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ESPORTE

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MEIO AMBIENTE

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COMO OS ANTIGOS POLINÉSIOS

Ubatuba já reúne muitos praticantes da canoa havaiana, tipo de embarcação milenar que se transformou em um esporte repleto de benefícios para o corpo e a mente

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A Polinésia é uma região que reúne mais de mil ilhas no Oceano Pacífico, entre a Austrália e os Estados Unidos, englobando o Taiti, o Havaí e a Ilha de Páscoa. Foi nessa região, há cerca de 3.000 anos, que surgiu a canoa havaiana ou polinésia, também chamada de outrigger canoe e ainda wa'a ou va'a, sua denominação tradicional. São muitos nomes para uma mesma embarcação, que se distingue por possuir um segundo casco menor ou flutuador, que a estabiliza sem reduzir sua velocidade.

Esse tipo de canoa teve um importante papel para os diversos povos da região polinésia, sendo usada para muitos fins, principalmente transporte local e longas navegações. Também fazia parte de vários rituais e tradições, sendo considerada sagrada por esses povos. Ao longo dos séculos, a canoa havaiana continuou viva e se transformou em um esporte praticado em vários locais do mundo. Hoje, ela não é mais fabricada com madeira, como antigamente, e sim com fibra de vidro, na medida padrão de 14 m de comprimento por 50 cm de largura, para a modalidade principal do esporte, com seis remadores. Na canoa, cada um tem uma função específica, e todos devem remar em sintonia e com ritmo. A chegada do esporte no Brasil é relativamente recente – aconteceu em 2000, por iniciativa de Fábio Paiva, atleta da canoagem oceânica que difundiu o va'a no país de forma pioneira. Atualmente, há praticantes e escolas em muitas cidades litorâneas, principalmente as paulistas e fluminenses. E ele vem atraindo um número cada vez maior de adeptos pelos muitos benefícios que proporciona.

Para o corpo e a mente

Além de ser uma ótima atividade para a saúde, que trabalha o fortalecimento dos músculos e o condicionamento cardiovascular, a canoa havaiana exige atenção e integração entre os remadores, promovendo o respeito pelo trabalho em equipe, aprendizado essencial para inúmeras

situações. E como se não bastassem esses pontos positivos, há outro muito importante: a grande interação que proporciona com a natureza, permitindo adentrar belos cenários naturais que muitas vezes só podem ser vistos e admirados a partir do mar. "Cada passeio é um deslumbre, seja pelo pôr do sol, pelas paisagens ou pelos animais que aparecem, como as tartarugas. Estamos explorando uma região tão rica naturalmente que o tempo todo a gente tem uma surpresa", conta Diogo Ribeiro, que começou a remar há três anos em Ubatuba, no Itaguá. Conquistado pelo esporte, ele criou, juntamente com Leonardo Passaglia, que já foi salva-vidas, uma equipe de canoa havaiana na Praia do Lázaro, em Ubatuba, que na prática funciona como uma escola. Morando em um veleiro no Saco da Ribeira e com a certificação de Mestre-Amador, que habilita à navegação costeira, o arquiteto Diogo encara a Va'a Sul, sua equipe de canoa havaiana, como muito mais que um hobby. Apesar de demandar dedicação e esforço, ele se sente recompensado com a possibilidade de reunir pessoas para remar em conjunto e recomenda o esporte para todas as idades, a partir dos oito anos. "Temos uma faixa etária bastante ampla, com pessoas de mais de 60 anos e também crianças, filhos e filhas dos remadores mais velhos", conta ele. Esse ambiente familiar atraiu os moradores da região e já há a ideia de criar uma turma infantil, após a interrupção causada pela pandemia: "Mesmo sendo um esporte ao ar livre, temos seis pessoas remando próximas, e algumas têm mais idade", explica Diogo sobre a pausa nas atividades, que podem ser retomadas ainda neste verão.

Aprendizado na prática

Diogo acredita que o melhor aprendizado para a canoa havaiana é no mar, remando, desde o primeiro contato com o esporte. "Na aula inicial, após uma explicação técnica na areia, o aluno já sai remando. Depois, dia a dia, vamos acrescentando ensinamentos", conta ele, destacando que os treinos são bem variados. A equipe faz um trajeto diferente a cada dia, alternando

rotinas de maior resistência a outras, que exigem mais força. Outra característica da equipe do Lázaro é o sistema de rodízio de posições entre os remadores. Como cada posição corresponde a uma função (veja quadro), alternar os remadores de lugar traz benefícios, na visão de Diogo: "É muito importante que as pessoas conheçam todas as posições, para que saibam o que faz cada remador e qual sua responsabilidade. Com a rotatividade, cada um acaba se saindo muito melhor em seu papel". Talvez esse aprendizado também tenha seus reflexos no comportamento das pessoas no dia a dia, até mesmo fora do esporte, uma vez que permite, na prática, se colocar na posição do outro e ver uma mesma situação com um olhar diferente, o que não deixa de ser um treino para desenvolver a empatia.

Um projeto para o futuro

Outro expoente da canoa havaiana em Ubatuba é Lucas Miom, responsável pela Ubatuba Hoe, escola no Itaguá. Foi lá, inclusive, que Diogo se tornou um entusiasta do esporte, antes de criar sua própria equipe. Além de instrutor, Lucas é praticante de diversos esportes e um remador experiente, tendo participado da maior expedição de canoa havaiana do país, realizada em 2018, quando uma equipe de remadores saiu de Niterói (RJ) e chegou a Santos (SP) depois de percorrer 430 km em 10 dias. Em paralelo ao seu trabalho na Ubatuba Hoe, ele mantém um projeto social para crianças e adolescentes da cidade. Tudo começou em 2017, sem muitas pretensões, quando ele começou a convidar alguns alunos do ensino municipal para ocupar as vagas que sobravam em suas aulas particulares. A atividade empolgou a garotada – uns foram chamando outros, até que Lucas, vendo o interesse crescente dos jovens, buscou apoio da Prefeitura e ganhou a atenção da Secretaria de Esportes. "Foi assim que começou oficialmente, em 2018, a Escolinha Municipal de Va'a", diz ele, orgulhoso. Quando as aulas foram interrompidas em março, por conta da pandemia, a escolinha contava com 46 alunos, entre 10 e 17 anos. Para

participar, os jovens precisam estar matriculados em alguma instituição de ensino e se inscrever na Prefeitura, que atende a todos os interessados, priorizando os alunos da rede pública. Lucas diz que o esporte tem reflexos diretos na vida dos participantes. "Um dos benefícios que vejo com a prática da canoa havaiana é a melhora na socialização, uma vez que eles precisam trabalhar em equipe tanto dentro como fora da água. É preciso se harmonizar com os demais e praticar a aceitação." Ele também cobra dos alunos o aproveitamento escolar e vê ótimos resultados, nos treinos e no comportamento dos jovens em suas casas e escolas. Com o trabalho, Lucas devolve à sociedade o que aprendeu, uma vez que ele também teve sua vida mudada por um projeto social ligado ao esporte quando era jovem. E, assim como aconteceu com ele, a canoagem vem abrindo oportunidades para os jovens participantes, que têm se destacado no cenário de competições nacionais. "Começamos a competir em 2018 e tivemos boas colocações, tanto na modalidade individual quanto em equipe. Já no primeiro ano de competições, nossa equipe sub 16 anos foi campeã invicta do circuito paulista e depois conquistou o campeonato brasileiro", comemora ele, que também destaca os talentos do time: "Individualmente, nossos atletas já foram campeões brasileiros, vice e terceiro lugar, e esses mesmos alunos estão participando de competições com o time adulto. No ano passado, com alguns deles, ficamos em terceiro lugar na volta de Ilhabela, competição que dá a volta à ilha, em um trajeto com cerca de 90 km e mais de 8 horas de prova". Os atletas juniores estavam classificados para o campeonato mundial de velocidade, que aconteceria em agosto, no Havaí. Lucas lamenta o cancelamento devido à crise sanitária mundial, mas acredita que só a conquista da vaga pela equipe da escolinha já tenha sido algo de muito valor para os jovens: "Isso criou na cabeça deles uma vontade, uma determinação, que pode alavancálos e levá-los para onde eles quiserem".

Oportunidades não faltarão aos jovens. Os treinos ainda não foram retomados, devido à paralisação das atividades das escolinhas municipais, mas assim que for divulgado um novo calendário de competições, Lucas afirma que a equipe pretende sair em busca de novas vitórias, focando nas competições oficiais.

Em busca da natureza

Seja para lazer, bem-estar ou competição, a canoa havaiana vem se tornando cada vez mais popular no país, entre pessoas de todas as idades e também níveis de condicionamento físico. O esporte é tão apaixonante que muitos não se importam de acordar cedo e se aventurar no mar ao nascer do sol para praticar a atividade, em um dos horários mais procurados pelos remadores. Ainda segundo Diogo, o interesse faz parte de um movimento mais amplo: "As atividades náuticas e aquáticas estão em voga, principalmente porque as pessoas têm buscado um contato maior com a natureza". Por isso, muitos consideram a canoa havaiana mais do que um esporte, encarando-a como uma maneira de estar em contato com a natureza, e também uma forma de educação ambiental, já que a partir desse contato os praticantes se tornam mais conscientes em relação à necessidade de preservação. E aí, se animou a dar suas remadas? Aproveite os clubes e escolas de Ubatuba e experimente essa atividade tão prazerosa e também tão democrática, conforme Diogo gosta de ressaltar: "Quando estão dentro de uma canoa, todas as pessoas são iguais, sem distinção política, social ou racial".

Páginas anteriores, fotos de Carla Falleiros: time Ubatuba Hoe Júnior 16, comemorando uma de suas vitórias em 2018, ano em que foram campeões invictos Espírito de união da equipe Ubatuba Hoe na sua estreia em 2017, quando conquistou o segundo lugar na etapa de Cabo Frio do Aloha Spirit Nesta página, fotos de Gabriel Ferreira: momento da travessia realizada em celebração aos quatro anos do clube Ubatuba Hoe Remadores com camiseta onde se lê IMU4 – uma referência ao termo polinésio imua, que significa avante

Trabalho em equipe

Nas canoas com seis remadores, cada um possui uma função

• Remador 1: posicionado na parte dianteira da canoa, é responsável pelo ritmo das remadas e pode auxiliar no direcionamento da canoa. • Remador 2: primeiro responsável pela sincronia das remadas, também pode auxiliar no direcionamento. • Remador 3: conta e dita a frequência das remadas, liderando o time. • Remador 4: é o principal banco de propulsão; junto ao remador 3, forma o "motor" da canoa. • Remador 5: é o auxiliar principal na direção e equilíbrio. • Remador 6: direciona a canoa, usando o remo como um leme.

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