forma, os vínculos familiares, em geral, oscilam entre a indiferença e a intrusão especulativa. Todavia, percebe-se que, para o sujeito é muito difícil contar ou não ao parceiro. Muitas pessoas HIV positivas, principalmente mulheres, receiam serem rejeitadas, abandonadas ou perderem seus filhos. Também “têm medo de serem culpabilizadas pelo que aconteceu, ou que os seus parceiros irão contar a outras pessoas” (Meursing, 1995, p.4).

“As pessoas que sabem, eu converso. Fico nervosa o dia em que tenho que vir aqui (ambulatório), só por saber que posso ‘dar de cara’ com alguém que te aponta… sempre tento disfarçar” (T. – 59 anos).

“Tenho receio de morrer e deixar a nenê” (R. – 22 anos).

“Fico quieta, tenho vergonha. Não gosto de contar pra ninguém, eu acho que eles vão olhar diferente pra gente, com outros olhos… daí fica ruim” (M. – 22 anos).

“Tu fica com um pouco de medo que descubram que tu tem HIV, fica com aquele receio. Eu tenho medo de contaminar a minha esposa e até uma filha que eu tenho, mas a gente faz o possível pra… Só que a convivência te leva a ter medo de contaminar um dia” (P. – 31 anos).

Parece que a culpa e o sentimento de perda ou de rejeição não se direcionam somente ao parceiro ou ao futuro, mas que ele existe para com todos os outros: pais, filhos – principalmente, amigos, vizinhos e até desconhecidos. Diante disso, a Dra. Elly Katabira (1995) do projeto Ação Sida nos diz que “sentimentos de culpa e arrependimento são muito vulgares. As pessoas podem sentir-se responsáveis por terem exposto o parceiro à infeção ou culpadas por sentirem que trouxeram vergonha para seus familiares e amigos. Incapacidades para saldar dívidas, alcançar ambições ou responsabilidades para com os filhos, podem causar sentimentos de culpa e arrependimento”. Permitindo-se uma generalização, Cassorla considera que o paciente se sente marginalizado e estigmatizado pela sua condição. Ocorre muitas vezes de sentir-se culpado pelo seu estado e pela existência da doença.

“(…) O fato de alguém saber e ficar me criticando e olhando diferente… talvez é o que a gente tenha que passar…” (G. – 45 anos).

Vale uma ressalva da autora Kovács (1992) em Representações da Morte, que diz: “o elemento culpa relaciona-se muito com o pensamento mágico e onipotente infantil e com os elementos de socialização que levam a desejos de morte… Também é freqüente a atribuição de culpa em relação à morte do outro. (…) e esta representa a visão do fracasso, derrota, incompetência”.

DROGAS ILÍCITAS

Outro ponto levantado durante as entrevistas foi a questão da drogadição. Pode-se pensar que, devido a discriminação que o assunto remete, poucos tenham se sentido à vontade para trazer o fato aos seus depoimentos, justamente pela avaliação implí-

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cita que ele trás. A idéia da culpa que associa a doença a uma punição por algo de errado no seu comportamento, pode estar relacionada a isso.

“Eu já usei drogas injetáveis. Não tenho certeza se foi bem isso, mas deve ter sido. Bah! Fazia o que devia e o que não devia!” (P. – 31 anos).

“Eu tive um caso com um rapaz que usava droga injetável. Ele me procurou pra dizer do HIV, quando eu fiz os exames…” (V. 29 anos).

“A drogadição tem sido comprometida a partir da articulação de alguns conceitos como: o princípio do prazer; as identificações e o narcisismo; a onipotência, o masoquismo; a compulsão à repetição, a pulsão de morte; a castração” (Klouri, 1993, p.5).

ESTÁGIOS DIANTE DA MORTE E DO MORRER

Para entendermos melhor o que se passa com uma pessoa portadora de uma doença crônica, utilizemos o conceito de Kübler-Ross a respeito das fases que o sujeito atravessa.

NEGAÇÃO E ISOLAMENTO

O primeiro estágio seria o da negação e do isolamento. Nesse momento, o paciente nega sua doença ou a gravidade de seu caso. A negação, por vezes, cumpre a função de amortecedor que entra em ação com o choque da notícia sobre a doença.

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“Não tento lembrar muito. (…) Penso em viver as coisas como são, já que não tem outro jeito. Também não fico toda hora falando, lembrando, pra não ficar sempre com aquela coisa na cabeça” (L. – 17 anos).

“Achei que não podia! Sabe que até não acredito que tenho. Não passa pela minha cabeça que seja… Porque eu estava muito magra, mas eu engordei sete quilos” (S. – 55 anos).

“Penso que essa doença nunca existiu, que ela nunca passou na minha vida e nem na vida de outras pessoas que a gente vê sofrer… dos amigos que a gente perdeu” (V. – 29 anos).

São muitos os pacientes que procuram outros médicos, repetindo exames, admitindo parcialmente que o primeiro diagnóstico estava correto, mas não deixando de dar outras interpretações, na esperança de que a primeira conclusão fosse, de fato, um erro. Nos diz Kübler-Ross (1998) que “esta negação ansiosa proveniente da comunicação de um diagnóstico é muito comum em pacientes que são informados abrupta ou prematuramente por quem não os conhece bem ou por quem informa levianamente ‘para acabar logo com isso’, sem levar em consideração o preparo do paciente. Relacionado a isso, está o próprio motivo que leva uma pessoa a testar-se para o vírus HIV. Dos entrevistados, todos procuraram por um motivo aparente: um sintoma ou por indicação médica durante a gestação; sugerindo que a doença só encontra representação no sujeito quando se torna concreta, através de algo físico.

A, 29 anos, nos diz: “A gente não fala sobre a doença em casa. Até porque eu não me sinto doente”.

Enquanto não houver limitação orgânica, o vírus ‘não está presente’ e, portanto não pode ser pensado e muitas vezes tratado. A imagem criada do portador do vírus ou do doente aparece como indicativo de discriminação. Aqueles que não se encaixam neste perfil (cada vez menos comum, devido ao tratamento), geram dúvidas quanto à contaminação.

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-“Pra ter uma idéia, não tenho cara de quem tem HIV, porque sou gordinha, corada. Porque a idéia deles é que quem tem HIV é magro, seco e não é por aí. Somos pessoas bem normais” (R. – 48 anos).

Já V. (29 anos) nos diz: - Descobri porque fiquei muito doente, deu meningite, tuberculose. Fiquei um mês e pouco no hospital. Fiquei três meses sem caminhar, andava de cadeira de rodas… bem dizer, fui morta para o hospital. O médico não me deu expectativa nenhuma”.

porque a informação não evita a contaminação pelo vírus HIV em muitos casos; aquele que possui o vírus, mesmo que não seja conhecedor disso, tem a ‘obrigação’ de cuidar do outro. Dessa forma, o primeiro fica numa posição passiva, de que somente recebe, tratando-se como uma vítima inocente. O depoimento de V. (29 anos) ilustra:

RAIVA

Comumente, a negação é uma defesa temporária, sendo logo substituída por uma aceitação parcial. “Quando não é mais possível manter firme o primeiro estágio de negação, ele é substituído por sentimentos de raiva, revolta, de inveja e de ressentimento. A raiva se propaga em todas as direções e projeta-se no ambiente, muitas vezes sem razão plausível. O problema aqui é que poucos se colocam no lugar do paciente e perguntam de onde pode vir esta raiva. Que faríamos com nossa raiva se não extravasássemos? A importância de tolerarmos a raiva, racional ou não, do paciente” (K-Ross, 1998, p.55). “A única coisa que eu sentia era raiva, muita raiva. Eu andava revoltada com tudo” (V. – 29 anos). “Ódio, raiva, tudo o que a gente imagina na cabeça…” (C. – 30 anos). Este estágio é caracterizado pela revolta, inveja e ressentimento. Sua mais clara manifestação se dá com a pergunta: ‘Por que eu?’ A agressão é, então, manifestada. O outro ocupa o lugar de culpado pela contaminação e é visto como um traidor, alguém que ‘não soube cuidar’. Em vista disso, pode-se supor

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“Eu escuto muito falar desta vacina. Eu peço a Deus que esta vacina funcione, não que vá curar, porque eu acredito que não tenha cura, porque é uma coisa que está na Bíblia, que diz que iria acontecer, que esta praga está aí. Só que tem que ter uma ‘amenização’, porque pensa bem: quantas crianças nascem com isso aí, quanta gente sofre, então peço a Deus que esta vacina dê uma segurada”.

A doença aparece como uma punição divina e que somente Deus poderá libertar as pessoas deste sofrimento. Subentende-se que os contaminados fizeram algo errado em suas vidas e agora são punidos com a doença. Por outro lado, as crianças e ‘os inocentes’ deveriam ter uma vacina que amenizasse esta dor.

“O homem esta exagerando em tudo, pega e apronta, apronta, não tem cuidado. Outra coisa é a falta de respeito com o ser humano, porque se ele não quer se cuidar, que cuide do companheiro. Preservar pelo menos a pessoa que está lá” (R. – 48).

V. continua: “o que mais me incomoda é o fato de alguém saber e ficar me criticando e olhando diferente”. A idéia de uma punição divina está associada ao fato de que a AIDS mexe com tabus em nossa sociedade: o fato da doença ser transmitida por via sexual e também por envolver a questão das drogas ilícitas. O diagnóstico soa como uma condenação à morte social e física.

BARGANHA

O estágio seguinte, caracteriza-se pela barganha. “A barganha, na realidade, é uma tentativa de adiamento, tem de incluir um prêmio oferecido ‘por bom comportamento’. Estabelece também uma meta auto-imposta e inclui uma 25


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promessa implícita de que o paciente não pedirá ouDEPRESSÃO tro adiamento, caso o primeiro seja concedido” (KO termo depressão pode significar um sintoma Ross, 1998, p.89). que faz parte de inúmeros distúrbios emocionais sem ser exclusivo de nenhum deles. Pode significar uma “Desde que fiquei grávida, fiz uma promessa síndrome traduzida por muitos e variáveis sintomas que se minha filha nascesse bem, eu ia levar ela somáticos ou ainda, pode significar uma doença capara Caravaggio. Isso eu fiz” (A. – 29 anos). racterizada por marcantes alterações afetivas. A depressão pode aparecer como uma resposta “Só quero conseguir cuidar dos meus filhos. a situações reais, através da reação vivencial deAcho que eu vou conseguir, sim… Só peço pressiva, quando diante de fatos desagradáveis, para ter minha casa melhor e ver minha aborrecedores ou de frustrações. filha formada. Se Deus quiser, eu vou conKübler-Ross (1998), classifica as depressões em seguir…” (V. – 29 anos). dois tipos: depressão reativa, que seria aquela citada acima, e depressão preparatória. Segundo a As promessas podem estar associadas a uma autora, os dois tipos de depressão devem ser trataculpa escondida, que se torna necessário investigar dos de forma diferente. Na depressão preparatória, e não menosprezar. A causa pode ser não ter fre- devemos deixar que o paciente exteriorize seu peqüentado a igreja, ou se existem desejos hostis mais sar, sem pedir que não fique triste. Essa forma de profundos e inconscientes que aceleram tais culpas. depressão ocorre na fase terminal uma doença, por Aparece a coragem da confiança baseada em isso, segundo Elisabeth, dizer ao paciente que não Deus, que é experimentada num encontro único fique triste seria “contraproducente, pois todos nós e pessoal. Esse tipo de “coragem transcende a co- ficamos profundamente tristes quando perdemos ragem de ser-como-si-próprio e não é ameaçada um ser amado. E o paciente está prestes a perder pela própria perda do eu nem pela perda do próprio tudo e todos a quem ama”. mundo. Assim é a fé, base da coragem de ser, mesDe acordo com dados do governo federal mo em face da possibilidade de não-ser” (Do Valle, (2004), “a depressão é o diagnóstico mais freqüen1972, p.189). te na consultoria psiquiátrica de pacientes infectaComo vimos nos seguintes relatos: dos ou que apresentam AIDS, e a reação de ajustamento é a que mais prevalece entre as síndromes “Peço a Deus que me ajude” (G. – 45 anos). depressivas”. Os sintomas mais comuns são: fadiga, dificuldade de concentração, prejuízos de memória, “Eu nunca esqueço que ele está do meu lado, apatia, ansiedade, hipocondria e diminuição da liporque Deus é tudo” (L. – 17 anos). bido. A intensidade dos sintomas é muito variável e depende da personalidade pré-mórbida e da capa “Se a gente não tem fé em Deus, não tem cidade do indivíduo de lidar com o estresse. nada” (N. – 40 anos). “De vez em quando você pensa, sente uma Mas também podemos ver o inverso dessa contristeza aqui e ali, às vezes fico mais agitada fiança, de fé em Deus, nos seguintes relatos, quane nervosa, mas…” (A. – 29 anos). do se perguntou sobre a religião e sua influência na questão da AIDS.

“Estou parada. Nada! (…) Não, não muda em nada” (F. – 31 anos).

ACEITAÇÃO

Por fim, a fase de aceitação. “Não se confunda aceitação com um estágio de felicidade” (K-Ross, “Religião, não. Quando eu acho que preciso, pg. 118, 1998). eu procuro. Não sou disso, não sou fanáSouza (2003) complementa a idéia nos dizentica” (C. – 30 anos). do que “depreendemos, ainda, que o indivíduo ao contrair a doença, passa por diversos estágios como Todavia, mesmo estas revelam em suas falas nos descreve Kübler-Ross, até chegar ao estágio fimomentos de fé não tão caracterizados por esse nal, de aceitação, onde o indivíduo faz o planejasentimento de encontro, mas de uma fé genérica mento ‘realístico’ para a morte, afastando aqueles que é manifestada por um conformismo necessário que estão à sua volta e provocando o afastamento à sua sobrevivência no mundo da doença. e rejeição dos demais”.

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“A medicação trouxe a oportunidade do portador viver normal… Eu estou agindo normalmente, porque eu não vou esquentar que posso morrer hoje, porque pode acontecer com qualquer ser humano. Estou pensando e sonhando…” (R. – 48 anos). “Penso em fazer o tratamento direitinho e viver o quanto mais longe eu puder. E é isso: acho que todo mundo um dia vai ter que morrer. Acho normal, e tento viver normal, vou vivendo…” (P. 31 anos).

Diante da doença, dois aspectos são importantes de se observar. O primeiro deles é que alguns pacientes tentam negá-la, sendo mais difícil alcançar o estágio de aceitação com paz e dignidade. O segundo trata da dificuldade em distinguir a ‘entrega’ do paciente e o desejo da equipe médica de prolongar a vida. Nos alerta Kübler-Ross que, se não distinguido, faz-se mais mal do que bem aos pacientes.

O relato de R. (48 anos) parece finalizar a idéia:

“Eu contei, porque eu acho que as pessoas tem que assumir e mostrar que é possível viver com o vírus. (…) Todo mundo se afasta, porque tem medo, ninguém conhece. O preconceito é enorme: tu perde teus clientes, perde tua família, perde todo mundo. (…) Você tem que ter respeito com o outro, porque ele é um ser humano igual a qualquer outro. (…) O que mais me incomoda realmente é o preconceito, porque se não existisse isso, a medicação trouxe a oportunidade do portador viver normal. Porque eu quase morri e depois comecei a me restabelecer. Estou normal e agora estou me cuidando. Então eu acho que é o preconceito de que o portador tem que ser excluído. Começa pela família. Comecei a explicar que não pega pela comida, pelo garfo, pela faca, mostrava e explicava. Aí a minha mãe voltou a comer junto comigo, porque ela tinha medo. A falta de informação…”.

“Não posso sentir pena de mim, e quando vejo alguém caído, eu vou lá e dou forças. Mostro CONSIDERAÇÕES FINAIS quanta coisa boa tem na vida. Antigamente Quanto ao profissional, este deve ser flexível e diziam que AIDS era um atestado de morte, estar aberto a novos conhecimentos, a fim de commas hoje não existe mais isso aí, e só não se preender e perceber a necessidade do outro. Apoio e cuida quem não quer” (V. 29 anos). ajuda aos sentimentos do outro, bem como, quanto à infeção, tratamento, planejamento e discussão É importante levar em conta que as fases pelas sobre questões sexuais. Desenvolver a tolerância quais o paciente passa não são estanques, ou seja, em vista de que o alívio e o entendimento são obelas se interpõem, se alternam. jetivos do profissional, pois todos nós somos feitos da mesma matéria, portanto condizentes também à Em meio à fase da barganha, por exemplo, po- morte; a própria, ou a dos outros. Assim, o inevitádem aparecer falas do paciente demonstrando tam- vel é o certo: a morte. Sentiu-se este trabalho como bém a negação em relação à doença. O profissional uma experiência positiva para os sujeitos porém, de deve estar atento para isso e tratar o paciente de forma geral, não pareceu que o contato com as enacordo com o que está aparecendo no relato. trevistadoras representasse um contato mais profundo com seu mundo interno ou uma experiência enriquecedora para os sujeitos. Viu-se antes como PRECONCEITO uma possibilidade catártica e a realização de um Não sendo um fator de surpresa, o preconceito desejo de atenção, de ser ouvido, de que alguém apareceu no relato da maioria dos sujeitos como aceitasse ser o depositário de suas angústias. algo que dificulta a aceitação da doença. Muitos Provavelmente, numa relação terapêutica as brigam contra isso, outros se deprimem, mas todos coisas se passariam de forma um pouco diferente. sofrem com os seus efeitos. Porém, considerando os dados, parece-nos que a negação aparece como uma tentativa de mostrar “Não me quiseram mais na firma. No terceiro um mundo sem problemas, que aos poucos ia se dia me mandaram embora. Não quiseram desmoronando com o relato. As respostas foram nem que eu fizesse os trinta, porque o pre- rápidas, como se os pacientes se recusassem a enconceito ainda é grande, é horrível (enche os trar em contato com os estímulos que lhe eram olhos de lágrimas)” (V. – 29 anos). apresentados, e conseqüentemente com seu próprio mundo interno.

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Interessante comentar também a respeito da reação das entrevistadoras frente aos pacientes. Foram comuns as sensações de medo, receio, insegurança e frustração, mas também de satisfação. Os relatos ilustram tais sentimentos. “Senti um certo constrangimento ao abordar as pessoas. Coloquei-me no lugar delas e achei que não seria bom perguntar diretamente se eram portadoras do HIV. Abordava-as perguntando se tinham vindo fazer algum exame, para depois perguntar se eram portadoras do vírus. Antes de realizar as entrevistas, imaginei que conversaria com pessoas doentes e desanimadas. Essa idéia foi sendo desfeita pouco a pouco, a cada entrevista. O que vi foram pessoas fortes, lutando para se manterem saudáveis, e conseguindo isso. E o que eu ouvi foram relatos de pessoas otimistas, que acreditam na vida. Obviamente, o contato foi muito restrito, apenas alguns minutos. E algumas pessoas entrevistadas apenas responderam às questões de um modo mais superficial. Diante dessas pessoas que não falaram muito, senti uma certa frustração, no fundo esperava que se abrissem mais. Cheguei a pensar que deveria ter insistido. Mas depois entendi que o fato de não terem falado muito tem a ver com questões deles, e não caberia a mim ficar insistindo, ainda mais pelo fato de que só os veria naquele dia. Tive medo de mexer com algumas coisas e deixá-los mal. O que me impressionou mais nas entrevistas foi a força dos entrevistados, que lutam dia após dia para se manterem bem. Além disso fiquei pensando em como, muitas vezes, vivemos nossas vidas achando que somos imortais. Percebi que os portadores de HIV obrigam-se a encarar a idéia da morte, e assim muitos valores que tinham caem por terra. Passam então, a viver com mais intensidade cada momento. Outro aspecto que me marcou foi o fato de que muitas vezes falamos no soropositivo como se

não houvesse mais nada na vida dessa pessoa além da AIDS. Conversando com eles, percebo que suas vidas são muito mais do que o HIV. Acima de tudo, são pessoas que merecem respeito e admiração pela sua coragem. São pessoas iguais a todas as outras, com a diferença de que, além dos problemas comuns a todos nós, enfrentam a AIDS”. E sobre a outra entrevistadora:

“Eu estava pasma. Sentia-me muito bem, meu coração estava confortável e minha mente quase não conseguia processar o que tinha acontecido, bem mais que isso, pensava que de alguma forma tivera contribuído para um dia melhor daquelas três mulheres. Pude sentir uma enorme alegria e paz por ter realizado aquele trabalho (entrevistas). Cheguei a um comum: de que os portadores são pessoas tão normais quanto eu mesma. Estas pessoas podem estar do nosso lado, no ônibus por exemplo, e nós nem sabermos. Indiferente de onde estejam: vivem, andam, comem, passeiam, compram, enfim, estão onde todos nós estamos: no mundo. Têm uma aparência saudável e são pessoas das mais variadas classes econômicas. Minhas idéias foram reformuladas, até a teoria, tinha um conceito a respeito do assunto, depois das entrevistas feitas, compreendi um outro universo. Percebi que não se pode julgar (ninguém, aliás), pois não se sabe da história (motivos) daquela pessoa, e a partir do momento em que você vê a pessoa, senta do lado dela, a ouve, sabe um pouco da vida dela e dos seus sentimentos, sua idéia muda, você fica ‘mais humano’ e mais sensível. A crítica é substituída por um tipo de amor. Pude concluir que é necessário conhecer, no sentido amplo da palavra, para poder formular uma idéia verdadeiramente humana a respeito deste assunto, e principalmente de cada portador”. A citação de Jung parece finalizar muito bem isso:

“Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas quando tocares uma alma humana, seja apenas outra alma humana”. C.G.Jung

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BIOQUÍMICA

EM MARÇO DE 2001, INGRESSEI NO PROGRAMA DE MESTRADO DO DEPARTAMENTO DE FARMACOLOGIA DA UFPR. DENTRE AS LINHAS DE PESQUISA EXERCIDAS PELO PROGRAMA, ESCOLHI A RELACIONADA AO SISTEMA NERVOSO CENTRAL, MAIS ESPECIFICAMENTE O GRUPO DE DOENÇAS NEURODEGENERATIVAS – DOENÇA DE PARKINSON, SENDO ORIENTADO PELA PROF.A DR.A MIRIAM E.M. ANGELLUCCI, E PELO PROF. DR. CLÁUDIO DA CUNHA. EM MARÇO DE 2003 DEFENDI A MINHA DISSERTAÇÃO E INGRESSEI NO DOUTORADO PELO PROGRAMA DO DEPARTAMENTO DE BIOQUÍMICA E BIOLOGIA MOLECULAR, AINDA SOB ORIENTAÇÃO DO PROF CLÁUDIO, ENFOCANDO ENTÃO A MINHA PESQUISA PARA AS ALTERAÇÕES BIOQUÍMICAS NA SINAPSE DOPAMINÉRGICA NIGROESTRIATAL.

PESQUISA BÁSICA EM

Doença de Parkinson A Doença de Parkinson ocorre pela morte prematura dos neurônios com corpo celular na substância negra compacta, no mesencéfalo, que projetam para o estriado, nos núcleos da base. Os núcleos da base formam uma alça modulatória da execução de movimentos voluntários, sendo o estriado o seu principal núcleo aferente (porta de entrada). A dopamina liberada no estriado funciona como estimuladora do circuito e, consequentemente, dos movimentos. Com a morte dos neurônios nigroestriatais, os movimentos voluntários deixam de ser devidamente reforçados e se tornam lentos. Isso explica o quadro dos pacientes parkinsonianos, que apresentam rigidez muscular, dificuldade de caminhar, instabilidade de postura, lentidão de movimentos e face sem expressão. O sinal mais conhecido da patologia, o tremor de repouso dos membros superiores, parece ser causado por uma descompensação colinérgica em resposta a falta de dopamina. O foco da pesquisa coordenada pelo prof. Cláudio são as alterações 30

cognitivas relacionadas à evolução da Doença de Parkinson. A patologia é muito lembrada por suas características motoras, enquanto as descrições de sinais cognitivos e afetivos é mais recente. Esses sinais foram ignorados pelo próprio James Parkinson, primeiro médico a descrever cientificamente a doença, que declarou em seu ensaio - “Essay of the Shaking Palsy” (1817) - que apenas a parte motora seria afetada, sendo o intelecto do paciente mantido intacto. Desde o início do século 20, são relatados déficit de memória e distúrbios afetivos como depressão, relacionados ao avanço da doença. Existe ainda grande discussão a respeito dessas relações. Muitas vezes a sintomatologia motora é tão severa que dificulta a avaliação cognitiva no paciente. Por outro lado, os sinais cognitivos ou afetivos podem aparecer antes dos sinais motores, fazendo com que sejam tratados como casos isolados e não relacionados ao Parkinson. Por exemplo, há autores que inferem que a depressão aparece quando o paciente é diagnosticado como parkinsoniano e toma consciência do prognóstico pouco

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BIOQUÍMICA

favorável, desenvolvendo o quadro. Porém, existem estudos indicando índices elevados de pacientes que apresentam os sinais motores do parkinsonismo anos após de instalado o quadro depressivo, indicando uma correlação entre os sistemas neurais envolvidos nas duas patologias. Cabe aqui uma ressalva: há uma certa controvérsia na literatura quanto a incidência de depressão em pacientes Parkinsonianos. Diferentes escalas de avaliação podem levar a diagnósticos distintos, e deve-se levar em consideração que sintomas depressivos e depressão não são a mesma coisa. Isto provém principalmente de uma menor exatidão do neurologista em diagnosticar depressão, assim como a de um psiquiatra em diagnosticar a doença de Parkinson, sendo esses os profissionais que mais publicam estudos nessa área.

Quanto aos distúrbios de memória, os dados são mais conclusivos. Os sistemas de memória podem ser classificados por vários critérios. De acordo com as estruturas cerebrais envolvidas no armazenamento de cada tipo de informação, o hipocampo e córtex adjacente (lobo temporal) estão relacionados com o armazenamento da memória explícita ou declarativa, enquanto os núcleos da base (estriado, núcleo subtalâmico, globo pálido e substância negra compacta) parecem modular o armazenamento do aprendizado implícito. Como a doença de Parkinson é causada pela degeneração da substância negra compacta (SNc), parece lógico que essa degeneração afete também a memória motora, pela diminuição da dopamina estriatal; e a memória de trabalho, dependente do córtex pré frontal (atenção) que também recebe projeções de neurônios dopaminérgicos nigrais.

A. O corpo estriado (caudado + putâmen) recebe a maioria dos aferentes dos núcleos da base, provenientes do córtex cerebral e da substância negra (SN). B. O globo pálido (externo + interno) recebe do estriado e do núcelo subtalâmico, e envia eferentes ao tálamo.

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BIOQUÍMICA

Os núcleos da base (em verde) fcam no interior do encéfalo, e são atravessados pela cápsula interna (em azul). A. Representação “por transparência” dos núcelos da base atravessados por dois dos feixes da cápsula interna. A linha branca indica o plano de corte utilizado em B. B. Representação do corte indicado em A, mostrando também os núcleos da base em relação à cápsula interna.

Fotomicrografia da Substância Negra compacta (SNc) marcada com anticorpo para a enzima tirosina-hidroxilase.

Os trabalhos do nosso grupo envolvem modelos animais da Doença de Parkinson em ratos. Para tal, ratos sofrem lesão química da sinapse dopaminérgica nigroestriatal. Um modelo temporário é obtido com o uso de reserpina, uma droga que bloqueia o captador de monoaminas pra dentro de vesículas sinapticas, provocando severa redução da concentração de transmissor disponível para a sinapse. Neste modelo, o animal apresenta imobilidade, lentidão de reação e postura arqueada, indicando similaridade com o quadro em humanos. Cirurgia estereotáxica no cérebro do rato. A foto mostra a agulha indicando o ponto bregma, para medida das coordenadas da SNC. Corte do cérebro para análise. Neste caso, a porção superior, onde se encontra o estriado, é destinada às análises bioquímicas, enquanto a porção inferior, incluindo o mesencéfalo, é tratada para histologia.

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Dissecação de cérebro de rato. A pinça está removendo o corpo estriado.

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BIOQUÍMICA

Outro modelo é obtido realizando a lesão de forma permanente pela administração intra-nigral de toxinas. Esta administração se faz com auxílio de um aparelho estereotáxico, que permite, com o auxílio de um atlas do cérebro do animal, atingir cirurgicamente estruturas com danos mínimos aos tecidos próximos. As toxinas admnistradas, como o 1-metil, 4-fenil, 1,2,3,6-tetraidropiridina (MPTP) e a 6-hidroxidopamina (6-OHDA), possuem alta seletividade e toxicidade em neurônios dopaminérgicos, causando prejuízo da atividade mitocondrial, aumento na geração de espécies reativas de oxigênio e conseqüente morte celular. Apesar da lesão ser irreversível, ela não evolui, constituindo esta a principal diferença entre o modelo e a patologia original. Deve-se ressaltar que os procedimentos cirúrgicos e demais testes empregados são avaliados por uma comissão de ética em pesquisa com animais da própria universidade, e seguem parâmetros descritos internacionalmente para minimizar o sofrimento e o número de animais utilizados. Os modelos MPTP/ 6-OHDA nos permitem avaliações em vários níveis: comportamental, neuroquímico, histológico e motor. Após a recuperação da cirurgia, os animais passam por testes motores, como ambulação em uma arena e tempo gasto para mudar de posição. Estes testes permitem avaliar em parte a intensidade da lesão, assim como sua evolução. Nesse tempo a perda de peso também é avaliada, já que a dopamina exerce modulação hipotalâmica na motivação da alimentação. Os testes de aprendizado e memória empregados consistem em labirintos aquáticos e caixas de esquiva. No primeiro, o animal aprende onde está a saída da água (que é um estímulo aversivo) para uma plataforma, usando para isso dicas visuais externas para se orientar no espaço ou dicas internas para aprendizado associativo. No caso da esquiva o animal aprende a evitar um choque elétrico brando nas patas não entrando no ambiente onde o recebeu da primeira vez (espacial) ou reagindo a um sinal sonoro que antecipa o choque (associativo). Com esses dois testes, se diferencia a memória espacial (dependente do hipocampo) da memória procedural (dependente dos núcleos da base). O aprendizado do animal é avaliado com o auxílio de programas de computador, que quantificam a performance a cada tentativa. Logicamente, as performances dos animais lesados é sempre comparada com animais controle. Um ponto importante da associação do teste motor com o teste de memória é que os testes de memória dependem da integridade motora. Após tais testes, os animais são sacrificados para análises ex-vivo. O cérebro é dissecado para realização de histologia do mesencéfalo, onde é Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 02 | ago 2007

Teste de catalepsia no rato. Ratos normais saem desta posição muito rapidamente, enquanto os catalépticos, ou com rigidez muscular permanecem por bastante tempo.

Rato em cima da plataforma com dica visual no labirinto aquático de Morris. Esta é uma tarefa do tipo estímulo-resposta, pois o animal não precisa aprender onde a plataforma se encontra, mas precisa associar a bola branca (dica) com a plataforma, onde quer que esta se encontre.

Labirinto aquático de Morris. O rato está sobre a plataforma submersa (12 x 10cm), considerado o único escape da água. O animal deve aprender a encontrar a plataforma baseado nas dicas visuais externas à piscina. Nesta foto, o rato está explorando visualmente o ambiente.

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BIOQUÍMICA

feita a contagem de neurônios vivos na SNc, para comparação com os animais controle. O núcleo estriado pode ser tratado para análise química por cromatografia, que permite a quantificação da dopamina estriatal e seus metabólitos. O objetivo geral do grupo, então, é provocar lesões brandas, suficientes para alterar as concentrações de neurotransmissores e causar alterações comportamentais, sem induzir déficit motor. Este modelo reflete o estágio inicial da doença, indicando que alterações cognitivas aparecem antes dos sinais motores do Parkinson. Isto também é relatado em pacientes, mas há a dificuldade de associação já que os sinais motores da Doença de Parkinson só aparecem quando cerca de 80% dos neurônios nigro-estriatais estão mortos. De acordo com nossos resultados e a literatura atual, a 6-OHDA é mais potente ao causar a lesão no rato, matando os neurônios de forma mais intensa. Esta toxina é então indicada para estudos de curta duração ou em lesões unilaterais, onde se estuda a potência de drogas antiparkinsonianas. Por outro lado, o rato é mais resistente à lesão com MPTP (mais resistente que nós, por exemplo). Esta toxina é mais útil para provocar lesões brandas e estudar alterações comportamentais de forma crônica. A 6-OHDA causa ainda menor contagem de neurônios na histologia e menor concentração de dopamina no estriado, indicando lesão mais potente. Da mesma forma do que é relatado em pacientes, os ratos lesados na SNc apresentam déficit de aprendizado em tarefas do tipo estímulo-resposta, mas não encontram dificuldades em realizar as de memória espacial. Porém, o treinamento na tarefa espacial ajuda o animal lesado a aprender a associativa, assim como em pacientes, onde a concentração consciente em cada etapa de um movimento coordenado facilita a execução do conjunto. Por exemplo: se um paciente parkinsoniano tem difi-

culdade em se levantar da cama, ele pode ser orientado a se concentrar em: dobrar as pernas, virar pro lado, colocar o pé no chão, empurrar-se para fora com os braços e esticar as pernas. Essa separação de etapas facilita a execução da tarefa, pois a dificuldade do paciente está principalmente em automatizar os movimentos. Se ele se desconcentra das etapas (como se alguém conversar com ele) a dificuldade volta, o que não acontece com indivíduos normais. Uma linha mais recente do grupo (meu projeto de doutorado) envolve estudos neuroquímicos onde a coleta de neurotransmissores é realizada in vivo, por uma sonda inserida no estriado. O procedimento é chamado microdiálise e faz, coletas seqüenciais de dopamina e permite a administração de drogas. O objetivo é estudar as alterações no cérebro lesado e a resposta da sinapse a outros neurotransmissores. Por exemplo, sabe-se que a nicotina, agindo em receptores colinérgicos, aumenta a liberação de dopamina. Com isso podemos dizer que o modelo em ratos é muito útil no estudo das características da patologia, auxiliando também na elucidação de como funcionam os mecanismos de formação e modulação de memórias em nosso cérebro. Ainda estamos longe de propor um tratamento mais eficaz ou mesmo uma cura para a Doença de Parkinson, mas procuramos contribuir com a elucidação dos mecanismos envolvidos na geração e evolução da doença, ou ainda novas estratégias de pesquisa, visando auxiliar numa parte importante do tratamento, que é a qualidade de vida do paciente. Nosso grupo conta também com parcerias com pesquisadores de outros estados, e inclusive outros países, permitindo grande troca de informações e tecnologia.

AUTOR | Marcelo Ferro Doutorado em Bioquímica, pesquisador do Departamento de Farmacologia da UFPR (Universidade Federal do Paraná). Nosso grupo conta também com parcerias com pesquisadores de outros estados, e inclusive outros países, permitindo grande troca de informações e tecnologia. Qualquer dúvida ou aprofundamento no assunto, basta acessar bases de dados on-line, ou entrar em contato conosco: marmferro@hotmail.com.

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PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL

Mergulhe no silêncio e descubra o novo Semanalmente circulam pela Internet “correntes” com mensagens sobre como viver melhor. São dicas como: faça aulas de dança de salão, jogue boliche ou inicie um hobbye. Nada contra quem aprecie tais atividades, desde que elas não venham como respostas para problemas, mas como o que realmente são: atividades. Analogamente, muitas são as empresas que contratam outras empresas para trazerem aos seus profissionais um lado lúdico da vida, com brincadeiras e dinâmicas que, de um modo geral, auxiliam em um curto espaço de tempo. É preciso levantar uma questão: as atividades são novas, mas será que a forma de executá-las também é? Todos repudiam a rotina, o tédio e o silêncio, como se fossem doenças terríveis, no entanto é preciso analisar o que eles representam. Se existem grupos preocupados com a melhora da qualidade de seus profissionais, seria interessante que eles ouvissem um pouco mais a linguagem do silêncio, nele é possível encontrar materiais riquíssimos! Será que a vida não se torna tediosa quando nos alienamos aos mesmos papéis, atitudes, mecanismos de defesa e diálogos interiores? Quantas vezes você já brigou pelas mesmas coisas, desentendeu-se com seu parceiro pelos mesmos motivos, deu aos seus filhos exatamente os mesmos conselhos e contou as mesmas histórias da sua vida? Isso também se repete nas respostas que você dá ao seu meio profissional. Para sair desse ciclo vicioso de pensamentos e idéias é preciso parar, observar e ouvir-se mais e não ficar apenas trocando alucinadamente de atividades. Dentro do silêncio é possível reavaliar idéias e atitudes. De nada adianta viajar o mundo inteiro sem nunca haver viajado para dentro de si mesmo. Para fugir da prisão do ego é preciso analisar a si mesmo, perceber de que forma as portas íntimas foram trancadas para que seja possível abri-las. Existiram ao longo da história, grandes homens que foram um exemplo da riqueza íntima, como Kant que nunca esteve a mais de 16 km de Königsberg, ou Darwin que, depois de dar a volta ao mundo, passou o resto da vida dentro de casa. Evidente que a idéia deste texto não é realizar uma apologia ao confinamento, mas sim a de uma reflexão que não é no excesso de atividades apregoado na atualidade, que estão todas as respostas. É fundamental perceber que uma geração que não consegue perceber no silêncio uma oportunidade de crescimento é uma geração inevitavelmente de homens menores e menos criativos.

AUTORA: Lígia Guerra Psicóloga especialista em psicologia analítica e psicologia do trabalho. Desenvolve atendimento Analítico e Processo de Coach em consultório particular. Presta consultoria em diversas organizações do país. É responsável pela seção de Orientação Profissional e Ocupacional do site de educação www. educacional.com.br e colunista do site europeu www.psicologia.com.pt | Coluna: Emprego e Carreira.

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COLUNA

Máscaras de carnaval, quem está por trás? Estamos em plena época de carnaval, época de alegrias, paqueras, novas amizades, novos ritmos de musicas (algumas bem estranhas...), mas não tem importância, afinal, tudo é festa e harmonia na avenida, com algumas ressalvas, é claro! Esses dias, assistindo notícias na tv e lendo outras na internet, a Secretaria Municipal de um estado vai distribuir pílula do dia seguinte ao foliões no carnaval. Caramba! Será que distribuir educação, informação e projetos sociais voltados a prevenção de gravidez e dst/aids custa muito caro? Tem gente que faz uso de pílula do dia seguinte como se tivesse chupando bala. Pílula do dia seguinte não evita doenças sexualmente transmissíveis, inclusive a aids. Se tomado sem orientações médicas poderá causar danos à sua saúde e é claro que a pílula não terá o efeito desejado. (Sempre consulte seu médico.) Falando em paquera e distribuição de beijos por todos os lados, você sabe os riscos que o beijo pode causar? – Pois bem, os beijos de língua calorosos e indiscriminados podem causar algumas doenças chamadas de mononucleose infecciosa (ou doença do beijo), que ocorre ínguas em todo corpo, entre outras doenças como a cárie, gengivite, sífilis, gonorréia e chances de contrair outras doenças sexualmente transmissíveis (dst/aids). A doença do beijo foi denominado assim porque sua transmissão é através da saliva. Seus principais sintomas são dores de garganta, febre, mal estar, dores de cabeça, falta de apetite, náuseas, vômito, entre outros.

Quanto ao “spray do beijo” divulgado na televisão e jovens fazendo “test drive” com o novo produto nada preventivo, não tem comprovação científica de sua eficásia. Beijar diversos parceiros pode ocorrer tais doenças citadas acima, mesmo com o uso do spray. As principais vítimas ao contágio são jovens na faixa de 15 à 25 anos de ambos os sexos. Uma pessoa com piercing na língua e com sangramentos tendo contato com outra pessoa com uma simples afta, podem contrair ou passar doenças causados pelo beijo, inclusive o vírus hiv, mesmo fazendo uso de “sprays”. O carnaval responsável não causa doenças e nem futuros transtornos à sua saúde. Esse ano vou pedir para você CONTINUAR USANDO preservativos. Não se lembre disso apenas e exclusivamente nessa época do ano, a camisinha precisa fazer parte da nossa cultura, evitando maiores transtornos à sua saúde. Os homens vivem dando desculpas que camisinha atrapalha, incomoda, mas apartir do momento que você tiver dúvidas se pegou algum tipo de DST por ter transado com alguém sem nenhum método contraceptivo na noite anterior, isso vai incomodá-lo para sempre, afinal de contas você nunca ficará sabemos quem é que está por trás das máscaras de carnaval e quais foram seus comportamentos de risco. A máscara nesse carnaval não é spray do beijo, nem distribuição de pílula do dia seguinte... mas sim o uso de metodos contraceptivos e do preservativo. Entre fantasiado nesta festa e seja feliz!

Autor: Márcio Roberto Regis (CRP 08/10156) Editor-Chefe do Portal de Psicologia Atlaspsico Psicólogo formado pela Universidade Tuiuti do Paraná Email: atlaspsico@atlaspsico.com.br – www.atlaspsico.com.br 36

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