Revista_ATLASPSICO_10

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ATLASPSICO

TECNOLOGIA Dossiê da Tecnologia II Celular da câncer?

NEUROPSICOLOGIA A ansiedade na doença crônica

PSICOLOGIA INFANTIL

NÚMERO 10 | OUTUBRO 2008

Photo by Cyrus Lopes on Unsplash

A Revista do psicólogo

As crianças aprendem o que vivem

PSICOSSOMÁTICA O Ser em Si - II

ALUNOS-PROBLEMAS

E AS DISCIPLINAS


EXPEDIENTE REVISTA ATLASPSICO EDIÇÃO DE OUTUBRO 2008 Brasil – Curitiba – Paraná EDITOR-CHEFE Psicólogo Márcio Roberto Regis (CRP 08/10156) AGRADECIMENTOS AOS PROFISSIONAIS COLABORADORES... Carmem Rodrigues da Costa (Psicóloga) Suelen Trevisan (Jornalista UFPR) Rodrigo Batista (Jornalista UFPR) Josiéte Trentini Stocco (Psicóloga) Caroline Santos de Souza Nascimento (Psicóloga) Ana Paula da Silva (Psicóloga) Suzana Blanco (Acadêmica de Psicologia da Unicsul) Loester S. Ribeiro (Professor e Psiquiatra da Unicsul) Marcus Antonio Britto de Fleury Junior (Psicólogo) Raquel Ferreira (Jornalista Gazeta Digital) Sergio Gomes da Silva (Psicólogo/Psicanalista) Márcio Roberto Regis (Psicólogo) ARTE E DIAGRAMAÇÃO Márcio Roberto Regis Foto capa: Photo by Cyrus Lopes on Unsplash SEJA UM COLABORADOR PARA A PRÓXIMA EDIÇÃO Encaminhe seu artigo para o email editorial@atlaspsico.com.br

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A Revista do Psicólogo

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A Revista do Psicólogo

ATLASPSICO

ÍNDICE

número 10 | outubro 2008

MATÉRIA DE CAPA

Alunos-Problemas e as disciplinas: 3 estudos de caso

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PSICANÁLISE

TECNOLOGIA

Dossiê da Tecnologia: Celular dá câncer?

Ética Profissional em Psicologia: sobre a Resolução 01/99

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PSICOSSOMÁTICA II O Ser em Si - 2ª parte

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CIBERCULTURA

Parceiros “dando sopa“ na internet

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PSICOLOGIA INFANTIL As crianças aprendem o que vivem

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NEUROPSICOLOGIA A ansiedade na doença crônica

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COLUNA

Ciberbullying A ameaça viral às Instituições de Ensino

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EDITORIAL Caros Leitores e Colaboradores, Chegamos na edição n.10 com muito êxito graças ao empenho na colaboração de cada um de Vocês! Fico satisfeito com o sucesso da revista ATLASPSICO e com sua qualidade na cientificidade aqui produzida! Para mim, motivo de grande satisfação e orgulho! Obrigado! Nesse número o tema de capa é “Alunos-Problemas e as disciplinas”. Um artigo da Psicóloga Escolar Carmem Rodrigues da Costa, de Curitiba. O conteúdo de sua produção traz consigo três estudos de caso supervisionados e/ou vivenciados em intervenções acadêmicas pela Universidade Tuiuti do Paraná. Trazemos também a segunda e última parte da matéria “Dossiê da Tecnologia” publicado originalmente no Jornal UFPR e o penúltimo capítulo do artigo “O Ser em Si”, do autor Marcus Antônio Britto de Fleury Junior. Por fim, a revista ATLASPSICO está com um conteúdo bem diversificado, abordando assuntos relacionados à Psicanálise, Neuropsicologia, Psicologia Infantil, Tecnologia e Cibercultura. Caros Colaboradores, mais uma vez, agradeço do fundo do coração pela colaboração de cada um de Vocês! Contarei com sua participação nas próximas edições. Boa leitura! Márcio Roberto Regis | CRP 08/10156 Psicólogo e editor ATLASPSICO

COLABORADORES ATLASPSICO Interessados em colaborar com artigos científicos à Revista ATLASPSICO, devem encaminhar o documento em anexo para o email editorial@atlaspsico.com.br Todos os trabalhos serão muito bem-vindos e valorizados! Obrigado à todos os Autores pela colaboração e pela ajuda em manter a qualidade ímpar desta revista! Equipe ATLASPSICO

VOCÊ TAMBÉM PODE PARTICIPAR DA PRÓXIMA EDIÇÃO Sabia que você também pode participar da nossa próxima edições da Revista de Psicologia ATLASPSICO? Independente de fazer parte da área Psi você pode colaborar com artigos que abordem temas sobre QUALIDADE DE VIDA. Fisioterapeutas, Antropólogos, Sociólogos, Arquitetos, Professores, Médicos, Pedagogos, Advogados, entre outros. O que você anda produzindo para melhorar a qualidade de vida da sua comunidade? Essa revista também é sua, portanto, contamos com sua contribuição através do envio de assuntos relacionados à qualidade de vida. Faça parte dessa equipe! Interessados em colaborar com artigos científicos à Revista ATLASPSICO, devem encaminhar o documento em anexo para o email editorial@atlaspsico.com.br


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MATÉRIA DE CAPA

ALUNOS-PROBLEMAS

E AS DISCIPLINAS por Carmem Rodrigues da Costa

A luta sem trégua pela causa da educação pública como única via de universalização da educação, o compromisso com a dignidade e com a qualidade do trabalho, o investimento numa pedagogia política com vistas à construção da ação histórica dos professores, são preocupações que sempre perpassaram minha vida e que, apesar de tantas derrotas, em todas as frentes, apesar do ceticismo provocado pela resistência das duras realidades dos dias de nossa geração, neste final de século e de milênio, impregnam profundamente minhas entranhas. (Prefácio de Antonio J. Severino, In VASCONCELLOS, 1998)

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preocupação, o desespero, ou melhor, numa instituição valorizada como aquela. A cada A a desesperança, o exacerbado idealismo investida da “autoridade” (revestida de professor, envolto da crença incessante no potencial auto- orientador, psicólogo ou diretor) o aluno reservava realizador do ser humano, ainda é capaz de mover muitos profissionais a buscarem compreender melhor suas experiências, principalmente àquelas onde não alcançaram total êxito. A partir deste capítulo, as referências terão como base casos vivenciados, ou supervisionados, em projetos de pesquisa e intervenção, implementados por acadêmicos do curso de Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná, nos anos de 1997, 1998 e 1999.

CASO J – PRIMEIRA EXPERIÊNCIA Esta luta iniciou-se ainda enquanto estudante do curso de Psicologia e estagiária do Ginásio Israelita-Brasileiro Scholem Aleijem, instituição particular de ensino, situada no bairro Bom Retiro no município de São Paulo, que contemplava no final da década de setenta propostas progressistas de implementação dos processos de ensino e aprendizagem, pois formalizava-se num momento político ditatorial, repressivo, mas que contava com uma clientela predominantemente oposicionista ao regime militar instituído na sociedade brasileira à mais de uma década. As reformas educacionais que implementaram o tecnicismo não tiveram penetração nas práticas educativas implementadas neste estabelecimento de ensino, que contava com um corpo técnicopedagógico, formado por pedagogos e psicólogos, professores com formação em áreas específicas, mas não especializados nestas, advindos da USP e PUC–SP, que comprometiam-se com o ensino libertário, auto-gestionário. Esta realidade progressista não escamoteou o fracasso de alguns educandos que resistiam a executar sem grandes dificuldades as determinações instituídas pelas normas do estabelecimento, negligenciando suas responsabilidades, afrontando os profissionais, e desnorteando muitas vezes propostas inovadoras e seus autores. Um dos casos mais relevantes neste ambiente refere-se a um pré-adolescente que possuía uma condição sócio-econômica inferior à maioria, filho do motorista da escola, e que todos concebiam que o mesmo deveria ser dócil e gentil em sinal de agradecimento pela oportunidade de poder estudar

uma ação pior. No início, alguns tentavam entendêlo, assessorados pelo Serviço de Psicologia Escolar, mas em vão. Após um ano letivo inteiro de lutas e só derrotas, a escola e seus profissionais, desistiram de entender as causas do fenômeno, assim como fecharam as portas físicas e emocionais para esta “pseudo criatura”. Referendado pelo referencial teórico, percebese que as práticas desenvolvidas por instituições de educação escolar, mesmo quando progressista, de resistência, podem não contemplar a reflexão sobre os valores subjacentes ao compromisso ideológico com os interesses das chamadas camadas populares, pois a forma como nós, seres humanos, escolhemos e implementamos para comunicar nossos descontentamentos, são múltiplas, e muitas vezes, querem apenas frisar que a diferença existe e é praticada, sentida, medida, assimilada por todos, principalmente por pessoas possuidoras de adjetivos desqualificantes, como ser despossuído, num ambiente de possuidores; ser negro, num ambiente de claros; ser gordo, num ambiente de magros; enfim, ser a negação do status quo.

CASO M. – O DESPERTAR Outro exemplo de processo de rejeição a educandos com problemas de comportamento, foi vivenciado numa escola pública da rede estadual de educação, no município de Curitiba. Trata-se de uma instituição de educação escolar que oferta o segundo ciclo do ensino fundamental (5ª à 8ª séries) nos turnos matutino e vespertino, e que foi criada para ser o estabelecimento modelo da prática da Tendência Tecnicista, pois até 1997, ofertava em seu currículo uma variedade de disciplinas da parte diversificada, tais como: Técnicas Industriais, Propaganda e Vitrinismo, Técnicas Agrícolas, Cerâmica, Indústrias Caseiras, etc. Os professores, em sua maioria, eram formados em cursos de educação superior, mas nem todos em sua área específica de atuação. Por exemplo, uma professora de Português era advogada, o professor de Técnicas Industriais, era teólogo, o de Educação física era ex-jogador do Coritiba Futebol

O CLIMA DA ESCOLA ERA RÍGIDO, COM U NESTE AMBIENTE, SÓ SURGIA 8

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Clube, alcoólatra (folclórico, pois segundo os alunos, mantinha em um dos armários do vestiário masculino, uma garrafa de aguardente), etc. O clima da escola era rígido, com uma direção bastante autoritária, impossibilitando quaisquer atividades extracurriculares, como passeios, apresentação de trabalhos em murais ou nos pátios da escola, o que descontentava alguns professores e alunos. Neste ambiente, só surgiam problemas, revoltas e enfrentamentos hostis por parte do corpo docente e discente. Os professores estavam sempre indispostos e intolerantes, predispostos apenas a entrar em sala de aula, encontrar a turma sentada, quieta, ouvinte e passiva. Ao menor sinal de desordem, retiravam alunos de sala, encaminhavamno à direção ou ao Setor de orientação educacional, expondo-o a situações vexatórias, pois muitas vezes os desqualificavam na frente de todos. A distância entre o pavimento das salas de aula e o da administração era de mais ou menos uns 300 metros, o que levava o educando, depois de muitas exclusões de sala, a não chegar até o destino previsto pelo professor, permanecendo muitas vezes no banheiro (destruindo-o), na horta (destruindo-a) ou “escondido” em outros espaços, a fim de “aproveitar melhor o seu tempo”, sem ser molestado verbalmente por ninguém. O que professores e profissionais não percebiam é que estes educandos ficavam cada vez mais em evidência, tornando-se lideranças negativas e positivas aos olhos de todos. Negativas, para aqueles que assumiam como corretas e necessárias as normas instituídas de boa conduta; e positivas, para aqueles que não concordavam com alguns aspectos destas mesmas normas, ou muitas vezes das posturas implementadas pelos reguladores, juizes ou normalizadores da escola. Para resistirem aos processos de “perseguição”, assim denominados por eles, e já assumindo as desqualidades instituídas pelos adultos da escola, cada vez mais propunham-se a “perturbar a ordem” no interior da escola, chegando muitas vezes a freqüentarem aulas alcoolizados, ou levarem bebidas alcoólicas para suas dependências, agredirem física e/ou verbalmente professores e diretor. Um destes alunos possuía uma deficiência física que o impedia de praticar educação física. Possuidor de habilidades artísticas, e de capacidades cognitivas superior à grande maioria, era super ativo, não

conseguindo permanecer muito tempo concentrado em tarefas repetitivas e sem significado imediato. Era muito crítico, e articulava muito bem seus argumentos, quando questionava a importância de determinados procedimentos ou conteúdos aos professores. O processo de rejeição teve seu início quando M. ingressou na Quinta série, e seu professor de Educação Física, não aceitou as explicações maternas para justificar a dispensa do educando de desenvolver atividades físicas em suas aulas, pois o adolescente portava um processo de formação de bolhas na planta de seus pés, que o impedia muitas vezes de se locomover, e que desde bebê era objeto de estudo de especialistas da medicina em todo o Brasil. Como era alvo de reclamações de todos os professores por suas posturas inquietadoras e inquiridoras, logo tornou-se o alvo principal das lamentações dos professores e a liderança negativa e positiva (a VÁLVULA DE ESCAPE) dos alunos. Quanto mais era repreendido, era castigado, mais aprontava. Começou a fumar, a beber, a trazer bebidas e cigarros para a escola, e nas Sexta e sétima séries, o educando já estava envolvido com drogas, e já defendia abertamente a legalização da maconha, na sala de aula. Em 1997, foi necessário chamar o Corpo de Bombeiros para retirá-los, M. e mais dois alunos, do alto da Caixa D’água (numa altura de quase 15 metros), onde estavam fumando um “baseado” na hora do recreio, o que mobilizou a escola inteira para assisti-lo em uma de suas últimas apresentações, uma vez que a partir daí, o Conselho Escolar, proibiu terminantemente o aluno-problema a freqüentar as dependências da escola. Tentou-se diversas vezes intervir neste processo. Contemporizou-se a tolerância e flexibilidade dos professores, principalmente do de Ed. Física, para aceitar que M. permanecesse assistindo suas aulas sem praticar exercícios, ou executando trabalhos teóricos sobre as atividades propostas por ele para a turma, o que era aceito na presença da responsável pelo garoto, mas quando da efetivação das propostas, qualquer dificuldade, ou questionamento do discente, motivava o docente a voltar atrás e não proporcionar a inclusão do mesmo em sua disciplina. A mãe de M. era membro da Associação de Pais e Mestres da escola, e representante desta no

UMA DIREÇÃO BASTANTE AUTORITÁRIA. AM PROBLEMAS, REVOLTAS... Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 10 | outubro 2008

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Conselho Escolar, o que levava os profissionais da escola, a buscarem sempre uma postura mais branda, tentando por diversas vezes, conciliar as situações, envidando esforços múltiplos para auxiliar docentes, educando e família a permanecerem unidos no propósito de garantir o preceito constitucional de acesso e permanência na escola do referido brasileiro. Foi criada uma comissão de pais e professores, para cursarem junto ao CONEN (Conselho Estadual de Entorpecentes), um programa por ele mantido denominado “AMOR EXIGENTE”. Com a aposentadoria do professor de Educação Física, assumiu as aulas da turma de M, uma profissional com muita sensibilidade, que fez parte da comissão e que conseguiu um vínculo muito positivo com o mesmo, o que favoreceu e muito sua permanência por mais um ano (1997). O Serviço de Orientação Educacional, através de aconselhamentos, conseguiu encaminhar de início M, e depois seus pais, a processos psicoterápicos, vencendo a resistência principalmente de seu pai que não aceitava de forma alguma a possibilidade de ser convidado a comparecer na escola, alcançando também o acompanhamento e melhorando a compreensão sobre o que levava este ser humano a resistir tanto. Neste processo, já com grande vínculo com o SOE (Serviço de Orientação Educacional), M. se propõe a aceitar que a profissional responsável pelo setor assuma perante a escola, as responsabilidades cabíveis de seus atos, levando-o sempre a corrigi-los quando danificasse ou denegrisse algo ou alguém. Em contato freqüente, quer com o SOE, ou com a titular de Educação Física, além do processo psicoterapêutico em ação, M. começou a buscar respostas à antigas questões que o atormentavam, principalmente àquelas que o faziam ser diferente física (estatura e cor), e comportamental (padrão de conduta, posturas, etc.) de seu casal de irmãos mais velhos. O irmão mais velho, era ex-aluno da escola, e sempre foi admirado por todos os seus professores, o que sempre remetia estes mesmos professores a tecer considerações comparativas e depreciativas sobre os dois, o que revoltava muito M. A irmã e a mãe eram mais companheiras e solidárias, no interior da família, mas os dois homens, pai e irmão, eram carrascos, tal qual seus professores o eram muitas vezes.

Nesta busca, M descobriu que a diferença decorria devido ao fato de não ser filho natural daquele pai, e sim ser resultado de um envolvimento que sua mãe tivera no passado, quando ocorreu um processo de separação conjugal de seu pai adotivo. Decepcionada, sua mãe resolveu reatar com o marido, que a aceitou. M descobriu que sua mãe engravidara, e que ele era filho desta passagem, e resolveu procurar seu verdadeiro pai, o que magoou mais ainda os homens da família. Assim, percebe-se que por todos os lados, em determinado momento, M cercava-se de conflitos, de incompreensões próprias e de outrem, e como válvula de escape, soltava nos ambientes onde poderia ser atendido, ou obter respaldo positivo ou negativo. Neste ano, 2000, obteve-se a informação que M., já com seus 17 anos, não conseguiu dar continuidade a sua escolarização, mantendo-se ainda na sétima série, tentando cursos supletivos para alcançar a terminalidade do ensino fundamental. Já saiu de casa, morou com uma namorada mais velha, mas depois retornou. Trabalha, mas ainda não alcançou soluções para boa parte de seus problemas, pois se auto-desacredita, assim como não investe sua energia emocional ou física em quaisquer processos que possam vir favorecê-lo em sua caminhada pessoal. Segundo Aberastury & Knobel (1992), “entrar no mundo do adulto – desejado e temido – significa para o adolescente a perda definitiva de sua condição de criança.” As mudanças psicológicas que ocorrem neste período, e que são a correlação de mudanças corporais, levam a uma nova relação com os pais e com o mundo. Isto só é possível, quando se elabora, lenta e dolorosamente, o luto pelo sepultamento dos processos infantis, pela identidade infantil e pela forma dependente e imatura de relacionamento com os pais. Estes processos foram e são vivenciados de diferentes formas por adolescentes de todo o mundo. Percebendo M. e tantos outros mais, possuidores de problemáticas e histórias similares, verifica-se a incidência maior de alunos-problemas a partir da puberdade, ou melhor, quando estes já possuem em seu repertório, instrumentos capazes de promover o enfrentamento mais eficaz a seus adversários, principalmente os adultos. Por sua vez, os adultos se agarram a um mundo de valores que, com triste freqüência, é o produto de

“entrar no mundo do adu significa para o adolescente a perda d 10

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um fracasso interno e de um refúgio em conquistas típicas de nossa sociedade alienada. O adolescente defende seus valores e despreza os que os adultos querem lhe impor; ainda mais, sente-os como uma armadilha da qual necessita escapar. O desprezo que o adolescente demonstra frente às investidas dos adultos, é também um juízo de valor que deve ser respeitado, uma vez que a desidealização das figuras parentais o afunda no mais profundo desamparo. Sua hostilidade frente aos pais e ao mundo em geral, se manifesta na sua desconfiança, na idéia de não ser compreendido, na sua rejeição à realidade. Situações estas que podem ser ratificadas, ou não, pela própria realidade.

CASO P. – CONSOLIDAÇÃO DO TEMA TIBA (1986), em seu livro Puberdade e Adolescência, diz que: não menos importante é a socialização comunitária da qual, sem dúvida, a escola é a maior responsável. Atualmente as crianças estão freqüentando as escolas com a mais tenra idade. Há até a superposição das socializações familiar e comunitária. Fora de casa as crianças recebem informações e participam de muitas atividades diferentes das domiciliares. Quanto maior o desenvolvimento dos papéis sociais, mais as crianças se soltam dos pais, tendo seus próprios amigos, suas festas, suas atividades de fim de semana. Para a família, são novas as opções que surgem para a vida. Se as crianças cumprem somente os programas propostos pelos pais, algo não deve estar bem. Se elas só querem fazer os seus programas, nunca levando em consideração os interesses dos pais, algum sofrimento deve estar havendo. Uma referência importante, que pode ressaltar as proposições defendidas pelos autores citados, ocorreu no ano letivo de 1998, numa instituição pública de educação escolar, da rede estadual de ensino, no município de Curitiba. A Escola Estadual São Braz, iniciou a implantação das quatro séries finais do ensino fundamental no ano de 1997, pois até o ano anterior e por mais de trinta anos, atendia somente a demanda do bairro no que tange ao ensino pré-escolar e às séries iniciais do ensino fundamental (1ª à 4ª séries). Tratava-se, até então, de uma escola pequena, dois pavimento separados construídos em madeira, e que sofreu uma reforma

radical, transformando-se num prédio de dois andares, de alvenaria, contendo 12 salas de aulas e demais dependências, que ocupa quase todo o terreno, restando pouca área livre. Foi neste espaço que P ingressou já com idade avançada (13 anos),para a terceira série. A sua quarta série foi de muita luta para todos: professores, alunos, funcionários e familiares em geral. Ele não conseguia permanecer sentado em sua carteira, caminhando pela sala de aula, provocando e/ou agredindo verbal e fisicamente seus colegas, o que revoltava a todos. Sua professora, já no final do primeiro mês, o excluíra quase todos os dias de sala, o que o levou a ser infreqüente. Com a intervenção do SOE, que contatou sua família para que o mesmo retornasse, uma vez que é esta a obrigação do setor, a professora foi incisiva em afirmar que este não permaneceria sob sua responsabilidade, exigindo que o trocasse de turma. Em contato com o menino, foi-lhe exposto o problema, e ele sentindo-se mais rejeitado, percebeu que teria que modificar-se. Foi então que se aventou a possibilidade dele escolher uma outra professora e turma (já que a escola possuía mais três), para que este se inserisse. A escolha dele foi por uma professora que já havia trabalhado com ele no ano anterior, mas que ao saber desta possibilidade, negou-se de imediato. Através da mediação do SOE e da Direção que se propuseram a auxiliar em todos os sentidos, ela propôs-se a experimentar por uma semana a troca. Já no terceiro dia, P fora excluído de sala por ter agredido e ferido um colega na sala de aula, o que fêz sua professora preferida desistir da experiência. Enquanto isso, era desenvolvido junto à outra professora (Prof. W. da turma D), um processo de aproximação entre esta, que era formada em pedagogia e vizinha deste, e P. Esta conhecia toda a sua história, desde que nasceu, e todos os comprometimentos de sua vida fora da escola. Foi então que consegui-se sua inserção nesta turma, e então preparado com a professora e demais alunos, uma festa de recepção para o mesmo, onde os educandos prepararam cartazes, saudando-o. Ao chegar na porta da sala de aula, P ao ver os cartazes, acompanhado pela titular do SOE e pela diretora, negou-se a entrar. Recebia as boasvindas da porta e as ridicularizava, ofendendo os alunos, principalmente corrigindo e condenando os cartazes.

ulto – desejado e temido – definitiva de sua condição de criança.” Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 10 | outubro 2008

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A turma já estava preparada para não aceitar as “provocações” deste, e manteve-se fiel ao compromisso assumido. Depois de quinze minutos parado na porta da sala, P decide-se ingressar para ler melhor os cartazes e continuar a agredir os alunos que mais conhecia. Os mesmos não revidavam e respondia com educação e carinho. Isto o fêz rejeitar ainda mais a acolhida, mas quando a Orientadora Educacional aventou a idéia de se apoderar dos cartazes, já que este não os apreciara P tratou logo de retirá-los, com cuidado, da lousa, embrulhá-los e assumi-los, o que pode ser entendido como o compromisso de Ter aceitado a proposta de inserir-se na turma. Diminuiu-se assim, as incidências rotineiras de problemas tendo como principal autor o referido aluno-problema. Ao contrário, houve momentos em que o mesmo auxiliava os profissionais da escola a resolver alguns. Porém, (sempre tem um “porém”) P havia mudado o espaço para suas intervenções problemáticas. Resolvera agir no caminho de volta da escola, quando ameaçava, espancava e intimidava colegas, dizendo-lhes que se contassem em casa

ou na escola o que ocorria, seriam espancados por todos os membros de sua “gang”. Até que uma mãe resolver denunciá-lo ao Conselho Tutelar de Santa Felicidade, que em visita à escola solicitou um dossiê das atitudes do aluno em suas dependências. Este órgão, então, propôs-se a acompanhar o educando em suas atividades escolares, assim como, obrigou sua mãe a comparecer sempre que solicitada à escola, atitude que nunca ocorrera, nos dois anos que o mesmo freqüentara esta. Com todas estas investidas por parte dos profissionais e adultos contra as atividades nefastas implementadas por P, este ainda conseguia cometer seus deslizes. Um dia, soube-se que o mesmo portava uma faca, e dizia que iria agredir com esta um aluno. Chamado a dar explicações, negou terminantemente, até que a Direção aventou chamar a Patrulha Escolar, a Polícia Militar e a representante do Conselho Tutelar. Foi então que ele assumiu que havia escondido no banheiro masculino, um objeto pontiagudo, parecido com faca, mas que usado com violência poderia ferir uma pessoa.

“O desafio que se coloca ao pesquisador da escola, hoje, é o de repensar seus pontos de referência teórico-metodológicos” Este último episódio da passagem de P por esta escola foi determinante para que seu Conselho Escolar, aconselhado pelo Conselho Tutelar, solicitasse à mãe de P a transferência deste para a Escola Estadual Olavo Del Claro, no ano seguinte. P adorou a idéia, pois muitos de seus amigos estudavam nesta, mas não contava com a possibilidade de Ter que prestar contas de seus atos, a partir de então à Polícia Militar, uma vez que já contava com idade de responder criminalmente por atos de vandalismo, assegurado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Requerem-se, agora, algumas considerações sobre as possíveis causas que levaram P a assumir tais posturas em ambientes desprovidos de mecanismos e profissionais competentes para suportá-los. Filho primogênito de uma mãe, que possui mais três filhas menores de relacionamentos diversos, P reside com estas e seu padrasto atual, em uma casa de construção precária, contendo dois cômodos, aos fundos de outras duas casas maiores, onde residem sua avó e tios. A família é muito mal concebida pelos vizinhos, pois um de seus tios é considerado traficante, alvo de perseguição policial, que coloca em risco a vizinhança, pois já houve tiroteio entre este e policiais, o que P comentava com orgulho, pois 12

seu ídolo (o tio), fugira pelos fundos, “depois de descarregar dois três oitão” (linguagem do educando) nos policiais. Sua mãe trabalhava como auxiliar num posto de saúde, de um bairro próximo, e delegava-lhe a responsabilidade de cuidar das irmãs menores, o que desde cedo lhe favoreceu o desenvolvimento de sentimentos mais maduros, posto que fosse considerado o Homem da casa, principalmente nos momentos em que esta se encontrava sem parceiro. Ao contrário, seus professores, devido a suas atitudes, o consideravam como imaturo e incapaz. Apesar de possuir uma ortografia perfeita, uma capacidade de redigir coerentemente, possuir um raciocínio matemático perfeito, uma habilidade artística invejável, por não se submeter aos processos metodológicos e sistemáticos, fechados em determinantes que lhe obrigavam a obedecer regras, ele sempre procurou desviar-se de todas. Sendo assim, no discurso de seus educadores, em determinado momento de sua história escolar, enveredou pela negação da importância da escolaridade em sua vida, e consolidado pelas profecias auto-destruidoras e não auto-realizadoras, começou a implementar a repetência e desistência em seu currículo estudantil.

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PATTO (1990) na segunda parte de seu livro “A produção do Fracasso Escolar” faz a seguinte introdução: “O desafio que se coloca ao pesquisador da escola, hoje, é o de repensar seus pontos de referência teórico-metodológicos”. Assim, reverencia-se tal qual a referida autora o poema Vida e Morte Severina de João Cabral de Melo Neto: é difícil defender, Só com palavras, a vida, Ainda mais quando ela é Esta que vê, severina; Mas se responder não pude a pergunta que fazia, Ela, a vida, a respondeu Com sua presença viva; E não há melhor resposta Que o espetaculo da vida: Vê-la desfiar seu fio, Que também se chama vida, Ver a fabrica que ela mesma, Teimosamente, se fabrica. Associado ao impulso auto-destrutivo e contraditório em sua vida pessoal, pois ao mesmo tempo em que era considerado capaz e responsável em seu ambiente familiar, era tratado como imaturo e irresponsável no contexto escolar, ele sempre encontrou nesta trajetória professores e profissionais que o convencessem de que a pseudo “ciência” estava certa. Dobrados sob o peso de um trabalho alienado, objeto de autoritarismo e desvalorização social, destituídos de uma visão de totalidade social na qual exercem sua profissão e portadores do desprezo social generalizado pelas classes ditas “baixas” e suas experiências diversas, os educadores que cruzaram a vida desta “criatura divina” se encarregaram , com suas práticas pedagógicas autoritárias, arbitrárias e mais comprometidas com interesses particulares do que com os interesses e potenciais da clientela, a serem os protagonistas da cruel situação de desprezo e marginalidade em que o educando se enfronhou. Outros fatos ocorridos em escolas, bem como seus procedimentos disciplinares usuais, que muitas vezes constituem um fim em si, e não um meio para viabilizar o ensino de conteúdos, remetem profissionais a estudos sobre procedimentos mais eficazes para se alcançar o resgate de educandos em processos educativos, para não serem remanejados para reeducação em instituições como a antiga FEBEM.

Relatos como o da expulsão de Deodato que freqüentava a 2ª série em 1982 de uma escola da periferia de São Paulo, por bater nos colegas, desrespeitar professores e pessoal administrativo e riscar o carro de uma professora; e o de Joana, aluna da 5ª série desta mesma escola, expulsa em 1983, por perseguir armada e causar a desistência do trabalho de uma professora, é que nos leva a concordar com PATTO (1990) quando ressalta as formas que os menos avisados educadores utilizam para justificar e enfrentar tais procedimentos. Depois de se utilizarem até de cordas, que aprisionam o aluno-infrator em sua carteira, para conter as crianças, quando sentem que as atitudes dos alunosproblemas ultrapassaram o limite determinado por eles – educadores -, delegam a responsabilidade para outra instituição social com maior poder de repressão: a Polícia. Muitas vezes, as formas sutis de mascarar as investidas contra a rebeldia de educandos, são justificadas técnica e cientificamente, através dos mecanismos de classificação (alunos fortes, médios e fracos); remanejamento (de alunos de uma turma para outra); e recuperação (processo individual e intensivo de repetição e memorização de conteúdos específicos da série em que se encontra o aluno). Todas estas técnicas evidenciam as “incapacidades” mútuas (de educadores e educandos) em promoverem junta a aprendizagem, também mútua, num processo interativa e interrelacional, onde ambos buscam realizações diversas mas complementares. Algumas conclusões e sugestões para futuros trabalhos Antigamente (aproximadamente do século XII ao XV), as famílias mandavam suas crianças para outras famílias, onde elas seriam aprendizes. Assim, o contato da família com a criança era mínimo e esta era vista como um adulto em miniatura, inserindose no mundo adulto assim que tivesse condições físicas. Não havia os cuidados nem o apego que se tem hoje com relação a criança, o que talvez pode ser explicado como uma defesa dos adultos para não sofrerem tanto com a perda dos filhos, já que havia uma alta mortalidade infantil na época. Desse modo, a educação das crianças se dava no dia a dia, na medida em que elas iam se misturando com os adultos. É só a partir do século XV que a educação das crianças é fornecida por escolas, o que separa a criança do mundo adulto, a fim de que elas não fossem corrompidas pelos adultos, como acreditavam alguns filósofos como Rousseau. Além disso, com as escolas, as crianças ficavam mais perto dos pais, fazendo com que, já no século XVII, surgisse um sentimento de infância e de família em nossa sociedade. Todavia, o grau de sociabilidade

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ainda era muito grande, fazendo com que não houvesse a privacidade de hoje que faz com que a família seja o núcleo central da vida da criança. Aos poucos, contudo, a privacidade vai aumentando e vai surgindo a família moderna, dentro da qual a criança é o centro das atenções. É comum, quando fazemos este resgate histórico que fiquemos perplexos com relação a maneira como a criança era tratada em outras épocas e em outras culturas. Todavia, esta diferença histórica e cultural deve, na maioria das vezes, ser concebida sem juízos de valor, e sem a noção antropocêntrica de que há um crescente avanço na maneira de se relacionar com a criança, como se a nossa cultura hoje fosse a que melhor lida com a infância. A história, do ponto de vista ético, possui avanços e retrocessos. Uma questão que se coloca, por exemplo, é como a criação de um mundo infantil à parte do mundo adulto acaba dificultando a constituição da criança em nossa sociedade, o que não acontecia antigamente. Outra questão é como o apego dos pais aos filhos pode, muitas vezes, impedir um crescimento saudável dos últimos, na medida em que os pais acabam, às vezes, "não deixando seus filhos nascerem". Em contrapartida, as atrocidades que eram feitas contra as crianças e que eram naturalizadas em alguns momentos históricos é altamente condenável (apesar de historicamente compreensível) caso façamos um julgamento ético. A importância desta análise histórica é o fato de, através dela, podermos desnaturalizar a criança, compreendendo-a dentro de um movimento histórico, na medida em que ela se constitui em e através das relações com o ambiente que está a sua volta. Dessa maneira, podemos compreender o porquê do surgimento da psiquiatria infantil no século XX e dos distúrbios por ela estudados. A psiquiatria infantil surge em uma época em que

a criança é o centro da família, tendo que ser estudada, então, pelo conhecimento valorizado de nossa época, o científico. Este estudo é ainda feito a partir da visão médica, já que, dessa forma, o diferente é visto como doente que, portanto, deve ser curado. O perigo desta visão é impedir muitas vezes uma real qualidade de vida do sujeito na medida em que se tenta enquadrá-lo dentro de um modelo criado por nossa sociedade a fim de satisfazer, muitas vezes, interesses políticos, visto que o sujeito doente na sociedade capitalista é o que não produz. Reportamo-nos, agora, ao mito de Procrusto, segundo o qual havia um caminho entre Atenas e uma outra cidade que era bastante longo, tendo que haver, assim, um lugar para o repouso dos viajantes, que assim era denominado. Lá havia uma cama, onde os viajantes deveriam caber perfeitamente, sendo esticados caso fossem muito pequenos e cortados, caso fossem altos demais. Assim como em Procrusto, a criança é muitas vezes "esticada" e "cortada" para caber dentro de um modelo que se cria nas diferentes sociedades, sendo considerada "doente" ou portadora de diferentes distúrbios caso não consiga se encaixar neste padrão. O modelo, em nossa cultura contemporânea, é do sujeito capaz de adquirir diferentes conhecimentos para trabalhar e produzir. Assim, os distúrbios que iremos estudar em nossa sociedade não devem ser encarados como características isoladas de diferentes indivíduos, mas como sintomas de nossa sociedade, demonstrando a nós "normais" partes nossas com as quais a nossa sociedade (e nós mesmos) não consegue lidar e que, por isso, precisa rechaçar. É apenas partindo desta visão crítica e relativizadora, que podemos intervir satisfatoriamente na realidade a nossa volta.

REFERÊNCIAS

ABERASTURY, A. KNOBEL, M. Adolescência normal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990. TIBA, Içami. Disciplina, limite na medida certa. São Paulo: Editora Gente, 1986. VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Disciplina – construção da disciplina consciente e interativa em sala de aula e na escola. São Paulo: Libertad, 1998.

AUTORA

Carmem Rodrigues da Costa CRP 08/01980 Psicóloga Escolar e Educacional; Pedagoga da Educação Básica e Superior; Professora da Educação Superior em cursos de graduação e pós-graduação, inclusive EaD; Coordenou o curso de Pedagogia da FAEL (Lapa-PR); é co-autora do livro “Momentos em Psicologia Escolar”, pela Ed. Juruá; além de ter publicado diversos artigos nas áreas da Psicologia e da Educação. carminha_costa50@yahoo.com.br 14

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PSICOLOGIA E TECNOLOGIA RISCO DE CÂNCER

Mesmo sendo tão útil, o celular é motivo de muitas discussões na comunidade médica mundial. Especialistas ainda não chegaram a um consenso para afirmar se esses aparelhos causam ou não doenças aos usuários. A hipótese mais levantada é a de câncer no cérebro. De acordo com o médico João Carlos Simões, membro da Sociedade Brasileira de Cancerologia, a desconfiança existe por causa das ondas eletromagnéticas, transmissoras de dados entre as antenas e os telefones móveis. “Essas radiações podem causar alteração no genoma celular. Com isso, células, tecidos e órgãos são afetados e desenvolvem câncer”, informa o cancerologista. A preocupação maior é com relação aos moradores das zonas rurais, onde as radiações são mais intensas que na cidade. Como nesses lugares o número de antenas receptoras e transmissoras de dados é menor, a radiação precisa de mais força para chegar ao aparelho. Estudiosos buscam formas de neutralizar os efeitos das ondas eletromagnéticas nesses locais. Além disso, a atenção dos médicos voltada para os usuários infantis aumentou, pois se trata de um público crescente de telefonia móvel – algumas empresas já têm aparelhos específicos para atender a esses usuários. Simões afirma que, como as crianças possuem células ainda em desenvolvimento, o genoma celular está mais propenso a ser afetado pelas radiações.

ALARME FALSO?

Simões também esclarece que, apesar do alarmismo de alguns médicos, nenhuma conseqüência do uso do celular para o organismo foi até hoje comprovada, principalmente em relação a tumores cerebrais. Para ele, são apenas especulações, pois os estudos precisam ser aprofundados para se ter certeza dos resultados obtidos. “O grupo de pessoas analisadas é sempre muito pequeno para dizer se a doença pode se desenvolver em escalas maiores”. A médica Enilze Fonseca Ribeiro, especialista em genética, explica que as ondas transmitidas pelas antenas de telefonia móvel são radiações não-ionizantes, ou seja, que apenas causam pequeno aumento da temperatura do material no qual incidem. Essas ondas são diferentes das utilizadas em exames de raios-X – essas sim têm alto poder de ionização e mutação. “A penetração das ondas dos celulares é muito pequena para causar algum tipo de mutação genética”, afirma. Existem alguns casos de leucemia em crianças que moram próximo a antenas de operadoras de 16

celular. Porém, assim como Simões, Enilze afirma que o número de afetados pelo câncer é muito pequeno para que se possa ter certeza de que essas ondas são as responsáveis pelo surgimento da doença. Simões cita algumas pesquisas que avaliam os efeitos do uso de celular feitas em diversos países do mundo. Uma delas, realizada pelo British Medical Journal (BMJ), avaliou 966 britânicos entre 18 e 69 anos, usuários de telefone móvel, e que desenvolveram, entre os anos 2000 e 2004, um glioma (tipo de tumor cerebral freqüente no ser humano). Os resultados foram comparados com 1,7 mil usuários saudáveis, e se chegou à conclusão de que o risco de câncer no cérebro não está relacionado com a duração de chamadas, freqüência de uso ou com a idade da pessoa. Mesmo assim, a Organização Mundial da Saúde (OMS) orientou para que os resultados fossem analisados com mais atenção. Ainda que nada seja confirmado, Simões recomenda que os usuários tenham certa moderação quanto ao uso do celular. “Não só por causa da suspeita do desenvolvimento de tumores, mas porque tudo o que é demais nunca é bom, principalmente quando se trata das novas tecnologias”, aconselha.

QUANDO O CELULAR VICIA

Um problema mais concreto é o ‘vício’ que tecnologias como o celular podem causar. Segundo o psicólogo Márcio Roberto Régis, o uso dos aparelhos, por ser cada vez mais freqüente, em alguns casos, leva a pessoa a desenvolver vários níveis de dependência. Há situações em que a pessoa não consegue ficar com o celular desligado, manda mensagens constantemente, acorda durante a noite para verificar as chamadas e até aqueles que trocam de aparelhos em curtos espaços de tempo só para acompanharem os lançamentos. “Há também usuários que chegam a ficar com as pontas dos dedos calejadas por causa do uso, e gastam as teclas do telefone”, comenta Régis. As principais vítimas desse vício são os adolescentes. A situação se agrava quando os dependentes sofrem de carência afetiva. “Esses usuários buscam no celular uma forma de manter contato com determinada pessoa para não se sentirem isolados”, explica o psicólogo. Quando afastados dos aparelhos, essas pessoas apresentam diversos sintomas como ansiedade, angústia, pânico, medo da solidão, tristeza e até mesmo falta de apetite. “O celular é importante, mas quando chega a esses níveis, o usuário deve procurar por tratamento psicológico”, alerta.

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Útil, moderno e popular. Os toques, as músicas e os valores agregados aos celulares chamam a atenção do consumidor. Enquanto a praticidade dos novos modelos cresce, os preços caem, o que incentiva o consumo. No mês de abril deste ano, de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), quase 2 milhões de habilitações de telefonia móvel foram adquiridas no Brasil. Com aproximadamente 128 milhões de celulares em uso, a quantidade de telefones móveis do país é maior que a de fixos desde agosto de 2003.

DOSSIÊ DA TECNOLOGIA

celular dá câncer?

AUTORES

Pauta e Edição: Suelen Trevisan | Reportagem: Rodrigo Batista Entrevista publicada originalmente no Jornal Comunicação da UFPR | www.jornalcomunicacao.ufpr.br Ano XI | Curitiba, 31 de Julho de 2008 Fonte: www.jornalcomunicacao.ufpr.br:80/node/3921 Matéria cedida gentilmente pelo jornalista Rodrigo Batista e Suelen Trevisan ao Portal ATLASPSICO. Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 10 | outubro 2008

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Um fazendeiro, que lutava com muitas dificuldades, possuía alguns cavalos para ajudar nos trabalhos em sua pequena fazenda. Um dia, seu capataz veio trazer a notícia de que um dos cavalos havia caído num velho poço abandonado. O fazendeiro foi rapidamente ao local do acidente e avaliou a situação. Certificando-se de que o animal não se machucara, mas, pela dificuldade e o alto custo de retirá-lo do fundo do poço, achou que não valeria a pena investir numa operação de resgate. Determinou então ao capataz que sacrificasse o animal, jogando terra no poço até enterrá-lo, ali mesmo. Os empregados, comandados pelo capataz, começaram a jogar terra para dentro do buraco de forma a cobrir o cavalo. Mas, à medida que a terra caía em seu dorso, o animal se sacudia e ela ia se acumulando no fundo, possibilitando ao cavalo ir subindo. Logo, os homens perceberam que o cavalo não se deixava enterrar, mas, ao contrário, estava subindo à medida que a terra enchia o poço, até enfim, conseguiu sair. Portal de Psicologia ATLASPSICO é o 1º site do Estado do Paraná e o 6º do Brasil credenciado pelo Conselho Federal de Psicologia à prática das orientações psicológicas online. O principal objetivo é atender brasileiros residentes no exterior e não tenham acesso ao serviço de psicologia. A utilização de softwares de mensagens intantâneas, assim como o Live Messenger, Skype, ICQ, Yahoo! Messenger, Google Talk além de E-mail são ferramentas fundamentais às prestações de serviços psicológicos online facilitando a agilidade e eficiência na comunicação entre cliente-psicólogo. Outras informações, acesse: online.atlaspsico.com.br

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PSICOSSOMÁTICA II

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OSEREMSI por Marcus Antônio Britto de Fleury Junior

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evemos sempre ousar, transpor as barreiras do conformismo castrador e não nos sujeitarmos ao discurso limitante, mesmo que tenhamos, por um momento, que enfrentar as maiores intempéries. Mesmo que fujamos, elas se apresentarão a nós, restando-nos concluir que são resultantes de nossas escolhas. Se ficasse na segurança de um futuro em sua terra, diante da carnificina imposta pelos governantes ali, naquele seu local, seria morta pelo seu silêncio e pelo arrependimento em não ter ousado e desafiado as noites de seu passeio pela angústia, que, de qualquer forma, a visitaria. Ela pôde ser uma visitante não muito simpática, mas um dia, abre as portas e vai embora, deixando sempre o aviso que voltará. Portanto, a jovem grávida ousou em prosseguir sua trajetória desafiando, não se sujeitando as imposições que encerrariam seus dias às lâminas dos algozes governantes, ou então, à guilhotina vagarosa que dilacera diante de nós mesmos nossa existência. Quanta angústia, ansiedade e estresse a envolveram no momento em que sua “bolsa” arrebentou sem sequer saber ao certo onde encontrar um local seguro para dar a luz. Imaginem as dores de uma parturiente, a dilatação da pélvis, as alterações em seu corpo refletidas em suas emoções e transferidas ao seu bebê completamente imerso a sequidão de um útero, outrora, mesmo em meio às percepções registradas, tinha um ambiente 20

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seguro e confortável. Agora estava à mercê de um rito, lutando para sobreviver a todo desconforto. Não havia nada certo, nada que amenizasse as preocupações daquela mãe quanto às intempéries de todo o contexto que estava exposta, juntamente com seu filho. Quantos locais ela percorreu e frustrou-se na expectativa em ser acolhida. Quantas léguas a mais teve que caminhar contorcendo-se de dor e angústia. A felicidade, certamente era uma convidada indesejável naquele momento àquela jovem mulher, pois, sua presença representava uma construção simbólica que nada tinha com a sua realidade naquele instante de tantas rejeições. Quantas lágrimas foram acrescentadas à da dor física quando escutava que as hospedarias estavam cheias ou que não poderiam dar-lhe abrigo. E seu bebê, como estava depois tanto tempo submetido a uma espera tão longa? Quais eram alterações já sentidas em seu pequeno corpo, com tão complexas estruturas? Quantos bebês têm severas alterações neurológicas em virtude da demora do parto, quantos passam pelo sofrimento fetal que instintivamente desencadeia o registro no corpo, do processo relacionado, estabelecendo de forma seletiva registros perceptuais de falência que, mais tarde, poderão estar relacionados aos transtornos de pânico ou ansiedade e tantos outros. Um bebê, ainda não compreende o que é vida ou morte, mas seus corpos sentem como organismos vivos uma luta muito árdua contra a sua própria fragilidade que desencadeia processos que visam gerar a tentativa em expandirem-se quanto às suas necessidades vitais. Há então, mobilização dos sistemas e seus recursos direcionando extrema atividade que busca estabelecer respostas neurofisiológicas cujo intuito é preservar a espécie. Entretanto, no mesmo sentido, há perceptualmente, registros de memória, como Augusto Cury cita em sua complexa teoria que “os fetos geram matrizes essenciais inconscientes que irão gerar emoções contínuas”. Ele afirma que há uma memória instintiva genética constituída que leva os indivíduos a associarem sentimentos de dor e angústia aos mais primitivos sentimentos formando uma memória histórico-existencial. O nascimento de Jesus envolveu um complexo processo, sendo esse, vivido por cada um de nós,

dentro de um determinado contexto: Imagine-se nascendo em um estábulo, em meio aos animais, exposto às adversidades não só climáticas, mas biopsicosociais. Como se sentiriam suas mães ao olhar para um lado ver uma vaca mugindo, mais adiante, uma galinha ciscando o chão batido, um pouco à frente, fezes de animais. Quais seriam seus pensamentos naquele instante que não dá mais para voltar atrás? Qual era intensidade de sua dor e angústia? Quem estava mais próximo dela? Pode ser que existissem pessoas bem próximas, mas, nenhuma delas compartilhou de suas alterações neuropsicofisiológicas, a não ser seu filho, que, desde a mais tenra idade, registrou sentimentos difusos e complexos ligados à vida e morte, acolhimento e rejeição. Sua mãe deteve-se na arte em amá-lo profundamente, não transferindo suas frustrações ao filho, assim, como muitas fazem ao enfrentar dificuldades em suas gestações ou na história de seus relacionamentos. Muitas dessas mães sabem o valor de suas histórias e nelas continuam suas trajetórias gerando elevada sustentação interna, possibilitando aos filhos, elaboração dos sentimentos de confiança corporal frente as maiores dificuldades encontradas pelos caminhos escolhidos. Amar um excluído em terras estranhas, repleto de divergências históricas era o ambiente vivido pela família de Jesus. A criança que crescia no Egito poderia ser responsabilizada ou cobrada em momentos de divergências em virtude das intempéries enfrentadas por tão brusca mudança com enormes perdas, ou mesmo, sentir-se responsável por tantas lágrimas derramadas quando se lembravam dos familiares, amigos e da estrutura que deixaram para trás. Melancolia é o vizinho que está sempre à nossa sala trazendo-nos os presentes das lembranças e ali não seria diferente. Quais foram os pesadelos que fizeram Jesus acordar no meio da noite gritando como se estivesse sufocado em pleno útero? Quantas vezes seu coração disparou e sua respiração tornara-se ofegante ao imaginar ter escutado um barulho, que nada mais era senão a construção do imaginário objetivando aliviar-se das dificuldades que todas as crianças enfrentam ao se sentirem massacradas por uma dualidade extraordinária...

AUTOR

Marcus Antônio Britto de Fleury Junior CRP 09/4575 Psicólogo especialista em psicossomática. ateliedeinteligencia@gmail.com [Confira a terceira e última parte desse artigo na nossa próxima edição!] Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 10 | outubro 2008

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PSICOLOGIA INFANTIL

AS CRI

OQ

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IANÇAS APRENDEM

QUE VIVEM por Suzana Blanco | Loester Silveira Ribeiro

Trate-se do relato de caso clinico de um paciente atendido em serviço de psiquiatria e psicologia no Núcleo de Estudos e Atendimento Psicológico (NEAP), da Universidade Cruzeiro do Sul. A paciente foi atendida por mim em psicoterapia breve, foram realizadas sete sessões com o objetivo de intervenções verbais, visando clarificações cognitivas bem como afetivas, para a redução imediata dos sintomas apresentados por seu transtorno, assim como impulso, agressividade e desvio de conduta.

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A

Psicoterapia breve não é muito diferente das outras Psicoterapias, sua única característica que a difere das outras é simplesmente o tempo de duração limitado, por isso “Psicoterapia breve”. O fato de ser breve, não indica que não seja profunda em seus propósitos. Muitas vezes, a psicoterapia breve, pode ter função de processo terapêutico inicial ou funções preventivas de maiores danos futuros ao paciente, realizando intervenções focais, sendo que, posteriormente, o paciente pode ser encaminhado para uma psicoterapia de longa duração se necessário (HEGENBERG, 2004; NEME, 2005). Isso quer dizer que a Terapia Breve não é diferente de outras Terapias, no que diz respeito à qualidade de tratamento e resultados, uma vez que respeitando as características, da Terapia tradicional, como o Setting, que segundo Knobel, não devem diferir do que se utiliza para qualquer método terapêutico. Em outras palavras isso nos diz que deve haver um lugar adequado e fixo, este local dever oferecer comodidade ao paciente para que ele não fique, por exemplo, com a preocupação de que a qualquer momento alguém poderá entrar e ouvir seu relato, ou seja, privacidade da relação relevando elementos mínimos e adequados para conversarem pelo tempo determinado, e horário pré-estabelecido. Outro fator a ser levado em consideração dentro da Psicoterapia, é a questão da demanda do paciente, o que podemos considerar válida na Psicoterapia breve, é quando essa demanda surge como um pedido de socorro,em função de que outro o socorra,alivie a sua dor, compreendendo apenas as suas vivências que lhe causam sofrimento. Na tentativa de livrar-se daquilo que o incomoda, o paciente pode desejar apenas aliviar a situação de desconforto que está sendo vivida. Em psicoterapia é indispensável considerar a demanda do paciente, respeitá-la e avaliá-la dentro do contexto a ela relacionada (KNOBEL, 1986). A psicoterapia breve só não é indicada para pacientes que possuem antecedentes psiquiátricos importantes, de uma forma ampla a Psicoterapia breve é recomendada a pessoas que antes de um conflito ou trauma, eram ajustadas psicossocialmente, e que buscam alivio em curto período de tempo. Para apresentar então o caso clinico, encerrarei

esta etapa recapitulando a definição de Psicoterapia breve. O termo “Psicoterapia breve” teve sua origem por volta de 1924, por Ferenczi e O. Rank, (que eram discípulos de S. Freud) com a tentativa de diminuir os tratamentos psicanalíticos. Denominase “breve”, por conta da Técnica Focal, que tem como objetivo dar inicio ao processo de mudança, deixando o paciente estabilizado de forma que este possa,encontrar soluções mais adaptativas para o seu problema dentro de um tempo BREVE. A Técnica Focal integrada na Psicoterapia Breve, diferente de outras técnicas das Psicoterapias que visam todos os aspectos de mudanças estruturais,a Focal como o próprio nome já diz,focaliza apenas nos pontos de “urgência, ou seja, aquilo que no momento em que o paciente procura por ajuda, esteja o angustiando e causando-lhe enorme sofrimento, e alivia em tempo breve encurtando o tempo de atendimento. A Psicoterapia na infância teve seus primeiro relatos em 1909, onde Freud descreveu o tratamento de um menino de 5 anos, o pequeno Hans, que apresentava fobia de cavalos. Mary Corey Jones que em 1924 fez uso das técnicas de modelagem e condicionamento no tratamento de um menino de 2 anos com fobia de coelhos brancos.

RELATO DO CASO O PACIENTE.

“J” é uma criança de doze anos, mora com a avó, e segundo a paciente, com elas mora um tio e seus dois filhos, ”J” relata que tem três irmãos e que estes estão sobre os cuidados de tutores em orfanatos. ”J” foi levada ao Núcleo de Estudos e Atendimento Psicológico pela avó, com queixas de desvio do comportamento e agressividade. ”J” sempre que podia estava desafiando e provocando os outros a sua volta, seus vizinhos, e até mesmo a sua avó, que “J” chama de mãe, pois fora a mesma quem a criou desde muito pequena. A paciente recebeu atendimento psiquiátrico, dentro do próprio núcleo, onde foi medicada com Neuleptil, medicamento este, utilizado e indicado para tratamento de distúrbios do caráter e do comportamento, e mostrando também ser eficaz no tratamento de distúrbios caracterizados, por impulsividade, oposição, hostilidade, irritabilidade,

Em psicoterapia é indispensável considerar a demanda do paciente, respeitá-la e avaliá-la dentro do contexto a ela relacionada 24

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agressividade, reações de frustração, negativismo, desinteresse, indiferença,entre outros. A paciente discutia freqüentemente com os adultos, não os respeitando, sua avó relata que “J” parecia estar sempre irritada, nervosa e agressiva, aparentemente sem motivo. “J” não podia ser contrariada, pois se isso acontecesse ameaçava tirar a roupa onde estivesse. Em um dos atendimentos “J” relata que matou um gato, pois o mesmo havia mordido sua mão, o que é mais curioso neste fato é a forma como “J” relata o caso, com tranqüilidade, sorrindo, e aparentemente sem culpa. Houve uma vez em ”J” fora visitar a mãe biológica, e relata que brigaram com dois policiais, quando perguntei por que elas haviam brigado com eles “J” disse que brigaram por que um era “negro” e o outro “branquelo”,e que mãe e filha ficaram chamando-os assim, então perguntei a ela como se sentiu ao agir assim com uma pessoa, especificamente por ser uma autoridade e “J” respondeu: ”Eu achei engraçado chamar os outros de macaco e branquelo”. A paciente era muito difícil e hostil, segundo a avó rejeitava o tratamento e às vezes se recusava em ir às consultas, e recusava falar com o psiquiatra, de tal forma que ela iniciou o tratamento em outubro de 2007, e em março de 2008 quando passei a ter conhecimento do caso, ela havia falado uma ou outra palavra com o médico. Dei inicio a Psicoterapia Breve em março deste ano, com a orientação e supervisão do psiquiatra Loester Ribeiro, responsável pelo Núcleo de atendimento Psicológico da universidade. Esses atendimentos como já mencionado, tinham como objetivo intervenções verbais, visando clarificações cognitivas bem como afetivas, uma vez que essas são características da Psicoterapia Breve. E assim foi feito, a cada sessão eu pontuava e mostrava a “J” o seu comportamento, questionando-a se considerava tais atos corretos, mostrava a ela que não concordava com seus comportamentos, na tentativa de reduzir seus impulsos agressivos, no começo ela parecia não entender o que eu estava falando. Segunda a avó da paciente, sempre que podia ela resistia em ir ás consultas, mas, no entanto às vezes justificava-se dizendo que queria ficar brincando com as colegas. Por conta de seu comportamento “J” foi expulsa da escola onde estudava, ela me relatou que fora expulsa por que desobedecia a professora e rasgava os cadernos dos colegas, quando perguntada sobre o que achava de tais comportamentos “J” me respondia sempre com frases curtas como: “eu achei legal” “foi engraçado”.

Crianças com distúrbio oposicionista-desafiador (DOD) demonstram um padrão de comportamento negativo, hostil e desafiador. Segundo Jeffrey A. Miller, em seu livro “Depressão Infantil”, alguns dos sintomas deste distúrbio são: Perda de controle; Discutir freqüentemente com adultos; Freqüentemente desafiar de forma ativa ou recusar-se a atender aos pedidos ou às regras dos adultos; Perturbar deliberadamente uma pessoa; Ser muitas vezes cruel e vingativo. No decorrer dos atendimentos pude perceber que “J” demonstrava mais interesse em ir às consultas, e pude confirmar minhas suspeitas com a avó, que me relatou que a neta, estava gostando do trabalho que estava sendo realizado com ela. Nos últimos encontros que tive com “J”,pude perceber que estava mais dedicada ao que fazia,apresentava mais interesse, estava feliz por que havia sido aceita em uma escola, e quando perguntada,como se sentirá,a mesma respondia que iria se comportar, e obedecer à professora, para que não fosse expulsa da escola novamente. Isso só faz reforça a importância da Psicoterapia Breve, que em pouco tempo tive a oportunidade de auxiliar uma criança que estava confusa, uma vez em que o meio no qual “J” vive,é tão hostil que só tendia a reforçar tais comportamentos da criança. A paciente não mais apresentava comportamento agressivo,chegava às consultas sempre sorrindo,conversava muito comigo, me contava seu dia a até mesmo os desenhos que mais gostava. Enfim comuniquei à paciente que só teríamos mais algumas sessões, a mesma pareceu não sentir, mas me perguntou o porquê de encerramos, e a disse que faríamos isso, pois ela já havia apresentado melhoras, progrediu em seu comportamento, se esforçando para melhorar, não apresentava mais queixas segundo a sua avó, e por isso ela receberia alta, da Psicoterapia e da Psiquiatria. E assim encerrei os nossos encontros, mas aparentemente “J” não ficou triste, ou não demonstrou tristeza, com o término das consultas, levando em conta que desde muito pequena ela sofre de rejeições, por conta do comportamento que apresentava, só fazia reforçar tais atitudes daqueles a sua volta.

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AS CRIANÇAS APRENDEM O QUE VIVEM Se a criança vive com críticas, Ela aprende a condenar Se a criança vive com hostilidade, Ela aprende a agredir. Se a criança vive com zombarias, Ela aprende a ser tímida. Se a criança vive com humilhação, Ela aprende a se sentir culpada. Se a criança vive com tolerância, Ela aprende a ser paciente. Se a criança vive com incentivo, Ela aprende a ser confiante. Se a criança vive com elogios, Ela aprende a apreciar. Se a criança vive com retidão, Ela aprende a ser justa. Se a criança vive com segurança, Ela aprende a ter fé. Se a criança vive com aprovação, Ela aprende a gostar de si mesma. Se a criança vive com aceitação e amizade. Ela aprende a encontrar amor no mundo. Dorothy Low Nolte

DorothyLawNolte,professoraepsicólogacom vastaexperiênciadefamília.Autoradelivrosde sucesso sobre a Adolescência.

REFERÊNCIA

HEGENBERG, M. Psicoterapia Breve. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. NEME, C.M.B. Ganhos Terapêuticos com Psicoterapia breve em Serviço de Psico-oncologia Hospitalar. Em: C.P. SIMON; L.L MELO-SILVA; M.A. dos SANTOS e cols. Formação em psicoterapia: desafios da diversidade na Pesquisa e na Prática. São Paulo: Vetor, 2005; Jeffrey A. Miller, O Livro de Referência para a Depressão Infantil. Editora Mbooks, 2003.

AUTORES

Suzana Blanco (Acadêmica de Psicologia da Unicsul - Universidade Cruzeiro do Sul) email: suzanablanco@ig.com.br Loester Silveira Ribeiro, Médico Psiquiatra, Título de especialista pela ABP, Mestre em Psiquiatria pela UFRJ, Professor Assistente III - UNICSUL, Psiquiatra do Ministério Público do Estado de São Paulo, Assessor de Saúde Mental Prefeitura Municipal SP- Coordenadoria de Saúde Norte. Psicoterapeuta

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NEUROPSICOLOGIA

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A ANSIEDADE NA

DOENÇA

CRÔNICA por Josiéte Trentini Stocco | Caroline Santos de Souza Nascimento | Ana Paula da Silva

O enfoque deste trabalho bibliográfico de caráter descritivo-exploratório foi pesquisar o desenvolvimento da ansiedade diante de uma doença crônica, a fim de favorecer o entendimento de alguns comportamentos do paciente. A busca se deu em banco de dados como “Pubmed”, “Scielo”, livros didáticos, periódicos, entre outros. Os resultados mostram que sintomas ansiosos poderão surgir a partir da existência da doença crônica, sejam eles relacionados a uma condição médica geral, ao enfrentamento da doença em si, às condições relacionais com o ambiente e equipe de saúde, bem como de seus aspectos bio-psico-afetivos. Sendo assim, são de extrema relevância as intervenções psicológicas para perspectivas favoráveis em relação ao tratamento, prognóstico e qualidade de vida do paciente com doença crônica.

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A

vida moderna, muitas vezes, acaba por exigir mudanças nos padrões comportamentais do indivíduo, a fim de que possa ajustar-se à grande maioria. Assim, surgem situações conflituosas que abrangem questões familiares, profissionais ou sociais. Além disso, dificuldades fisiológicas e psicológicas são comumente identificadas e caminham juntas nos processos patológicos. Entre as dificuldades psicológicas podemos citar, entre outras, a ansiedade que é considerada uma emoção normal, experimentada por todos e que exerce a função importante de proteger o organismo e capacitar o indivíduo a tomar medidas para enfrentar ameaças ou perigos eminentes, porém, proporciona um sentimento de apreensão desagradável e vago. Percebe-se na literatura, que a ansiedade está presente em número relevante de portadores de doenças crônicas. Mostra-se importante ressaltar que toda doença crônica reflete uma vivência marcada por desafios e revelações, empreendendo uma luta constante do paciente para vencer dificuldades. Uma das características centrais é sua determinação para mobilizar suas forças para continuar o tratamento. Nesse momento a ansiedade é eminente podendo tornar-se patológica. Conforme cita Angerami et. Al (2001) são raras as publicações que enfocam as características psicológicas comuns do paciente crônico. Focam apenas especificidades psíquicas de cada doença. Nesta busca, percebe-se citações de que a ansiedade está presente nos processos crônicos de patologias variadas. Portanto, no presente trabalho, tem-se como objetivo realizar uma revisão bibliográfica corelacionando o desenvolvimento de processos ansiosos e suas manifestações na presença de doenças crônicas. Espera-se, com esta pesquisa, contribuir com profissionais da área da saúde, sob o ponto de vista psicológico, favorecendo a relação e o entendimento de certas reações ansiosas do paciente diante de seu quadro crônico, bem como valorizar o papel do psicólogo em instituições de saúde como auxiliar nesse processo, tendo como objeto fundamental o bem estar do paciente e a adesão ao tratamento.

DESENVOLVIMENTO Fundamentação Teórica

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como “total bem estar biopsicosocial da pessoa e não somente a ausência de doença.” (Angerami et. al. (2001) Subentende-se que alterações nestes aspectos podem significar o desenvolvimento de alguma doença, seja ela, fisiológica ou psicológica. Diante de uma doença crônica (diabetes, câncer, insuficiência renal crônica, lúpus, entre outras.), o paciente poderá sofrer alterações do ponto de vista psicossocio-afetivo, gerando patologias comórbidas, entre elas a ansiedade. Segundo Angerami et. Al. (2001), “Zozaya, J. L. G. (1995) define doença crônica como qualquer estado patológico que apresente uma ou mais das seguintes características: que seja permanente, que deixe incapacidade residual, que produza alterações patológicas não reversíveis, que requeira reabilitação ou que necessite períodos longos de observação, controle e cuidado. São produzidos por processos mórbidos de variada etiologia, que por sua relativa freqüência e severidade revestem singular importância medica, social e econômica para a sociedade.” Para Schneider (1976), “certos indivíduos se tornam doentes crônicos pela simples razão de apresentarem alterações somáticas tão importantes que são forçados a renunciar a qualquer possibilidade de adaptação e de desenvolvimento, mesmo restrito e sentem necessidade de cuidados constantes.” (Angerami et. al., 2001). Angerami et. al. (2001) considera que o paciente crônico é aquele que possui uma doença incurável. Esse mesmo autor refere que “com a doença, quebram-se a dinâmica e as relações existentes entre o indivíduo consigo mesmo e com o mundo”. Schneider (1976) coloca que a crônicidade se caracteriza pela forma com que o paciente percebe a sua doença, e, sendo assim, poderá acarretar em conseqüências modeladoras da sua vida psicológica. (Angerami et. al., 2001) Considerando que a percepção e aceitação do paciente são fundamentais nos processos de doenças crônicas, visto que este passa por alterações funcionais e relacionais, causando limitações e necessidade de adaptações, podemos entrar

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no âmbito das possibilidades de surgimento de características ansiosas a partir de tal diagnóstico. Olivieri (1985) in Angerami et. al., 2001, refere que “o Ser Doente tem ameaçado seu futuro, o que acarreta grande insegurança e ansiedade.” Ainda em Angerami, Tähkä (1968) coloca a percepção de alguns pacientes em relação ao internamento em hospitais como “(...) um lugar seguro, do qual esperam ajuda, alívio dos sintomas que lhe causam dor, ansiedade e desamparo (...)." Porém, completa referindo-se às percepções diferenciadas, como cita “(...) o sentimento dominante tende então a ser a ansiedade, a qual pode, em variáveis graus, deverse à sua enfermidade, à sua situação de vida ou aos temores que tenham de hospitais”. Conforme Bromn, O’Leary e Barlow, 1999 (in PEREIRA, 2005), a ansiedade é uma emoção normal que tem como função proteger o organismo de uma ameaça ou perigo, que pode ser caracterizada como reação de luta ou fuga diante de uma situação inesperada. Entre as sensações físicas estão a taquicardia, sudorese, formigamento, entre outros. PEREIRA (2005), completa que “(...) apesar de envolver sintomas nem sempre agradáveis, a ansiedade é adaptativa, podendo ser bastante benéfica em determinadas ocasiões, preparandonos para futuros problemas, ajudando-nos a contorná-los e muitas vezes melhorando nosso desempenho”. Diz o mesmo autor, que, “(...) quando a intensidade ou duração da ansiedade é desproporcional à situação temida e passa a causar prejuízos na vida do indivíduo, esta passa a ser considerada inadequada”. Explica ainda que o estímulo torna-se aversivo do qual o sujeito passa a esquivar-se e o humor torna-se irritável, podendo gerar outras patologias como a depressão entre outras síndromes ou fobias. Segundo KAPLAN (2003), de uma forma geral, as pessoas normalmente experimentam uma ampla faixa de humores, que podem variar entre normal, elevado ou deprimido e têm um repertório igualmente variado de expressões afetivas. Elas sentem-se no controle, mais ou menos, de seus humores e afetos. Os transtornos do humor constituem um grupo de condições clínicas caracterizadas pela perda deste senso de controle e uma experiência subjetiva de grande sofrimento.

LIMA & LIMA (1983) (in DYNIEWICZ, Ana Maria; ZANELLA, Eloísa; KOBUS, Luciana Schleder Gonçalves, 2004) enfatiza que “(...) existe uma situação de estresse onde a ansiedade se faz presente e constante durante todo o tratamento.” Segundo os autores, isso ocorre pela convivência com a dor, o medo e a falta de perspectiva. Pessotti (1978) define a ansiedade como o componente nuclear do estresse, sendo compreendida como as condições aversivas que provocam comportamentos de esquiva ou fuga. A ansiedade implica algum modo de impotência do indivíduo, ocorre a instauração de uma condição aversiva ou penosa, e algum grau de incerteza ou dúvida. O estresse para este autor estaria, portanto, contido no conceito de ansiedade. May (1980) considera que a ansiedade tem um propósito: proteger-nos dos perigos que ameaçam a nossa existência ou os nossos valores. Ela é útil, portanto, para a sobrevivência e para o nosso desenvolvimento, desde que mantida em níveis suportáveis, quando atua como um estímulo a consciência, a vigilância e a ação. Jenkins (1991) salienta que a ansiedade também pode aumentar a possibilidade do paciente sofrer mais dor, bem como uma série de outros sintomas, desde a angústia e depressão, até as inesperadas náuseas e vômitos agravados pelas emoções. Razavi (1994) afirma que os transtornos de ansiedade podem comprometer a qualidade de vida e dificultar a capacidade de funcionamento social e emocional do paciente. Nessa fase a ansiedade requer intervenção terapêutica. Na trajetória da doença crônica, a ansiedade se manifesta precocemente, mesmo durante os diversos momentos do diagnóstico. Depois, continua durante o tratamento e pós-tratamento. Mostra-se a necessidade que a ansiedade demasiada vivenciada pelo paciente seja observada pela equipe de saúde. Isso porque pode comprometer significativamente o sucesso do tratamento. Portanto, atender às questões emocionais do paciente corresponde a melhorar substancialmente o tratamento clínico. Vários autores ao longo de seus estudos têm argumentado que a ansiedade independentemente de seu grau, pode reduzir substancialmente a qualidade de vida dos pacientes e de suas famílias,

a e seus recursos internos, ela lidará, ova situação de doença... Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 10 | outubro 2008

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podendo ainda favorecer a morte prematura do paciente. Assim sendo, a atenção terapêutica da ansiedade é uma das medidas fundamentais durante o tratamento de diversas doenças crônicas. Maguire (1993) acredita que o estresse causado por um diagnóstico de doença crônica e seu tratamento pode precipitar a recaída de um Transtorno de Ansiedade preexistente. Estes transtornos podem incapacitar e dificultar até o tratamento, motivo pelo qual requerem um diagnóstico imediato e um controle eficaz. Entretanto, percebe-se que a maioria dos autores pesquisados relata que as reações de ansiedade que se prolongam por muito tempo ou são muito intensas podem comprometer a adaptação do paciente em relação ao seu prognóstico e qualidade de vida. Para Breitbart (1995), alguns outros fatores podem aumentar a probabilidade de Transtornos de Ansiedade durante o tratamento da doença. Entre eles se incluem os antecedentes pessoais de Transtornos de Ansiedade, concomitância de quadros dolorosos intensos, concomitância de limitações funcionais ou de carência de apoio social e consciência do avanço da doença. Kay e Tasman (KAY; TASMAN, 2002, p.306) enfatizam que o tratamento deve voltar-se para a redução e eliminação dos sintomas depressivos ou ansiosos, com restauração integral do funcionamento psico-social. A melhoria do funcionamento adaptativo após o episódio depressivo e ansioso deve ser um dos objetivos associados. O estabelecimento de uma relação funcional entre paciente, família e terapeuta, promove geralmente uma melhor recuperação, sendo fundamental, além da conduta, o melhor tratamento para o paciente. Furtado e Lima (2003), referindo-se à fibrose cística em crianças, relatam que o impacto da doença pode gerar medo e ansiedade principalmente no que se refere ao temor da morte. Marcelino e Carvalho (2005), ao tratar sobre o diabetes colocam que: “Os sentimentos que acompanham o adoecer são negativos, pois as pessoas ao depararem com algo diferente e invasivo, demonstram sentimentos de menos valia, inferioridade, medo, raiva, ansiedade e até depressão. Menninger e Daniels (1976, citados em Grünspun, 1980) constataram a presença da depressão e da ansiedade na maioria dos diabéticos. O diabete é uma doença crônica, potencialmente invalidante, que determina mudanças internas nas atividades diárias da pessoa. São vivenciados vários sentimentos, como regressão, perda da auto-estima, insegurança, ansiedade, negação da situação apresentada e depressão. 32

De acordo com a estrutura psíquica da pessoa e seus recursos internos, ela lidará, melhor ou pior, com a nova situação de doença... (Graça & cols., 2000, p. 215)” Segundo Parkenson (in ALMEIDA, A. M., MELEIRO, A. M., 2000), referindo-se à depressão em pacientes com Insuficiência Renal Crônica, nesses pacientes “a percepção negativa de seu estado de saúde foi mais associada com o grau de ansiedade e depressão que com a gravidade da doença”. É importante ressaltar que a ansiedade também pode ser gerada por uma condição médica. Ou seja, de causa fisiológica e não psicológica. Conforme especifica o DSM IV (Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais), “o Transtorno de Ansiedade Devido a uma Condição Médica Geral (F 06.4 - 293.89), caracteriza-se por uma ansiedade clinicamente significativa considerada decorrente dos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral.” (DSM IV, 2002) O DSM IV explica ainda que: “Uma variedade de condições médicas gerais pode causar sintomas de ansiedade, incluindo condições endócrinas (por ex., hiper e hipotiroidismo, feocromocitoma, hipoglicemia, hiperadrenocorticismo), condições cardiovasculares (por ex., insuficiência cardíaca congestiva, embolia pulmonar, arritmia), condições respiratórias (por ex., doença pulmonar obstrutiva crônica, pneumonia, hiperventilação), condições metabólicas (por ex., deficiência de vitamina B12, porfiria) e condições neurológicas (por ex., neoplasmas, disfunção vestibular, encefalite).” (DSM IV, 2002) Para KAPLAN (2003), O Sistema Nervoso Autônomo (S.N.A.) é mais conhecido por sua regulação da resposta simpática de “luta/fuga/ medo” e da resposta parassimpática de “relaxamento e restauração”. Os dois sistemas trabalham juntos para manter a homeostase do corpo. Segundo o autor, a excessiva ativação simpática esta relacionada à maioria das doenças provenientes do estresse. O S.N.A. é regulado por vários centros no cérebro, em particular o córtex cerebral, o hipotálamo e a medula oblonga. O hipotálamo desempenha um papel importante na conexão corpo/mente e é um dos principais componentes do sistema límbico. O sistema límbico é um grupo de estruturas do cérebro, ativadas por excitação e comportamento emocional, que influenciam os sistemas endócrino e autônomo. As respostas límbicas são refletidas numa alteração geral do humor e em sentimentos de bem-estar e angústia. Freud (1936) considerou a ansiedade como um estado ou condição emocional desagradável, incluindo componentes fisiológicos e comportamentais, acompanhados por descargas

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motoras, conseqüentes de uma situação de perigo. Além disso, por sua inegável relação com a expectativa, caracterizou-a como ansiedade por algo. Desde a Antiguidade vários autores já se manifestaram a respeito da ansiedade, mas anteriormente a Freud era discutida pelos filósofos preocupados com conflitos e crises existenciais dos seres humanos. Freud deu-lhe uma posição científica de destaque e colocou a ansiedade em

evidência para a compreensão dos distúrbios emocionais e psicológicos. Segundo Andrade e Gorenstein (1998), o estado de ansiedade é conceituado como um estado emocional transitório ou condição do organismo humano que é caracterizada por sentimentos desagradáveis de tensão e apreensão, conscientemente percebidos e por aumento na atividade do sistema nervoso autônomo.

METODOLOGIA

Partindo do princípio de que o presente trabalho estaria relacionado com aspectos psicológicos, optou-se por pesquisar sobre assuntos relacionados com a ansiedade e a doença crônica. Esta é uma pesquisa bibliográfica de caráter descritivo-exploratório, realizada por meio de consultas a bases de dados do Pubmed, Scielo, além de livros didáticos, artigos, periódicos nacionais de autores de Psicologia e áreas afins. Usaram-se as palavras-chave: “ansiedade, doença crônica e psicologia”, além de outras relações como “aspectos psicológicos, angústia, suporte psicológico”. Sendo assim, partindo de várias bases teóricas sobre o assunto, foi realizada uma análise criteriosa dos referenciais encontrados com objetivo de identificar possíveis relações entre a doença crônica e a ansiedade, bem como possíveis intervenções de profissionais da saúde diante destes quadros patológicos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Considerando saúde como “o bem estar biopsicosocial da pessoa e não apenas a ausência de doença” (conforme OMS in Angerami et. Al, 2001), entende-se que a falta de saúde implicará em alterações consideráveis na vida do indivíduo. Desta forma, uma doença crônica poderá acarretar em renúncias, restrições, adaptações e questionamentos internos, gerando outras patologias somáticas, entre elas a ansiedade que caracteriza-se por acréscimos de sintomatologias que poderão causar maiores prejuízos à vida do indivíduo, sob o ponto de vista físico e emocional. Os autores estudados consideram a doença crônica como um estado patológico que rompe as barreiras do indivíduo com ele próprio e com seu meio relacional, seja ele social, afetivo, laboral ou familiar. Essas condições poderão dificultar o tratamento e gerar comorbidades. Para os autores, a ansiedade pode ser considerada um sentimento dominante que está relacionado aos medos, preocupações e características da própria doença que poderá levar o indivíduo à luta e fuga diante da situação inesperada que pode ser visualizada como ameaçadora e perigosa. Caso a ansiedade torne-se presente continuamente, o indivíduo poderá experimentar oscilações de humor, aumentando os sintomas e diante de tais circunstâncias, poderão se caracterizar como transtornos. Verificou-se também que a intervenção terapêutica, do ponto de vista psicológico, realizada

ao paciente no momento oportuno, poderá favorecer de modo que o tratamento da doença crônica se torne mais eficaz, com melhor adesão, prognóstico e qualidade de vida do paciente prevenindo e / ou tratando os sintomas ansiosos evitando outras patologias comórbidas. Percebe-se que a grande maioria da literatura encontrada refere à existência da ansiedade no curso da doença crônica de uma forma isolada, ou seja, a ansiedade surge em algum momento no paciente com patologias específicas. Porém, não encontramos estudos sugerindo que a ansiedade está presente nos quadros patológicos crônicos independente de qual seja esta patologia.

CONCLUSÃO

A ansiedade é uma vivência humana universal dentro do espectro da normalidade, associada à vivência de medo e de outros estados de ânimo e emocionais semelhantes. Apresenta-se como um processo normal do crescimento, da mudança, de experiência de algo novo e nunca tentado, e do encontro da nossa própria identidade e do significado da vida. Mas, a ansiedade patológica, caracterizada pela excessiva intensidade e prolongada duração proporcionalmente à situação precipitante, ao invés de contribuir com o enfrentamento da doença de origem da ansiedade, atrapalha, dificulta ou impossibilita a adaptação. Portanto, há condições em que a ansiedade deixa de ser uma reação normal e se torna viável uma intervenção terapêutica.

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Através da pesquisa realizada encontramos evidências de que o tratamento da doença crônica depende das favoráveis condições de saúde mental do paciente levando em consideração a relação existente entre este e a equipe de saúde que o acompanha. A partir da análise dos referenciais estudados, percebeu-se que a ansiedade é uma sintomatologia importante que evidencia-se na grande maioria das doenças crônicas, seja como característica secundária fisiológica de uma condição médica geral (condições endócrinas, cardiovasculares, respiratórias, metabólicas e neurológicas), bem como um sintoma decorrente das mudanças ocorridas no estilo de vida em geral do indivíduo no curso da doença. A psicologia, na figura do terapeuta, tem um papel importante no sentido de reforçar as orientações dadas pela equipe de saúde, oferecer suporte psicológico, trabalhar com a elaboração de conteúdos pertinentes e por desenvolver suas atividades continuamente ao lado do paciente. Parte dessas atividades engloba o conforto e apoio ao paciente e sua família, procurando preservar

REFERÊNCIAS

a auto-imagem, segurança e confiança em si mesmo. Concordando com Kaplan (KAPLAN, 2003) considera-se que o tratamento dos transtornos do humor, incluindo a ansiedade, deve garantir a segurança do paciente por meio de um bom vínculo com o terapeuta, também garantir uma completa avaliação diagnóstica e um plano de tratamento que inclua os sintomas imediatos, em como o bemestar futuro do paciente. Fez-se jus ao conhecimento adquirido com esta pesquisa, pois possibilitou maior proximidade com o tema, além de percebemos a relevância dada por alguns autores à intervenção psicológica, em casos patológicos envolvendo a ansiedade e a doença crônica. Sendo assim, sugerimos que novos trabalhos científicos envolvendo o tema pesquisado, sejam desenvolvidos por psicólogos, realizando estudos sistemáticos e padronizados, favorecendo o paciente crônico no que diz respeito aos aspectos psicológicos envolvidos, e assim, acrescentando novos dados na literatura a partir de evidências científicas.

AUTORAS

ALMEIDA, A.M., MELEIRO, A. M. Depressão e IRC: uma revisão. J Bras nefrol 2000; 22(i): 192-200. Josiéte Trentini Stocco ANDRADE, L. H. S.G.; GORENSTEIN, C. Aspectos gerais das escalas de avaliação de ansiedade. Revista CRP 08/11379 de Psiquiatria Clínica. V.25, n. 6, nov.-dez. 1998. (edição especial). Psicóloga Clínica pela Universidade ANGERAMI, V. A. et. Al. E a psicologia entrou no hospital. São Paulo: Pioneira Tomson Learning, 2001; Tuiuti do Paraná, Especialista em 147-175. Neuropsicologia pela IBPEX, formação BREITBART W - Identifying patients at risk for, and treatment of major psychiatric complications of em Terapia Comportamental e cancer. Support Care Cancer, 1995;3:45-60. Cognitiva pelo CETECC, Curitiba/PR FREUD, S. Inibição, sintoma e angústia. Obras completas. Biblioteca Nueva Madrid: 1968. josi_stocco@yahoo.com.br FURTADO M.C.C., LIMA R.A.G. O cotidiano da família com filhos portadores de fibrose cística: subsídios Campo Largo/PR para a enfermagem pediátrica. JENKINS, P. L., LINIGTON, A. & WHITAKKER, J. A. (1991). A retrospective study of psychosocial Caroline Santos de Souza morbidity in bone marrow recipients. Psychosomatics, 32(1), 65-71. Nascimento KAPLAN, HI; SODOCK, BJ; GREBB, JA. Compêndio de Psiquiatria – ciência do comportamento e CRP 08/11376 psiquiatria clínica. 7ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2003. Psicóloga da Secretaria Municipal KAY, J; TASMAN, A; LIEBERMAN, JA. Psiquiatria: Ciência comportamental e fundamentos clínicos. da Saúde pela Universidade Editora Manole, 2002. Tuiuti do Paraná, Especialista em LIMA, M.G; LIMA, A .C .L. Pacientes renais crônicos e transplantados. São Paulo: GBM, 1983. Neuropsicologia pela IBPEX MAGUIRE, P. _ ABC of breast diseases: psychological aspects _ BMJ 309: 1649-52, 1993. carolinesouza@brturbo.com.br MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DOS TRANSTORNOS MENTAIS. DSM-IV TR 4 ed. Artmed, Curitiba/PR 2002. MARCELINO, D. B., CARVALHO, M.D.B. Reflexões sobre o Diabetes Tipo 1 e sua Relação com o Emocional. Orientadora: Ana Paula da Silva Universidade Estadual de Maringá, Psicologia: Reflexão e Crítica, 2005, 18(1), pp.72-77 Artigo apresentado para o Título de MAY, R. (1980). Significado da ansiedade. Rio de Janeiro: Zahar. Especialista em Neuropsicologia da PEREIRA, A. L. S. Construção de um Protocolo de Tratamento para o Transtorno de Ansiedade IBPEX – Instituto Brasileiro de PósGeneralizada. Rio de Janeiro, 2005. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Instituto de Psicologia. graduação e Extensão/2007 Universidade federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005. PESSOTTI, I. Ansiedade. São Paulo: EPU, 1978. RAZAVI D, DELVAUX N, FARVACQUES C ET AL - Screening for adjustment disorders and major depressive disorders in cancer in-patients. Br J Psychiatry, 1994;156:79-83.

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PSICANÁLISE

Minha preocupação em analisar a ética no diversificado quadro que se compõe os espaços psi’s na contemporaneidade, se deve a um fato importante, qual seja: se há uma verdade inquestionável da qual não podemos fugir hoje, é que vivemos uma crise ética nos mais diversos setores da sociedade. A psicologia e a psicanálise, por conseqüência, como saberes que problematizam as subjetividades do homem contemporâneo, não poderiam ficar de lado, já que nunca se falou tanto sobre ética quanto se tem falado na última década, seja através de produções acadêmicas, na publicação de livros, artigos, palestras, debates, manuais e seminários, em programas de televisão ou de rádio, em revistas ou jornais, ou até mesmo em conversas informais ou rodas de amigos. Talvez, uma explicação para tal fato, seja a falência dos valores, na qual a razão foi colocada como bastião da modernidade enquanto fundamento ético. Do meu ponto de vista, nunca se problematizou tanto a crise ética quanto a aquela que o sujeito contemporâneo tem vivido nos nossos dias, crise esta que tem se refletido nos consultórios psicoterápicos das mais diversas linhas teóricas, através dos mais diversos sintomas. Alguns destes podem ser descritos como o sentimento de desamparo social individual ou coletivo, da crise de valores morais, do desrespeito aos códigos e leis a que somos regidos, pela indústria e sociedade de consumo que vivemos ou pela risível necessidade de felicidade sexual e afetiva. Em outros momentos, estes sintomas são descritos como uma conseqüência do consumo excessivo de drogas e álcool, herdeiras da felicidade imediata, do agravamento da crise econômico-financeira, do desmantelamento da instituição familiar e política brasileira ou pela “corrosão” das identidades sociais contemporâneas que tem fomentado aquilo que Christopher Lasch denominou de “culturas narcísicas”. Finalmente esta crise também pode se ver refletida na própria psicologia, e fundamentalmente na psicologia clínica, face à indústria dos psicofármacos que têm prometido felicidade instantânea e bem-estar imediato, na cultura do “prozac” que se tomou forma no final dos anos noventa, e que tenta responder aos diversos sintomas psicológicos da modernidade, tais como tem se colocado os diversos tipos de neurose, transtornos do pânico ou depressão.

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Se no final do século XIX Freud se debatia com as crises histéricas, neuróticas e alguns tipos de psicose resultantes da “moral sexual civilizada”, na atualidade, não seria justamente esta “moral sexual” que estaria conformando a ética contemporânea individual, coletiva e por que não dizer, profissional, como é o caso da psicologia, quando Conselho Federal de Psicologia necessita editar uma resolução que proíbe ao psicólogo qualquer promessa de cura das identidades desviantes ou periféricas, como é o caso da chamada “homossexualidade”? A Resolução 01/99 editada pelo CFP em 1999, portanto, em vias de completar dez anos da sua publicação, estabelece normas de atuação dos psicólogos em relação à orientação sexual, ao compreender que na sua prática, ele é freqüentemente questionado sobre sua sexualidade, entendendo ainda que a homossexualidade não constitui doença, distúrbio ou perversão. E mais: que a psicologia deve contribuir com os seus conhecimentos com relação a sexualidade para a eliminação do preconceito e da discriminação1. Portanto, diz a resolução “os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas”, não exercendo “qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas”, nem adotando “ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados”. Portanto, é vedado aos psicólogos participarem de “pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica”. Do ponto de vista ético, o psicólogo está impedido de promover a “cura” da “homossexualidade”, haja visto que esta, segundo o entendimento do Conselho Federal, não se constitui como uma doença, assim como o era desde o século XVIII . Na nossa sociedade, na nossa cultura, só há bem pouco tempo que a “homossexualidade” foi retirada do rol das doenças tratáveis pela medicina2, o que não impediu que este grupo até hoje fosse discriminado e sofresse preconceito, a um ponto de ter seus desejos afetivos e sexuais “curados” por alguns profissionais da psicologia que ainda hoje sofrem os efeitos da “moral sexual civilizada”, moldando, assim, sua ética profissional.

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É

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ÉTICA PROFISSIONAL

EM PSICOLOGIA por Sergio Gomes

considerações sobre a Resolução 01/99

...só há bem pouco tempo que a “homossexualidade” foi retirada do rol das doenças tratáveis pela medicina... Revista de Psicologia ATLASPSICO nº 10 | outubro 2008

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Mas por onde começar a falar de ética, face a esta situação? Como a dimensão ética está colocada nos dias atuais e, sobretudo para o profissional psi? Estaria esta ética comprometida bem mais com um conjunto de regras o qual ele está irremediavelmente preso a seguir, ou como um “cuidado de si”, para usar a expressão de Foucault? Tentemos brevemente destrinchar algumas destas questões. Sempre quando somos solicitados a falar, debater, questionar ou tecer alguns comentários teórico-prático sobre a ética em psicologia, querendo ou não, sempre nos deparamos com algumas noções ligadas à filosofia, e principalmente à filosofia antiga, de Sócrates, Aristóteles ou Platão. Desde os gregos antigos, acostumamo-nos a pensar que a ética e todas as questões dela decorrente deveriam ser tratadas pela filosofia. Quando partimos para uma definição da palavra ética nos espaços psis, antes de tudo temos que tomar como ponto de partida o sentido dado à ética individual ou pessoal do sujeito moderno, ou, conforme afirma o psicólogo e psicanalista Luis Cláudio Figueiredo, em seu livro “Revisitando as Psicologias – da epistemologia à ética das práticas e discursos psicológicos”, precisamos nos questionar sobre o sentido da própria ética em nós mesmos, para nos constituirmos enquanto sujeito. Algumas reflexões poderiam ser possíveis, então: “como se conduzir adequadamente diante dos outros e diante de si? Como e sobre que condutas exercer um autodomínio da minha natureza? Como se moderar, como conter sua natureza, na convivência com os outros e consigo mesmo? Como se educar e trabalhar-se na construção de uma subjetividade plenamente realizada e bem sucedida? Como cuidar de si? E com que finalidade se efetuam todas essas reflexões e todas essas práticas éticas?” A compreensão da ética deve ser levada a cabo muito além das correntes filosóficas e tratada muito mais do que um conjunto de regras e códigos que normatiza a diversidade das profissões hoje vigentes, visto que o sentido que temos da ética

em nossos dias, não pode ser um sentido estático, sem proposições a mudanças, pois ela pode e deve ser descrita e redescrita inúmeras vezes, na medida que a contingência histórica em que vivemos se faça necessário. De acordo com Luis Cláudio Figueiredo, esse “ethos” ao longo da história nunca foi algo estático, parado no tempo e no espaço. Pelo contrário, não há uma única ética comum a todas as culturas, épocas e a todas as formas de subjetivação, no sentido de um padrão de moralidade hoje vigente, nem muito menos de um código rigidamente construído para dar conta da diversidade das subjetividades do homem contemporâneo, e da diversidade das profissões e ações humanas que ela (a ética) está implícita ou explicitamente incluída. De acordo com Luis Cláudio, de cultura para cultura e de época para época, podem variar os padrões implícitos de morais vigentes assim como dos códigos a que aprendemos ao longo da nossa vida. “Eles de fato variam em relação tanto aos aspectos da conduta e intenções a serem considerados e colocados sob controle como às formas de impor e exigir obediência aos sujeitos e de punir eventuais transgressões”. O psicanalista Jurandir Freire Costa chega até mesmo admitir que muitas das ações e proposições éticas e morais condenáveis no passado podem tornar-se recomendações morais no futuro, vindos até mesmo serem tomadas como regras e normas do bem viver. É neste percurso que precisamos discutir alguns usos da palavra ética e verificar como esta se articula com a nossa moral sexual vigente e com nossa prática profissional. Para a Marilena Chauí a ética está na constituição da personalidade do sujeito moderno e vai designar “caráter, índole natural, temperamento, conjunto das disposições físicas e psíquicas de uma pessoa. Também se refere a características pessoais de cada um que determina quais virtudes e quais vícios cada um é capaz de praticar”.

...a ética está na constituição da personalidade do sujeito moderno e vai designar “caráter, índole natural, temperamento, conjunto das disposições físicas e psíquicas de uma pessoa...” 40

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Para o filósofo Henrique Vaz, ética constituise como sujeição de si e vai designar o “modo de agir do indivíduo, expressão de sua personalidade, e deverá traduzir finalmente a articulação entre o ethos como caráter e o ethos como costume. Em outro momento, esse ethos também pode significar ‘domínio de si mesmo’.” Porém, para o filósofo Michel Foucault “as éticas não só refletem diferenças nos modos de subjetivação, mas participam da constituição das subjetividades; em outras palavras, podemos ver as éticas como dispositivos ensinantes de subjetivação: elas efetivamente sujeitam os indivíduos, ou sejam, ensinam, orientam, modelam e exigem a conversão dos homens em sujeitos morais e historicamente determinados”. Para o Psicanalista Jurandir Freire Costa a ética refere a “ação humana que toma por objeto de intervenção outra ação humana” sendo, pois, um “efeito do discurso para julgar se uma ação humana é boa ou má”, tornando-se assim uma “avaliação moral de uma ação humana”. Para o psicanalista Eduardo Ponte Brandão, a ética tem como pressuposto valores universais e totalizadores, capazes de ordenar as ações humanas. Neste sentido, a ética aqui também está sendo tomada como sinônimo de moral. Ora, como é que aqui estamos entendendo a noção de moral? Sem perdemos muito tempo com inúmeras definições, entendemos moral conforme a definição de Michel Foucault, ou seja, “um conjunto de valores e regras de ação propostas aos indivíduos e aos grupos por intermédio de aparelhos prescritivos diversos (família, instituições, leis, etc.)”. No sentido grego do termo, o ethos, objeto da ética, se refere tanto aos costumes como aos hábitos do nosso dia a dia, e é empregado como “morada do sujeito”, no sentido lato do termo: morada, residência, instalação, no qual é possível refletir sobre os nossos valores, de nossas posturas, dos nossos hábitos e costumes. Assim, a ética ou “ethos” é entendida como “casa”. Segundo Luis Cláudio Figueiredo, “é no enfrentamento prático e teórico dessas questões que se vão constituindo, e, ao longo dos tempos, se transformando os sujeitos éticos”. Neste caso, também vão se constituindo a “morada”, “a residência”, “a casa” do profissional em psicologia, no embate entre as crises e valores éticos e morais que estão postos com a pós-modernidade, a crise de valores intersubjetivos, que vai se constituindo o espaço do profissional psi. Talvez seja impensável se chegar a uma prática ética como profissional da psicologia sem que aprendamos a nos constituir como sujeito ético, ou dito de outro modo,

enquanto pressupostos morais essenciais na nossa constituição não estejam rigidamente bem definidos. Finalmente, para Luís Cláudio, o conceito de ética perpassa por quatro momentos distintos. No primeiro momento o termo “ética” é usado como adjetivo no uso de expressões tais como “conduta ética” ou “dimensão ética da existência humana”, ou seja, usado deste modo, a ética é entendida no âmbito das relações de um indivíduo para com outros indivíduos, e refere-se a princípios, valores morais, normas de ação e ideais, atentando para a conveniência e legitimidade diante dos valores e normas. No segundo momento, a ética, segundo o autor, vai referir-se a metas de ação humana, onde há uma “reflexividade”, ou seja, “uma relação de si para consigo, um autocomprometimento do sujeito, implicados na conduta ética”. No momento posterior, também poderíamos entender ética como substantivo, e refere-se a “padrões implícitos e/ou aos códigos explícitos que prescrevem ou proíbem determinadas condutas”. Neste caso o termo ética está sendo compreendido como sinônimo de moral, e aí estariam incluídos a implicação, obediência e respeito por sujeitos que compartilham de opiniões semelhantes ou distintas sobre um mesmo tema. Sabendo-se que, conforme afirma o autor, podemos agir de modos distintos e respeitar essa forma de agir ou pensar do outro, lembrando-nos que “no âmbito das culturas, há igualmente ethos mais rígidos e outros mais frouxos em termos das exigências de obediência impostas aos sujeitos e das formas de relação consigo exigidas”. Por fim, a ética é entendida como uma parte da filosofia que visa refletir e elaborar argumentos sobre os fenômenos anteriormente descritos, cujo objetivo é explicitar o sentido da dimensão ética da existência humana e sistematizar e justificar racionalmente um determinado código ou padrão de conduta, um determinado quadro de normas e valores de uma determinada postura a ser ensinada e exigida a um grupo de indivíduos. Pois bem, face a essas considerações, que conclusões podemos chegar (algumas nem tão óbvias assim), quando verificamos a necessidade da edição de uma resolução pelo Conselho Federal de Psicologia que proíbe toda e qualquer a ação do psicólogo no “tratamento” da chamada homossexualidade? A primeira delas é clara: não somos senhores da verdade nem podemos inferir no sujeito o segredo do nosso desejo de acordo com a nossa “moral sexual”. A segunda, talvez seja menos obvia e por isso mesmo, precisa ser melhor esclarecida: todos

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...não somos senhores da verdade nem podemos inferir no sujeito o segredo do nosso desejo de acordo com a nossa “moral sexual”... nós somos herdeiros da ética naturalista da qual nos informa Jurandir Freire Costa. De acordo com Jurandir Freire esta ética “busca na natureza os fundamentos da vida moral” e “visa descobrir o fundamento trans-histórico e universal capaz de justificar a necessidade das mesmas obrigações morais para todos os indivíduos”, ou seja, do final do século XIX até os nossos dias, ainda somos levados, em alguns casos, pelos impasses colocados pela “moral sexual civilizada”, que dita as nossas atitudes para com os nossos semelhantes, que configura o que achamos normal e patológico, perverso ou sadio, que dita as nossas regras do bem viver, e que fundamentalmente conjura no indivíduo a marca exeqüível da corrosão de suas identidades. Deixamos de ver o indivíduo através do que ele tem de singular e particular, e passamos a vê-lo por uma particularidade física, genética, econômica ou identitária, seja de sexo ou de gênero, conformando aquilo que Daniela Ropa denominou de fechamento identitário do sujeito. Na “moral sexual civilizada” vitoriana e referida por Freud, as conseqüências diretas eram as doenças dos nervos através dos diversos males psíquicos, sejam através de sintomas histéricos ou neuróticos, fomentada inquestionavelmente pelos padrões culturais da sociedade da época, conformando o sofrimento psíquico em homens e mulheres e dividindo-os em sujeitos no binômio das identidades sexuais. Hoje, a mesma sexualidade perversa do século XVIII e XIX, sofreu outros duros golpes, sobretudo pelo fenômeno da Aids no imaginário social coletivo no início da década de 80, apesar dos avanços promovido em todo o mundo pelas políticas de identidades sexuais.

Eu penso, junto com Foucault, que o que fizemos da nossa sexualidade hoje, poderia caminhar por um outro lugar, qual seja, que apesar da sexualidade hoje ser uma das nossas fontes mais produtivas da nossa sociedade, do nosso ser e da nossa subjetividade, deveríamos compreender que a sexualidade não se constitui em si, única e exclusivamente o segredo do nosso ser, a verdade do nosso eu, nem que ela diga mais de nós mesmos do que temos condições de dizer. Se ela não pode dizer nada além sobre nós, significa que ninguém mais tem o direito dela se apropriar para fazer com ela o que não é objeto do nosso desejo. Conforme afirma Jurandir Freire, “no campo da subjetividade, não existe distância fenomenológica entre o que se é e o que se diz que é. Somos o que dizemos que somos ou o que nos disseram que somos ou deveríamos ser. E, se dissemos que somos de várias maneiras, é porque somos constituídos de várias subjetividades”. Portanto, no que compete à Resolução do CFP sobre orientação sexual, é mais do que recomendável criarmos leis que punam profissionais dentro de condutas, argumentos e procedimentos eminentemente anti-éticos, fazendo com que possamos respeitar as livres escolhas subjetivas de sujeitos auto-denominados homossexuais, uma vez que, no divã ou em qualquer outro espaço psicoterápicos, “somos todos iguais diante da falta, do rochedo da castração, da inveja do pênis, da viscosidade da libido, do real, do gozo ou da insustentável divisão do não-ser. Deixemos, pois, a quem possa interessar, as pequenas querelas mundanas dos que procuram consolo nas ilusões sociais. Aos tolos, a busca do Santo Graal erótico; a nós, a consciência trágica, constrita, heróica e dilacerada de que a ferida da existência não tem cura!”.

1 É importante salientar que o CRP 05 – Rio de Janeiro, criou recentemente um Grupo de Trabalho 2Paraumahistóriadahomossexualidade,existeumaextensaliteraturaquetrataarespeito,porém,remetooleitoràquelasqueconsiderodemaior valorteóricoeético:Costa,JurandirFreire(1992).Ainocênciaeovício:estudossobrehomoerotismo.RiodeJaneiro:Relume-Dumará;Costa,Jurandir Freire(1995).Afaceeoverso:estudossobreohomoerotismoII.SãoPaulo:Escuta;Badinter,Elizabeth(1993).XY:sobreaidentidademasculina. RiodeJaneiro:NovaFronteira.Spencer,Collin(1996).Homossexualidade:umahistória.RiodeJaneiro:Record;Foucault,Michel(1984).Históriada Sexualidade. Rio de Janeiro: Graal (3 volumes).

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BADINTER, Elizabeth. XY: sobre a identidade masculina. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. BRANDÃO, Eduardo Ponte. Sobre ética das práticas psi: felicidade e cidadania In: Psicologia, Ciência e Profissão, Ano 18, Nº 01, 1998, p. 02- 11. CAMPELLO, Maria Teresa de Melo Barreto. Os diversos usos das palavras éticas. S/D. Mímeo. COSTA, Jurandir Freire. A face e o verso: estudos sobre o homoerotismo II. São Paulo: Escuta, 1995. ______. A inocência e o vício: estudos sobre homoerotismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992. ______. A questão psicanalítica da identidade sexual In: Grana, Roberto B. (org.) Homossexualidade: formulações psicanalíticas atuais. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. ______. Ética e o espelho da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. ______. Prefácio a título de diálogo In: Ortega, Francisco. Amizade e estética da existência em Foucault. Rio de Janeiro: Graal, 1999, pp. 11-20 ________. Redescrições da Psicanálise: ensaios pragmáticos. Rio de Janeiro: relume-Dumará, 1994. FIGUEIREDO, Luís Cláudio. Revisitando as psicologias: da epistemologia à ética das práticas e discursos psicológicos. São Paulo/Petrópolis: Educ/Vozes, 1996. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I : a vontade de saver. Rio de Janeiro: Graal, 1984. ______. História da sexualidade II: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Imago, 1986. ______. História da Sexualidade III: o cuidado de si. Rio Janeiro: Graal, 1986. ______. Sexo, poder e política da identidade in Dits et Écrits. Paris: Gallimar, pp. 735-746, 1994. FREUD, Sigmund. Moral sexual civilizada e doença dos nervos moderna (1908). Rio de Janeiro: Imago. Obras Completas, Vol. IX, 185-208, 1976. LASCH, Christopher. A Cultura do Narcisismo: a vida americana numa era de esperanças em declínio. Rio de Janeiro: Imago Ltda., 1983. PEIXOTO JÚNIOR, Carlos augusto. (1999). Metamorfoses entre o sexual e o social: uma leitura da teoria psicanalítica sobre a perversão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.. Resolução CFP Nº 01/99, de 22 de março de 1999. ROPA, Daniela. Ela é... o que você quiser in Costa, Jurandir Freire. Redescrições da psicanálise: ensaios pragmáticos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, p. 169-179, 1994. SPENCER, Collin. Homossexualidade: uma história. Rio de Janeiro: Record, 1996. VAZ, Henrique C. de L. Escritos de Filosofia: Ética e Cultura. São Paulo: Ed. Loyola, 1993.

AUTOR

Sergio Gomes Psicanalista em Formação pelo Círculo Brasileiro de Psicanálise – Seção Rio de Janeiro; Mestre em Saúde Coletiva pelo IMS/UERJ; Especialista em Direitos Humanos pelo Dpto. Filosofia/UFPB; Especialista em Sexualidade Humana pelo CE/UFPB; Psicólogo Clínico Graduado pela UFPB. E-mail: sergiogsilva@uol.com.br

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CIBERCULTURA

PARCEIROS "DANDO SOPA"

NA INTERNET por Raquel Ferreira

É mais fácil encontrar um companheiro na internet que em festas ou no trabalho. A afirmação é atestada por uma pesquisa realizada nos Estados Unidos com 10 mil americanos que se casaram nos anos de 2006 e 2007. Quanto mais velho o "candidato" a relacionamentos, maior a chance de encontrar o parceiro no universo virtual e não no real. O estudo, divulgado na última edição da revista New Scientist, foi encomendado pela agência online de relacionamentos eHarmony e apontou que 19% dos entrevistados encontraram seus parceiros pela web, comparado a 17% no trabalho e 17% por meio de amigos. Dos casais com idade entre 45 e 54 anos, 31% se conheceram online. Esse número diminui para 18% na faixa dos 20 aos 44 anos. Segundo os pesquisadores, os mais jovens têm mais meios de encontrar pessoas, como na faculdade, por exemplo. Embora tenha sido realizada nos Estados Unidos a pesquisa mostra um comportamento mundial e de todas as idades, segundo o psicólogo Márcio Roberto Regis. O especialista comenta que a rede confere uma praticidade e comodidade muito atraentes na vida atual. "Você não precisa sair de casa, pegar trânsito, entrar num casa noturna ou balada. Sem contar que os custos são praticamente zero. Acessar sites 44

de relacionamento e salas de bate-papo funciona como uma ferramenta, um compensador para interagir com outras pessoas. Na internet existe a possibilidade de conversar com quantas pessoas desejar, selecionar por meio de perfis, fotos ou vídeos. Conectado à web abre-se um leque enorme de possibilidades de encontrar um pretendente, por isso a facilidade de encontrar um parceiro neste meio". Para o psicólogo o resultado da pesquisa não reflete apenas a realidade dos que passaram dos 45 anos. Porém, para a faixa etária pode ser mais fácil encontrar alguém na internet devido a falta de tempo para ir em festas ou disponibilidade para encontrar um parceiro no ambiente de trabalho. "Outro motivo que leva os quarentões a flertar virtualmente é a possibilidade de conhecer muito mais pessoas do que no mundo real em que vivem. No presencial os relacionamentos interpessoais são muito restritos, ou seja, se resumem ao circuito casa-trabalho, trabalho-casa. Muitos usam carro como meio de transporte e consequentemente não caminham pelas ruas, assim encontram dificuldades de conhecer e flertar com outras pessoas". Mesmo estando um pouco distante da faixa mencionada na pesquisa a publicitária Maria (nome fictício), 31, viu na internet uma forma de encontrar pessoas se estivessem dentro do perfil

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que desejava para se relacionar. E parece que deu certo. Ela namora Fabiano (nome fictício), 26, há seis anos e tudo começou em uma sala de batepapo. A publicitária comenta que achava difícil conhecer gente interessante em bares e festas onde nunca acontecia uma aproximação entre homens e mulheres. "Eu queria conhecer pessoas legais para me relacionar e sempre entrava em salas de poesia, livros, música e assuntos afins. Cheguei a ter um contato intenso com um menino da Bahia, marcamos de nos encontrar no Rio de Janeiro mas ele não foi. Depois disso fiquei meio decepcionada e pensando que jamais conheceria de fato aquelas pessoas com quem conversava. Então um dia decidi entrar numa sala de bate-papo daqui de Cuiabá". O interesse pelo atual namorado foi surgindo gradativamente a cada contato. Maria conta que achou o nick (apelido) dele engraçado e puxou conversa. "Conforme os assuntos surgiam eu me impressionava mais. Lembro que na ocasião escutava uma música de Chico Buarque e comentei com o Fabiano que teceu comentários sobre o cantor. Depois ele comentou que estava cuidando da mãe que havia feito uma cirurgia. Fiquei impressionada por ele ser jovem e estar fazendo aquilo, bem diferente da maioria das pessoas com a mesma idade". Após conversarem bastante pela internet e trocarem telefone, Maria e Fabiano foram ao cinema e descobriram que tinham bastante afinidades. "Levei uma amiga comigo e depois do filme combinamos de sentar num bar. Ele me chamou pra ir no carro dele e a minha amiga acabou não indo ao nosso encontro. Conversamos bastante, demos uma volta pela cidade e acabamos ficando. No outro dia ele ligou e liga até hoje". "Relacionamentos virtuais são tão saudáveis quanto os que iniciam no presencial", atesta o psicólogo Márcio Roberto Regis. Porém, são formas diferentes de se relacionar. "O internauta utilizará os recursos que a rede lhe proporciona para um flerte virtual. Há uma limitação. Em contrapartida os flertes presencias são mais intensos, olho no olho, é possível sentir o perfume da pessoa, ouvir a voz, abraçar, sentir o outro. Há pessoas com melhor habilidade comportamental numa vida virtual e outras na vida real".

Mas a arquiteta Fernanda (nome fictício), 29, lembra que o virtual pode se tornar real e o casal vivenciar tudo o que um relacionamento "à moda antiga" tem para oferecer. Namorando Rafael há seis meses ela conta que passeava em uma comunidade do Orkut em busca de um passeio fotográfico. "Queria conhecer gente diferente. Na comunidade não havia tal informação, mas encontrei o Rafael e gostei. Entrei na página dele e vi que conhecia a minha cidade. Deixei um recado e começamos a conversar". Após 15 dias de contato virtual Fernanda decidiu marcar um encontro pessoal. "Não fiquei com medo de ser alguma armadilha. Conversamos bastante e percebi que era uma pessoa legal". Do virtual para o real - O psicólogo explica que não existe uma receita para evitar armadilhas ou decepções na rede. "Vai depender do feeling de cada um. O ideal é saber mais sobre a pessoa que está do outro lado, ver fotos e vídeos. Mesmo assim é possível enganar o outro com todos esses recursos que possuímos hoje. Conversar muito antes de conhecer pessoalmente é a melhor coisa a ser feita. Trocar telefones, passar endereço de trabalho e o residencial devem ser atitudes evitadas num primeiro momento. Se quiser saber mais sobre a pessoa é preciso ter segurança para então marcar um encontro no presencial, de preferencia em algum local movimentado e seguro e deixar alguém avisado por precaução". Regis destaca que não há um tempo certo de conversa antes de conhecer pessoalmente um flerte virtual. O que determinará e encontro é a intensidade do flerte e a freqüência com que as pessoas se comunicam. Quanto maior intimidade no virtual mais rápido será o encontro real embora isso não garanta o futuro dessa relação. O especialista lembra ainda que os riscos de procurar um relacionamento na internet, assim como em outros relacionamentos, também envolvem decepções e outros perigos, assim como podem ser bons, duradouros ou não. "Procurar relacionamentos no mundo virtual pode ser tão perigoso quanto se procurar um na vida real, mas claro que exige muito cuidado, cautela, principalmente aos internautas de primeira viagem".

AUTORA

Raquel Ferreira | Reporter do Jornal Gazeta Digital de Cuiabá/MT. Entrevista publicada originalmente no Jornal Gazeta Digital no dia 24 agosto 2008. www.gazetadigital.com.br

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COLUNA

CIBERBULLYING por Márcio Roberto Regis

A ameaça viral às Instituições de Ensino

B

ullying é um tema muito conhecido na maioria das escolas em todo o Mundo. O termo inglês “bully” possui o significado de “brigão”. A prática consiste num conjunto de comportamentos intencionais, repetitivos de agressão física e psicológica cometida entre adolescentes sem motivo aparente. Essa violência pode ser física, moral, verbal, psicológica, sexual, material e também virtualmente. Como citado, a física é justamente agredir o adolescente fisicamente, bater, empurrar (existem diversos vídeos no Youtube que exemplificam bem essas agressões). A moral é tirar sarro do outro, isolar o aluno dos demais, não cumprimentá-lo. A verbal é xingar o aluno, colocar apelidos que tragam constrangimento a vítima. A violência psicológica é ameaçar a pessoa dentro ou fora do ambiente escolar. O sexual é a pessoa abusar da vítima, forçar a algo que não queira fazer, bolinar. O material é quando a vítima tem seus pertences quebrados, roubados, o aluno tem suas roupas rasgadas, etc. Se já não bastasse tanta violência e insanidade dos abusadores, agora a moda é o ciberbullying que entra no contexto virtual. Esses comportamentos inadequados permanecem porque eles acreditam que anonimamente nada irá acontecer, não há punição da Instituição à esses alunos. Eles têm a sensação de liberdade e escrevem na internet o que bem desejam. Só que ninguém está anônimo na rede. No ciberbullying os agressores criam perfis falsos da vítima em redes de relacionamento, criam

comunidades específicas para depreciar colegas de classe ou outros membros da instituição de ensino. As vítimas do ciberbullying além de apresentam dores de cabeça e estômago, diarréia, vômitos, ela começa a não querer comparecer às aulas, torna-se um adolescente irritado, sonolento, sempre aparece com manchas no corpo devido agressões físicas, as roubas sempre estão sujas e materiais quebrados, com poucos amigos e raras habilidades comportamentais. O adolescente não consegue se impor perante os agressores que sempre agem em bando. Muitos ficam ao lado do agressor por medo que também sejam possíveis vítimas. Se o seu filho é vítima de (ciber)bullying, preste atenção nos sinais descritos acima e procure conversar com ele sobre suas dificuldades sofridas em sala de aula ou fora dela. O ideal é recorrer à um psicólogo para que suas dificuldades sejam trabalhadas. Se o seu filho é um agressor, o ideal é ensinálo que esses comportamentos não o fazem melhor que ninguém e é possível manter o respeito sem se impor de forma agressiva. Procure ajuda de um psicólogo. Além disso, procure observar qual modelo de educação ele está tendo. Os comportamentos agressivos são aprendidos. Esses comportamentos agressivos, na maioria das vezes, são reforçados por pais agressivos. Quanto as escolas, devem vigiar as redes de relacionamento no intuito de prevenir e também ensinar seus alunos qual a forma mais sadia de interagir com colegas. Da mesma forma que interagimos na vida real, deve existir um bom senso, também, na vida virtual.

AUTOR | Márcio Roberto Regis | CRP 08/10156

Especialista em Psicologia Clínica Comportamental atlaspsico@atlaspsico.com.br | www.atlaspsico.com.br

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