Revista_ATLASPSICO_04

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ATLASPSICO NÚMERO 04 | OUTUBRO 2007

A Revista do psicólogo

comportamento

A discriminação feminina em um discreto sorriso matéria de capa

TAG uma emoção visceral a ansiedade generalizada


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ATLASPSICO número 04 | outubro 2007

MATÉRIA DE CAPA TAG

a ansiedade generalizada. Uma emoção viceral

06

18 23 24 28

COMPORTAMENTO

36 38 41 42

PSICANÁLISE

A discriminação feminina em um discreto sorriso

PSICOLOGIA GERAL Chorar faz bem

DEPENDÊNCIA QUÍMICA Reflexão sobre a Redução de Danos

ESTUDO DE CASO

A subjetividade e suas implicações na escolha profissional e na formação do estudante de psicologia O Inconsciente e a Linguagem

PONTO DE VISTA Doutores em decadência

LIVROS CLASSIFICADOS

ATLASPSICO

A Revista do Psicólogo

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EXPEDIENTE Revista ATLASPSICO é uma publicação bimestral. Os artigos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. O uso de imagens e trechos dos textos somente podem ser reproduzidos com o consentimento formal do editor. Edição de outubro 2007 Brasil – Curitiba – Paraná EDITOR-CHEFE Márcio Roberto Regis | CRP 08/10156 JORNALISTAS Rose Santana | 12.182/MG Audea Lima | 972/96/PI DIREÇÃO DE ARTE DIAGRAMAÇÃO Equipe ATLASPSICO editorial@atlaspsico.com.br COLABORADORES Vívian Cristina Caixeta Nilton S. Formiga Graça Moura Roberta Fernandes do Nascimento Irani I. de Lima Argimon Regina Maria Fernandes Lopes Vilmair Tiago da Maia Samuel Antoszczyszen Lou de Oliver Um projeto do Portal de Psicologia ATLASPSICO revista.atlaspsico.com.br © Copyright 2007 Todos os direitos reservados. All rights reserved.


TAG

Editorial

Na edição de número 04 da Revista ATLASPSICO deste mês, a psicóloga colaboradora Vivian Cristina Caixeta aborda o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), ‘uma emoção visceral’. A autora descreve um caso clínico e fundamentao teoricamente nos diversos contextos familiares, afetivos, profissionais, questões sobre sua auto-imagem, além de descrever um paralelo sobre o diagnóstico médico-psiquiátrico. Trazemos ainda um artigo sobre Drogas e redução de danos. Uma breve reflexão sobre a importância de estratégias eficientes em comunidades alertando sobre os riscos das drogas e junto com isso integrar o indivíduo no contexto familiar, escolar e profissional com o objetivo de evitar problemas decorrentes do uso problemático, desenfreado de toda e qualquer substâncias. Boa leitura! Márcio Roberto Regis CRP 08/10156 Editor-Chefe do Portal ATLASPSICO

Edição Anterior

Quero agradecer aos meus colaboradores que nos ajudam a fazer da Revista ATLASPSICO uma fonte de consultas cada vez melhor! Continuem colaborando e fazendo da Psicologia uma ciência. Parabéns aos colaboradores! Muito obrigado pelo empenho de todos vocês! Equipe ATLASPSICO Colaborações e sugestões: editorial@atlaspsico.com.br

NOTA COMO FAZER CITAÇÕES Para os autores que contribuiram com artigos científicos nas três primeiras edições da revista de psicologia ATLASPSICO, e querem atualizar a LATTES, apenas acrescentem, entre parenteses ou colchetes [reeditado em julho 2007] ou [reeditado em agosto de 2007] ou [reeditado em setembro de 2007], caso seu artigo esteja disponível na 1ª, 2ª ou 3ª edição, respectivamente. O site de referência pode ser: www.atlaspsico.com.br ou revista.atlaspsico.com.br (sem “www” no início) Equipe ATLASPSICO

Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007


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MATÉRIA DE CAPA

ESTE ARTIGO TRAZ UMA REFLEXÃO TEÓRICO-EMPÍRICA SOBRE O TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA (TAG), POR INTERMÉDIO DE UM ESTUDO DE CASO E DE UM PARALELO ENTRE A LITERATURA MÉDICO-PSIQUIÁTRICA E A COMPORTAMENTAL. NESSE SENTIDO, CONVIDA-SE A PENSAR TAMBÉM, A ESPECIFICIDADE QUE A QUESTÃO DIAGNÓSTICA ASSUME NUMA TERAPIA ANALÍTICOCOMPORTAMENTAL.

A ANSIEDADE GENERALIZADA

uma emoção visceral

O termo ansiedade vem do grego ‘anshein’, que significa “estrangular”, “sufocar”, “oprimir”. A angústia, termo correlato, origina-se do latim ‘angor’, significando “opressão” ou “falta de ar”, e ‘angere’, “causar pânico”. Tais palavras latinas derivam da raiz germânica ‘angh’, indicando “estreitamento” ou “constrição” – termos que se referem de uma forma metafórica, à experiência subjetiva da ansiedade1. Partindo do entendimento de que todo comportamento é adaptativo para o indivíduo, seja ele funcional ou não, percebe-se que a experimentação da ansiedade, durante um período muito freqüente e intenso, ainda assume tal característica, porém, começa a “sufocar” e “oprimir” de uma maneira tal, que transcende o limite do suportável. Apresenta-se assim, um caso clínico que clarifica tal linha de raciocínio.

APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

A cliente a quem, de forma fictícia, denomina-se Regina, vivenciou com a referida autora um processo psicoterápico de vinte e duas sessões, sob a abordagem comportamental, numa clínica social de Psicologia. Quando deu início ao mesmo, tinha vinte e um anos e estava no final de seu curso superior. Apresenta a sua “ansiedade” como queixa principal, onde observa ter se iniciado há cinco anos. Antes de procurar por uma ajuda psicológica, tomava medicamentos receitados por um psiquiatra, alegando não ter dinheiro para fazer terapia: “eu tenho uma coisa pra te falar, mas não sei por onde começar, ai de onde eu começo, como é que eu vou te explicar?! Bom, é assim, eu sou muito ansiosa. Tenho uma ansiedade que atrapalha tudo na minha vida, está atrapalhando a minha vida profissional, me atrapalha em todos os sentidos”; “pra você ter idéia do tanto que eu sou ansiosa, eu ficava pensando o que eu ia falar antes de ir para o psiquiatra. E eu também fiquei pensando no que eu ia falar pra você (risos). Pra você ter idéia do tanto que eu sou ansiosa, antes de fazer a cirurgia, eu não dormia, eu ficava pensando, ai meu Deus. O médico ligou pra minha mãe e disse que eu era movida a pilha, que já tinha me dado dois remédios fortes”.

Regina demonstrava, de maneira freqüente nas sessões, determinados comportamentos, sempre emitidos de forma intensa, como: apertar as mãos; desviar o olhar e remexer-se na cadeira; gargalhar e chorar na mesma intensidade; brincar com folders e copos de plástico enquanto falava ou quando o terapeuta intervia; mexer no cabelo e nas unhas; irritação e confrontação com o terapeuta, dentre outros. No desenrolar dos atendimentos, começou-se a perceber o significado que falas como esta, assumiam na vida da cliente, posto que seu comportamento ansiogênico atingia uma grande amplitude: experimentava-o em um grupo de situações (eliciando por sua vez, diversas emoções e sentimentos), bem como apresentava componentes fisiológicos (como caspa e cravos em seu curso evolutivo). Para reforçar tal aspecto clinicamente observado, a cliente ainda elaborava um nexo causal, focado em sua ansiedade, a despeito de suas dificuldades nos âmbitos familiar, vocacional, afetivo, laboral, da auto-imagem e da psicoterapia em si. Vejamos.

QUESTÃO FAMILIAR

Dentro desta contingência, a cliente diz na primeira sessão: “eu tenho uma grande questão com a minha mãe. A gente não se dá bem. A gente briga muito... e... acho que eu tô com vontade de chorar... Nem sei porque eu tô chorando, porque essa não é uma questãããããão pra mim, sabe? Mas é chato né, você não se dar bem com a sua mãe”. Diz ter vários sentimentos em relação a ela, tais como adorar, gostar, ciúmes (quando, por exemplo, conversa com alguma amiga sua) e o não-gostar também, pelos seguintes motivos alegados: a) pela grande diferença de idade entre elas (sua mãe a teve com quarenta anos, tendo assim, 62 anos), o que faz com que surja um choque de opiniões muito forte; b) pelo fato de desejar uma mãe mais atenciosa como, por exemplo, perguntar sobre os seus trabalhos na faculdade, observar quando sai ou viaja e a que horas chega, Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007


MATÉRIA DE CAPA

bem como prestar e manter a atenção quando conta alguma coisa. c) por não apoiar a escolha de sua profissão, mas sim, a de suas três irmãs: “até na época que eu tava pensando no vestibular, que eu tava em dúvida com sete cursos, minha mãe sempre dava a opinião pra eu fazer um curso tipo o das minhas irmãs”. d) por enxergar a sua mãe como uma mulher muito dependente de seu pai: “ai, uma coisa que me irriiiiiiiiita é a minha mãe ser totalmente dependente dele (...) Eu não quero ser igual a ela, sabe? Ser assim, dependente.... Então, eu acho que o negócio de eu não arrumar namorado, eu acho que é por causa disso, eu quero ser uma mulher independente”. Já em relação ao pai (61 anos), marcam-se sentimentos parecidos. Ele também evidencia uma preferência pelas outras filhas, especialmente no aspecto vocacional, por terem escolhido profissões social e historicamente mais reconhecidas: “e elas, meu pai sempre pagava tudo (...) Pra minhas irmãs, meu pai nem perguntava, sabe... agora... igual pra mim... meu pai tirou o dinheiro do xerox. Nossa, como é que eu vou estudar? (...) Pras minhas irmãs sempre teve tudo, elas sempre foram certinhas, fizeram tudo ali certinho, e eu sou a que cutuca, a que não aceita, a que questiona, eu sempre fui a doidona”; “isso eu percebo quando ele está conversando com os amigos dele. Ele começa a falar o que minhas irmãs estão fazendo, mas quando chega em mim, muda de assunto...”. Dentro disso, Regina conta, no decorrer das sessões, que o pai diz que seu curso “é de merda” e que “descobriu para que filho serve, serve é para gastar o nosso dinheiro”. Relata já ter tentado conversar com ele sobre a sua escolha profissional, mas “ele sai batendo e chutando”. Regina, ao descrever seu pai, diz que, com os amigos e na rua, é divertido e alegre, mas em casa, é um “militar”, isto é, grita muito com ela e “controla tudo”: liga para saber o que fez, com quem saiu, com quem fala ao telefone. Não passa recados de ligações, nem de namorado, amigo ou emprego. Colocava-a de castigos durante a infância (juntamente com suas irmãs), além de já ter batido nela. Não gosta de ganhar presentes (e quando ganha, é indiferente e não agradece) e guarda detalhes de histórias passadas “pra ficar lembrando o resto da vida”. Também “gosta de ficar pedindo que a gente faça as coisas... pega isso, pega aquilo. Nossa, é um saco. Sempre foi assim, Agora tá pior, porque ele tá o dia todo dentro de casa, ele tá muito parado. E também porque ele pesa 151 quilos. Se ele dá uma Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007

coisa, igual essa lipo que eu ganhei dele, ele fica pedindo, se sente no direito de ficar nessa de pega isso, pega aquilo”. Além de ser “muito ignorante”, “muito chato”, fazer “pressão psicológica” (diz, por exemplo, que Regina vai voltar a engordar), preferir que ela fique em casa (isto é, não saia, não faça cursos, não namore) e mostrar-se muito estressado com o trabalho, “descontando assim, em casa”. Durante o processo psicoterápico, ficaram sem se falar por duas vezes, onde Regina sentia falta de algumas brincadeiras dele. A cliente fez, nesse sentido, diversas tentativas de interação com ele, mas se frustrou em todas elas, pois ele sempre gritava e “era grosso”: “e é assim desde em que eu me entendo por gente”. Um dia, ao perguntar a ele se não ia cumprimentá-la, dirige-se à esposa e diz: “não estou falando com essa merda aí não”.

QUESTÃO VOCACIONAL

Regina queixava-se de não saber se o curso que estava fazendo era realmente aquilo que queria para a sua vida: “eu gosto do curso, se não gostasse eu já tinha parado há muito tempo. Mas é porque vai juntando essas coisas, sabe. O meu relacionamento com a minha mãe, essa coisa de eu não saber quem eu sou, o que estou fazendo aqui... E o curso das minhas irmãs, minha mãe gosta, porque é palpável... porque parece que tá tendo resultado... só o meu que não, não tem isso”. Aponta a sua “ansiedade” e o “ser brincalhona” como fatores que atrapalharam, por exemplo, uma determinada apresentação de trabalho na faculdade. Demonstra, durante a psicoterapia, a vontade e ao mesmo tempo, uma dúvida de fazer outras graduações não relacionadas à sua área.

QUESTÃO AFETIVA

Regina diz que nunca conseguiu arrumar um namorado, só “ficou”: “acho que é esse meu jeito, ai eu sou muito ansiosa, então quando eu começo a ficar com a pessoa e ela não me agrada, eu já largo pra lá”. É dentro deste âmbito que a cliente traz uma interessante informação que, posteriormente, ajuda na formulação de seu caso: “porque eu acabo virando amiga dos meus amigos. Porque eu sou muito comunicativa, tenho muitos amigos (amigos homens). Eu gosto de conhecer as pessoas a fundo, fico escutando horas (...) Parece que na minha testa está escrito ‘confidente’, acabo sendo amiga, confidente, mãe... Eu não sei como chegar, eu queria descobrir isso. Muitas vezes, eu fico conversando um tempão com o cara, e eu falo ‘nó, vou te apresentar uma amiga minha’, aí ele fala, ‘não, mas eu quero te conhecer’. Cê tá entendendo?”.


MATÉRIA DE CAPA

Durante a psicoterapia, a cliente inicia um relacionamento com um rapaz que, como ela mesma descreve, é “surdo”, ou seja, “ouve pouco e fala mais ou menos”. Enfatiza que ele havia “grudado” nela e a “sufocava”: julgava-se seu namorado, ao passo que ela acreditava estarem “só ficando”; tendo dessa maneira, conflitos em relação ao que sentia por ele, isto é, gostar e sentir pena, mas não amá-lo. É descrito como “bonito”, “saradão” e “carinhoso” e a aceitava do jeito que ela era – fato que assumia uma grande relevância para a cliente. E ao mesmo tempo, era “muito bobo” (“uma pessoa a quem se pode fazer o que quiser”), mas que “estava dando um tempo (não terminar com ele antecipadamente) para ver se ele gostava e a aceitava realmente” e “para ver se conseguia namorar”. Em contrapartida, tal relação eliciava grandes irritações em Regina, pois como ela mesma trazia, ele tinha uma família “super protetora”, onde a mãe era muito permissiva e não estimulava sua independência. Nesse sentido, contava que ele sempre queria que ela o levasse e buscasse nos lugares. Para tentar contornar esta, bem como outras dependências, diz ter começado a estimulá-lo, dando-lhe tarefas para casa (escrever algo e mostrar a ela) e levando-o às suas aulas na faculdade, já que “desaprendeu a ler e escrever”.

QUESTÃO LABORAL

Em suas questões envolvendo o ambiente profissional, Regina também aponta a ansiedade como causa de uma situação difícil que vivenciou: “olha o tanto que eu sou ansiosa... quando eu arrumei um estágio o ano passado... eu cheguei e a menina tava lendo jornal e contou que o estágio era muito ruim. Eu cheguei em casa desesperada, falando que não ia trabalhar mais lá. Ao invés d’eu esperar e ver se as coisas eram assim mesmo, não né? Aí, depois fiquei sabendo que a empresa estava passando por um período de adaptação, que era por isso que a menina estava por enquanto à toa; foi aí que eu vi...”.

QUESTÃO COM A AUTO-IMAGEM

Regina tinha acabado de passar por uma cirurgia estética quando iniciou a psicoterapia. Sentia-se insatisfeita com o corpo, dizendo que emagrecia e engordava constantemente e que “descontava a ansiedade na comida” muitas vezes. No desenrolar das sessões, diz que se sentiu fracassada por ter feito uma lipo e engordado tudo de novo, relatando dentro disso, uma excessiva preocupação com o que os outros iam pensar, se a vissem na praia, por exemplo, e percebessem tal fato. Relatou um episódio de compulsão alimentar, em que vomitou depois de ter comido um macarrão “sem ver”, sentindo-se assim, aliviada. É dentro desse aspecto, que marcam-se em

seu caso, comportamentos de auto-rotulação, feitos por intermédio de diagnósticos psicológicos, onde Regina acreditava ter um “transtorno alimentar”, afinal, “precisava saber o que tinha”. Isso aconteceu também quando disse: “eu sou bipolar, porque alterno entre o bom humor e o mau humor”; “minha mãe fica falando que eu sou bipolar”.

QUESTÃO COM A PSICOTERAPIA EM SI

Regina queixava-se de não entender o que era uma psicoterapia, alternando comportamentos de implicação em tal compreensão e comportamentos que focalizavam a formulação de todo o processo presente e por vir, à figura do psicoterapeuta: “ôu, cê tem que me ajudar, cê tem que falar que eu devo fazer”; “mas, ôu, cê não vai falar que eu tenho, não?”; “aqui! Que que eu faço? Cê tem que me falar, uai!”.

O DIAGNÓSTICO MÉDICO-PSIQUIÁTRICO2

Cruz, Júnior e Graeff (1995) explicam que, diversas tentativas de classificação psiquiátrica para os distúrbios de ansiedade têm surgido ao longo das últimas décadas. Dentre as classificações mais empregadas está a elaborada pela Associação Psiquiátrica Americana (APA): o DSM (Diagnostic Statistical Manual), que vem sendo constantemente revisado e atualizado. Tanto em sua primeira quanto na segunda edição a ansiedade era vista como a maior representante da condição neurótica. Na terceira edição, a abordagem das doenças mentais foi alterada, dando maior ênfase às suas bases empíricas e a um diagnóstico descritivo. Já na quarta edição, publicada em 1994, tais distúrbios de ansiedade ficaram classificados da seguinte forma: 1. Fobia específica; 2. Fobia social; 3. Agorafobia sem Transtorno do Pânico; 4. Transtorno do Pânico sem agorafobia e Transtorno do Pânico com agorafobia; 5. Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG); 6. Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC); 7. Transtorno de Estresse Pós-Traumático; 8. Transtorno de Estresse Agudo; 9. Transtorno de Ansiedade devido a uma condição médica geral; 10. Transtorno de Ansiedade induzido por substâncias químicas; 11. Transtorno Atípico de Ansiedade. A partir da apresentação do caso clínico, observam-se alguns pontos na topografia comportamental da cliente, que justificam assim, um diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada (F41.1 – 300.02), baseado no DSM-IV e na CID-10 (Classificação Internacional de Doenças). Vê-se uma ansiedade ou preocupação excessiva (expectativa apreensiva), ocorrendo na maioria dos dias por um período Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007


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de pelo menos seis meses, acerca de diversos eventos ou atividades (Critério A), onde Regina considerava difícil controlá-las, isto é, evitar que interferissem na atenção a tarefas que precisavam ser realizadas. Enfim, parar de se preocupar com sua família, vocação, faculdade, namorado, emprego, com o próprio corpo e com sua psicoterapia, para poder assim, concretizar suas metas (Critério B). Nesse sentido, a intensidade, duração ou freqüência de sua ansiedade e preocupação eram claramente desproporcionais a real probabilidade ou impacto do evento temido. Percebia-se também, que tal ansiedade e preocupação da presente cliente eram acompanhadas dos seguintes sintomas adicionais: a) inquietação ou sensação de estar com os nervos à flor da pele. Nesse sentido, Regina apresentava uma dificuldade para relaxar ou tinha a sensação de que estava a ponto de estourar: no limite do nervosismo; b) fatigabilidade; c) dificuldade em concentrar-se ou sensações de “branco” na mente; d) irritabilidade ou nervosismo persistente; e) tensão muscular; f) perturbações do sono; g) ganho de peso (Critério C). O foco das mesmas não estava confinado a aspectos de um outro transtorno do Eixo I, como ter um Ataque de Pânico (no Transtorno do Pânico), sentir embaraço em público (na Fobia Social), ser contaminado (no Transtorno Obsessivo-Compulsivo), estar afastado de casa ou de parentes próximos (no Transtorno de Ansiedade de Separação), ganhar peso (na Anorexia Nervosa), ter múltiplas queixas físicas (no Transtorno de Somatização) ou ter uma doença séria (na Hipocondria); além de não terem ocorrido exclusivamente durante um Transtorno de Estresse Pós-Traumático (Critério D). Demarcou-se nesse caso também, que Regina relatava um sofrimento subjetivo devido à constante preocupação (e à dificuldade em controlá-la) e pela experimentação de prejuízo em seu funcionamento social ou ocupacional ou em outras áreas importantes. Dessa forma, não se pode considerar os sintomas como suficientes para dar o diagnóstico, caso a pessoa não tenha tais funcionamentos afetados (Critério E). Marca-se que tais sintomas da ansiedade não se deviam a efeitos fisiológicos diretos de uma substância (droga de abuso, medicamento, exposição a uma toxina, remetendo ao Transtorno de Ansiedade Induzido por Substância) e nem eram considerados uma conseqüência fisiológica direta de uma condição médica geral específica, como por exemplo, feocromocitoma e hipertiroidismo (Transtorno de Ansiedade Devido a uma Condição Médica Geral). Tampouco se relacionavam ao Transtorno de Ajustamento, pois este ocorre em resposta a somente um estressor da vida e não persiste por mais de seis meses após o término do estressor ou de suas conseqüências. Acrescenta-se (Critério F) que não ocorreram exclusivamente duranRevista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007

te um Transtorno do Humor, Transtorno Psicótico ou Transtorno Invasivo do Desenvolvimento. Faz-se necessário acrescentar que a preocupação excessiva do TAG se diferencia dos pensamentos obsessivos do TOC, pois no último, as preocupações não se limitam a problemas cotidianos ou da vida real, mas são intrusões ego-distônicas que freqüentemente assumem a forma de anseios, impulsos e imagens, em acréscimo aos pensamentos. Soma-se a isso, que a maior parte das obsessões geram ansiedade, e para reduzi-la ou aliviá-la, surgem as compulsões. Outro ponto importante reside no fato dos sintomas do TAG também se assemelharem aos do Transtorno do Pânico. Entretanto, no pânico, o surgimento de agorafobia é mais comum e as pessoas experimentam um estado de ansiedade prolongada entre uma crise e outra. Já na ansiedade generalizada, não há crises, mas estados permanentes e prolongados de desconforto ansioso. E por sua vez, as preocupações ditas “normais” se diferenciam das preocupações do TAG. As primeiras são as preocupações cotidianas, necessárias para a boa adaptação individual à sociedade e ao ambiente, percebidas como mais controláveis e que podem ser adiadas até mais tarde. No que tange ao tempo de duração dos sintomas, estas se restringem a uma determinada situação, e mesmo que uma situação problemática causadora de ansiedade não mude, a pessoa tende a adaptar-se e tolerar melhor a tensão, diminuindo o grau de desconforto com o tempo, ainda que a situação permaneça desfavorável. As do TAG já são difíceis de controlar e interferem de modo significativo no funcionamento do indivíduo, perturbando a visão que tem a respeito de si mesmo e do que acontece no ambiente. Além de serem mais invasivas, pronunciadas, aflitivas e duradouras: quanto mais numerosas forem as circunstâncias de vida com as quais a pessoa se preocupa excessivamente (como as do presente caso clínico), mais provável é o diagnóstico. Assim, uma pessoa que permaneça apreensiva, tensa, nervosa, por um período superior a seis meses, ainda que tenha um motivo para estar ansiosa, começa a ter critérios para diagnóstico de ansiedade generalizada. Por fim, pontua-se também aqui, que em seus períodos naturais de estresse, os sintomas de Regina tendiam a piorar, ainda que o estresse fosse bom, como a possibilidade dela ir a um carnaval fora de época. Observa-se também, a presença de sintomas depressivos (magnitude do comportamento) – fato comum no TAG – mas não assumindo maior exuberância que os da ansiedade. Nessa linha de raciocínio, os sintomas do TAG mudam e oscilam ao longo do tempo, permitindo que a pessoa se sinta completamente bem em algumas ocasiões e pior em outras. Ou seja, nos períodos que as pessoas


MATÉRIA DE CAPA

estão livres dos sintomas, o que pode durar de horas a dias, elas acreditam que ficaram recuperadas. Esta aparente melhora obtida, só faz confundi-las sugerindo uma melhora espontânea e temporária da ansiedade. Depois de alguns dias, quando a ansiedade volta, a pessoa fica confusa. Sem dúvida nenhuma, tal oscilação, presente neste caso, foi uma das variáveis que exigiu bastante cuidado e manejo clínico por parte do psicoterapeuta.

O DIAGNÓSTICO FUNCIONAL a análise funcional do comportamento

A análise funcional, como ferramenta de trabalho do analista do comportamento, dá subsídios para a identificação das contingências que operam e operaram no comportamento do indivíduo, bem como possibilitar a análise das conseqüências que mantêm um determinado comportamento. A partir desses dados, pode-se estabelecer, junto com o cliente, um plano para que se possa instalar condições que permitam a reflexão dos comportamentos a serem modificados, a fim de trazer menos sofrimento e mais qualidade de vida. Desenvolvem-se, assim, novas relações contingenciais, que possam estimular a aprendizagem de novos padrões comportamentais. Para isso, o terapeuta deve buscar técnicas de generalização e manutenção do comportamento, como tarefas de casa e exposição gradual e sistemática (encoberta e a posteriori, aberta) para que o cliente possa tornar-se insensível àquilo que não contribui para a ampliação de seu repertório comportamental. Assim, o diagnóstico médico-psiquiátrico não é desconsiderado mas assume o fundo do comportamento clínico do terapeuta, ao passo que o diagnóstico funcional passa ser a figura. No presente caso, Regina traz como meta, “deixar de ser menos ansiosa, impulsiva e nervosa”. No entanto, isso assume, na Análise do Comportamento, nuances que devem ser clarificadas. Skinner (1953/2003) nos ajuda a entender que a ansiedade da cliente (seu comportamento-queixa) indica um conjunto de predisposições emocionais atribuídas a um tipo especial de circunstâncias. Qualquer tentativa terapêutica de reduzir os “efeitos da ansiedade” devia operar sobre essas circunstâncias, não sobre o estado interveniente: eis a análise funcional do comportamento. Vejamos o que foi feito em cima disso.

ANSIEDADE E RESPONSABILIDADE

A cliente, ao se queixar freqüentemente de sua “ansiedade”, traz a mesma como definição identitária, no sentido de que não era nada mais além disso, fechando o acesso à sua complexa subjetividade (o mesmo ocorrendo, a posteriori, com o “transtorno alimentar” e o “bipolar”, como pôde se ver). Dentro desse contexto, Regina considerava-se “responsável” 10

por suas queixas, afinal, desejava controlar a ‘sua’ ansiedade, impulsividade e nervosismo. Evocava-se assim, no setting terapêutico, a noção de responsabilidade: uma noção teórica que abrange uma ampla ressonância clínica, que deveria, urgentemente, ser aprendida de forma empírica por Regina – pois afinal, remetia diretamente às suas questões. Quando se diz, em nossa sociedade, que alguém é “responsável” por algo, dá-se início a uma prática social amplamente difundida: busca-se identificar o ator que emitiu algum comportamento em questão, considerando-o “responsável” pelo mesmo. Se o comportamento é considerado adequado, dão-se créditos ao indivíduo “responsável”, ao passo que, se é considerado inadequado, ele é punido, isto é, recaem sobre a pessoa as estratégias de controle prioritariamente coercitivas amplamente utilizadas (SKINNER, 1972; OTERO, 2004). Como se pode ver, esta noção de que cada um é “responsável” por sua conduta menospreza o papel do ambiente na determinação do comportamento em prol da supervalorização de motivações internas, vontades, propósitos e intenções do indivíduo. Conflita, portanto, com a visão de que o comportamento é o produto da relação entre o organismo e seu ambiente, o que faz com que as condições ambientais presentes na história do indivíduo, que estiveram relacionadas ao fato dele emitir esses comportamentos, não sejam objeto de transformação. O que se conclui é que a noção de responsabilidade como é utilizada usualmente, serve especialmente como forma de atribuir culpa ao próprio indivíduo pelo seu comportamento – refletem os referidos autores. Ofereceu-se assim, condições para que Regina aprendesse a discriminar que no sistema em que funcionava até então, as soluções tentadas para “controlar sua ansiedade, impulsividade e nervosismo” não eram soluções e sim, parte dos seus problemas. Este momento foi um grande divisor de águas para a vida da cliente: controlar a qualquer custo o que sentia ou pensava tornou-se de frágil existência e cedeu lugar para a aceitação de seus sentimentos e pensamentos (TORRES, 2000).

ANSIEDADE COMO CAUSA DO COMPORTAMENTO

Torres (2000) afirma que a convivência com nossos eventos privados, às vezes, torna-se difícil, pois, nem sempre queremos sentir o que sentimos ou queremos pensar o que pensamos. Deduzimos assim, que são eles as causas dos nossos comportamentos e, então, queremos controlá-los: “quando eu vejo já gritei com a minha mãe. Aí depois de uns dias eu páro pra pensar, nossa... não precisava falar daquele jeito... fico culpada... aí eu falo Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007


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que eu vou ser mais controlada, menos impulsiva, e aí...”. Como se vê, afirma Leite (2000), os indivíduos ansiosos investiram muito de suas vidas tentando lutar, controlar e se esquivar da ansiedade, entretanto, sem efeitos positivos. Assim, o trabalho que foi desenvolvido junto com Regina, remeteu-a a uma desistência do controle de sua ansiedade em prol da aceitação da experiência de enfrentá-la. Isso significou que ela deveria aprender empiricamente que seus eventos privados deveriam ser reconduzidos ao status que lhes cabia: o de dar-lhe informações sobre as contingências que atuavam em sua vida e que, verdadeiramente, eram estas as causas de suas dificuldades emocionais (LEITE, 2000; TORRES, 2000). A verificação dessa aprendizagem se deu quando a descrição das situações de sua vida tornaram-se mais freqüentes em seu comportamento verbal, ao invés da ansiedade ser o norte das mesmas. Fica claro então, que os sentimentos e outros estados subjetivos não são causas do comportamento, mas sim, comportamentos e, portanto, devem ser analisados como tal (SKINNER, 1953/2003). Isso porque o evento privado passa a ser verdadeiramente privado somente quando a comunidade sócio-verbal partilha das mesmas contingências, reforçando, assim, nossas respostas quando o descrevemos. Ou seja, os estados emocionais experienciados não são sentidos ou interpretados como dor, ansiedade, angústia, desamparo ou depressão, por exemplo, sem que antes interajam nesse contexto – o que faz dos eventos privados, produtos das práticas culturais (TORRES, 2000).

que não eram reforçadas todas as outras respostas que tinham topografias dessemelhantes (atitudes inassertivas ou agressivas perante seus punidores). Marca-se aqui, o início de uma clarificação do mecanismo de funcionamento do comportamento ansiogênico de Regina. Considere um estímulo que preceda caracteristicamente um forte reforçador negativo3 (toda a sua dinâmica familiar), com um intervalo de tempo suficientemente grande para permitir a observação de mudanças comportamentais, isto é, um efeito de longo alcance. Tal estímulo evoca assim, um comportamento que foi condicionado pela redução de ameaças semelhantes, eliciando também, fortes respostas emocionais: a condição resultante geralmente é denominada ansiedade. Diz-se assim, que quase todos os estímulos aversivos fortes são precedidos por estímulos característicos que podem vir a gerar ansiedade. Contingências como essa são dispostas no controle prático do comportamento, muitas vezes, em conexão com punição: um controle do tipo punitivo (SKINNER, 1953/2003). Entende-se agora, que a cliente estava exposta a antigas e amplas contingências punitivas, isto é, à aplicação de estímulos aversivos contingentes à ocorrência de respostas consideradas inadequadas (no caso, seu jeito de ser e a sua escolha vocacional) – explica Rangé (2001). Seu pai não incentivava a concretização de seu curso e não estabelecia uma interação adequada com a filha (dentre outros fatos presentes e passados já explicitados) e sua mãe compactuava com essa posição. Suas irmãs, que ocupavam um lugar de preferência perante os pais, também não se posicionavam assertivamente em relação à injustiça tão fortemente demarcada no repertório verbal de Regina (talvez por um ganho secundário). E especificamente, estava exposta a punições positivas (estímulo aversivo que, quando apresentado, enfraquece a freqüência do comportamento ao qual é contingente: como por exemplo, os chingamentos do pai em relação à sua pessoa e ao seu curso) e a punições negativas (retirada contingente de um estímulo reforçador positivo, enfraquecendo a freqüência do comportamento, como por exemplo, o dinheiro do xerox). Soma-se o fato de que, o pai, como um agente controlador punitivo não estava alerta para tal fato e aumentava progressivamente a intensidade da punição, para obter o mesmo efeito – complementa Skinner (1953/2003).

Quase todos os estímulos aversivos fortes são precedidos por estímulos característicos que podem vir a

gerar

ansiedade.

ANSIEDADE, PUNIÇÃO E EVITAÇÃO

Nos termos de Wielenska (2001), percebeu-se um limite ambiental à ação do terapeuta: a cliente estava inserida num território fértil para conflitos interpessoais. Deparava-se então, com um amplo e cristalizado processo de estimulação aversiva condicionada. A posição que ocupava na família era a de “ansiosa”, somado ao fato de que “não conseguia melhorar”. Foi preciso instalar, durante todo o processo psicoterápico, várias intervenções baseadas em reforçamento diferencial, onde numa modelagem, explica Rangé (2001), eram reforçadas diferencialmente aquelas respostas que se assemelhavam topograficamente à resposta terminal desejada (dessensibilização ao seu repertório coercitivo e aumento de contra-controle adequado), ao passo Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007

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Fica claro também, que a ansiedade de Regina era um acompanhamento comum da evitação e/ou fuga. O medo de um evento futuro (situações que requeriam enfrentamento, experiências que lançavam o novo e mudanças a longo prazo, assim como o encontro com a própria identidade e o sentido da vida), originava-se por estímulos específicos que precediam os eventos punitivos ou aspectos do ambiente geral nos quais os eventos ocorriam (coerção familiar). O mecanismo de evitação desenvolvido pela cliente (não se posicionar em seu contexto familiar, de forma assertiva e madura, no que tange a seu aspecto profissional e de personalidade), era adaptativo, no sentido de se preservar de tais adversidades e gerar alívio imediato. Contudo, trazia como conseqüência, o afastamento das fontes de reforçadores positivos e das contingências (causas primeiras do comportamento), ocorrendo então, mais e outras dificuldades para a vida da cliente (SKINNER, 1953/2003). Sem dúvida nenhuma, tal relação mencionada punição e evidos (ansiedade, tação/fuga) foi um ponto transtornos de difícil de ser manejado. Isto porque, se uma dada resposta for seguida por um estímulo aversivo, qualquer estimulação que acompanha a resposta, originando-se do próprio comportamento ou de circunstâncias concomitantes, será condicionada. Assim, qualquer comportamento que reduzisse tal estimulação aversiva condicionada era reforçado no repertório de Regina – reflete Skinner (1953/2003). Nessa linha de raciocínio, entrou-se no terreno das regras explícitas e implícitas que governavam seu comportamento (descrições de contingências formuladas pelo próprio indivíduo, de acordo com Skinner, 1969) – que eram, por sua vez, aceitas como verdade, sem ser resultado de reflexão ou avaliação (PERES, 2000). Ou seja, Regina, antes mesmo de se expor a muitas situações, acreditava que as mesmas seriam adversas e ameaçadoras (auto-preservação): o pai sempre a chingaria; nunca iria se encontrar em termos profissionais e existenciais; nunca iria conseguir um namorado que a aceitasse; tinha que conseguir um emprego imediatamente após a vivência de um dado curso; nunca iria emagrecer e psicoterapia era muito difícil. O que se quer dizer é que a cliente, muitas vezes, em seu comportamento ansiogênico, avalia-

A exposição aos

estímulos geradores de ansiedade , seja encoberta

ou ao vivo, é a parte

central no tratamento

ansiedade.

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va incorretamente a situação (podia ter somente uma pequena quantidade de perigo ou nenhum), percebia os riscos de forma excessiva, minimizava seus próprios recursos para enfrentamento (seu jeito “brincalhona” e “questionadora”, por exemplo – isto é, punia seus próprios reforçadores naturais, originados do próprio comportamento) e antecipava uma ameaça mesmo quando existia uma pequena probabilidade dela ocorrer. Foi necessário aumentar a conscientização da quantidade de perigo e risco da situação, bem como os tipos de recursos que Regina tinha para enfrentá-la, aumentando assim, seu senso de auto-eficácia. E quando ela realmente não os tinha, estimulava-se que estes podiam ser construídos (PERES, 2000). Enfim, desenvolveu-se condições clínicas, para que ela pudesse aprender que tentativas de controlar a ansiedade e seus correlatos físicos, através da esquiva, redundavam em fracasso (TORRES, 2000). Estabelece-se assim, que a ansiedade tem a função valiosa de ajudar as pessoas a se protegerem ou escaparem de situações perigosas, como punições, ameaças e privações, interrompendo atividades habituais até que tudo esteja resolvido. Não é portanto, uma inimiga. Mas esse raciocínio só remete aos níveis moderados de ansiedade que podem funcionar como fatores motivacionais, mobilizando o indivíduo e melhorando seu desempenho (PERES, 2000). Fica claro, dessa maneira, explica Leite (2000), que a exposição aos estímulos geradores de ansiedade, seja encoberta ou ao vivo, é a parte central no tratamento dos transtornos de ansiedade. A exposição e o treinamento em táticas de enfrentamento não só aliviam a ansiedade como dão ao cliente maior confiança em seus próprios recursos, provavelmente diminuindo a probabilidade de que novas relações de ansiedade se desenvolvam no futuro. Vejamos o que foi realizado em cima disso.

DESSEENSIBILIZAÇÃO SISTEMÁTICA AOS ESTÍMULOS GERADORES DE ANSIEDADE

Chega-se então, à raiz de seu comportamento: um repertório punitivo que reduzia a freqüência de respostas nos vários âmbitos de sua vida e trazia subprodutos lamentáveis. Pôde-se perceber que, a longo prazo, a punição, ao contrário do reforço, gerou emoções, incluindo predisposições para fugir, retrucar e ansiedades perturbadoras na cliente. E onde uma condição de culpa não era gerada apenas pelo comportamento previamente punido, mas por qualquer outra ocasião externa consistente com esse comportamento – generalização comportamental (SKINNER, 1953/2003). Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007


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Dessa maneira, elaborou-se uma primeira hipótese em direção à formulação do caso, que necessitava ser testada: a cliente gostava do curso e o queria em sua vida (haja vista que sempre falava do mesmo com freqüência e com grande entusiasmo). Mas, como explica o autor acima, quando um indivíduo é punido por não responder de uma dada maneira (a cliente não fazer o curso que seus pais desejavam), gera-se uma estimulação aversiva condicionada quando estiver fazendo qualquer outra coisa (no caso, fazer o curso que realmente queria). Regina assim, conseguia livrar-se da culpa, apenas comportando-se da maneira que seus pais desejavam: evitava a estimulação aversiva condicionada gerada por “não cumprir um dever”, simplesmente cumprindo o dever. Isso significa que, toda esta problemática que controlava seu comportamento, evocava uma postura inassertiva, que assumia em relação à concretização de suas metas de carreira: um desinvestimento afetivo para com o curso, descrença em seu potencial (marcam-se aqui, sentimentos de frustração, auto-estima baixa e pouca autoconfiança) e ausência de reforço a longo prazo, pois não conseguia se imaginar como profissional bemsucedida, bem como conscientizar-se dos benefícios posteriores de um curso relacionado à sua área. Quando tal hipótese foi se confirmando, seus questionamentos existenciais (“quem sou eu, para onde eu vou”) – que relata terem se iniciado durante o curso – foram se esvanecendo. Regina, agora, conseguia se enxergar na profissão desejada e implicava-se de uma maneira mais efêmera com a busca de estágios: eis a sua identidade profissional que começava a aparecer. Nesse momento do processo, Regina sentia-se mais acolhida, apoiada e mais confiante em relação ao terapeuta, pois conscientizou-se de que o mesmo não era um membro desta comunidade coercitiva e que estava ali para escutá-la, compreendê-la e ajudá-la a mudar o que era fonte de sofrimento. Eis a evolução do vínculo terapêutico. A cliente, agora, já dispunha em seu repertório, habilidades de auto-observação adequada, não mais embasadas em rotulações, mas sim, numa observação, identificação, descrição e análise de contingências. Como conseqüência disso, sua habilidade de autoconhecimento também foi se desenvolvendo, principalmente no que tangia à colcha de retalhos de sua família. A cliente, ao descrever a imagem que tinha de seu pai, começa por ela mesma, a fazer ligações entre os seus

sua

comportamentos punitivos e sua história de vida: “só porque deu a lipo, só porque faz alguma coisa pra gente, fica nessa de achar que pode falar, pedir tudo. Eu sei que é por causa do meu avô, que meu avô era assim também, amarrava ele na mesa com uma linha e se depois de dormir, a linha saísse, ele batia nele ... mas não precisava também ser assim, né? Eu acho que ele era tão ruim que meu pai nem chorou quando ele morreu, eu acho que ele nem foi no enterro dele. Eu agradeço a criação que tive dos meus pais... mas aí, eu sei disso tudo, mas eu fico puta, porque uai, o quê que custava ser menos nervoso?”. Vê-se assim, que a relação estabelecida entre o seu comportamento verbal, o contexto psicoterápico e a postura não-punitiva do psicoterapeuta, começavam a funcionar como contingências que estabeleciam uma nova condição de aprendizagem de pensamentos mais funcionais em relação a tais atitudes adversas, que podiam, se reforçados terapeuticamente, tornarem-se menos torturantes. É nessa importante relação estabelecida por Regina, que ela começa a analisar que a diferença de tratamento tanto do pai quanto da mãe em relação à sua profissão, não perpassava somente pelo âmbito vocacional. Começa então, um processo doloroso – mas necessário – de entender o que sentia em relação a isso, isto é, seus sentimentos de insegurança, indiferença, baixa auto-estima e de não sentirse amada: “não, olha só, eu tô lembrando de uma coisa agora, nó não tem nada a ver. Mas eu lembro quando eu era pequenininha, eu e minhas irmãs tava passeando no shopping, e eu sempre ia atrás, tinha que ficar correndo pra alcançar minhas irmãs... parece que sempre fiquei atrás, cê tá entendendo?”; “A minha irmã quando não era casada, ela chegava, minha mãe ia fritar bife pra ela”; “Quando o povo liga lá pra casa, minha mãe fala: ah, porque minha filha é isso, aquilo, a outra é dentista...”. Outro ponto muito importante remete à dessensibilização da cliente em relação à passividade de sua mãe e a conseqüente vontade de interferir nesta relação dos pais. Regina precisou compreender que, o que mantinha a relação deles, remetia à escolha de cada um e que isso, caso se transformasse em uma preocupação ainda mais penosa, só iria turvar a sua identidade e o seu movimento em relação a si mesmo e à sua vida como um todo. É preciso marcar que o processo de aceitação de uma condição adversa incursiona pela dor e frustração. É por isso que a psicoterapia é,

habilidade de auto-conhecimento também foi se desenvolvendo...

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dentre outras coisas, uma arte, pois se tal processo de dessensibilização, aceitação e análise – condição essencial para o amadurecimento do cliente – não for corretamente manejado pelo terapeuta, transforma-se em mais uma contingência punitiva. Nisso, fazia-se urgente também, evocar o referido processo no que tangia às expectativas de seus pais em relação à sua profissão: eles não gostavam da mesma e foi-se verificando, diversas vezes, que nenhuma tentativa interacional ia fazê-los mudar de idéia. E o que fazer? Seguir em frente, viver a própria vida, isto é comportar-se. Iniciar também, nesse sentido, a aceitação da indiferença das irmãs quanto à sua profissão. E entender que profissionalmente e como pessoa, não eram melhores que ela. Não é desnecessário marcar que tal dessensibilização em relação às opiniões dos pais – primeiros modelos – não foi fácil, mas sim, um processo indubitavelmente angustiante para Regina. Dando continuidade à formulação do caso clínico, foi-se confirmando a hipótese de que o comportamento de Regina na sessão era uma amostra de seu comportamento em sua vida diária. Freqüentemente, emitia na sessão atitudes agressivas, “birras” ou uma alta entonação de voz, por exemplo. Longe de estabelecer juízos de valor, este era um dado muito importante, pois, ao descrever na sessão, todas as vezes que tentou conversar com seus pais e não obteve resultados efetivos, percebeu-se que se utilizava também de gritos e exigências: forma do comportamento. O que se quer dizer é que essa amostra comportamental proporcionou a reflexão de que era necessário mudar a imagem que tinham dela, mas para isso era preciso aprender a valorizar a própria imagem e o seu curso, para que pudesse obter, gradativamente, o almejado respeito de sua família. Ou seja, a cliente começou a entender que, para seus pais mudarem os próprios comportamentos, ela também teria que mudar sua conduta, pois o foco é relacional e não individual: “estou começando a querer ser mais independente”. “Fui descobrindo ao longo do processo... fui vendo que a Psicologia não culpa alguém, é uma relação... então eu era meio que filhinha de papai, sabe? Que eu era muito grudada no meu pai e na minha mãe. Como era só eu que ficava em casa, porque a minha outra irmã fica no casulo dela, eu não gosto de ficar sozinha, eu gosto de ficar com gente.., aí eu enfiava logo no quarto dos meus pais... e isso fazia com que eu acabasse me metendo na vida deles”. Mas mesmo havendo tal mudança de comportamento, seu pai insistia em “gritar” e “não ouvir”, assim como o não-posicionamento de sua mãe, acabava por reforçar tal atitude. Cruz, Júnior e Graeff (1995) afirmam dessa maneira que, quando a 14

mudança de ambiente não é possível ou desejável, pode-se ainda alterar a maneira pela qual o indivíduo interpreta o ambiente, reformulando atitudes, valores, hábitos e viéses cognitivos. Regina precisava aprender então, que podia seguir sua vida, sem necessariamente, romper com os pais, já que os mesmos não iam mudar de conduta. Pensou-se em alternativas (procurar um estágio ou emprego; andar de ônibus; fazer cursos, mesmo que mais baratos) e refletiu-se as prioridades no agora (terminar a monografia, formar), onde visava-se sobretudo um contracontrole adequado ao seu meio punitivo. Regina então, deixava de fazer parte da “chantagem” que seu pai fazia com o dinheiro – elevando-se assim, seu sentimento de auto-estima e auto-confiança. A cliente precisava aprender que, para a manutenção dessa mudança, não era preciso deixar de ser “brincalhona” e “questionadora” em casa, no trabalho ou na faculdade, pois isso seria perder seus reforçadores naturais ou intrínsecos. Além disso, tal estilo interacional socialmente hábil em determinados contextos, remetia a uma imitação inversa frente a um modelo (seu pai) que se comportava de forma socialmente não-hábil: “eu tenho muitos amigos. E eu sou brincalhona, eu gosto de rir, de conversar. Tenho facilidade de entrosar, de conhecer as pessoas, de ir fazendo amizade”. Marca-se assim, que é importante para o analista do comportamento, sempre trabalhar com a mudança de sensibilização com os reforçadores extrínsecos ou arbitrários (oriundos da comunidade verbal) para os reforçadores naturais – especialmente se o cliente é sempre exposto a coerções, como no caso presente (OTERO, 2004). Pois do contrário, o cliente não aprende contracontrole e autocontrole adequados – comportamentos necessários para que ele mesmo possa discutir e sugerir modificações para o ambiente em que vive, bem como mediar as variáveis que controlam seu comportamento e suas respectivas conseqüências para si e para o outro. As mudanças comportamentais observadas começaram a se generalizar e a se manter ainda mais, quando Regina começou a entender porque o pai queria que ela ficasse o tempo todo “grudada” nele. Através de questionamentos como: “você acha que seus pais a tratam de uma maneia mais infantilizada, por ser a mais nova?”; “o que seu pai quer de você? Te ver formada e cada vez mais profissional ou te ter como companhia?; “o que você acha que aconteceu para seu pai cortar tanto seu dinheiro?”; “você acha que ele não quer te ver crescer?”; “por que você escuta tanto o seu pai?”; Regina começa a entender que era pouco incentivada a crescer e para isso, seu pai tentava, através de diversas maneiras, privá-la do acesso a reforçadores sociais. Clarificava-se assim, a função de seu Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007


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comportamento. Era preciso então, se escutar mais, ao invés de escutar tanto seu pai. O que se vê, é que Regina começava a experimentar o mundo e via a sua complexa questão familiar com mais segurança e mais distanciamento. Elaborava as suas próprias regras, não ficando mais sob controle das regras de seu pai e de sua mãe. Entende ,agora. o vazio que sentia e que se esvaneceu através do impulso à concretização de seus cursos e da faculdade: “é igual você falou mesmo. Eu fiquei pensando muito no que os outros falavam e tem muita coisa que eu não sei”. Regina agora, enxergava-se como uma pessoa produtiva, capaz e que não mais se preocupava, em demasia, com sua dinâmica familiar: “resolvi não ficar preocupando com as coisas que ainda vão acontecer, porque se tiverem que acontecer, vão acontecer”. No que tange à sua questão afetiva, descobriuse que, o fato de Regina não sentir-se amada, devido à diferença relatada entre ela e as irmãs, generalizava-se no referido âmbito (um sentimento que também respondia a seu repertório punitivo). Nesse sentido, Regina estabelecia comportamentos de fuga-esquiva, ao “sempre virar amiga dos homens” ou apresentar alguma amiga à pessoa que estava interessada. Marcava-se mais uma situação aversiva eliciadora de ansiedade. Cabia a conscientização, na situação clínica, da seguinte análise funcional: “se os seus comportamentos estão trazendo esses resultados, quais seriam os comportamentos que você acha que uma mulher deve ter para que o homem perceba o seu interesse?”. É através de tal confrontação, que Regina percebe cada vez mais, que seu comportamento era uma cadeia (configurava-se como um todo e não apenas a uma variável: ansiedade). Ou seja, a compreensão efetiva do quê era uma psicoterapia, foi fundamental, onde qualquer que seja o tratamento escolhido, é fundamental que o cliente esteja motivado para participar do tratamento, mesmo que isto signifique tolerar algum grau de desconforto e ansiedade durante o processo terapêutico (SIMÃO, 2000). Regina podia perceber agora, que estava presa a uma situação não-reforçadora (um namoro com uma pessoa que não correspondia às suas expectativas). Mas, o que a mantinha com ele? A cliente diz: “é uma reafirmação, porque é legal alguém babando, te ligando toda hora, falando que te ama (...) Acho que no fundo não acredito que sou capaz de arrumar um namorado (...) Me sinto segura, porque tenho sempre a certeza de que qualquer coisa que eu faça, ele sempre vai voltar pra mim”; “não termino com ele pra ver se consigo namorar”. Como se vê, os efeitos de um repertório punitivo em sua vida afetiva e tentativas inadequadas de resolução da ansiedade. Era preciso confrontá-la. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007

Por que precisava disso? Por que achava que não iria conseguir ninguém se terminasse com ele? Será que não se sentia capaz de arrumar um namorado que realmente combinava com o seu estilo de ser e que a aceitasse, como tanto desejava? Dentro de tais questões havia uma outra variável que controlava tal comportamento inadequado, mas cuja função ainda estava inconsciente. A cliente sempre se queixava que este namorado havia criado dependência, pois foi a única pessoa que a ajudou. Mas por que reforçava essa dependência, buscando-o e levando-o nos lugares, como ela mesma relatava? Seria para manter tal vínculo disfuncional? E, quando finalmente, Regina dá fim a esta contingência que funcionava de modo adverso em sua vida, pesando assim, nas sessões, o que ele tinha de interessante e de ruim, bem como pensar o que a mantinha com ele, a cliente diz ter se sentido mais livre. Isto é, era preciso estar solteira, para verificar que possuía as habilidades para conseguir um namorado que a satisfaria. Já no âmbito vocacional, Regina começa a analisar de uma forma mais cautelosa, as profissões que cogitava, ou seja, qual conhecia mais, bem como falar mais sobre a escolha da própria profissão, porque a escolheu e o que achou de mais interessante depois que começou a estudá-la – reforçando-se assim, a sua escolha e não a punindo como os membros de sua comunidade verbal faziam. Mas, Regina, já estava num ponto bastante interessante de seu processo e já conseguia entender que este conflito vocacional respondia ao seu repertório punitivo. Entretanto, não era fazendo um outro curso, que iria se sentir mais amada, mais respeitada e mais aceita – mas sim, como já foi explicitado, comportando-se de forma mais assertiva para obter o tão desejado respeito. A partir disso, cogitava fazer outras graduações – agora, relacionadas à sua área – assim como falava mais a respeito de seus trabalhos anteriores, sobre as dificuldades encontradas na luta por um emprego e acerca do fato de ter deixado de ficar tão preocupada com os trabalhos da faculdade. Dessa maneira, a grande causa de tudo (“ansiedade”) vai assumindo para Regina, um papel secundário, pois ao aprender fazer análise funcional de suas queixas, percebe que elas poderiam se tornar menos sofríveis. Assim, deixa de ter algumas “explosões” e entende o porquê de, em determinados dias, sentir-se extremamente deprimida. Isso remete ao raciocínio de Leite (2000), onde o terapeuta tem que estar atento em casos de transtornos de ansiedade, assim como em quaisquer outros tipos de casos clínicos, para a possibilidade de haver outros problemas emocionais interagindo com o problema em questão. Descuidos desta ordem podem 15


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gerar problemas de desinteresse por parte do cliente e/ou enfoques errôneos por parte do terapeuta. A referida aprendizagem esvaneceu no repertório de Regina, as tentativas inadequadas de resolução da queixa (geralmente baseadas em raciocínios que louvavam vernáculos e que desconsideravam uma análise contingencial), que só geravam mais culpa, ansiedade e frustração. No que se refere à questão com a psicoterapia em si, sem dúvida nenhuma, demandou todo um repertório socialmente hábil por parte do terapeuta, pois em determinadas fases do processo, Regina sabia que, para entender o seu significado, teria que enfrentar tudo aquilo que causava dor. Desse modo, estabeleceu comportamentos de fuga-esquiva variados, a cada vez que se deparava com reflexões difíceis: “ôu, cê tem que me ajudar, cê tem que falar quê que eu devo fazer”; “mas, ôu, cê não vai falar quê que eu tenho, não?”. Em outras vezes, iniciava a sessão perguntando o que era “depressão bipolar” e “transtorno alimentar”, sobre a opinião que a Psicologia tinha da religião, bem como perguntas sobre a vida pessoal do terapeuta e brincadeiras com papéis e com o próprio cabelo, no momento em que escutava uma intervenção. Começava a ficar nítido que, seu sofrimento atingia uma ressonância tal, que a construção de um padrão comportamental – mesmo que inadequado – era necessário, para que ela pudesse suportar os efeitos de tantas situações adversas. O analista do comportamento deve estar atento a isso, para que possa estabelecer assim, uma estratégia de modificação de comportamento que, ao mesmo tempo, tenha efeito terapêutico, mas que não seja sentida como aversiva e seja generalizada ao todo o processo. O terapeuta deve fazer frente a isso de forma cautelosa, paciente e respeitosa, o que não significa permissiva, para que assim, possa modificar o que não está funcionando. É preciso que o cliente vá, gradual e sistematicamente, observando e identificando o que causa dor em si mesmo, analisando tais variáveis, para que assim, possa aceitar as suas mazelas e iniciar o acesso a novos reforçadores. Eis uma fala que ilustra o início desta conscientização: “pois é... Eu até achei legal o que você falou, que é pra eu não prestar muita atenção nesse nome que eu fico me dando, que eu sou ansiosa (...) fui descobrindo ao longo do processo... fui vendo que a Psicologia não culpa alguém, é uma relação...”. E no que tange à questão que tinha com sua auto-imagem – “descontar a ansiedade na comida” – Regina começa a entender o que havia por trás dela, através das constantes análises funcionais estabelecidas no contexto clínico. Mas, pelo presente caso clínico, ter se tratado de um estágio (não-curricular) numa clínica social de Psicologia, com tem16

po determinado, tal questionamento ficou pendente. Frente a isso, reforçou-se contingencialmente, a cada relato, a importância de procurar uma aliança entre o atendimento psicoterápico e o nutricional, para que ela pudesse enfrentar aquilo que eliciava ansiedade, bem como extinguir possíveis auto-regras relacionadas à alimentação como um todo. Por fim, trabalhou-se com Regina, não somente toda esta generalização de um comportamento adequado, mas também, a sua manutenção. Ou seja, evocou-se clinicamente, a compreensão dos riscos envolvidos na resposta de esquiva. A tendência de se esquivar de situações que evocam ansiedade é natural, porém, caso voltasse gradualmente, a esquivar-se de situações que evitava no passado, a ansiedade poderia retornar (LEITE, 2000).

CONCLUSÃO

Fica claro para o leitor através de todos os dados e análises explicitados que a Psicoterapia Comportamental acredita no desenvolvimento de novas condições de aprendizagem de estratégias funcionais de ação. Isso implica na identificação e análise das funções que os comportamentos-problema têm, para que metas de aprendizagem de outras funções comportamentais possam ser implementadas e treinadas (MACHADO, 2000). É então, aprender e reaprender formas de se comportar mais funcionais e eficientes, para que a pessoa possa então, sentir-se mais livre, mais dona de si mesma e de suas ações, experimentando assim, uma qualidade de vida e sentimentos mais agradáveis. Como se viu, esta psicoterapia é inserida numa visão de homem monista, isto é, a que não pressupõe uma centralização ou uma influência causal primária de nenhum fator, pois os subsistemas da pessoa e do ambiente são vistos como elementos mutuamente interativos, que se desenvolvem de um modo transacional, com uma influência recíproca (DEFFENBACHER, 2002). Dessa forma, o foco do processo é sempre relacional, nunca voltado somente para o ambiente ou para o indivíduo, mas sim, para o estudo das contingências que enlaçam os dois. Muitos clientes com transtorno de ansiedade sentem-se atingidos pelo fato de seus problemas parecerem incompreensíveis, afirma Leite (2000). Mas, graças ao esforço conjunto de terapeuta e cliente, Regina pôde experimentar, gradual e sistematicamente, os efeitos mencionados acima de uma terapia analítico-comportamental e, finalmente, interpretar de uma forma mais crítica os diagnósticos, para que eles não se transformassem em rótulos – pois afinal, eles não devem ter essa função.

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MATÉRIA DE CAPA

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FONTES

AUTORA Vívian Cristina Caixeta | CRP 04/25000 | psicóloga formada pelo Centro Universitário Newton Paiva, com ênfase em Análise do Comportamento. E-mail: vivian_caixeta@yahoo.com.br Autora do artigo “Sou ou sinto-me livre?”. Fonte: CAIXETA, V.C. (2004). Sou ou sinto-me livre? Em De um curso a um discurso: 20ª jornada de Psicologia – Uma história, pp. 134-135. Belo Horizonte: Centro Universitário Newton Paiva. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007

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por NILTON S. FORMIGA

A DISCRIMINAÇÃO FEMININA EM UM DISCRETO SORRISO os valores humanos como explicação das novas formas de sexismo

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Ao refletir um problema tão atual a partir de uma perspectiva psicossocial, gostaria antes, de fazer referência a respeito de uma conversa entre duas mulheres que prestei atenção recentemente: a primeira discutia sobre a variação do estilo de conduta e humor do seu marido; isto é, a forma de tratamento social e privado que ele tinha com ela. “_Meu marido – falava ela a sua colega ao lado - é fabuloso, carinhoso e atencioso, às vezes, grosseiro e exigente quando as coisas têm que ser na hora dele, mas um bom marido. Deixando essas coisas (grosserias, etc.) de homem “macho” para lá, somos muito felizes e sempre me disponho em fazer algo novo para jantar ou almoçar antes dele chegar – apesar de ter momentos que come e não fala se está bom ou gostoso. Durante a semana temos uma cozinheira, que sempre acompanho para saber se as coisas estão indo bem na casa, na maioria das vezes sempre que chego do trabalho um pouco mais cedo, procuro ajeitar o que falta. Sabe como é, ele não tem tempo e sabe como é menina nós sabemos melhor essas tarefas de casa do que eles...somos mais organizadas e controladas (falava com um certo sorriso!). Ele me trata muito bem; até quando estou irritada e cansada, para não me chatear, leva-me até para jantar. É ótimo, não!?” A colega que escutava, interrompe e diz: “_Ah, querida! Comigo não tem essas coisas não! Tudo é dividido, ele tem que pegar no pesado doméstico também. O que é isso menina! Lá em casa um dá um jeito aqui outro acolá, e pronto! Voltamos ao início do século? O patriarcado!? O macho todo poderoso, e nós, apenas uma pequenina de louça e mocinha de família? Nada disso! Lá em casa eu até ganho mais! Às vezes ele quer justificar minha postura em relação à exigência de eu realizar a minha vontade só porque ganho mais e tenho um melhor emprego. Isso não é justificativa! Creio que não devemos nos caracterizar de homens apresentando traços instrumentais, mas também, não podemos mais viver subservientes. A colega que tinha iniciado o assunto retrucou:_ Menina!!! Tenho muito cuidado, pois na maioria das vezes temos que baixar a cabeça e aceitar essas coisas deles... não me batendo, tudo tem um jeito, e é conversando que as coisas se encaixam. Cuidado, amiga! Nós temos que sustentar nosso casamento. A sociedade é assim, e não sou eu e muito menos você quem irá mudar. Licença que preciso ver carne, arroz e feijão para preparar para amanhã. E saiu sorrindo!”. Esse longo debate nos remete a um pensamento: o preconceito acabou!? Qual a origem desse fenômeno?! Desde seus estudos na ciência humana e social, é possível acompanhar uma flutuação quanto Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007

ao interesse sobre o tema. Em algumas décadas foram mais intensos, em outras se pensou ter estudado o suficiente,porém, nos últimos anos muito se tem escrito sobre preconceito e suas diversas perspectivas teóricas, apontado em direção aos mais diversos grupos minoritários (mulheres, negros, homossexuais, estrangeiros, etc.) no intuito sterpessoal. Assim, vem sendo buscada uma solução concreta e aplicada a seu respeito por que, mesmo sendo legalmente proibido em vários países, tem sido observado sua ocorrência nas mais variadas práticas sociais cotidianas as quais salientam a discriminação, revelando que ela não acabou, mas que vem surgindo através de ações mascaradas e justificadoras de que não se está sendo preconceituoso. Além disso, esse problema parece assumir uma dinâmica tão complexa e escorregadia que quando se pensa ter respondido diretamente acerca da origem ou manutenção do preconceito nas relações sociais, inevitavelmente, se depara com sua variação instrumental e expressiva pautadas em aspectos políticos, econômico, educacionais, psicológicos, dentre outros, tornando o entendimento funcional e estrutural deste fenômeno escapar-nos por entre os dedos. Desta forma, podemos então considerar alguns aspectos consensuais quanto à existência de nomenclaturas que se embasam na expressão de idéias que revelam uma discriminação aberta, remetendo suas crenças à inferioridade do grupo minoritário e o distanciamento social para com os membros desse grupo.Parece, porém, que isto não é suficiente, pois, essa condição atualmente, vem sendo substituída por formas mais sutis ou camufladas no tratamento discriminatório (Formiga, 2004), tratando-se de um fenômeno multideterminado (Biernat; Vescio; Theno; Crandall, 1996; Navas, 1998). Apesar da sua complexidade, esse fenômeno pode ser observado, direta ou indiretamente, pois tem suas bases no sistema cognitivo, permitindo ao sujeito que discrimina, elaborar os mais diversos esquemas mentais para poder driblar a sua conduta “não preconceituosa”, e assim, se auto-apresentar (isto é, administrar a autoimagem que deseja que seja vista) nas relações sociais sem causar danos ou ser alvo deles. Com isso, nos últimos anos, vem sendo uma preocupação desvendar as formas sutis de tratamento, capazes de reproduzirem atitudes e atos sem desafiar as normas sociais de desejabilidade social, a qual permite revelar, a quem observa, o não preconceito do ator social sobre o agente. Esse fato, segundo Formiga, Yepes e Alves (2004) e Swim, Mallett e Stangor (2004) só é possível se prestarmos atenção às formas plásticas do preconceito na sociedade contemporânea, geralmente influenciados por padrões normativos sociais carregados com grito 19


COMPORTAMENTO

de justiça, direitos igualitários e cuidados afetivos Essa conduta apresentada por ambos trata-se mais com o sujeito/agente “frágil” da ação pela qual é de uma reestruturação do mascaramento do sexismo discriminado. Essa conduta revela uma espécie de do que de fato a extinção deste. “bom combate contra o preconceito”, deflagrando Desta maneira, esse construto tem sido avaliaapenas a troca de camuflagem do sujeito que ex- do por um inventário desenvolvido por Glick e Fiske pressa, através de seu discurso a negativa ao pre- (1998) chamado de Sexismo Ambivalente, compreconceito, atribuindo aos outros, tal comportamento. endido como um conjunto de estereótipos sobre as É por isso que essas atitudes são ambivalentes. Por avaliações cognitiva, afetiva e atitudinal acerca do exemplo, podemos encontrar em nosso cotidiano papel apropriado na sociedade dirigida aos indivíalgumas afirmações que expressam duos de acordo com o sexo. Esses esse jogo entre o pensar e agir sutilautores enfatizam que essa forma mente preconceituoso: “_não tenho moderna de discriminação feminina nada contra homossexuais, contanto é ambivalente, justamente por não que fiquem lá e eu cá; não me inserem diretas quando se considera comodando, tudo bem!”; “_Rapaz! sua prática e expressão discriminaEssa morena (atributos expressos tória tradicional, podendo se apreà mulher negra) é uma mulherona sentar em duas formas: a hostil (exfabulosa!“; “_Nossa! Que gordinho pressão flagrante do preconceito em simpático! Na verdade, todo gordo é relação às mulheres e que, apesar de simpático, não é!”; É claro que exisextensamente tratado, não permite tem outras e as mais diversas. compreender totalmente a direção Em termos do problema do seque toma o sexismo na sociedade xismo, é possível acompanhar e jusatual, justificando à luz da busca de tificar a quantidade de movimentos igualdade em direitos e deveres entre sociais que passaram a defender a os gêneros e evidenciando crenças e igualdade dos direitos civis e políticos práticas típicas de pessoas que conda mulher, os quais têm voltado com sideram as mulheres inferiores aos grande força (Formiga, 2004; Touhomens, refletindo assim, antipatia gas, Brown; Beaton; Joly, 1995). Por e intolerância em relação ao seu paum lado busca-se a reivindicação pela pel como figura de poder e decisão) equiparação incondicional dos direie a benévola (constituída a partir tos humanos, refletindo um esforço das concessões e tratamentos difepor integrar as estruturas monolítirenciados entre homens e mulheres, cas do capitalismo e do patriarcado a referindo-se a uma atitude positiva, uma nova visão desenvolvimentista aparentemente não preconceituosa e histórica que discute a dominação em relação à mulher, porém descredo gênero e sua interrelação com as vendo-a como pessoa frágil, necesclasses, a etnicidade, a sexualidade, valores capazes sitando de atenção e etc.). a política e a cultura (Pringle, 1997). Assim, podemos observar uma Por outro, aponta-se para as novas nova interpretação para o preconformas que o preconceito feminino ceito feminino: a da existência de vem adquirindo, camuflando o favouma organização moderna quanto recimento da superioridade e unilaàs formas de discriminação. Esse teralidade da liberdade e autonomia entre as pessoas. problema segue uma base ideológido indivíduo masculino, impostos ca (Paez; Torres; Echebarría, 1990) por eles mesmos. Esse fato vem resendo possível acompanhá-la nos fletir que os discursos e pensamentos discursos sobre a proibição da disna relação psicossocial entre o gênero, evidencia de criminação e as políticas do não preconceito (Cafato a masculinidade e o machismo (Goldwert, 1985) mino; Silva; Machado; Pereira, 2001) ocasionando invertido, pois é reverberado, na maioria das vezes uma nova versão para a expressividade e instruindiretamente, procurando mostrar que o homem já mentalidade do fenômeno frente não somente às não tem tanto e que a sociedade mudou. Mas tal mulheres, mas a qualquer grupo social minoritário. condição é elaborada a partir de um excessivo favo- Essas novas formas preconceituosas vão gingando recimento às mulheres a partir de elogios, justificati- seu corpo semanticamente para um lado e para o vas sobre sua ascensão social, política e trabalhista. outro apoiado nas normas sociais e até jurídicas

sociedade e

indivíduo estão intrinsecamente

envolvidos permitindo

com isso estabelecer

normas, crenças e

de orientar uma conduta

socialmente

desejável

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diante da atitude discriminatória, justamente, por serem institucionalmente aceitas, tidas como “boa intenção”, não querendo causar desentendimento ou prejuízo a alguém ou ao grupo. Um claro exemplo encontra-se na carta sobre os direitos humanos, promulgada e aprovada na ONU em 1948, que prevê a necessidade de comportamento de tolerância diante das minorias (Pérez, 1996). O fato não se trata de ter ou não institucionalizado essa carta, mas, nos indica que o problema do preconceito tem se apresentado dessa forma que temos observado por que sociedade e individuo não estão separados, pois são construtores reais e potencialmente dinâmicos um do outro quanto a origem dos fenômenos sociais. O ser humano se movimenta numa espécie de dança intergrupal, na qual, sociedade e indivíduo estão intrinsecamente envolvidos (Tajfel, 1983) permitindo com isso estabelecer normas, crenças e valores capazes de orientar uma conduta socialmente desejável entre as pessoas. Por não ser possível se movimentar, subjetivamente, nas relações interpessoais em um espaço sócio-humano vazio, temos como orientação e organização psicossocial, os valores humanos. Este construto é definido como categorias de orientação que são desejáveis, baseadas nas necessidades humanas e pré-condições para satisfazê-las, adotadas por atores sociais, podendo apresentar dife-

0,25

rentes magnitudes e elementos que o constituem, variando a partir do contexto social ou cultural em que a pessoa está inserida (Gouveia, 1998). Com base nesse conceito, a pessoa conduzir-se-ia a partir de funções psicossociais dos valores, contribuindo na orientação de nossas escolhas e condutas sociais, a saber: experimentação (diz respeito à pessoa que pretende descobrir e apreciar estímulos novos, enfrentar situações arriscadas), realização (trata-se do sentimento de ser importante e poderoso, ser uma pessoa com identidade e espaço próprio), existência (enfatiza a pessoa que se interessa em garantir a própria existência orgânica, principalmente, em ambientes de escassez econômica, porém, não colocando em risco a harmonia social), Supra-pessoais (as pessoas que assumem estes valores tentam atingir seus objetivos independentemente do grupo ou condição social. Esta função descreve alguém maduro, com preocupações menos materiais, não limitados a características descritivas para se relacionar ou promover benefícios), Normativos (enfatizam a vida social, a estabilidade do grupo e respeito com os símbolos e padrões culturais que prevaleceram durante anos) e Interação (focalizam o destino comum e a complacência, interesse em ter uma amizade verdadeira). Abaixo, apresento uma figura que confirma tal reflexão. Trata de três estudos correlacionais entre valores e sexismo em diferentes estados brasileiros.

Gráfico: Curva sinuisodal das funções psicossociais dos valores e sexismo ambivalente em três amostras

0,2

Realização

Interacionais

Normativa

0,15 Experimentação 0,1

0,05 Existência

Supra-Pessoais

0

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Em síntese, na figura acima, as relações encontradas foram capazes de apresentar um padrão entre as funções psicossociais dos valores e sexismo em todas as amostras. Nela visualiza-se uma curva sinusoidal que expressa o poder explicativo não somente das funções valorativas, que apontam uma orientação individualista, enfatizada na experimentação e realização, mas também, as que caracterizam uma orientação coletivista, salientada na função interacional e normativa. Portanto, assumir tais valores implicaria em endossar o sexismo ambivalente, seja em sua forma sutil ou benévolo e hostil ou tradicional. Assim, poderíamos concluir que além do problema do preconceito estar embasado em orientações valorativas de cunho pessoal (fomentando individualismo e auto-imagem independente) e social (referindo-se ao coletivismo e auto-imagem interde-

pendente), é possível vislumbrar uma estabilidade e organização das formas do preconceito feminino não apenas na maneira em como os homens mantêm seu poder normativo em termos de uma conduta ideal para elas na sociedade, mas também, na condição de salientar os direitos sociais e humanos das mulheres capaz de atrair novas maneiras expressivas do preconceito, geralmente, permeando condições de tolerância ou de uma postura da “ética sutil”. Com isso, refletir, atualmente, a discriminação é atender a objetivos implícitos da sociedade camuflando suas formas abertas e filtrando as condições mais diretas, fomentando o processo mais fino da discriminação e sua construção de normas sociais concordante entre os grupos majoritários, seja na orientação aos valores de êxito e intrapessoal, seja aos que priorizam a harmonia e respeito mútuo e a interpessoalidade.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUTOR NILTON S. FORMIGA

(Mestre em psicologia social pela Universidade Federal da Paraíba, onde atualmente leciona). Rua: Herberto Pereira Lucena, n° 255, Bessa; CEP.: 58038-440. João Pessoa/ PB E-mail: nsformiga@yahoo.com

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PSICOLOGIA GERAL

CHORARFAZBEM por Graça Moura

Defendo o sorriso como produtor de energia positiva e não tenho dúvida dos efeitos terapêuticos dele para o organismo. Rir é algo tão saudável que basta você se permitir esse deleite para o seu astral mudar e seu organismo começar a responder melhor a eventuais tratamentos que porventura esteja sendo submetido(a). Poucos falam dele com seriedade, mas, rir é coisa séria. Há os que acham que o riso é a coisa mais besta do mundo, como de fato o é, mas, alguns sisudos chegam a insinuar do alto de suas ignorâncias, coisas do tipo. “Pobre ri de quê?” ou, “Muito riso é sinal de pouco siso,” sempre com o objetivo único de inibir os que já entenderam a importância do humor e do riso para uma vida com saúde. Que se calem os insensatos. Se não têm ou não descobriram ainda razões e motivos para o riso em suas vidas, que os busquem! É mais produtiva a busca do que as manobras para negar o valor do riso – elixir da vida – Terapia dos Deuses. Agora, quero dizer que chorar também faz bem! Que ninguém sufoque, em nome de “controle e equilíbrio”, o choro que vem de dentro, como resposta às dores profundas, às grandes decepções e tristezas inevitáveis. Esse choro é legítimo e faz bem! Pode aliviar a angústia e via de regra libera e diminui tensões. Então, não tema os falatórios dos linguarudos de plantão. Está triste? Sentiu-se preterido(a)? Decepcionou-se com pessoas que lhe são caras? Descobriu que alguns amigos apenas simulavam que lhe tinham afeto? Chateado (a) porque separou-se ou vai separar-se? Perdeu um bom emprego? Seu amor lhe trocou por outro(a)? Perdeu seu patrimônio material? Entrou numa grande crise financeira? Então, chore!! Chore à vontade. Quando parar, vai sentir-se mais calmo(a), mais aliviado(a), mais relaxado(a). E aí, sim, vai poder enfrentar o que vier, de forma mais serena, mais tranqüila... E, detalhe: homem também chora e deve chorar. E aqui vai um recado para os que aprenderam uma antiga e esquisita lição. Fiquem à vontade. Desacreditem nos que ensinaram a vocês a terrível história de que “HOMEM QUE É HOMEM NÃO CHORA”. Chora sim e muito, se quiser! Sentir-se-ão, certamente aliviados e menos tensos. Páre de encarcerar sentimentos e emoções. Liberá-los é mais saudável. Não saia por aí sufocando a sua dor, ou fazendo de conta que ela não existe... Chore à vontade e minimize em você as tensões do dia-a-dia. Não tema. Chorar faz bem! E tem mais: nunca foi e nem será - como querem alguns - sinal de fraqueza, descontrole ou desequilíbrio... Tristeza profunda legitima o choro, e só!...

AUTORA: Graça Moura CRP 11/03068 Psicóloga formada pela Universidade Federal de Pernambuco. Autora do projeto Terapia do Riso. Presta serviço ao Sebrae-PI na área de Educação/Treinamento/Desesenvolvimento, ministrando regularmente palestras e cursos nas áreas comportamental e de desenvolvimento gerencial. e-mail: gracamoura4@hotmail.com

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DEPENDÊNCIA QUÍMICA

DROGAS por Roberta Fernandes Lopes do Nascimento | Irani I. de Lima Argimon | Regina Maria Fernandes Lopes

Reflexão sobre a Redução de Danos

A Psicologia é uma ciência que tem como um de seus objetivos a promoção de saúde. Poder entender cada sujeito com os fatores históricos de seu tempo possibilita a abertura de caminhos para a compreensão dos fenômenos coletivos de ação e subjetivação. Conforme Bleger (1989, p.106), a saúde deve ser entendida,

“não só como a ausência de doença, mas um aproveitamento mais eficiente de todos os recursos com que conta cada grupo para mobilizar sua própria atividade na procura de melhores condições de vida, tanto no campo material como no cultural, no social e no psicológico”.

Tomando o enunciado acima, este trabalho pretende expor em linhas gerais, abrir campos de reflexão, análise e ampliação da abordagem comunitária através de ações integradas, buscando aprimorar a atenção à comunidade, privilegiando as novas formas de intervenções às drogas, buscando apresentar estratégias de prevenção.

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DEPENDÊNCIA QUÍMICA

As drogas estão presentes em nosso diaa-dia de modo sutil. Desde o momento em que nós acordamos ao momento em que dormimos, muitas substâncias estão agindo em nosso organismo, inclusive com influências sobre nosso psiquismo: cafeína, sob a forma de “cafezinhos”, chás e aspirinas; nicotina e outras substâncias tóxicas, na fumaça do cigarro aspirada voluntária ou involuntariamente; “tranqüilizantes”, utilizados para nos proporcionar o tão esperado repouso noturno. Estas são algumas dentre tantas substâncias que causam algum tipo de efeito à mente humana, relatada pelas pesquisas. Além dos danos à saúde causa toda uma problemática social que pode advir do círculo de relações sociais do usuário. Há uma política social que tem como objetivo prioritário minorar os efeitos negativos decorrentes do uso de drogas que será abordada ao longo do trabalho. É uma nova tendência de prevenção às drogas - a redução dos danos. Havia uma clara decisão a ser tomada – proibição ou redução do dano, ou seja, proibir, o que não teria grande sucesso em se tratando de uma atividade prazerosa, ou reconhecer o valor da atividade para ela e reduzir os riscos daí decorrentes e, com isso, prevenir o dano (O’HARE, 1994).

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FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Bastos (1998) refere que a política preventiva considerada ideal, quanto ao uso de drogas, é aquela que contempla, de forma integrada, ações no âmbito da prevenção primária, ou seja, ações destinadas a desencorajar o consumo de drogas; ações no sentido de tratar e contribuir para a reinserção social daquelas que já fazem uso destas substâncias; e oferecer tratamento das formas mais graves de consumo em suas conseqüências mais danosas. O autor ainda evidencia que há algumas dificuldades da prevenção às drogas que são a incoerência ou falta de efetividade das ações de prevenção primária, quando há pouca resistência explícita, embora exista, freqüentemente descaso e negligência; as barreiras sociais, políticas e jurídicas em relação à prevenção secundária; e na terciária a ótica da redução dos danos. As ações de prevenção primária, previstas na legislação, vêm sendo implementadas no país de forma fragmentária. As estratégias preventivas são menos visíveis e seus resultados só podem ser evidenciados em longo prazo e utilizando critérios de difícil avaliação. Alguns trabalhos vêm analisando de forma crítica as ações preventivas desenvolvidas no Brasil, destacando negativamente seu caráter amedrontador e a falta de precisão das informações e a necessidade de desenvolver formas inovadoras de prevenção que atinjam de fato as comunidades pobres e os menores em situação de rua (Bastos, 1998). A meta de um mundo sem drogas é irreal e não encontra respaldo no conhecimento sociológico acumulado na história da humanidade, que sempre as utilizou, inclusive em rituais religiosos. O que hoje se verifica é o aumento da disponibilidade de substâncias psicoativas em quantidade e em diversidade. E nos mais variados locais. Por outro lado, percebem que os métodos tradicionais de abordagem da questão das drogas não diminuem a demanda de seu uso (Bucher, 1992). Seguindo o pensamento desse mesmo autor, o que na realidade constatamos é que métodos educativos baseados na advertência e no princípio que teremos um mundo “livre de drogas”, só fazem afastar-nos das pessoas mais vulnerabilizadas pelo seu uso, como os jovens e as pessoas socialmente excluídas. Nesse contexto, as políticas públicas deveriam objetivar uma convivência equilibrada com a existência e o uso de substâncias psicoativas em nossa sociedade, dando prioridade à proteção das crianças e adolescentes e à redução dos danos decorrentes do uso indevido daquelas substâncias.

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DEPENDÊNCIA QUÍMICA

a

redução

de danos nos permite ter acesso a um número muito

maior

Sabemos que a última década caracterizou-se por um aumento dos problemas proveniente do consumo e tráfico de drogas. A proibição é o principio que tem inspirado as políticas para combate-las, mas as dúvidas sobre a sua eficácia refletem nos resultados. A política proibicionista não conseguiu combater o consumo de drogas e hoje, se desenvolve, como já abordamos, a política de redução dos riscos, com as campanhas de trocas de seringas. É importante o trabalho de prevenção para se atingir toda a comunidade por meio de ações primárias, secundárias e terciárias. A ação primária pode cautelar sobre o uso, antecipando o início da experiência, por meio de ações no grupo familiar, na comunidade, na escola, no meio profissional, com o objetivo de evitar problemas decorrentes do uso de risco, problemático ou dependente de todas as substâncias. A ação secundária consegue reduzir os danos pessoais e sociais relacionados ao uso de risco, problemático ou dependente de substâncias de várias formas, além de outras intercorrências associadas a este uso. A ação terciária promove o tratamento e a reinserção dos indivíduos, cujo uso induziu à dependência. As ações de tratamento devem ter como referência as estratégias de redução dos danos causados pelo uso de drogas. O’hare (1994) relata que, apesar dos graves problemas associados ao uso indevido de drogas, a preocupação dos profissionais era com relação à dependência. Os modelos de tratamento eram orientados à prevenção e à “cura” do uso de drogas, mas com o aparecimento da AIDS, novos conceitos foram surgindo. O compartilhamento de seringas e agulhas tornou-se o foco das atenções, em lugar do problema da dependência. O mesmo autor menciona que por causa desta necessidade de prevenir a infecção do HIV entre os usuários de drogas, surgiu um movimento de prevenção chamado de “redução de danos” que seria descrita como: “não sendo sempre possível interromper o uso de drogas, que ao menos se tente minimizar o dano ao usuário e à sociedade”. Redução do risco ou redução do dano são termos usados como sinônimos. O risco se relaciona à possibilidade de que um evento possa ocorrer, o dano é a ocorrência do próprio evento. Evitar o dano seria uma atitude mais pragmática do que evitar o risco que nem sempre ocorre um dano, em uma situação onde há risco. Podemos pensar que o conceito de saúde deve ser entendido como um fenômeno que integra os

aspectos sociais, culturais e sociais de cada sujeito.A construção do conhecimento se dá na relação direta coma prática. O espaço do psicólogo deve ser a pessoa no seu cotidiano, em busca de seu cliente podendo buscar na direção das reflexões atuais transformações qualitativas na prática, exigindo novas perspectivas teóricas a respeito da atenção primária e preventiva das drogas podendo reconhecer novos emergentes sociais (Bleger, 1989). Logo, propor ações que visem a interação dos campos teórico-prático é uma característica que pode ser proposta a partir de intervenções gerais, através dos dados considerados nas avaliações e análises parciais, destacando questões de fundo, como temas relativos à drogadição relacionadas a diferentes grupos e promovendo ações integradas para a aproximação, troca de experiências, contatos, reflexão coletiva e fortalecimento das ações comunitárias. A forma de dispor e utilizar os meios disponíveis com os objetivos específicos e planejar, executar ações e decisão sobre onde, como e com que instrumentos atuar são estratégias que podem ser utilizadas. Estas estratégias pragmáticas, próprias do campo da saúde pública, visam reduzir os danos causados pelo consumo de drogas. Aplica-se àqueles períodos de vida das pessoas em que elas, não podendo ou não querendo abster-se, adotam comportamentos de risco ligados ao uso de substâncias psicoativas (Bucher, 1992). Conforme este mesmo autor, há pessoas que não querem ou não têm condições imediatas de se abster, mas que, se acolhidas e sentindo-se seguras podem, optar pelo tratamento. No entanto, a redução de danos nos permite ter acesso a um número muito maior de pessoas e lhes dar uma alternativa de manejo de sua dependência. De acordo com o Ministério da Saúde,1998, a sociedade civil tem sido participativa e parceira dos estados e municípios, sobretudo em regiões onde, por questões de preconceito ou dificuldades políticas, as propostas de redução de danos necessitam de uma participação bastante ativa da sociedade civil para sua implantação. Atualmente, tem havido ampliação da discussão para inclusão de ações de prevenção, com ênfase naquelas dirigidas a populações de risco. O objetivo é diminuir ou eliminar os riscos corridos e danos causados pelo consumo de drogas em todas as situações, mesmo quando o consumo se mantém. Uma estratégia de redução dos danos

de pessoas e lhes dar uma

alternativa de manejo de sua dependência.

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DEPENDÊNCIA QUÍMICA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

tem como objetivo todos os consumos de drogas e todos os graus de consumo, desde ocasionais até às dependências estabelecidas. O psicólogo comunitário deve estar atento aos princípios de estratégias de redução de danos. Estes princípios são: o pragmatismo da forma que a utilização de substâncias é freqüente na experiência humana e apresenta riscos,; o humanismo pelo fato de não se fazer julgamento moral que resulte na condenação ou apoio ao uso/abuso de drogas e a dignidade e os direitos do consumidor sendo respeitados; a ênfase nos danos, sendo que a primeira prioridade é diminuir as conseqüências negativas do uso de drogas para o próprio e para os outros e não a diminuição do uso; a avaliação de custos e benefícios que supõe a consideração dos interesses imediatos do indivíduo e também da sociedade; a prioridade para os objetivos imediatos é o primeiro passo para o consumo sem risco ou mesmo abstinência (O’hare, 1994). De uma forma geral, é preciso através de uma informação rigorosa evitar o risco de criar uma imagem social de subestimação dos efeitos das drogas, procurando não transmitir a falsa idéia de que o consumo das drogas é inofensivo e de que a abstinência não é desejável. A educação para a saúde e prevenção pode e deve integrar ensinamentos propícios pelas estratégias de redução dos danos. A educação em redução dos danos é acerca das drogas, mais do que contra elas. O uso de drogas não pode ser eliminado totalmente, mas os danos podem ser reduzidos (Bastos, 1998).

A questão da prevenção ao uso indevido de drogas envolve ações que devem ser de responsabilidade de todos, criando-se alternativas para formulação de um projeto de vida, fundamentado em valores éticos, morais, visando a valorização pessoal e exercício da cidadania. Os trabalhos preventivos que levam em consideração as características psicossociais dos indivíduos ainda são escassos em nosso meio. Isso deve-se, em parte, ao modelo preventivo mais utilizado internacionalmente, baseado na repressão e no amedrontamento. Com o aparecimento da AIDS e o desenvolvimento de estratégias de redução de danos, a situação abre espaço para o desenvolvimento de ações preventivas mais adequadas a diferentes populações, principalmente os excluídos. No Brasil, o que podemos perceber é que este tipo de trabalho está começando, devido à falta de profissionais de diferentes áreas de saúde no trabalho de prevenção. De fato, está em aberto um novo campo de trabalho para a atuação do profissional de Psicologia Comunitária. Os problemas relacionados com o consumo de drogas devem ser estudados por diferentes profissionais visando uma compreensão multidisciplinar. Enfim, buscamos com este trabalho expor para os profissionais da saúde uma visão da política de redução de danos, bem como mostrar algumas estratégias de prevenção e evidenciar que qualquer política depende de estudo, empenho e confiança na resolução coletiva deste problema.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AUTORAS

BASTOS, Francisco Inácio, COTRIM, Beatriz. O consumo de substâncias psicoativas entre jovens brasileiros: dados, danos e algumas propostas. In: Jovens acontecendo nas trilhas políticas públicas. Vol.II. Brasília: comissão naciona; de população e desenvolvimento, 1998. BLEGER, J. Temas de Psicologia. 4ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989. BUCHER, Richard. Drogas e Drogadição no Brasil. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Coordenação de Saúde Mental. Elaboração de Proposta para Normalização e Credenciamento de Serviços de Atenção a Transtornos por Uso e Abuso de Substância Psicoativa. Brasília, 1998. O’HARE, P. “Redução de danos: alguns princípios e ação prática” In: MESQUITA, F., BASTOS, F.I. (org). Drogas e AIDS: estratégias de redução de danos. São Paulo:Hucitec, 1994.

Roberta Fernandes L. Nascimento CRP 07/12399 Psicóloga, Mestranda em Psicologia Clínica no Grupo de Pesquisa Avaliação e Intervenção Psicológica no Ciclo Vital PUCRS, Perita Examinadora do Trânsito e Consultora Organizacional. E-mail: roberta@w3tech.com.br

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Irani I. de Lima Argimon CRP 07/01211 Psicóloga, Doutora em Psicologia e Professora da Graduação e Programa em Pós-Graduação em Psicologia da PUCRS. E-mail: argimoni@pucrs.br Regina Maria Fernandes Lopes CRP 07/10910 Psicóloga, Especialista em Avaliação Psicológica pela UFRGS e Colaboradora do Grupo de Pesquisa Avaliação e Intervenção Psicológica no Ciclo Vital PUCRS. E-mail: reginamlopes@uol.com.br

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ESTUDO DE CASO

A SUBJETIVIDADE E

na escolha profissional e na form

por Vilmair Tiago da Maia

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ESTUDO DE CASO

SUAS IMPLICAÇÕES

mação do estudante de psicologia

Essa pesquisa foi realizada tendo como seu objetivo maior a busca da compreensão de quais fatores poderiam influenciar a subjetividade de uma acadêmica na escolha do curso de graduação em psicologia. Para isso foi observado o histórico de vida. Buscou-se identificar quais os significados e sentidos que a acadêmica atribui ao curso através da pesquisa qualitativa realizada através de entrevistas, questionários e completar frases. A pesquisa comprovou muitos fatos históricos ocorridos na infância e adolescência que influenciaram na opção profissional da acadêmica. O contexto familiar um tanto antagônico mostrou-se determinante na busca de compreender-se e ser compreendida em suas relações afetivas, entendendo que encontraria respostas às suas inquietações através do curso escolhido. Os resultados não demonstraram uma profundidade que o tema por si só exige, afinal o mesmo é dinâmico, singular, único, e não foi esse o objetivo e nem a pretensão dessa pesquisa.

O presente trabalho é um estudo de caso que através da análise investigativa, buscou-se compreender e adentrar dentro de uma realidade palpável do estudo da subjetividade individual, que também é moldada pelo social, em sua realidade diversificada e única de uma acadêmica de psicologia. Pretende-se, através deste, buscar a compreensão da relação entre a escolha do sujeito pelo curso de psicologia e o seu histórico de vida. O objetivo deste trabalho é promover a reflexão a respeito do tema dentro da realidade acadêmica, e suas influências impulsionais relativas à escolha do curso de psicologia.. No momento que se tem contato com a palavra subjetividade, a priori, a impressão que se tem, é que ela é inacessível, que é impossível conhecê-la, por se tratar de algo subjetivo em que só o próprio indivíduo tem acesso total, tendo o mesmo nas mãos o poder de decidir se a revelará ou não, mas num segundo momento o que pode ser observado é que existem muitas pessoas que não tem dificuldade de se abrirem e revelarem sua intimidade, desde que seu pseudônimo não seja revelado. A subjetividade não deixa de ser complexa, dinâmica, única, singular. Ela está inserida em contextos de vidas muito diferentes, portanto nunca pode ser concebida de uma mesma forma. A subjetividade é como um brinquedo de Lego, onde cada um encaixa suas peças e monta um cenário diferente, nunca sendo igual aos outros em sua totalidade. Ela é tão particular que cada indivíduo vai construindo sua forma psíquica hierarquicamente com sua maneira de perceber, sentir, uma determinada situação vivencial que pode ter muitas intensidades e profundidades. Por ver a subjetividade da forma descrita nos parágrafos anteriores, foi que me interessei pela pesquisa deste artigo, para sentir mais de perto a realidade da subjetividade do outro, tendo em vista que também é através do outro que construo o meu eu, onde influencio e sou influenciado. E anda tinha a curiosidade de descobrir se o que me levou a escolher o curso de psicologia seria comum a outras pessoas.

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ESTUDO DE CASO

REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Segundo Giorgetti (2003), a subjetividade como objeto de estudo da Psicologia, apresenta alguns desafios a começar pela própria formação do psicólogo, a qual apresenta entre outras deficiências, poucos subsídios sobre o seu objeto de estudo. É de extrema necessidade que se compreenda a subjetividade como um objeto de estudo da psicologia, e procurar contextualizá-la no seu desenvolvimento com a psicologia em sua base científica. A subjetividade, por não obedecer aos critérios impostos pelo positivismo, acabou sendo considerada como uma interferência negativa. O empirismo concebe que a produção científica é caracterizada por uma série de procedimentos e condições onde, na relação sujeito e objeto, todo e qualquer tipo de interferência subjetiva de forma efetiva uma compreensão pura do real. Percebe-se que o empirismo se opõe ao contexto da subjetividade ao se negar os aspectos históricos, culturais e sociais que se encontram presentes na construção de uma determinada realidade (GIORGERTTI 2003). A psicologia surgiu frente a esse paradigma do positivismo, tendo como objetivo de se firmar, ser reconhecida como ciência que estuda o ser humano em suas diversas dimensões, mas acabou por ser limitada por causa das exigências da modernidade. A subjetividade em uma perspectiva sócio-histórica, é vista com características peculiares e se apresenta polimorfa, multifacetada e heterogênica. Sendo resumida num sistema de significações e sentidos subjetivos em que se organiza a vida psíquica do sujeito e da sociedade. A subjetividade pode ser concebida em duas realidades, na individual e na social, onde ambas possibilitam chegar-se à superação da dicotomia entre o indivíduo e o social, sendo constituídas e constituintes entre si. E ainda afirma Giorgetti que as “Teorias Psicológicas apontam para as características pessoais dos indivíduos e entendem os processos psíquicos como principais determinantes de suas escolhas profissionais”. A subjetividade como constituinte da história de vida do sujeito está intrinsecamente ligada a influência das escolhas do indivíduo, tanto profissional como pessoal. Citado por Bock (2002, pg 88-89) González Rey entenderá a subjetividade como a constituição do psiquismo no sujeito individual. A subjetividade integra os processos e estados característicos a esse sujeito em cada momento da ação social, momentos inseparáveis do sentido subjetivo que terão para ele. Simultaneamente, a subjetividade se expressa no plano social como constituinte da vida 30

social – momento designado como subjetividade social (que não se diferencia da individual por sua origem, mas por sua constituição) (cf. González Rey, 1995: 107).

MÉTODO

Replicação: que foi realizada seguindo categoricamente as etapas utilizadas por Valéria Giorgetti, na realidade de meu município. O método utilizado foi o de pesquisa qualitativa, que é diferente do positivismo, pois busca cada vez mais quebrar a tão dicotomizada relação entre o sujeito e o objeto, ou seja, entre o investigador e o investigado numa relação mútua e contínua.

PARTICIPANTE

Participou do estudo uma acadêmica do curso de Psicologia.

INSTRUMENTOS

Foram utilizados instrumentos como: entrevista semi-estruturada, folhas de completar frases e questionário auxílio. As entrevistas, com a permissão da entrevistada, foram gravadas e depois transcritas.

PROCEDIMENTO

Foi realizada uma investigação da história de vida dessa acadêmica, através de quatro momentos:

Primeiro momento: foi solicitado que ela resgatasse seu histórico de vida, desde sua infância até chegar ao curso de psicologia;

Segundo momento: solicitou-se que ela relatasse o fato mais marcante de sua vida;

Terceiro momento: foi entregue uma folha de completar frases para que ela pudesse responder e entregar posteriormente;

Quarto momento: foi entregue um questio nário para levantamento de informações complementares sobre a história de vida e sobre constituição da identidade. As duas primeiras entrevistas foram gravadas em fita cassete e posteriormente transcritas.

HISTÓRIA DE VIDA

Ela acredita que por ser uma filha “acidental”, por que sua mãe não a esperava, não havia se preparado, e não havia escolhido o momento para engravidar e ter uma filha, simplesmente aconteceu, esse fato contribuiu para que ela se sentisse rejeitaRevista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007


ESTUDO DE CASO

da, indesejada. Porém quando ela nasceu seus avós tinham uma atenção diferente, um carinho especial por ela. E ao mesmo tempo em que ela se sentia especial, ela também se sentia indesejada pelos outros. As pessoas tinham ciúme desse carinho, inclusive os seus primos. Durante os seus sete anos ela viveu isso, no entanto ela gostava dos seus primos, e também descreveu que sua relação familiar não era só uma relação de exclusão, tinha os momentos bons de brincar e de interagir. Helen nasceu e morou em Rio Verde até os sete anos de idade, depois ela se mudou por causa da transferência do pai, que foi imposta pela empresa que ele trabalhava, morando em várias cidades e se mudando várias vezes. A primeira vez que ela se mudou foi aos sete anos para Jandaia.Ela não gostava da cidade porque era muito pequena e estava longe da família, estava longe de tudo que era reservado para ela. Depois que ela morou lá por três anos, mudou-se para Goiânia, onde morou por três anos. Depois foi para Chapada dos Guimarães MT,e não gostava do lugar pois as pessoas eram muito mesquinhas. O lugar era muito bom, mas as pessoas não aceitavam pessoas de fora Ela se divertia muito, pelo menos com sua família. Saíam para se divertir e a união era muito boa .Depois seus pais mudaram para Itumbiara, onde ela terminou o segundo grau e mudou-se para Rio Verde para fazer faculdade. Com todas essas mudanças ela se acostumou a mudar, tanto é que ela estudou em oito escolas, já se adaptou bastante e não consegue ficar quieta. Em relação ao seu pai (padrasto), ela o vê como um modelo, carinho, compreensão, Por causa do trabalho ele fica muito distante, mas quando estão juntos colocam as conversas em dia, já com a mãe a relação é muito amigável, a relação é muito boa, há discussões mas são normais, rotineiras. Hoje é mais difícil ter discussão porque agora ela mora em Rio Verde e seus pais em Itumbiara. Ela se mudou para Rio Verde para fazer faculdade e mora com sua avó materna. Helen não tem muito contato com a família do pai e não sabe o porquê. O pai verdadeiro ela não conhece. Há uma grande relação de carinho com a família da mãe.. Não tem nenhum contato com o pai biológico e nunca quis saber nada dele. Ela ficou sabendo do pai biológico aos cinco anos de idade. Em relação ao pai biológico ela se sente meio perdida, desconectada com as outras pessoas por não ter um exemplo, um modelo, porque ela acha que geralmente a menina se espelha muito na mãe, mas mais no pai. Ela tenta se achar mas não consegue identificar as características que possam ter herdado do pai. Muitas coisas não consegue encaixar. Sente-se meio perdida e tem coisas que Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007

ainda não estão completas. Sempre escutou relatos que o seu pai de verdade foi o que a criou, entendendo que tem que ter amor é por ele. O seu pai biológico não a quis, sumiu, só lhe deu o sobrenome. Ao mesmo tempo sente e não sente vontade de conhecê-lo. Não pôde relatar mais sobre o pai porque não conhece os reais motivos dele, seus pais eram muito jovens. Há pouco tempo ela descobriu uma irmã do pai biológico, a irmã mais velha, e ela ficou muito encabulada porque dizia que a semelhança era muita, e falou algumas outras coisas. Ficou meio constrangida porque não sabia se falava o que pensava ou não. Ficou quieta, mas a semelhança realmente era muito grande. Sua tia lhe mostrou fotos. Ela tem vontade de conhecer o pai biológico, mas ao mesmo tempo em que tem essa vontade ela tem medo de ferir os sentimentos do pai atual, que foi quem a criou, que a sustenta e que dá amor a ela.

AUTO-RETRATO

Helen se considera uma pessoa introvertida, às vezes insegura, reservada, alegre, brincalhona e criativa. Como filha ela se considera carinhosa, atenciosa e dedicada. Como aluna ela se considera inteligente e esforçada. Como profissional ela ainda não tem o que falar, pois não trabalha, mesmo assim ela tem metas e planos e se dedica a cumpri-las para um futuro breve, já no namoro ela se acha muito complicada. Helen se acha mais parecida com sua mãe, porém não tem muita certeza, pois não conhece o seu pai biológico. Ela achou ótimo ser diferente e parecida ao mesmo tempo, alegando que a diferença traz a curiosidade e tira a monotonia. Ser parecido é bom para não se sentir a solidão, isolamento e diferenças.

Você começa a

contestar, enxergar diferente 31


ESTUDO DE CASO

Ela gostaria de conhecer melhor o pai biológico, pois pelo pouco que sabe, tem características do pai, semelhança,s e gostaria de se parecer com ele; Imagina-se bem sucedida no futuro, devido à sua dedicação no que faz; Vai estudar muito e cumprir suas metas para chegar onde quer; Pensa que as pessoas torcem pelo seu bem, imaginam que será bem sucedida e satisfeita profissionalmente; Imagina que vai chegar onde quer relacionando bem sua vida afetiva, profissional, familiar e os estudos, conciliando bem todas essas coisas, e que o equilíbrio é o segredo. O que ela mais gosta é de dançar, de malhar, de aproveitar a vida da melhor forma possível, sabendo tirar proveito até das situações ruins. O que ela menos gosta é de injustiça, pessoas negativas e invejosas. Ela considera sua vida ótima, só que ao mesmo tempo existem questões muito mal resolvidas, que a atrapalham, porém ela dá a volta por cima e gosta de sentir o sabor de viver a natureza, sentir o vento no rosto. Sua família é especial, apesar de situações passadas, mas seus pais souberam superar bem e hoje a interação entre a família é muito boa. Uma situação em que ela não se sente bem é quando está sob pressão, falar em público, expor-se. Um dia que ela ficou muito chateada foi quando descobriu na psicologia, que tudo é por interesse, mesmo coisas boas. Ela não se lembra do dia mais feliz da vida dela, mas de momentos felizes, como quando ela e sua família foram a Florianópolis ou sempre que viajam juntos. O dia em que me senti muito envergonhada foi no primeiro dia que apresentei seminário. O dia em que ela sentiu que ia explodir de felicidade foi o dia em que passou no vestibular. Para ela a faculdade é um lugar que apesar de nos mostrar parte da realidade, oculta outra que a beneficia, mas ainda assim é fundamental para o crescimento interior. Ela acha difícil saber onde é sua casa, pois no momento mora na casa de sua avó, e seus pais vivem se mudando, não há um lugar fixo. Ela sonha com acontecimentos futuros, por vezes ela sonhou com coisas que iam ocorrer, e quando chegou o momento ela sabia como agir, porém são raras as vezes que ela sonha. Quando se fala em realização ela diz que não pensa em quando estará realizada, mas pensa no momento, pois se passa a vida procurando por re-

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alização, e quando chega a um determinado momento, percebe-se que por várias vezes a pessoa passou por realizações e nem percebeu. Ela não pode deixar de malhar diariamente, ao malhar ela se satisfaz, solta todos os pensamentos e energias ruins. Namoro para ela é algo complicado, devido à figura paterna que tem como referencial. Religião para ela é algo indiscutível, cada um com a sua. Política para ela é também indiscutível, pois corrompe e é corrompida. Ela pensa que trabalho tem que ser em primeiro lugar, por satisfação pessoal, e em segundo plano rentável. Mas não adianta trabalhar só por dinheiro, por melhor que seja o salário, a satisfação sempre prevalecerá. O prazer está em 1º lugar. Educação e formação para ela é essencial. Um curso superior, se bem feito, abre novos horizontes, e não só um curso superior, mas educação em geral é fundamental para uma sociedade melhor. Para ela a pobreza faz pensar que existem diferenças e desigualdades sociais muito grandes, além do sofrimento e a falta de esperança da parte de pessoas carentes. A riqueza a faz pensar que também existem diferenças sociais muito grandes, uns com tanto e outros com tão pouco. Viver para ela é procurar o significado das coisas, mas acima de tudo, o existir, a sua função no mundo, o porquê da existência. Dentre os fatos marcantes de sua vida ela preferiu não responder.

VISÃO DO CURSO DE PSICOLOGIA

Ela fez o teste vocacional quando cursava o ensino médio, no ano passado, mas desde o primeiro ano ela já sabia que queria fazer psicologia. Ela acha que seria pelo dom mesmo de percepção mais aguçada, de poder ajudar alguém, outras pessoas. A visão que ela tinha do curso era um visão mais filosófica. Não sabia que teria estatística, mas conseguiu superar a dificuldade, gostou das matérias, está gostando muito do curso, mas agora, depois do segundo período, na disciplina de psicologia social, ela começou a entrar em crise porque há uma identificação muito grande com a realidade das pessoas. O indivíduo começa a ver como é que é sua realidade realmente. O sujeito quer mudar, mas na verdade não é da forma como ele quer mudar porque é difícil mudar o pensamento das pessoas, Você não sabe como, mas quer mudar a realidade. Esses momentos mexem muito com os conceitos, com princípios, onde o sujeito pensa até em parar de estudar, mas

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ESTUDO DE CASO

não dá para ficar na ignorância, e nem voltar a ser o que era antes, não dá para apagar tudo. A crise se deu mais pela dificuldade de lidar com o pensamento das pessoas e as mentiras. Pode- se perceber que o mundo não é da forma como é passado, acredita se que é por isso que psicólogo é taxado como louco. Você começa a contestar realmente, a enxergar de modo diferente. Helen era vidrada em televisão, depois passou a vêla de forma diferente. O que a TV passa não se quer ver, porque não tem conteúdo, não tem nada, tudo mudou, depois de estar de frente com a psicologia social, principalmente a forma de pensar,. Não pensa apenas em ajudar os outros, mas também ela pensa em retorno financeiro e quer unir o útil ao agradável. No principio, quando Helen escolheu cursar psicologia, sua família não a apoiou muito. Disseram-lhe que não ia ser muito rentável, e ainda lhe perguntaram se ela ia saber se sustentar fazendo isso, então ela disse que não estava pensando só nisso, mas também no que ela quer que volte para ela. Ela quer ajudar as pessoas, mesmo vendo as pessoas do jeito que elas são. Às vezes se descobre coisas, pessoas que não precisam, mas é isso que ela quer, o rentável é conseqüência. Tem fatos marcantes na vida, mas não gostaria de falar.

DISCUSSÃO DO CASO

Helen cresceu sem ter muitas oportunidades de criar vínculos duradouros. Quando conseguia começar a criar novas amizades ela se mudava e tinha que começar tudo de novo. Tinha que enfrentar desde cedo as possíveis rejeições e desajustes relacionais frente a novas adaptações a escolas, professores, colegas, vizinhos, cultura, costumes de cidade grande e cidade pequena, dentre outras.. A exposição do individuo diante do novo pode contribuir para que haja um crescimento e amadurecimento desejado e esperado com a idade de fase de amadurecimento, o que não foi o caso de Helen que teve que viver tudo isso ainda criança. É perfeitamente compreensível que um desajuste emocional seja adquirido, principalmente porque está relacionado a fatores que não são compatíveis com a idade da criança. Quando ela relata que pensa que “o trabalho tem que ser em primeiro lugar, por satisfação pessoal, e em segundo plano rentável mas não adianta trabalhar só por dinheiro, por melhor que seja o salário, a satisfação sempre prevalecera”, fica claro que para ela a satisfação pessoal e a aquisição do prazer está em primeiro lugar. E ainda pode ser observado um caráter místico de crenças no sobrenatural quando ela diz que “não Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007

pode deixar de malhar diariamente, ao malhar ela se satisfaz, solta todos os pensamentos e energias ruins”, e ainda quando diz que “sonha com acontecimentos futuros, por vezes ela sonhou com coisas que iam ocorrer, e quando chegou o momento ela sabia como agir, porém são raras as vezes que ela sonha”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considero que esse trabalho de pesquisa contribui com a compreensão do que motivou a aluna de psicologia a fazer sua escolha pelo seu curso, deixando claro aqui o aspecto complexo da relação dos fatos inter-relacionais com sua história de vida. Um aspecto importante da história de vida de Helen, foi a sua necessidade de se encontrar, de se conhecer e reconhecer-se com seus genitores. A busca de encontrar equilíbrio, sua própria identidade, personalidade, seria mais fácil e prático se procurasse ajuda profissional, ao invés de fazer um curso completo. Podendo concluir então que o curso de psicologia era visto por ela como uma auto-ajuda. Ficou claro a ênfase da estudante em relação à ligação de suas características pessoais, as características profissionais, formadas pelo curso, o que foi um equívoco. Ela ainda acredita que tem o dom de ser psicóloga. Em relação à visão que a acadêmica de psicologia ainda tem, apesar de estar cursando praticamente o terceiro período, questiono então a estrutura de ensino e acredito que o mesmo precisa melhorar para sanar essas dificuldades acadêmicas relacionadas à falta de uma informação que esteja a contento do merecimento de um nível superior.

Referencia bibliográfica GIORGETTI, Valéria, A subjetividade e suas implicações na escolha profissional e na formação do estudante de psicologia, Brasília, 2003.

Autor

Vilmair Tiago da Maia, acadêmico da Universidade de Rio Verde-Go e-mail: vilmair.maia@bol.com.br

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PSICANÁLISE

O Inconsciente F

reud procurou apaixonadamente traduzir toda sua experiência adquirida. Para além de uma simples teorização científica, procurou mesmo filosofar sobre essa experiência. Com ele inaugura-se a positividade do inconsciente, e o esforço de Freud é de desmascarar essa positividade. Sua análise dos sonhos consegue definir uma primeira prática operatória susceptível de revelar a existência de um conteúdo latente constituindo um momento de vida mental não consciente. Tal conteúdo se encontra depositado pelo conteúdo manifesto, vale dizer, pelas representações espontaneamente relatadas pelo sonhador no momento em que narra seu sonho. Ora, esse conteúdo latente faz parte da vida mental; está presente “em si” como que exprimindo-se e significando-se clandestinamente no conteúdo manifesto; habita o psiquismo suscitando o desvelamento desse conteúdo em vista de exprimir-se na cena da vida mental. O sujeito é o objeto de processos que o constituem, de processos que são sua verdade, dos quais nada pode saber. Por isso resiste à psicanálise, que lhe revela o hiato entre sua verdade imaginária e seu saber próprio. Nessa espécie de dialética entre saber e verdade podemos sintetizar um diálogo sobre o inconsciente da psicanálise de três formas: o inconsciente supõe a presença, no sujeito, de um “não-sabido”. O que nele é verdadeiro, ele não sabe; e o que ele sabe, não é sua verdade. Donde seu desconhecimento irredutível, não somente se encontra na ignorância, mas no desconhecimento, quer dizer, na impossibilidade de saber sua própria verdade, pois há algo de seu próprio desejo que não pode dizer.

O que a psicanálise descobre ao sujeito? Introduz um novo tipo de saber, produz um saber do não-sabido do sujeito. Com isso desestabiliza radicalmente a relação de saber que o sujeito mantém com sua própria verdade. O que punha em movimento sua verdade, o sujeito deve sabê-lo, eis o imperativo da psicanálise. A descoberta analítica anuncia ao sujeito uma novidade que suscita resistência, pois ela interessa ao próprio sujeito através daquilo que não pode confessar-se. O narcisismo é ferido desde o anteparo imaginário (a verdade reputada do sujeito), é deslocado pela introdução de uma saber novo e subversivo. Resta ao sujeito aderir a esse saber a fim de tirar dele as consequências. Mas de que é formado esse inconsciente descoberto por Freud? Dizemos que esse inconsciente funciona como palavra. Todavia em relação ao “eu” do sujeito consciente funciona como palavra distinta da sua, como palavra “no outro”. Tal palavra, que faz do inconsciente uma linguagem, isto é, um 36

sistema de signos dotado de certas leis de coerência própria, também é a palavra constitutiva da personalidade do sujeito que ela habita. Nessas condições, as expressões do inconsciente decifráveis no conteúdo do sonho ou do sintoma, aparecem menos como criações de linguagem que como retraduções, atualizadas no plano da consciência, do inconsciente. O sujeito pensante é anônima e ousadamente pensado e falado antes mesmo de poder pensar e falar por sua própria conta. Numa certa medida, seus pensamentos e palavras conscientes são simples reproduções inconscientes dessa palavra impessoal que já o habita. Esse é o sentido mais forte do inconsciente como linguagem. Temos aí um modo forte de marcar a dependência do sujeito que se acredita consciente e pessoal em relação a uma instância não-consciente e não-pessoal de seu próprio ser e do conjunto de suas atividades. A partir de sua tese segundo a qual o inconsciente é estruturado como uma linguagem, quer Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007


PSICANÁLISE

e e Linguagem “Através das facetas da linguagem podemos ser qualquer coisa, até mesmo o que não queremos”. por Samuel Antoszczyszen Psicólogo formado pela Universidade Tuiuti do Paraná em 2003. Hoje reside nos EUA e atua como psicanalista. e-mail: samfeel@pop.com.br

dizer, por encadeamentos rigorosos de elementos, Lacan mostra que esses elementos encadeados não obedecem a uma lógica contínua. A interrupção do discurso, quer seja provocado pelo analisando ou pelo analista que o interpreta, constitui uma pontuação. Os efeitos da linguagem são escondidos pela pontuação que, manejada pelo psicanalista, torna-se um instrumento fundamental para a articulação da transferência: relação ligada ao tempo e ao seu manejo. Toda a cura analítica vai constituir num desnudamento da linguagem pelo suporte temporal que constitui sua estrutura. Assim de significante em significante, nos intervalos que pontuam todo o relato e toda associação de palavras, torna-se insistente uma estrutura de linguagem: é o discurso do Outro. Na verdade o inconsciente é o discurso do Outro. Mas quem é o outro? Ninguém. Melhor ainda, não é uma pessoa, mas um lugar, organizado em rede, vale dizer, a estrutura do sujeito, suporte individual da linguagem.

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FREUD, Sigmund. Interpretação dos Sonhos, in: Obras Completas, Edição Standard, Rio de Janeiro: Imago, 1982. ____. Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise, in: Obras Completas, Edição Standard, Rio de Janeiro: Imago, 1982. ____. Sobre a Psicoterapia, in: Obras Completas, Edição Standard, Rio de Janeiro: Imago, 1982. ____. A dinâmica da transferência, in: Obras Completas, Edição Standard, Rio de Janeiro: Imago, 1982. ____. Dissecação da Personalidade psíquica, Conferência XXXI, in: Obras Completas, Edição Standard, Rio de Janeiro: Imago, 1982. GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Freud e o Inconsciente. 16ª. edição. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. ____. Psicanálise: Ciência ou contra-ciência? Rio de Janeiro: Imago, 1998. JUNG, Carl Gustav. Freud e a Psicanálise. Vol. IV. Petrópolis: Vozes, 1990. LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2000. LAPLANCHE-PONTALIS. Vocabulário de Psicanálise. São PAulo: Martins Fontes, 2001. ROUDINESCO, Elisabeth. Por que a Psicanálise? Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. SCHIAVON, João Perci. A Lógica da vida desejante. Curitiba: Criar Edições, 2003.

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PONTO DE VISTA

DOUTORES EM

ATENÇÃO: O assunto a seguir é de extremo interesse de todos os seres viventes, por isso, leia com atenção e não se atenha à discussão entre professores e doutores, veja que uma simples discussão pode levar a um assunto de proporções catastróficas se nenhuma providência for tomada. Quando eu era adolescente tinha algumas idéias bem radicais, uma delas era criticar firme e até ironicamente as pessoas que usavam o título de Doutor sem ter cursado um Doutorado, mas, com o passar dos anos, adquirindo mais experiência, através de muitos cursos que fiz e de muitos acidentes que sofri, entendi que ser “Doutor” tem mais a ver com a experiência, com a vivência do que com um simples título. Por isso, assisto hoje, pasma, mas não surpresa, a grande discussão que formou-se em torno do uso do título de Doutor. Digo que não estou surpresa por que já acostumei-me a ver os assuntos que defendo serem discutidos muitos anos depois, geralmente, quando já nem me lembro deles. É o preço que pago por ir muito fundo e muito à frente em tudo. Mas digo que estou pasma com a acirrada discussão por que, diante de tragédias climáticas em nível mundial, algumas pessoas ainda estão perdidas num mundinho próprio e sem nenhum benefício para a humanidade, exatamente como adolescentes só que, desta vez, de cabelos brancos... Enquanto um grande grupo defende que “doutor é quem fez doutorado”, declarando guerra a todos os profissionais (Médicos, Advogados entre outros) que utilizam o titulo de doutor sem terem passado pelo doutorado, outro grupo enorme discute acirradamente sobre a hierarquia em relação aos títulos a partir da especialização até a livre docência. Essa discussão insana chegou aos extremos e correm boatos (seriam somente boatos?) de que, em várias faculdades particulares, estão demitindo os doutorandos e doutores que não aceitam “esconder” seus títulos. Isso mesmo: esconder seus títulos. As faculdades contratam os doutores para obterem licenças do MEC e apoios das fundações em alguns projetos. Depois, quando não precisam 38

mais, propõem que os “doutores” aceitem trabalhar somente como especialistas para abaixarem os custos, e os que não aceitam abrir mão de seus títulos são demitidos. Instala-se assim a grande discussão entre os professores de faculdades particulares e os doutores de universidades públicas que exibem seus títulos com arrogância, dizendo-se “doutores” que defendem e publicam teses e pesquisas e não simples professores que apenas repassam as publicações. A solução para os recém doutorados que não querem tomar parte dessa insana batalha é tentar uma bolsa junto ao CNPQ que permite ao recém doutor sustentar-se até passar em concurso para universidade pública. Não sou eu que estou dizendo isso, é o que se fala em muitos locais, faculdades, universidades e até e m sites... O que me deixa pasma diante desse despropósito é a inutilidade da discussão, que encaminha-se na base do “meu barraco tem luz e o seu não tem” e, pior ainda, partindo de quem deveria ser tão esclarecido ao ponto de não se importar com um simples título. Os grandes mestres, doutores, professores doutores, livres docentes, enfim, essa “nata do saber” deveria ter tanta cultura, deveria estar tão acima dessa tolice que não deveria sequer cogitar uma discussão dessas. Se, realmente, algumas faculdades estão agindo de forma a forçar um rebaixamento de posto ou uma demissão, os lesados devem sim, procurar seus direitos, entrar com uma ação, chorar no colo da mãe ou qualquer coisa para reverter a situação, mas nunca, jamais em tempo al-

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PONTO DE VISTA

M DECADÊNCIA gum, incitar uma discussão tola e sem nenhum resultado na prática. E, como sempre, tentando trazer luz aos fatos ocorridos, apelo ao bom senso de todos, sejam doutores ou leigos, para que vejam com mais clareza os acontecimentos à sua volta. As mudanças climáticas já alcançaram um ponto irreversível ao qual a nossa civilização dificilmente sobreviverá. A previsão que eu e um restrito grupo de “corajosos”, há muito tempo, temos tentado divulgar sempre sem plantar alarde, mas provocando reflexões, agora ganha força com as declarações do cientista James Lovelock. E, diante do aquecimento irreversível, temos a extinção de água potável em nível mundial, e não é preciso ser doutorado em nenhuma área para ligar os pontos e entender que com o aquecimento ao extremo e sem água, doutores e leigos estão condenados à extinção, assim como toda a raça humana. E Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 04 | out 2007

não se iludam achando que essa tragédia está muito longe de acontecer, por que será que o “slogam” dos meus sites é sempre: “Para nós, o século XXI já passou. Estamos preocupados é com o século XXII” Será que é só por que sou uma grande apressadinha? Ou será que, como sempre, estou tentando trazer luz aos fatos? E o que é ser doutor senão desvelar os assuntos e tornar claro o que, antes, estava soterrado no obscuro da ignorância? Pode parecer um sonho tentar reverter isso, mas eu ainda acredito que possamos, de fato, nos unir e, ao menos, adiar essa tragédia no planeta. Por isso, estou novamente apoiando a campanha “órfãos da água”, que não pede dinheiro, nem órgãos para doação, nem cliques, nada além da conscientização de cada um, economizando o máximo de água que puder e nos ajudando a divulgar o site. Se fôssemos egoístas, simplesmente, ficaríamos em silêncio e cuidaríamos do nosso bem estar, mas somos altruístas, dividimos nossos conhecimentos e pedimos a todos que, simplesmente, divulguem o site para o bem estar da humanidade como um todo. Convido a todos os que estiverem lendo esta matéria que, antes de tudo, reflitam sobre o que leram e, após entenderem bem o que aqui está escrito, repassem esta matéria introdutória, visitem e divulguem o site que indicarei a seguir. O que todos ganharemos com isso? Um tempo a mais de vida, um pouco mais de natureza preservada, o direito vivermos em paz, com muita água e verde por muitos séculos ainda. Doutores e leigos precisam de água para sua sobrevivência, pense nisso! AUTORA: Lou de Oliver Psicopedagoga e Terapeuta CRT: 36587 | RCE: 486/6 dralou@loudeolivier.com.br www.loudeolivier.com.br

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