Revista_ATLASPSICO_06

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ATLASPSICO DEPENDÊNCIA QUÍMICA origem da drogadição

COMPORTAMENTO

NÚMERO 06 | FEVEREIRO 2008

A Revista do psicólogo

conduta desviante

PSI HOSPITALAR sujeito soropositivo

A QUESTÃO METODOLÓGICA DAS PESQUISAS QUANTITATIVAS

NO QUE SE REFERE À COLETA DE DADOS SOBRE

TEMAS TABUS


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A Revista do Psicólogo

ATLASPSICO número 06 | fevereiro 2008

MATÉRIA DE CAPA TEMAS TABUS A questão metodológica das pesquisas quantitativas no que se refere à coleta de dados sobre temas tabus.

06

Revista ATLASPSICO é uma publicação bimestral. Os artigos publicados são de inteira responsabilidade de seus autores. O uso de imagens e trechos dos textos somente podem ser reproduzidos com o consentimento formal do editor. Edição de fevereiro 2008 Brasil – Curitiba – Paraná EDITOR-CHEFE Márcio Roberto Regis (CRP 08/10156) JORNALISTAS Rose Santana | 12.182/MG Audea Lima | 972/96/PI DIREÇÃO DE ARTE DIAGRAMAÇÃO Equipe ATLASPSICO editorial@atlaspsico.com.br www.atlaspsico.com.br revista.atlaspsico.com.br

04 NOTA ATLASPSICO 14 PSICOLOGIA HOSPITALAR 22 COMPORTAMENTO

Incêndio na Universidade Tuiuti do Paraná A vivência de um sujeito soropositivo marcado pela falta Pares sócio-normativos e a explicação da conduta desviante

26 DEPENDÊNCIA QUÍMICA

Origem da drogadição: pacientes atendidos pelo serviço integrado de saúde (SIS) da Universidade de Santa Cruz do Sul (RS) - UNISC

34 35 PSICOLOGIA E TECNOLOGIA PSICOPEDAGOGIA

A multiterapia tratando os distúrbios de aprendizagem Vida Moderna

COMISSÃO AVALIADORA Márcio Roberto Regis COLABORADORES Marcel de Alameida Freitas Viviane Marcon Duarte Nilton S. Formiga Aline Rubin Edna Linhares Garcia Lou de Oliver Márcio Roberto Regis Seja um Colaborador: Envie seu artigo para o email: editorial@atlaspsico.com.br Um projeto do Portal de Psicologia ATLASPSICO © Copyright 2008 Todos os direitos reservados. All rights reserved.


Foto: Rodrigo Ramirez

INCÊNDIO NA UTP

Caros Leitores, Colegas e Ex-professores! No dia 05 de fevereiro 2008, um fogo destruiu o câmpus Champagnat da Universidade Tuiuti do Paraná, aonde funcionavam os cursos de Ciências Biológicas, Odontologia, Biomedicina, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Nutrição, Medicina Veterinária, Psicologia e Terapia Ocupacional. O fogo consumiu 49 salas de aula, 6 laboratórios, sala de coordenação e a capela, destruindo 2/3 do prédio. No momento do incêndio, não havia ninguém no prédio.

Foto: Giuliano Gomes - Gazeta do Povo

Na foto: parte de trás do prédio. Blocos 2 e 3 em chamas

Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 06 | fev 2008


Lamento profundamente o ocorrido, pois o prédio me trouxe coisas ótimas no período da minha vida acadêmica, boas amizades, ótimos professores e clientes. Espero que todos aqueles que compõem a Universidade, sejam eles alunos, ex-alunos, professores e ex-professores entre outros funcionários estejam bem e recuperados do susto. Tenho um carinho muito grande por essa universidade. Em especial, meu abraço aos meus ex-professores, pois sei que a dedicação de vocês era 5% de inspiração e 95% de transpiração ao curso de Psicologia. Aprendi muito com vocês e desejo muita paz a todos! Mais uma vez, lamento o ocorrido. Sei que a Universidade Tuiuti do Paraná vai superar essa tragédia! Abraço a todos! Márcio Roberto Regis CRP 08.10156 atlaspsico@atlaspsico.com.br Fonte: Gazeta do Povo | www.gazetadopovo.com.br

Q

Editorial

uando elaboramos uma pesquisa científica sobre temas difíceis de serem abordados, verbalizados, exige certa cautela por parte do pesquisador para não constranger o entrevistado e nem mesmo ser invasivo. A primeira coisa é pensar de qual forma iremos elaborar a nossa ferramenta de trabalho: o questionário. Será que iremos fazer um questionário e entrevistar pessoas nas ruas, nas universidades, nas salas de aula? Ou será que elaboramos uma ferramenta, um questionário online, visando o anonimato? Qual será a nossa metodologia de trabalho em pesquisas quantitativas? Quais serão as perguntas? Perguntas fechadas ou abertas? Para os pesquisadores psicólogos, sexólogos, antropólogos, entre outros, é fundamental muita cautela na elaboração de um

questionário, nas perguntas a serem realizadas e principalmente um trabalho de observação minuciosa, pois qualquer erro na elaboração da ferramenta corre o risco de perder todo um trabalho de meses ou até mesmo alguns anos. Pensando nisso, nessa edição, Marcel de Almeida Freitas (antropólogo, Mestre em Psicologia Social e Doutorando em Educação), aborda as questões metodológicas das pesquisas quantitativas no que se refere a coleta de dados sobre temas tabus. Boa leitura!

MárcioRoberto Regis

CRP 08/10156 Editor-Chefe da Revista ATLASPSICO atlaspsico@atlaspsico.com.br atlaspsico.com.br


MATÉRIA DE CAPA

A QUESTÃO

NO QUE S

TEM

Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 06 | fev 2008


METODOLÓGICA DAS PESQUISAS QUANTITATIVAS

SE REFERE À COLETA DE DADOS SOBRE

MAS TABUS INTRODUÇÃO

O intuito deste trabalho é apontar de modo prático, ou seja, através da realização de uma pesquisa quantitativa de campo, como uma certa metodologia interfere no tipo e na quantidade de dados que irão ser coletados, isto é, temáticas de certa forma estigmatizadas socialmente necessitam de técnicas e métodos de coleta diferenciados/ específicos pois, do contrário, corre-se o risco de se adquirir dados irreais, que retratam apenas o ideal/aprovado socialmente. Concordando-se com NOGUEIRA et al (2003:88), “não há um modo ‘correto’ de fazer investigação, o método deve servir à questão”.

Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 06 | fev 2008


METODOLOGIA

Parte-se do pressuposto de que a abordagem e a coleta de dados devem ser apropriadas de acordo com a temática em questão, ou seja, uma pesquisa sobre ‘sabão em pó’ pode ser realizada pela técnica da entrevista fechada, diretiva e face-a-face, visto que este tema não é motivo de constrangimento para ninguém em qualquer sociedade ocidental e urbana. Entretanto, ao se tratar de questões como racismo, aborto, homossexualidade, uso de drogas, temas que em nossa sociedade são ainda marginalizados e cercados de tabu, estratégias apropriadas de coleta de dados devem ser criadas, pois se realizadas da maneira convencional podem gerar informações ilusórias, numericamente aquém da realidade. Para comprovação desse pressuposto, foi elaborado um questionário fechado que pudesse ser auto-aplicável, sendo que a pessoa que respondia à pesquisa apenas assinalava as respostas correspondentes numa ‘folha’ à parte, anonimamente, e depois a depositava numa ‘urna’ lacrada. Visto que o questionário não possuía nenhuma forma de identificação – nem mesmo era perguntado o curso do aluno – foram usadas três urnas: uma para cada área de conhecimento (Exatas, Humanas e Biológicas). Assim, quando era atingido o número amostral determinado para aquela área, a urna era aberta. O estudo foi transversal, a partir do número de estudantes de graduação e pós-graduação regularmente matriculados na Universidade Federal de Minas Gerais no 1o semestre do ano letivo de 2001 definido no plano amostral. Por este motivo os resultados desta amostra podem ser estendidos para toda a população de alunos do sexo masculino da UFMG, sendo que a margem de erro é de três pontos percentuais. Foram entrevistados 200 alunos da área de Exatas, 202 alunos de Humanas e 198 alunos das áreas Biológicas/saúde, num montante de 600 alunos em toda a UFMG. O método utilizado para escolher os alunos que compuseram a amostra de cada curso foi o de amostragem por conglomerado (aqui foi a área de conhecimento) estratificada, onde o número de alunos escolhidos em cada estrato (curso) é proporcional ao número total de alunos no conglomerado. Assim, os cursos da UFMG, inclusive os de pós-graduação, foram agrupados em três grandes áreas temáticas: Biológicas, Humanas e Exatas. O número total de alunos em cada um destes estratos foi conseguido junto ao Departamento de Registro e Controle Acadêmico, tendo por base o 1o semestre do ano de 2001. Somente foram solicita-

dos os números referentes aos alunos regularmente matriculados em duas ou mais disciplinas, ou seja, alunos de matérias isoladas (de outras faculdades) ou em continuação de estudos (já graduados) não foram considerados. A forma de abordagem, como dito anteriormente, foi a mais ‘discreta’ possível e a própria aleatoriedade desta forma de seleção/abordagem mesclou os alunos no que diz respeito aos períodos. Geralmente a pessoa se encontrava na biblioteca, cantina ou sala de estudos – sozinha – ou no máximo com um colega do sexo masculino que também pudesse responder à pesquisa ao mesmo tempo. Este cuidado, que superficialmente pode parecer inútil, foi tomado para que não acontecesse a seguinte situação que poderia alterar drasticamente os dados: enquanto um aluno respondia o outro ‘participava’, ironizando e fazendo anedotas sobre suas respostas; além disso, iria ter ciência de algo íntimo da vida do colega, sua sexualidade. O questionário foi construído a partir de uma pesquisa semelhante realizada com alunas de graduação na Universidade de São Paulo (USP), sendo que aquele trabalho foi qualitativo, ou seja, realizouse 20 entrevistas em profundidade face-a-face que interrogavam sobre práticas, preferências e interditos sexuais de pessoas do sexo feminino daquela instituição de ensino (VIEIRA, 1998). Resolveu-se colocar no presente questionário, em forma de questões fechadas, as respostas e práticas sexuais mais recorrentes entre aquelas mulheres entrevistadas na USP. Desta feita, o questionário foi elaborado para ser um instrumento de coleta auto-aplicável, com perguntas fáceis de responder, sem necessidade de consulta à pessoa do entrevistador – que apenas entregava o ‘gabarito’ e a urna. No que se refere à interação com os alunos algumas expectativas não foram reforçadas e algumas surpresas foram encontradas: praticamente não houve nenhuma recusa em responder à pesquisa por parte dos alunos da área de Biológicas, sendo a imensa maioria extremamente cordial e até mesmo curiosa em saber o resultado estatístico do trabalho. Neste ponto positivo a ‘surpresa’ os que mais se destacaram foram os alunos do curso de Medicina, que na biblioteca ou no corredor da respectiva faculdade, mesmo atarefados, com livros ou saindo da aula, se dispuseram educadamente a participar da enquete. Enfim, de modo geral, todos aqueles que lidam com a saúde humana foram extremamente acessíveis e cordiais. A surpresa ‘negativa’ ficou por conta

todos aqueles

que lidam com a saúde humana foram extremamente acessíveis e cordiais

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os valores sociais variam no tempo e no espaço

dos alunos de graduação do curso de Psicologia, visto que alguns se recusaram a responder sem nem mesmo tomar conhecimento do que se tratava. Na área de Humanas os mais receptivos foram os alunos de Comunicação Social, como esperado. Com relação aos cursos de Exatas, houve algumas recusas – de certa forma esperadas caso se considere o estereótipo que apregoa que alunos de ciências exatas são mais introvertidos – sobretudo de alunos do curso de Engenharia que já estavam no ciclo profissional, sendo que os mais acessíveis foram os alunos de Computação.

DISCUSSÃO DOS DADOS

Para efeito de análise, será convencionado, neste texto, que quanto mais próxima estiver uma resposta, aliás, um conjunto estatístico, da ‘norma’ social vigente, mais tradicional será aquele conglomerado no que concerne ao comportamento sexual e mais conservador será no que concerne às atitudes. Entretanto não se julgará que estar próximo ou afastado dos padrões sociais é algo ‘bom’ ou ‘ruim’, mesmo porque, como aponta a Antropologia, os valores sociais variam no tempo e no espaço (FROST, 1976).

NUDEZ MASCULINO

tendo em vista as DSTs e principalmente a epidemia de Aids. Pelo fato de serem pessoas com alto grau de informações, conhecimentos e ‘cultura’ em geral, se supôs que a porcentagem dos que respondessem “uso preservativo em todas as relações” estaria girando em torno de 80%.

SEXO ANAL – TEORIA

Nesta prática sexual pensou-se que seria encontrado um percentual maior, tanto no que diz respeito aos que já praticaram quanto entre aqueles que nunca fizeram mas têm vontade, porque a mídia têm insuflado o imaginário coletivo em relação à ‘preferência nacional’ do homem brasileiro (nádegas femininas) tanto no que diz respeito à revista eróticas (“Playboy”, “Sexy”), quanto a filmes eróticos. Nas Exatas e Biológicas o número de alunos que nunca fizeram mas gostariam (34% contra 33%) foi ligeiramente superior ao número dos que já fizeram (35,86% contra 34,89%, respectivamente); apenas nas Humanas o número de alunos que já teve esta experiência (38,12%) superou em relativa medida o número dos que gostariam mas nunca tiveram a oportunidade (27,73%). No total de alunos da UFMG, 35% já fizeram sexo anal, mas provavelmente a percentualidade dos que não fizeram mas gostariam (33%) foi inferior à realidade, tendo em vista outras pesquisas sobre sexualidade com outros públicos e a influência maciça da mídia e até mesmo dos filmes de sexo explícito. Assim, talvez alguns ficaram constrangidos em refletir sobre este desejo sexual, tamanha a internalização de que se trata de algo que tangencia o homoerotismo e de que é algo proibido/pecaminoso e, por estes motivos, mesmo respondendo sozinhos, muitos não admitiriam para si mesmo que apreciam tal forma de relação sexual.

No que diz respeito à predisposição ou, no mínimo, ao interesse em posar nu para uma revista observou-se que os alunos da área de Biológicas se encontram mais abertos a este tipo de experiência (38,89%), ao contrário de seus colegas da área de Exatas: apenas 26,5% sairiam nus numa revista. Com relação a UFMG, a cifra média de 33% foi surpreendente, pois se acreditava que este número seria menor. Quiçá isso seja fruto da influência da mídia que, em alguma medida, vem atingindo a vaidade masculina e a questão financeira (ao divulgar que os homens famosos lucram alto com estes trabalhos). Pensa-se também que os que respondePRÁTICA SEXUAL PREFERIDA ram positivamente foram incitados para isso pela As estatísticas deste tópico são coerentes com ‘demanda’ do desejo feminino, já que, conforme as da questão anterior: o maior percentual dos que constatou VIEIRA (1998), existe crescente interesse preferem a penetração anal está entre os alunos feminino por revistas com homens nus. das Ciências Humanas (17,83%) e a menor porcentagem entre os alunos de Exatas (13,5%). No total PRESERVATIVO da UFMG, 16% preferem este tipo de relação sexuJunto aos estudantes da UFMG os que menos al. Conjetura-se que vários motivos podem suscitar utilizam camisinha em suas relações sexuais são, isso: o fato de ânus ser mais estreito que a vagina – curiosamente, os alunos das Biológicas (9,6%); ape- causando maior prazer físico ao homem, e o prazer sar de não ter sido perguntado na pesquisa, muitos psicológico advindo da dominação (masculina) e da disseram espontaneamente que não usam porque subordinação (feminina) que envolve esta prática. se relacionam com uma pessoa apenas, ou porque Outros autores (FOGEL, 1989, por exemplo) mais são casados. Os que disseram ‘sempre’, em maior polêmicos, também aventam como possibilidade porcentagem, foram os alunos de Exatas: 64% de- um homoerotismo sutil e inconsciente: o homem les. Mesmo assim foi considerada baixa essa cifra, estaria realizando, numa prática heterossexual, algo bem como a média da universidade em geral, 60%, típico da homossexualidade masculina. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 06 | fev 2008


deduz-se um certo resquício de machismo e/ou insegurança masculina: receio pelo desempenho do Ao se analisar os dados deste tópico fica-se ain- outro ser melhor, de o pênis do outro ser maior, da mais convencido de que, em se tratando de de- de algum contato homossexual, temor de o outro terminadas temáticas, a metodologia e as técnicas de homem desejar penetrá-lo, etc. investigação devem ser específicas: caso fosse uma pesquisa diretiva face-a-face, certamente não se enINTERDIÇÕES E TABUS contraria 11% de homens admitindo que já se relaNeste aspecto foram encontradas respostas incionaram sexualmente com outro homem e 4% di- teressantes, sobretudo se comparadas com os tópizendo que nunca fizeram, todavia gostariam. Talvez cos anteriores; a prática mais rejeitada pelos estuestas cifras cairiam pela metade. Entre os campos de dantes é ser passivo sexualmente com outro homem conhecimento, o de Ciências Exatas foi onde houve – a média foi 80% dizendo que não gostariam de maior percentual de alunos que já viveram esta ex- ter esta experiência de modo algum. Em seguida periência, 13,5%, e a área de Humanas foi onde foi vem a opção ser ativo sexualmente com outro hoencontrado o menor percentual, apenas 8,43%. É mem, 4%. Se somadas, a homossexualidade masinteressante ressaltar também que a grande maio- culina tem 84% de rejeição como prática sexual. A ria dos que já tiveram experiência sexual com outro alternativa menos rejeitada foi a parceira introduzir homem declarou terem sido os ‘ativos’, em outros o dedo no ânus enquanto faz sexo oral, prática termos, os que penetraram o parceiro. que, segundo a pesquisa realizada com alunas da USP, é muito comum (VIEIRA, 1998). 9% disseram IDADE que experimentariam qualquer prática, dependenOs dados aqui obtidos condizem com outras do da ocasião. Os alunos que mais se mostraram pesquisas já realizadas, como por exemplo, o le- abertos a estas experiências foram os de Exatas, vantamento realizado pela Fundação Universitária 9,5% assinalaram que experimentariam qualquer Mendes Pimentel anualmente. 85,63% dos estudan- das três opções anteriores. Os mais fechados foram tes dos cursos de Humanas têm até 26 anos; 84% os de Humanas, apenas 6,94% disseram que expedos estudantes de Exatas e 83,34% dos alunos de rimentariam qualquer destas práticas dependendo Biológicas estão nesta faixa de idade. No geral da da oportunidade/situação. UFMG, 40% têm até 21 anos. Com estes números, semelhantes aos de outras pesquisas realizadas pelo PREFERÊNCIA NACIONAL FEMININA modo tradicional, o argumento central deste artigo A mídia se preocupa muito em divulgar os gosé corroborado: como não há necessidade de mentir, tos e preferências sexuais masculinos, mas de certa os dados referentes à faixa etária não variam caso a forma os desejos e fetiches sexuais femininos são pesquisa seja pela auto-resposta ou venha na forma pouco falados; na pesquisa realizada por VIEIRA de um questionário face a face, portanto, essa ques- (1998) as alunas espontaneamente disseram apretão, a princípio sem nexo com o tema sexual, serviu ciar homens peludos, e um detalhe apareceu, e que apenas de controle para testar a eficácia do questio- raríssimas vezes é colocado pelos meios de comunário anônimo auto-aplicável como um todo. nicação: muitas disseram achar mais másculo/atraente as nádegas masculinas. Assim, procurou-se SEXO A TRÊS verificar se os homens de certa forma têm abertura De acordo com a pesquisa realizada por VIEI- para que suas parceiras ou amigas falem isso com RA (1998), está é uma fantasia feminina recorrente eles, ou será que esta preferência fica apenas nos (dois homens e uma mulher) e quando se contras- ‘círculos’ femininos. Foi interessante constatar que tou com a possibilidade de os estudantes homens os dados coletados na UFMG (72% acham que as da UFMG virem a participar desta experiência, en- mulheres preferem o ‘bumbum’) casam com os dacontrou-se o seguinte: 12,63% dos estudantes de dos coletados na USP, ou seja, grande parte dos Biológicas já viveram esta experiência contra apenas alunos já tinha ‘desconfiança’ de que as mulheres 8% nas Exatas – o menor percentual. Quando se apreciam esta parte do corpo masculino. analisou a resposta “não mas gostaria”, foi achado Provavelmente isso se deve a elogios femininos 30% entre os alunos das Exatas, contra 16,37% das indiretos, fato que os levam a deduzir isso e, mais Humanas – a porcentagem mais baixa. Na UFMG raramente, o fato de algumas mais ‘ousadas’ falacomo um todo se tem 10% que já tiveram esta ex- rem abertamente esta preferência. Por outro lado, periência sexual e 22% que gostariam, mas nunca os outros 28% podem ter sido influenciados pelas viveram. Supõe-se que, se fosse feita a pergunta fotos publicitárias ou mesmo pela divulgação de contraria, ou seja, ele mais duas mulheres estes nú- revistas de nu masculino ou clubes de stripe-tease meros estariam na casa dos 70% (conforme estudo masculino, pois acreditam que as mulheres prefequalitativo de FOGEL, 1989) e por estas respostas rem braços e peitos musculosos. O grupo que mais

SEXO COM OUTRO HOMEM

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‘acertou’ (se aproximou dos dados coletados pela doutoranda da USP) foi o de Humanas (74,26%), e o que mais ‘errou’ foi o de Biológicas (69,7%).

SEXO ANAL – PRÁTICA

Esta foi uma questão formulada para ‘testar’ a coerência em relação à pergunta comentada no item 3.3: uma coisa é a opinião em relação ao sexo anal versus o vaginal, que pode expressar um pensamento politicamente correto, patrulhado; outra coisa é o indivíduo colocado frente a uma situação real. Os alunos que mais responderam que achariam ótimo uma mulher que permitisse somente esta prática sexual foram os de Biológicas (16,67%) e os que menos responderam ‘ótimo’ foram os de Exatas: 8%. É curioso constatar que em todos os grupos a porcentagem daqueles que responderam ‘detestaria’ foi menor (ainda que pouco) à dos que responderam ótimo. Porém, quando comparamos as respostas ‘bom’ e ‘ruim’ o grupo que apresentou maior distanciamento foi o de Humanas: 49% e 28,72%, respectivamente. Só o grupo de Exatas teve porcentagem maior na opção ‘ruim’ em relação à resposta ‘bom’: 43,5% contra 41%, respectivamente.

verificar que a segunda posição mais escolhida foi a mulher por cima, mas ainda assim com uma cifra bem distante da primeira: somente 28%. Os estudantes que mais preferem a posição ‘de quatro’ são os da área de Humanas, 53,47%, e os que menos preferem são os de Biológicas, com 44,95%.

RACISMO E IMAGINÁRIO SEXUAL

Neste ponto os resultados eram de certo modo esperados: as mulheres da raça negra (pretas e mulatas) foram as menos apontadas como alvo de desejo sexual entre os estudantes (só 10%); porém, um percentual chamou a atenção por sua baixa expressividade neste estudo, diferentemente de enquetes realizadas pela televisão ou por publicações a loura estereotipada – seios grandes, cabelos compridos e platinados, pele bronzeada e corpo ‘talhado’ em

POSIÇÃO SEXUAL: POSIÇÃO SOCIAL?

Como disse certa vez Camille PAGLIA (1993), sexo e poder andam de braços dados; assim sendo, inúmeras práticas e comportamentos sexuais têm sua fonte de sedução não no âmbito biológico, mas no sócio-psicológico e até mesmo no político. A popstar Madonna também já havia se referido a isso numa entrevista dizendo que “sexo não é amor, sexo é poder” (GREENHALGH, 2001). Logo, constatou-se pelos dados desta pesquisa, que certo patriarcalismo ainda habita o erotismo dos estudantes da UFMG, visto que 48% acham mais estimulante sexualmente quando a mulher fica na posição ‘de quatro’, posição essa que explicitamente remete à conotação de algo animalesco, a uma analogia inconsciente entre cavaleiro (dominador) e montaria (dominado). É interessante Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 06 | fev 2008

academia – foi pouco apontada como objeto de erotismo, apenas 23% contra 67% de estudantes que apontaram as ‘morenas’ (pardas e mestiças em geral) como as mulheres mais desejadas. Neste item fez-se questão de colocar entre as morenas tiradas da mídia brasileira aqueles exemplos que tipicamente são atribuídos como sendo a típica ‘raça’ brasileira: que fossem a mistura de brancos, negros e índios. Os estudantes que mais escolheram as mulatas e negras foram os de Biológicas, e os que menos escolheram foram os de Humanas. 11


CONCLUSÕES

Segundo o psicanalista e sexólogo Flávio GIKOVATE (2001) somente hoje mulheres e homens estão prontos a viver as experiências libertárias promovidas nos anos 1960; segundo ele, houve um divisor de águas nas últimas três décadas: o ‘ficar’ que os jovens inventaram no final dos anos 80 revolucionou ainda mais o cenário das relações entre os sexos. Além disso, acredita que, apesar dos equívocos, o trabalho de Shere Hite inovou em alguma medida, ao propor a existência do orgasmo clitoriano – e que este não era uma afronta à maturidade sexual feminina, como propusera Freud. Ademais, atualmente vivemos uma exacerbação do exibicionismo, o que é demonstrado pelo surgimento de revistas onde o homem expõe sua nudez e pela eleição de personalidades como Pamela Anderson no Estados Unidos e Suzana Alves (Tiazinha) no Brasil como símbolos sexuais e de beleza. O desejo nunca foi tão suscitado pelos apelos visuais como agora: na televisão, no cinema, nas revistas, na internet. Nesta pesquisa não foi abordado tal fato, mas é permitido deduzí-lo dos dados: o machismo perdeu um antigo sustentáculo – a estereotipada iniciação sexual dos homens. Hoje, ao lado da adolescente que não necessita mais ter vergonha de dizer que não é virgem, temos o rapaz que pode admitir tranqüilamente que é virgem. Ademais, a iniciação se dá com o/a namorado/a, não mais apenas com o marido (no caso da mulher) ou com a prostituta (no caso do homem). Como diz GIKOVATE (2001), “na geração do ficar, meninas e meninos da mesma faixa etária se relacionam trocam carícias, vivem experiências juntos”.

Nos anos 60, com o surgimento da pílula anticoncepcional, as mulheres conseguiram diversas conquistas no campo social e sexual; por outro lado, no final da década de 90 o ganho qualitativo mais significativo aconteceu no universo masculino – de certa forma o feminismo e, principalmente, o movimento gay emancipou o homem heterossexual de muitas convenções antiquadas. Devido a isso vários, ‘mandamentos’ da cartilha machista foram detonados: não poder chorar, pintar os cabelos, usar brincos, abraçar ou beijar amigos, envolvimento afetivo entre pai e filho, recusar cantadas femininas, dizer não ao sexo, etc. Enfim, é lícito se pensar que cada vez mais as gerações seguintes conseguirão perceber que amor é emoção, casamento é instituição social, prazer e desejo são psíquicos e reprodução é biológico. A sociedade capitalista judaico-cristã ideologicamente forjou que essas quatro esferas só podem/ devem andar juntas; entretanto, com o avanço da ciência e principalmente do individualismo as combinações entre emoção, prazer, cultura e biologia estão cada vez mais criativas. Em suma, com relação a um possível perfil geral por área, nada poderia ser dito que não soasse imprudente, visto que em algumas questões certas áreas se mostram mais conservadoras, outras mais liberais em certas práticas. Logo, aquele estereótipo de que os alunos das Exatas e os de Humanas são extremos em termos de perfil moral/sexual cai por terra quando se coligem os dados da pesquisa. Em geral destaca-se sutil conservadorismo, sobretudo no que tange a sexo com pessoa do mesmo sexo, mas certo grau de ‘avanço’ no que concerne a práticas sexuais pouco convencionais, se realizadas com uma parceira.

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

FOGEL, Gerald. Psicologia masculina: novas perspectivas psicanalíticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. FROST, Everett L. Antropologia cultural e social. São Paulo: Cultrix, 1976. GREENHALGH, Laura. “O Sócio do Prazer”. Revista Época. 16/07/2001. pp. 52-55. LIMA, Délcio M. O comportamento sexual do brasileiro. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978. NOGUEIRA, Conceição; NEVES, Sofia. “A Psicologia Feminista e a violência contra as mulheres na intimidade: (re)construção dos espaços terapêuticos”. Psicologia & Sociedade. Vol. 15; n. 2. Porto Alegre; jul/dez 2003. Perfil sócio-econômico e cultural dos alunos de graduação da UFMG. Belo Horizonte: Fundação Universitária Mendes Pimentel, 1997. SIDMAN, M. Tactics of scientific research – evaluating experimental data in Psychology. Boston: Basic BooK, 1988. THIOLLENT, Michel. Crítica metodológica, investigação social e enquete operária. 5a ed. São Paulo: Polis, 1987. VIEIRA, Luciana S. A Sexualidade Feminina e a Mídia Atual. São Paulo: USP – Departamento de Comunicação Social, 1998. (Mimeo – dissertação de Mestrado).

AUTOR

Marcel de Alameida Freitas Antropólogo, Mestre em Psicologia Social, Doutorando em Educação. marleoni@yahoo.com.br 12

Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 06 | fev 2008


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PSICOLOGIA HOSPITALAR

A VIVÊNCIA DE UM SUJEITO SOROPOSITIVO MARCADO PELA FALTA

UM RECORTE NO SEU ATENDIMENTO Viviane Marcon Duarte Psicóloga – CRP 07/08723

Carlos tem vinte e oito anos, é o filho do meio de um casamento que se desfez quando ele contava com dois anos – idade em que foi separado da mãe. Viveu aos cuidados de uma madrasta que lhe mau tratava, inclusive lhe privando de alimentação. O pai teve outra filha deste relacionamento e depois teve uma terceira companheira, que já possuía dois filhos adolescentes. De acordo com Carlos, o pai não se envolvia muito em sua vida. Não tinha voz ativa e nunca se impôs perante as companheiras em sua defesa. Já adolescente, fez uso de maconha, cocaína e álcool de forma contínua até meados do ano 2000, quando tomou a iniciativa de livrar-se do vício. Sofrendo fortes alucinações persecutórias, mudou-se para uma cidade do interior do estado. Passou a morar com o pai, a madrasta e a filha mais nova desta. Desde então, apresentou dificuldades de relacionamento com estas duas. A droga sempre exerceu um papel importante na vida de Carlos, relatando que com seus amigos, que também faziam uso de drogas, sentia-se respeitado e admirado ao contrário do relacionamento que mantinha em família. Na nova cidade, ingressou numa fábrica de móveis como operador de máquinas, permanecendo ali por quase um ano. Foi afastado por motivos de saúde no final do ano 2000 por apresentar infecção aguda nos ouvidos. Medicado, não obteve melhora. Recebeu a indicação para a pesquisa do vírus hiv. Descobriu-se soropositivo. Entrou em desespero e começou a percorrer todos os médicos em busca de sua melhora. Chegou, neste momento, até o setor de atendimento de DST/aids da prefeitura. Afastado da empresa por motivos de saúde, Carlos dedicou-se a estudar sobre o vírus hiv e a aids em si, incluindo sua forma de transmissão, sintomas e tratamento. Angustiado e se dizendo um “portador sintomático”, começou a manifestar

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alguns sintomas que não seriam exclusivos de aids. Sendo encaminhado para tratamento desta doença, recebeu medicação após ser constatada sua baixa quantidade de células CD4 (células de defesa) e elevada Carga Viral. A partir daí, Carlos travou uma luta entre suas defesas e as doenças que poderiam atacá-lo. Passou a participar das sessões de aconselhamento psicológico de forma sistemática. É importante comentar que tal setor presta, entre outras atividades, o serviço de aconselhamento voltado para a aceitação do diagnóstico de hiv reagente e orienta a respeito das possibilidades de tratamento médico e medicamentoso. Com o passar dos encontros, percebeu-se que Carlos tinha uma necessidade além desta, caracterizando-se um atendimento psicológico, com sessões semanais. Passou a compartilhar suas dúvidas, anseios, dificuldades e medos, utilizando-se deste espaço para trazer questões que não se restringiam à sua contaminação. O paciente passou a trazer à terapeuta por volta do terceiro mês de atendimento suas produções escritas. Tratavam-se de textos seus que retratavam, de forma evidente, seu mundo interno. Além destas produções, Carlos também trouxe seu sofrimento com o preconceito da família. A madrasta precipitou-se em buscar o resultado dos exames e contar a notícia aos demais, tratando Carlos como algo contagioso. Ele não teve sua privacidade respeitada, sendo o último a saber da notícia. Estava representando o perigo e não a doença que atacava somente o seu organismo. Foi impedido de usar o mesmo banheiro que o restante da família; não podia sentar-se na mesma cadeira que os demais; pratos, copos e talheres foram identificados como seus. O sujeito foi restringindo-se cada vez mais ao seu próprio quarto, ao seu próprio mundo, ao seu próprio convívio. Quanto a isso, escreveu:

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“Vírus O vírus, Passeia em minhas veias, Tecendo teias como um predador, Eu indefeso, encurralado, Pelos primeiros sintomas de preconceito e incompreensão, Em minha frente um vazio com pegadas no chão, De pessoas que se afastam do toque e do meu aperto de mão. Mesmo todos tendo consciência de que o mal está dentro de mim, E não é com palavras, nem abraços, nem beijos, Que ele vai contaminar e destruir, alguém além de mim. E não há palavras minhas que acabem com o silêncio, E não há espaço que eu encontre que não tenha olhos que me devoram. E não existe lugar que eu não cause desconforto, como sendo imposto, Aceito e ando em círculos conversando e brincando com crianças em outros quintais. Quem não tem pecados, atire o primeiro canivete, Quem não tem paz, que faça a guerra, Quem não tem coração não é digno da vida. Viva teus sonhos, Mas deixe eu me contentar com o meu presente, E não precisa lamentar do teu grau superior, E dos teus diplomas que ainda hão de vir, Pois sei que esta tua sabedoria é inútil, Quando aprende com os livros e se esquece de que é a vida que nos ensina A querer e aprender a conviver com seres humanos, Seja ele sábio ou enfermo, belo ou feio, todos estes seres… Qualquer que seja a cor ou raça, Merecem respeito em suas conquistas e também em suas desgraças, Hoje és um predador, amanhã poderá ser a caça, Acho que não preciso ajoelhar-me para ter tua compreensão e o teu respeito, Acho que não precisamos nos humilhar e aceitar o preconceito. Pois todo ser humano tem deveres e direitos, seja qual for a situação, Se ele se encontra forte, sadio ou fraco e doentio, Todos temos virtudes e não só defeitos, Todos os impérios hoje não passam de ruínas, No mais o destino de todo ser humano é indecifrável, Não cabe nas linhas da palma de nossas mãos”. “28 é (…) E amanhã é outro dia, que Deus me perdoe mas que você não esteja mais aqui, Você não tem ninguém para te proteger, Será que ainda não deu para ver? Que só seremos felizes quando não soubermos mais onde anda você. Eu, Eu sei de tudo isso, não precisa me dizer, É por isso que eu não deixo ninguém me ver, Para escutar o que já estou cansado de saber. (…) Não te chega muito que isto que tu tem é mortal. Tu te acha inteligente demais, Mas pra que serve esta tua inteligência, Se tu não tem nada, nem vai ter, Daqui uns dias vai estar a sete palmos do chão”.

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Após alguns meses, Carlos viajou para a sua terra natal, e resolveu procurar por sua mãe. Comentou sobre o encontro dizendo que ela não manifestou nenhum interesse por ele, parecendo que “ela estava meio fora” (sic). Quando retornou, escreveu a respeito: “Meu caminho e o teu Corri mil mundos antes de voltar ao mesmo lugar, E você a espera só para ter certeza, Que eu ia voltar do mesmo jeito que parti, Apenas muito cansado e desiludido. Então você sorriu, tamanha a tua grandeza, Vendo eu raso, superficial, Você profunda, fora de alcance. Eu metade sendo isto, sendo impossível, Existindo em partes que me sobraram, E uma delas ficou com você. É por isso que vejo você tão profunda e fora de alcance, Eu me equilibrando para não despencar no abismo”. Durante sua estada na cidade, procurou obter informações a respeito das mulheres com quem se relacionou sexualmente, com a intenção de descobrir a origem de sua contaminação. Nada comprova que esta tenha se dado de maneira sexual, uma vez que o paciente compartilhava seringas com outros usuários de drogas que hoje também estão com hiv, doentes ou já falecidos. Pode-se pensar que pelo fato dele não considerar a droga algo ruim, ele desconsiderava a possibilidade de ter se contaminado desta forma. Suas palavras revelam seus sentimentos:

“Julho 1997 Correm os dias Passaram-se anos E a tua imagem agora é Tornou-se nítida Como o reflexo do seu rosto no espelho Que venha logo o outro dia Leves plumas entregues ao sopro do vento O passado está na gaveta empoeirada Que perderam a chave Onde estão guardadas as lembranças e a saudade Até as fotos desbotaram E as coisas deixaram de ter importância Calei-me então, O dia em que teus lábios tocaram os meus E a noite fria de repente aqueceu Quando teu corpo cobriu o meu Manter encontros casuais Em que as palavras não tem importância Os sussurros quebram o silêncio E os movimentos preenchem Todos os espaços sombrios do quarto Até o último suspiro Depois o suor correndo do rosto O cigarro O copo quebrado ao lado da cama Estilhaços de uma noite 16

Em que o vento não carrega E nem o tempo é capaz de apagar As marcas deixadas pelo momento Em que o entorpecimento e a necessidade Proporcionaram o descuido, o descaso Para com o resto dos dias Terminada a noite ela partiu Não deixando nem uma carta Nem um adeus Apenas marcas de batom no rosto E a morte anunciada Deitada a meu lado O batom a água limpou O que ficou oculto só os dias anunciaram Depois de muitos calendários Colocados nas latas de lixo A noite entregue ao passado Chega ao presente viva Trazendo a febre E os amanhãs sem expectativa Então o que fizemos é não esperar mais nada É não procurar encontrar a chave da gaveta E o que vem tarda mas não falha E o que me salva é pouco Mas é como se fosse um milagre E um dia de sol me basta E os canteiros coloridos pela primavera me bastam”. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 06 | fev 2008


Nesta altura da vida de Carlos, a situação familiar ficou insustentável a ponto de mudar-se para outra casa, onde o pai manteria um escritório. Esta mudança foi motivada pela promessa de que o pai o auxiliaria financeiramente, o que não ocorreu. Apresentando boas condições físicas, pareceu que o paciente poderia retomar uma atividade profissional. Porém ele mantinha-se convicto de que não conseguiria. Aspectos de auto-estima interferiam para que Carlos se sentisse incapaz de ser responsável por alguma tarefa. Sentia-se “fraco”. (sic). Percebia-se uma atitude contrária a este padrão: Carlos achava que os grupos que freqüentava, as pessoas com quem conversava e os possíveis chefes não estavam à altura de seu pensamento e não o entenderiam. O mesmo ocorria com os atendimentos médicos. O paciente apresentava-se descrente quanto ao seu tratamento, referindo que nenhum médico estava capacitado a atendê-lo. “O cara não entende nada. Eu é que tenho que dizer pra ele da medicação. Eu vou lá só para pegar a receita, mas eu que digo qual exame tenho que fazer, qual remédio…” (sic). Na relação terapêutica, Carlos repetiu transferencialmente o sentimento de não ser cuidado. Através da dificuldade em manter-se vinculado, percebia-se tal fato. Ao mesmo tempo, desejava manter-se em contato para poder receber algo do tratamento e da terapeuta. Muitas vezes, não pode suportar a espera pelo atendimento, indo embora e telefonando mais tarde para demonstrar sua irritação – ao mesmo tempo em que confirmava o próximo encontro. Assim, projetava nos outros seu sentimento de impotência, mostrando-se onipotente. A sensação da terapeuta era de estar sendo testada, como se ele quisesse ter certeza de que poderia contar com sua ajuda. Manteve-se uma atitude de compreensão, certificando-o de que o aguardaria na sessão seguinte. Em meados de 2001, o paciente trás a notícia de que havia ingressado nos ‘Parceiros Voluntários’, prestando serviços a uma escola infantil. Ocupou-se de uma turma de alunos de sete a onze anos com atividades recreativas e de teatro. De imediato, frustrou-se com a dificuldade de dramatizar das crianças. Aos poucos, foi sentindo o reconhecimento por parte destas, que lhe transmitiam muito carinho e pediam pela sua presença. Sua motivação foi aumentando, o que fez com que se dispusesse a trabalhar de forma efetiva nesta escola. Tal motivação foi sentida também no processo terapêutico, uma vez que o paciente mostrou-se mais vinculado. Pode expor mais seus sentimentos, tornando-se menos defensivo e intelectualizado.

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Suas produções escritas foram diminuindo, dando lugar a uma maior capacidade associativa. Passou a expressar e a dar-se conta de seus conflitos. A elaboração surgiu como uma conseqüência de sua capacidade de insight. Ao mesmo tempo, pode-se perceber um aumento de condutas autodestrutivas. A dor do abandono parece ser insuportável para Carlos e ele talvez atue para não pensar sobre ela, assim como é difícil perceber a iminência de sua morte. O desejo de enfrentar as suas dificuldades aparecem retratadas no verso a seguir. “Espinhos Quero ser grande e não cair, Quero ser forte e não cansar, Quero minhas armas, estou pronto para lutar (…) Não entrego minhas armas, eu continuo a lutar” O texto seguinte revela a consciência do paciente sobre sua doença fatal, que trás consigo o estigma de estar sofrendo por algo que cometeu de errado. Na sua concepção, ele próprio é o responsável pela contaminação com o vírus hiv, sugerindo que buscou uma forma de punir-se pelo não desejo da mãe e assim encontrando uma doença que pusesse fim à sua história. Dessa forma, parece que o desejo de não ter existido é concretizado através da morte real.

“Quase no fim I Estou morrendo aos poucos Gota a gota Como os pingos da chuva Que caem das pétalas Estou morrendo suavemente Nos braços dos dias Que deixaram cicatrizes Impossíveis de curar E meus olhos não refletem O desespero E meu coração não vela o medo Não vejo dias melhores para mim Mas em outros olhos Eu vejo um amontoado de sonhos De outras bocas eu escuto Lindas canções E um sorriso me basta Um dia de sol me basta O resto é desespero e esquecimento”.

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No seu trabalho voluntário, surgiu a oportunidade de ser contratado pela escola. Entretanto, tal contratação não foi levada a diante e Carlos ficou com a impressão de que uma pessoa conhecida havia comentado sobre a sua condição de soropositivo com a direção da escola. Parece que o seu sentimento, neste momento, estava vinculado a suas questões persecutórias. Perdendo o estímulo para o trabalho, abandonou o grupo de Parceiros Voluntários. Deprimiu-se e passou a tomar atitudes de desrespeito para com sua própria vida. Neste período, fez uso de cocaína e maconha em doses altas, alternadas com calmantes. Relata ter ficado três dias “chapado” (sic).

Carlos freqüentou, neste período, aulas do ensino médio mesmo já tendo este concluído. Alegou fazer isso para manter-se em contato com outras pessoas. Relatou envolvimento afetivo com várias mulheres. Chama a atenção o fato de serem curtos e sem grande investimento da sua parte. O último trata-se de uma enfermeira do hospital da cidade, que estava em processo de separação de seu atual marido. Ela o procurava em sua residência e em uma das relações sexuais que mantiveram, Carlos relatou ter usado preservativo mas este rompeu. Foi trabalhado com o paciente a possibilidade de uma contaminação, sendo necessário que a pessoa fosse informada do risco, uma vez que a mulher não sabia que ele se tratava “Tarde Demais de um soropositivo. ‘R’, a principio Do que adiantou tantas palavras minhas, ficou confuso e sentiu-se culpado. Se o que fizeste foi roubar minha identidade, Na sua concepção, ele só teria resAgora clamas por perdão, ponsabilidade de falar da sua infecMeu socorro veio mas é muito tarde. ção (e, logicamente da possibilidade dela também ter se contaminado) Construir um mundo novo em escombros, caso o relacionamento tomasse um É infantilidade de quem nunca construiu nada, rumo mais sério. Sugeriu ter deixaFazer de nosso compromisso um juramento, do para ela a responsabilidade de É doença impossível de ser curada. tomar tal decisão, não agindo de forma a manter o vínculo. Ficou Meu amor, em cada esquina há um sinal, clara a sua dificuldade de assumir a Todo disparo vem de um lugar diferente, relação, repetindo o abandono. Fugimos sem saber para onde vamos, Cerca de três meses após, Carlos E o inimigo está em nosso quintal. procurou a terapeuta, depois de ter se ausentado por quinze dias, para Estas fronteiras não tem pátria, não tem nada, pedir ajuda. Estava com a saúde Tem soldados desarmados sem amadas, abalada, tendo ficado dois dias sem De tanto defenderem e matarem sem propósito, medicação e sem se alimentar, faAndam cansados com o peso das medalhas. zendo uso de bebida alcoólica e outras drogas. Percebeu-se a sua fragiMinha guerra é interior, lidade física com um emagrecimento Luto contra inimigos ocultos, evidente. Relatou uma discussão Que se proliferam em minhas células com seu pai, ficando claro para ele Não firo ninguém, que não poderia contar com a sua E o tempo vai ser o único testemunho de quem vencerá a batalha”. ajuda. Sem condições de prosseguir com a conversa, solicitou que a teraO sofrimento com a ‘descoberta’ do seu abandono sugere ser insuportável peuta “desse um jeito” (sic) de encapara Carlos e isso se torna um peso difícil de ser carregado. minhá-lo para atendimento médico imediato, porque a sua sensação era “Será que não vale mais a pena? de que não suportaria até o dia seAcho a vida não mais tão necessária, guinte. Foi encaminhado ao Pronto Todas as coisas se terminam no todo, Atendimento, onde ficou constatada Não em partes, a necessidade de uma baixa hospiAos poucos ir se perdendo, talar. Carlos perguntou à terapeuta Os sonhos, se essa era a melhor decisão e se iria Os amores, visitá-lo no hospital. Sugeriu estar Os amigos, desejando uma terapeuta/pai que Quanto mais esperamos o trem chegar, as bagagens tornam-se lhe “salvasse” da morte, antes promais pesadas vocada por ele. Do peso do mundo com a leveza de quem nada vai levar na bagagem”.

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A situação trazida pelo paciente gerou na terapeuta um sentimento de impotência e frustração, parecendo que o trabalho terapêutico estava sendo desvalorizado, uma vez que Carlos se deixou abalar fisicamente em função de não estar conseguindo lidar com suas questões internas. Naquele momento, o que ele precisava era de alguém que lhe proporcionasse amparo e afeto para poder recuperarse e então, pensar. Nesta primeira internação, o paciente permaneceu no hospital por dois dias e depois tomou a iniciativa de dispensar auxílio médico. Alegou não ser bem cuidado, por ser um atendimento público. Repetiu o mesmo comportamento quinze dias após: adoecendo, procurando a terapeuta, sendo internado e abandonando o hospital. O próximo contato com a terapeuta foi via telefone para comunicar que estaria indo para sua cidade natal “passar uns tempos” (sic) e que só retornaria ao tratamento após se recuperar fisicamente. Relatou que se tratava de um “suicida fracassado” e que “agora teria que viver” (sic). No escrito, Carlos sugere entender ou conformar-se com o seu viver ao mesmo tempo em que precisa conviver com partes mortas de si. “Quando falo da morte Não é só daquela a sete palmos do chão Mas da morte durante a vida Existir e não criar Existir e destruir Quando falo da morte me sinto uma roseira no inverno”. Assina: R. Letal “Julho II Amanhã existe enquanto bater o coração. A esperança está nas mãos de quem encontra em tantas desilusões, A força para enfrentar todas as guerras, Mesmo sabendo que esta pode ser A sua última batalha.

“Ciclo Nasce uma criança, Sem pai, Sem mãe, Sem direito a um futuro, Nasce morta. Vida que vive sem existir”. “O amor constrói, o amor destrói, o amor amplia, o amor sufoca, o amor suspira, o amor é vida, o amor é morte a todo ser que ele renuncia”. Por mais que tenha feito, a sensação é de que nunca agradou o suficiente para ser querido. “Mãe Mãe, eu não consegui ser artista, nem cantor, faço umas canções de vez em quando que ninguém vai ouvir, e as paredes do quarto silencioso são as únicas testemunhas de quanto elas são belas, belas canções guardadas no quarto escuro para sempre, refrões perdidos, soluços abafados e almas que dançam na penumbra do quarto. Mãe, eu vez em quando faço algumas poesias na esperança de um dia serem lidas por pessoas assim como eu, simples, incompreendidas que amam a vida, mas que não se conformam com o jeito das coisas serem conduzidas, com a mão forte que afaga, mas também machuca, que cultiva mas também destrói. Mãe, eu nunca quis ser grande, nunca quis me expor a tempestades, quanto maior o número de medalhas, maior foi a quantidade de sangue derramado, e o povoado hoje só é calmo porque quem sangrou virou estátua. Um lugar no meio dos canteiros, onde descansam os pombos antes de migrarem para o outro lado do mundo atrás de uma nova estação” 06/2001

O que nos torna indefesos, São nossos medos, Renunciar ao que temos de belo, É querer encontrar nos outros só defeitos, E isto é dar valor demais a nós mesmos”.

A história de Carlos nos remete a pensar como foi seu desenvolvimento emocional primitivo. Segundo Winnicott, uma adequada maternagem inclui que a mãe não proporcione ao bebê frustrações e gratificações excessivas. Isso possibilita um sadio crescimento do self da criança. Pode-se supor que a mãe de Carlos não teOs textos abaixo revelam a dor deixada por uma nha exercido este papel de forma “suficientemente falta. Falta esta que parece impossível de ser pre- boa”, não proporcionando a ele um “holding” adeenchida. O vazio por não ter sido desejado, olhado, quado. As conseqüências deste processo podem ser cuidado. vistas na forma como o paciente maneja sua vida.

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O holding, segundo Winnicott (1960) é uma das formas em que uma mãe pode demonstrar ao bebê o seu amor. Se a mãe de Carlos não pôde sustentá-lo e realizar um bom holding, provavelmente segundo este autor, este paciente passou a desenvolver uma sensação de insegurança sofrendo uma falha da provisão ambiental. Carlos parece ter a sensação de que ninguém conseguiu lhe cuidar. Consulta vários médicos e conclui que nenhum sabia qual o melhor tratamento a lhe dar. Achava que eles lhe tratavam com indiferença. Isso nos faz pensar que ele sugere ter reproduzido o que aconteceu entre ele e sua mãe, onde sentiu que ela não conseguiu obter uma boa compreensão de suas necessidades. Ele passa a lidar com as relação objetais atuais da mesma forma que tem internalizado a sua relação com a mãe. As falhas no cuidado materno, segundo o mesmo autor, resultam no enfraquecimento do ego. Em Carlos, podemos supor uma estrutura de personalidade mais regressiva que nos remete a pensar num ego mais fragilizado. Quanto à dependência química, este sujeito sugere colocar a substância tóxica no lugar de uma relação afetiva. “A adição pode ser expressa em termos de uma regressão ao estádio primitivo no qual os fenômenos transicionais são incontestados”. (Winnicott, [1951] 2000, p.407) Na vivência de Carlos, a droga parece proporcionar a ilusão de ser aceito, valorizado, cuidado. Dessa forma, pode-se entender o porque dele não ver a possibilidade de sua contaminação pelo vírus hiv ter surgido por essa via, bom como de não relacionar o tóxico como algo ruim, destrutivo. Parece que ficou uma falha, uma falta, um vazio, que Carlos até hoje procura preencher com algo… que nunca é alcançado. A dependência química parece vir por aí, onde a droga serve como um objeto transicional. Quando ele começa a se dar conta disso, parece querer fugir porque a dor fica insuportável e então ele volta toda a raiva contra ele próprio, aumentando o uso de drogas. Fica oscilando um comportamento de melhorar, progredir, com outro autodestrutivo. Dá-se conta claramente de que faz isso, mas não reconhece suas próprias forças a ponto de acreditar que pode se salvar. Coloca na terapeuta a função de cuidadora, daquela que se preocupa como a mãe deveria ter se preocupado, passando uma carga muito grande de sentimentos. Deposita tudo nela e espera receber de volta decodificado. Testa isso o tempo todo, pois sugere não sentir que essa ajuda será constante. Certamente que estas características do sujeito influenciam no tratamento psicológico. 20

Trabalhar com o processo da morte seguramente nos reporta à nossa própria morte e às nossas angústias ligadas a ela. No tratamento deste paciente com o vírus hiv, a psicóloga se depara com tal questão: a doença, a morte. Pensando que sua formação foi voltada para a saúde, tal profissional encontra-se ‘ferida’ em sua prática. Este termo foi usado por Carvalho (1996), onde ele coloca que são muitos os que evitam ter contato com tais pacientes justamente pelo contato tão próximo com esta questão. Segundo o mesmo autor, dependendo da estrutura psíquica do profissional, este desenvolverá determinados mecanismos de defesa. Para Pitta (1994) estas defesas podem acarretar na fragmentação da relação profissional/paciente; despersonalizar e negar a importância do indivíduo; criar uma distância e negação dos sentimentos envolvidos na relação, bem como propiciar naquele que atende a tentativa de eliminar decisões ou reduzir o peso de sua responsabilidade. Fazendo uma ligação entre tais questões que são vivenciadas neste trabalho com um aspecto cultural bastante difundido em nossa classe que é a não permissão da expressão de emoções e sentimentos, podemos perceber a importância de estar com tais questões ‘trabalhadas’ pela terapeuta, uma vez que a objetividade é ilusória quando se trata de um paciente tão necessitado de apoio. No tratamento, psicóloga e paciente tiveram que se defrontar com algumas questões carregadas de angústia e também cercadas de tabus do ser humano, sendo que a aids associou sexualidade e morte. Muitas vezes, o sentimento de impotência foi sentido como um desespero diante do inevitável, da impossibilidade de controle da enfermidade física. Esta, que motiva a busca pelo tratamento, trás um paciente tomado pela culpa e pelo desespero e o entendimento é de que ele espera da terapeuta que esta possa dar um sentido a sua sensação de perda total de controle sobre sua vida. Sentiu-se um paciente que voltou a ser uma criança dependente e que busca em terapia um substituto do pai onipotente e onisciente que desejaria ter. Este poder mágico que o ser humano precisa conferir a alguém quando se sente muito desamparado foi sendo deixado de lado conforme o paciente pode recuperar ou redescobrir algumas capacidades psíquicas. Levou-se em conta, também o estigma social relacionado com as formas de contágio da aids. O paciente sugere sentir-se marginalizado e estigmatizado pela sua condição, culpando-se pelo seu estado e pela existência da doença uma vez que ele próprio acredita ter contraído este vírus através de uma ação socialmente condenável para ele. Diante disso, a postura adotada foi de um ‘desejo de saber’ que pode dar conta de uma expectativa social impossível de ser realizada. ManteveRevista de Psicologia ATLASPSICO nº 06 | fev 2008


se uma postura de conter as ansiedades, podendo acolher com sensibilidade e não se transformando num porta-voz da morte. Para tanto, não tratou-se da morte, mas das chances de vida. O objetivo da psicoterapia centrou-se no alívio da dor mental do sujeito, o que significou possibilitar que ele desenvolvesse as condições para reestruturar a sua vida, que foi fortemente abalada pela notícia do hiv. Não negando as conseqüências da aids, a meta baseou-se na redução do stress que possibilitou a Carlos focalizar outras áreas de sua vida que não a doença, como por exemplo o trabalho. Durante todo o tratamento, o paciente sugeriu ter deixado subentendida a questão: “Posso contar com você?”. O papel da terapeuta foi, então, o de servir como um outro que estava ali do seu lado capaz de ressignificar a situação, devolvendo: “Isso não é o fim”. Em alguns momentos, a terapeuta teve de presenciar manifestações de sofrimento físico, a que não está acostumada. Sentiu-se como muito importante estar atenta aos processos contratransferenciais, evitando defender-se com a negação, falso otimismo, superproteção e intelectualização. Na prática, agüentar incertezas, descer da onipotência das interpretações e aceitar inclusive uma proximidade física maior; desenvolver um escuta para perceber as necessidades do outro e tornar-se disponível. Kubler-Ross (1975) considera que, ao tomar conhecimento de ser portador de uma moléstia fatal, o ser humano passa por cinco estágios com relação à sua atitude diante da morte. No primeiro deles, chamado de negação ou isolamento, o paciente nega a sua doença ou a gravidade do seu caso. A negação vem para amortecer o impacto da notícia e possibilita que o paciente se recupere e mobilize outras defesas para encarar o seu diagnóstico. Pode-se pensar, levando-se em conta que as fazes não são estanques, que Carlos por vezes apresentou tal comportamento de negação, evidenciando-se pelo fato de interromper o seu tratamento medicamentoso e também pelas faltas às sessões. Não admitindo o fato de estar doente, a medicação perde o seu sentido. O segundo estágio é marcado pela ira, revolta, inveja e ressentimento. O paciente se pergunta: “Porque eu?”. Para a terapeuta tratou-se de momentos difíceis, pois tais sentimentos voltaram-se também para ela como uma forma de ataque ao vínculo e ao fato de precisar estar recebendo ajuda. A barganha marca o terceiro estágio. Os comportamentos característicos desta fase - quando o sujeito volta-se para promessas dirigidas a Deus em troca de um tempo maior de vida - não foram observadas neste caso. Pode-se supor que isso se deva ao fato dele não utilizar-se da religião como um meio de elaborar seus sentimentos. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 06 | fev 2008

Característica deste paciente, a depressão esteve presente em diversos momentos do tratamento. O mesmo sujeito sugere sofrer com a idéia de afastamento das pessoas e das atribuições que desempenhava. Pode preparar-se para o último estágio, o de aceitação. No caso de Carlos, sugere ser muito difícil o dar-se conta de que nunca esteve ‘ligado’ a outras pessoas (a mãe) e, portanto o afastamento gerado pela enfermidade física agride também o seu psiquismo. ”Quase no fim II Não quero saber dos dias / Que passem as horas Que corram os séculos / Que a tempestade venha Doce como os teus lábios / Que me calaram No dia em que selei minha sorte No dia em que teu corpo cobriu o meu E no abandono dos toques / Na partida antecipada Me deixou a morte / Clara como um cristal Deitada a meu lado / Me arrancando os pedaços No correr dos dias / Que se esvaem das mãos Iguais a grãos de areia / Nós dois na mesma direção Você na beira do precipício Eu, por descuido fui ao teu encontro E o fim nos espera / O resto é arrependimento E lamentos por não ter havido amor”.

BIBLIOGRAFIA

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COMPORTAMENTO

PARES SÓCIO-NORMATIVOS E A E

CONDUTA DESV

Acompanhado os noticiários, saltou-me um pensamento: o problema das condutas juvenis permeadoras da delinqüência vem sendo foco de estudo em diversas áreas da sociedade. E mais! Não são mais aqueles jovens, que por hipótese de segregacionismo social – por exemplo, o que tem baixa escolaridade, menor poder econômico, baixa qualidade de moradia, etc. – é vem manifestar esse tipo de comportamento. É o contrário! São aqueles que têm em todas essas dimensões o antecedente “muito” e supostamente não apresentariam esse tipo de conduta por estarem satisfeito e bem organizado em sua vida. Pelo menos se acreditava nisso. De fato, discutir que esse fenômeno entre os jovens é 22

capaz de compor explicações que podem ir desde a perspectiva genética, sócio-demográfica, personalística a psicossocial vem contribuir muito para a organização desse quebra-cabeça social e humano no qual, também, fazemos parte (Agüero, 1998; Formiga; Teixeira; Curado; Lüdke; Oliveira, 2003; Stoff; Breiling; Maser, 1997). Mas, apesar do imenso investimento teórico e empírico na direção desses estudos, ainda é possível discutir em termos do poder estrutural e funcional de algumas instituições sociais responsáveis pela inibição e controle das condutas juvenis que visam a quebra das normas sociais, por exemplo: a família e a escola. (Sukhodolsky; Colub; Cromwell, 2001; Torrente; Rodriguez, 2000). Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 06 | fev 2008


EXPLICAÇÃO DA

VITANTE

Por um lado – a família – na figura dos pais (pai e mãe), e por outro lado – a escola - na figura do professor; ambos sendo vetor não apenas da educação básica e intelectual, mas, na condição de garantia de que os jovens possam assimilar uma conduta socialmente desejável, não na situação da rigidez comportamental, e sim, na construção de uma consciência e reflexão quanto ao direito e espaço do outro, independente de situação social, raça, credo, etc., bem como, da sanção psicológica e social que sofrerão quando se rompe com o socialmente desejável. Se prestarmos atenção com mais cuidado é possível perceber que essa preocupação não é de hoje. Relembremos nossos pais e avôs em relação a regra posta e vivida fora do alcance de seus olhares; vejam! Não se trata de uma linearidade hierarquizada e dogmaticamente disposta a seguir como condição sine quo non para ser bom cidadão e boa pessoa que respeitem os outros, mas, o fato a que me refiro a formação social e psíquica quanto ao que o outro significa para mim e como agir com ele psicossocial, o que parece ter seus pilares na instituição família e escola. Frente a essa reflexão, lembro-me que Domingues (2002; 192), afirma que a família ainda é “uma forma básica de ajuda mutua e suporte material e emocional, local para nutrir e criar as gerações futuras”; assim, essa instituição tem sido um motivo de questionamento em via de mão dupla, não somente em termos da estabilidade das regras familiares, preservação da saúde física, psíquica e social dos jovens ocorrida na dinâmica administrativa da conduta socialmente desejável, mas também, sobre a percepção preventiva dos fatores de risco que esses jovens possam vir a sofrer tanto na sua relação interpessoal quanto com seus pares de iguais nos eventos psicossociais que os cercam (Alsinet; Pérez; Agulló, 2000). Se pensarmos desta maneira e partindo dessa perspectiva, podemos refletir que a existência de determinadas condutas juvenis tangenciadoras das normas sociais justificadas, por um lado, devido às falhas desenvolvimentistas ocorridas na estrutura e funcionalidade afetiva e comportamental intra-familiar; por outro, a conseqüente estereotipia da espontaneidade ou posse de liberdade que a dinâmica juvenil deve favorecer a esses jovens, que na maioria das vezes se manifestam desordenadas, extravagantes e excessivas, expondo a si mesmo e os outros aos riscos pessoais e sociais. Mas, em nenhum momento, essas condutas são vistas inclusas numa saliência de traços de anti-sociabilidade, sustentada nos processos de desenvolvimentos adquiridos ou inatos, decorrente das fissuras afiliativas da interdependência familiar e escolar, as quais promovem a formação afetiva, cognitiva e comportamental frente aos fenômenos sociais.

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Sendo assim, frente a essa reflexão no parágrafo acima o jovem é colocado a parte da dinâmica psicossocial e sua construção de sentido entre o pensar e agir, buscando definir as ações juvenis, partindo do pressuposto da importância de um agir no limite geracional sobre a adequabilidade do que eles querem fazer e o que seus responsáveis – pais e familiares em geral – aceitam, as quais em certos momentos permitem uma participação dialógica desses pares normativos – isto é, os pais – e em outros momentos, uma atuação rígida e imposta, da que deve mesmo caracterizar a posição e condição de ser pai ou mãe ou até professor (quando esse jovem se encontra na escola). Apesar de se vislumbrar e, cotidianamente, acompanhar as justificativas dos transeuntes quanto ao fracasso da organização e sanção normativa apresentada pela família e escola, ainda assim, é destacável a importância da relação dessas instituições na vida dos jovens. Sendo um período conturbado e de contradição em seu desenvolvimento físico, social e psicológico para esses garotos, a qual pode ocorrer de forma tão explosiva e inconstante, é destacável o valor dado a família e escola, parecendo que não é dissolvido facilmente como os próprios jovens acham que sejam. O seguimento de uma norma socializada internamente entre os membros que a compõem, parece contribuir para o bem-estar e estabilidade sócio-emocional do ambiente familiar e interpessoal de todo o conjunto social, surgindo reflexões pessoais do adulto – antes jovem – dos valores e organizações psicológicas ocorridas na sua família e escola que gostaria de repetir com seus entes queridos e do que pretenderia inibir como condição de proteção para os novos jovens (Bee, 1997; Formiga, 2004a; Outeiral, 1994). Assim, tomando a família como o primeiro grupo na qual a pessoa inclusa, ela parece ser capaz de receber uma formação individual e social promovendo uma internalização, manutenção e transmissão do desenvolvimento moral e valorativo, alicerçando e configurando atitudinalmente do que fazer e como ter ações socialmente aceitas na passagem da adolescência a adultez (Ariés, 1981; Formiga et. all., 2003), justamente, a partir da sua articulação endo e exofamiliar. Da mesma forma, a escola, hipoteticamente, se localiza na vida juvenil como função social em termos da promoção da assimilação e administração de atitudes que permitam condições favoráveis para que o jovem desenvolva, a partir da responsabilidade dessa instituição, condições amplas e complexas quanto ao direito e ordem humana de contato social. Estas dimensões visam o preenchimento de espaços fissurados na organização de ambas as instituições em constante construção, as quais são geradoras de um sistema 24

sócio-cognitivo que possibilitem sanções condutuais negociadoras representadas por eles como construtores das normas a seguirem. Com isso, família e escola além de sistemas dinâmicos, podem ser comparativamente, links sócio-perceptivos para o ajustamento psicológico do jovem com problema. Ao referir-se a essas instituições - a família e a escola – se faz necessário entende-los no seu contexto interno na presença dos pares sócio-normativos. Não se pretende apenas enfatizar o processo de socialização, mas, o grau com que os jovens se sentem semelhantes e mostram-se afetivamente próximos a cada um dos pares em cada instituição - por exemplo, pai, mãe e professor – fato esse que poderá inibir as chamadas condutas desviantes – anti-social e delitiva. A titulo de informação, a conduta anti-social se refere a não conscientização das normas que devem ser respeitadas. Sabe-se da norma de limpeza das ruas ou do respeito com os colegas quanto a certas brincadeiras, porém não são praticadas por alguns deles. Com isso, uma das características dessas condutas é o fato de incomodarem, mas sem causar necessariamente danos físicos a outras pessoas; dizem respeito apenas às travessuras dos jovens ou simplesmente à busca de romper com algumas leis sociais; e a conduta delitiva pode ser concebida como merecedora de punição, capaz de causar danos graves, morais e/ou físicos. (Formiga; Gouveia, 2003). Pensando nisso, foi que pretendi avaliar a relação2 dessas variáveis, fato esse, que realizei com uma amostra de, aproximadamente, 900 jovens de classe média e alta, na cidade de João Pessoa-PB, de escola publica e privada. Diante dessas reflexões destacadas acima, encontrei os seguintes resultados, apresentados na figura abaixo: Vejamos! Se acompanharmos o lado direito da figura, observa-se que as condutas anti-sociais e delitivas apresentam uma relação entre elas, bem como, ocorrendo o mesmo em relação aos pares sócio-normativos – lado esquerdo da figura - onde a afiliação com o pai, mãe e professor estão correlacionados. Qual a reflexão pode se tem com esses resultados? Em relação às condutas desviantes, há uma interdependência entre elas, isto é, a manifestação de uma conduta anti-social, provavelmente, o jovem poderá apresentar uma conduta delitiva. Parece existir uma hierarquia de intensidasde entre essas condutas, sendo assim, a insistência na primeira, influenciará a segunda. Da mesma maneira, é possível pensar em termos da afiliação com os pares sócio-normativos, a afiliação que esses jovens possam ter com cada um desses pares originar-se-á um sistema de identidade, onde eles poderão ser capazes de se mostrar próximo em termo do afeto e condutas, permitindo a manutenção de um fator de proteção para os jovens e seus familiares. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 06 | fev 2008


Com isso, pode-se contemplar, observando a figura acima, uma configuração que organiza a explicação dos pares em relação as variações das condutas desviantes. Nesta representação é revelado que pai, mãe e professor apresentam indicadores estatísticos negativos, revelando que quanto mais próximos desses pares menor a manifestação de cada conduta. Ao considerar esses resultados podemos refletir em termos da possibilidade de uma diminuição do espaço relacional entre família e escola, especialmente, quando se tratar de investir em fatores de proteção do fenômeno da delinqüência capaz de contribuir como mais uma peça nas variáveis explicativas desse fenômeno. Por fim, algo que merece destaque quanto ao mencionado em todo o início do artigo: não se pretende fazer uma apologia ao enrijecimento das normas e verdades únicas entre pais e professores, camuflando-as numa justificativa de que eles têm mais experiência e são os únicos capazes de solucionar os diversos problemas sociais e pessoais. O fato é poder contribuir para solucionar os conflitos inter e intra-geracional, não em termos de condicionar o jovem a expressar uma conduta unilateral, mantida sob uma linha de conformidade a extrema obediência e formação das normas endogrupais de superioridade e direitos rígidos, mas sim, a reflexão na orientação de prioridades valorativas que sejam fundamentais para a explicação dos comportamentos, escolhas e atitudes humanas, salientado como crença duradoura e decorrente das relações intergrupais, seja na família ou escola. Assim, mesmo que esses garotos venham em um determinado momento falhar em suas condutas, tangenciando as normas expressas e apresentadas em seu contrato psicológico nas relações sociais com os pais ou professores alguma anti-sociabilidade é possível que a afiliação com esses pares contribua numa orientação, comunicação empática e dialógica na busca de estratégias educativas de valoração e responsividade ou exigência, bem como, na orientação de valores que fomentem a revisão desses contratos explícitos ou implícitos proposto pela família ou escola (Formiga, 2005a; 2005b). Já que a adesão aos pares tradicionais (exemplo, pai, mãe e professor) poderá ser capaz de uma menor predisposição as condutas anti-sociais e delitivas, justamente, por ser evidente que essas condutas, atualmente, são um reflexo da debilidade dos limites convencionais, podendo ser entendido como a falta de comprometimento com os pares sociais convencionais e suas forças socializadoras, podendo investir em atividades auto-confrontação quanto aos objetivos da formação familiar e escolar em direção de um jovem psicossocialmente saudável.

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REFERÊNCIAS

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AUTOR

NILTON S. FORMIGA (Mestre em psicologia social pela Universidade Federal da Paraíba, onde atualmente leciona). Rua: Herberto Pereira Lucena, n° 255, Bessa; CEP.: 58038-440. João Pessoa/PB E-mail: nsformiga@yahoo.com

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DEPENDÊNCIA QUÍMICA

ORIGEM DA D

PACIENTES ATENDIDOS PELO SERVIÇO INTEGRADO DE SAÚDE

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DROGADIÇÃO

E (SIS) DA UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL (RS) - UNISC

E

ste artigo é um relato de uma pesquisa realizada junto ao Serviço Integrado de Saúde da Universidade de Santa Cruz do Sul (RS) – UNISC, com um grupo de estagiárias de psicologia que atendem entre outros, pacientes drogadictos. O estudo teve como objetivo identificar qual a origem da drogadição dos pacientes atendidos no SIS e qual a percepção das estagiárias em relação aos mesmos. Verificou-se as hipóteses em todos os cinco casos relatados.

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Na sua maioria,

N

os conflitos

estão relacionados

o que diz respeito à drogadição, tem-se o conceito de que a dependência se dá na relação que o indivíduo estabelece com a droga. ZIMERMAN apud LAUFER (1990) pressupõe um sujeito ativo, que busca, usa e perde o controle sobre a substância, tornando-se um drogadicto. Assim, penso que a drogadição envolve o sujeito como um “todo”, por isso não acontece com qualquer indivíduo. Esta pesquisa refere-se a pacientes que trazem à terapia o uso de drogas (lícitas e ilícitas) geralmente prazerosas, ou pelo menos, constituem fonte de identidade, ou de vida ao usuário. Existem muitos estudos relatando a origem da drogadição. Na sua maioria, os conflitos estão relacionados com a desvalorização do pai (AUTORES). Este fato muitas vezes vem acompanhado de vivências traumáticas do drogadicto com seu meio familiar. Além da literatura comprovada sobre o pai desvalorizado, levantou-se a hipótese de que esta dependência também ocorra devido a:

com a desvalorização

do pai.

Conflitos relacionados à desvalorização da mãe. Conflitos relacionados à mãe castradora. Conflitos relacionados a um pai castrador. Condições sócio econômicas. Através deste estudo, com embasamento teórico e de entrevistas com estagiárias de psicologia, delineou-se como se deu a origem da drogadição de pacientes atendidos no Serviço Integrado de Saúde (SIS) da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). O tipo de conflito que o paciente trouxe associado á origem da sua drogadição e o entendimento das estagiárias também foram avaliados.

METODOLOGIA

SUJEITOS DE PESQUISA Quatro estagiárias de psicologia do Serviço Integrado de Saúde (SIS) da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) dispuseram-se espontaneamente a participar da pesquisa.

INSTRUMENTO

Utilizou-se um questionário aberto, composto de duas perguntas, em forma de entrevista. As informações foram gravadas com autorização das estagiárias. 28

PROCEDIMENTOS

Inicialmente solicitou-se a autorização dos supervisores das estagiárias, para que descrevessem o histórico de abuso de drogas de seus pacientes (cinco casos relatados, sendo dois casos atendidos pela mesma estagiária). Previamente ao inicio do estudo, as estagiárias foram informadas que os relatos seriam gravados, transcritos e que poderiam abandonar a pesquisa a qualquer momento.

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Segundo FREUD (1974), a personalidade é resultante do desenvolvimento das estruturas (ego e superego), dos processos de pensamento e da sexualidade. No adulto, o superego sadio reflete-se em um conjunto integrado de valores, na capacidade de aceitar abalos à auto-estima e aceitar limitações sem recorrer à fantasia. Analisando as informações apresentadas pelas estagiárias sobre a drogadição de seus pacientes foi possível perceber que em todos os casos a presença materna é muito forte, muitas vezes até controladora, castradora e superprotetora. Um dos conflitos percebidos pelas estagiárias foi pacientes muito fusionados a mãe. Esses vínculos “cheios de amor” para com seus filhos lembram o Cordão Umbilical, cuja relação Mãe-Filho é muito intensa, onde o pai é excluído. Esta não participação do pai aparece também na anamnese. Pais que não estiveram presentes ao longo da vida de seus filhos, por separação, ou por não assumir este lugar deixando para a esposa ou companheira os cuidados necessários. Os pacientes dirigem-se ao pai pela via da droga, escolhendo um objeto proibido pela sociedade, mas geralmente oferecido pela mesma (muitas vezes através de propagandas de drogas lícitas como cigarro, álcool e medicamentos). Enquanto estudante de psicologia que atua com viés psicanalítico, é importante conhecer e compreender a relação que o sujeito estabelece com a droga e não seu sintoma. O apelo ao pai (a droga) é o pedido de uma interdição. A função do pai para FREUD é a interdição. Assim, o pai é uma função, não importa por quem é exercida. Primeiro a lei, depois o desejo. O pai é aquele que articula a lei. Muitas vezes, como aparece nos relatos das estagiárias, ele falta como presença, ou mesmo presente, ele falha. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 06 | fev 2008


OLIEVENSTEIN et al. (1989), citam que ao se tornar toxicômano, o sujeito passa por uma espécie de transformação: agora ao invés do “prazer” e o “desprazer”, será o “prazer” e a “viagem”, que o levará ao mundo do constrangimento, situação que tem para ele uma função positiva, pois reduz o enorme constrangimento do “não-ser”. O gozo gerado pelas drogas neutralizaria esse sofrimento, mas como se trata de um prazer transitório, a satisfação é passageira. E assim, mais uma vez sobrevém a depressão e a necessidade de se libertar dela. Nos casos relatados, aparece a desvalorização destes pais enquanto Lei, enquanto provedores do Lar (muitas vezes reforçados pelas mães) na questão do respeito, dos limites, ou até

mesmo de um olhar de atenção, sem que, para isso acontecer fosse preciso o filho estar doente ou ter que, mesmo de forma inconsciente, chamar a atenção através do abuso das drogas.

CONSIDERAÇOES FINAIS

A história clínica dos pacientes do Serviço Integrado de Saúde (SIS) permitiu delinear os fatores associados à origem da drogadição. Confirmaramse duas das cinco hipóteses levantadas em todos os casos: pai ausente. Evidenciou-se a pessoa do pai desvalorizado em três dos cinco relatos bem como a presença muito forte de uma mãe castradora, superprotetora.

REFERENCIAS

AULAGNIER, Piera, Os destinos do prazer : alienação, amor, paixão/ tradução, Maria Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau e Maria Clara Pellegrino. Rio de Janeiro: Imago, 1985. BADINTER, Elisabeth, apud Eduardo Steindorf Saraiva (1998), XY : sobre a identidade masculina. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1993. CONTE, Marta, A clínica psicanalística com toxicômanos : o “corte & costura” no enquadre institucional. Santa Cruz do Sul : EDUNISC, 2003. DOLTO, Françoise. Prefácio do livro de Maud Mannoni: A Primeira Entrevista em Psicanálise. Ed Campus – Tradução Roberto Cortes Lacerda, (1980). EDWARDS, Griffith; DARE, Christopher. Psicoterapia e tratamento de Adições. Trad: Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. FREUD, Sigmund, Além do princípio de prazer. Rio de Janeiro : Imago, 1998. ______, Obras psicológicas completas de Sigmund Freud / comentários e notas de James Strachey ; prefácio e colaboração de Anna Freud ; tradução Christiano Monteiro Oiticica...[et al.]. Rio de Janeiro : Imago, 1974. ______, Obras psicológicas completas de Sigmund Freud / comentários e notas de James Strachey ; prefácio e colaboração de Anna Freud ; tradução Jayme Salomão... [et al.]. Rio de Janeiro: Imago, 1970. GARCIA, Edna Linhares, A problemática paterna na potencialidade polimorfa. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2001. MEAD, Margaret, Sexo e temperamento / tradução Rosa Krausz. 4. ed. São Paulo : Perspectiva, 1999. OLIEVENSTEIN, Claude...e [et al.]. A Clínica do Toxicômano – A Falta da Falta – Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. 138p ROUDINESCO, Elisabeth, Por que a psicanálise? /tradução, Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2000. ______, A família em desordem / tradução André Telles. Rio de Janeiro: J. Zahar,2003 SARAIVA, Eduardo Steindorf, Paternidade e masculinidade: tradição, herança e reivenção. Porto Alegre: UFRGS, 1998. VIOLANTE, Maria Lucia V., A criança mal-amada: estudo sobre a potencialidade melancólica, 2. ed. Petrópolis : Vozes, 1995. ZIMERMAN, E. David; OSÓRIO, L.C. Como Trabalhamos com Grupos, Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. http://www.adroga.casadia.org/abuso/06_altercoes.html

AUTOR

Aline Rubin Acadêmica/Estagiária de Psicologia da UNISC Edna Linhares Garcia Professora/Supervisora acadêmica de Estagio Integrado em Psicanálise da UNISC Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC/RS

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PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL PSICOPEDAGOGIA

a multiterapia tratando os DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM A Multiterapia aplicada no tratamento dos distúrbios de aprendizagem acaba trazendo um resultado surpreendente por que vai muito além da Psicopedagogia pura e simples. A Psicopedagogia é limitada e só consegue tratar os distúrbios pelos lados psicológico e pedagógico, aplicando jogos, reeducação em nível de alfabetização ou realfabetização e técnicas limitadas que, sem dúvida, resolvem o caso em nível psicológico e pedagógico, mas apresenta, no mínimo, dois inconvenientes. Primeiro por justamente tratar apenas os fatores psicológico e pedagógico, ignorando outros fatores tão ou mais importantes como o orgânico/físico, energético, entre outros. Segundo por que os tratamentos costumam ser muito longos pelas idéias equivocadas dos seus profissionais como, por exemplo, a de que a dislexia não tem cura, o que traz conseqüências danosas à vida dos desavisados disléxicos. Acaba sendo normal exigir-se, por exemplo, que as provas sejam feitas na prática e não na teoria, alegando que os disléxicos têm uma dificuldade efetiva de linguagem escrita. Digo claramente que esse é o mais absurdo equívoco e, se precisar insistir, posso dizer que é uma mentira deslavada. Primeiro por que não há apenas um tipo de dislexia. Existe somente um tipo que é irreversível, os outros têm grandes possibilidades de reversão. O que torna esse distúrbio tão “incurável” são os métodos obsoletos e a forma deturpada como se publicam resultados de pesquisas, livros e, conseqüentemente, os tratamentos disponibilizados. Outro ponto que precisa ser elucidado é que nem tudo é dislexia. Existem muitos distúrbios que parecem ser dislexia, mas analisados a fundo, mostram-se com outras características e classificação. Em muitos casos, o individuo que passa por um tratamento errado de dislexia, pode, apresentar outro distúrbio parecido, mas que exige um tratamento diferente daquele aplicado à dislexia, por 34

isso mesmo, não apresenta bons resultados, por que, simplesmente, não deveria ser tratado como disléxico. Para detectar isso, ou seja, para diferenciar um distúrbio de outro, só mesmo com muita prática e sensibilidade por parte do Terapeuta, que pode utilizar a Multiterapia no tratamento não só da dislexia, mas também de outros tantos distúrbios de aprendizagem. Após um correto diagnóstico, analisa-se o melhor método para tratar o individuo. Esse método pode ser o combinado ou o multiterápico, mas seja qual for, devo frisar que deverá ser aplicado somente neste individuo, daí o sucesso do tratamento. Dificilmente, duas pessoas passarão pelo mesmo tratamento, mesmo que apresentem os mesmos sintomas. A Multiterapia é, sem dúvida, a forma mais completa para tratar não só os distúrbios de aprendizagem, mas os de comportamento. E, se bem aplicada, torna-se muito eficaz. È importante destacar que a Multiterapia é eficaz no tratamento sem medicamentos. Se levarmos em conta os tratamentos medicamentosos, esbarraremos em eficácia versus efeitos colaterais e isso não se compara a nenhuma terapia. Neste caso, a Multiterapia pode ser utilizada em paralelo, nunca em substituição, já que alguns casos não tem mesmo resposta sem medicamentos. Para entender melhor sobre multiterapia eu recomendo o livro: “Distúrbios de aprendizagem/ comportamento (verdades que ninguém publicou)”, que relata os principais distúrbios de aprendizagem e de comportamento, mostrando sintomas e tratamentos adequados a cada AUTORA: Lou de Oliver um deles, en- Psicopedagoga e Terapeuta tre outras in- CRT: 36587 | RCE: 486/6 formações. dralou@loudeolivier.com.br www.loudeolivier.com.br Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 06 | fev 2008


PSICOLOGIA E TECNOLOGIA

autor desconhecido

E

u não sei quem é o autor dessa charge, de qualquer forma gostei e acredito que esse desenho representa, ilustra muito bem os vícios contemporâneos. Impossível é viver sem computador nos dias de hoje, seja para o trabalho, ou quando chegamos em casa e verificamos e-mails pessoais, ou nos tempos de folga muitos vão para a frente do computador se divertir, principalmente o pessoal que gosta de jogar, ficar nas salas de bate-papo, verificar recados no orkut, etc. Não ter um e-mail nos dias de hoje é quase mesma coisa que não ter um CPF ou RG. No mundo virtual e nos negócios, e-mail é imprescindível. O problema ou o stresse tecnológico se instala quando a pessoa sai do trabalho e chega em casa, liga o computador, e lá tem um e-mail para

você, com trabalho extra. Existe algo mais aversivo e mais estressante? Tão necessário quando se ter um e-mail, a pessoa precisa aprender a estabelecer horários de verificar e responder aos e-mails para que não tome muito tempo e evitar abri-los todo instante. As pessoas que adoram jogar online, ficar nos chats por longas horas ou navegar na internet também devem tomar cuidado com horários demasiados. Estabeleça horários para usar o computador. Bill Gates, fundador da Microsoft em 1975, permite sua filha usar o computador por apenas 45 minutos nos dias de semana e 1 hora nos finais de semana. Segundo IBOPE/NetRatings1, em dezembro de 2007, o Brasil continua na liderança de tempo médio de navegação na internet com 22h59min, entre os 21,4 milhões de internautas residenciais.

REFERÊNCIAS 1 Brasil registra 21,4 milhões de internautas residenciais em dezembro [18/01/2008] http://www.itweb.com.br/noticias/index.asp?cod=44939 www.atlaspsico.com.br AUTOR Márcio Roberto Regis | CRP 08/10156 Psicólogo especialista em Clínica Compotamental pela Universidade Tuiuti do Paraná Editor-chefe da Revista ATLASPSICO. Curitiba/PR www.atlaspsico.com.br | atlaspsico@atlaspsico.com.br

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VÍCIOS TECNOLÓGICOS

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