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GASTRONOMIA

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A GRANDE VIRADA

Desde que mudou para Ubatuba, Tio Spinelli concluiu a construção do seu próprio barco e não parou mais de velejar. Agora, com 70 anos, planeja sua próxima viagem à África

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FOTOS ARQUIVO PESSOAL

Um homem de muitas histórias. Assim é José Spinelli Neto, ou Tio Spinelli, como é conhecido esse engenheiro mecânico que, aos 50 anos de idade, resolveu largar sua rotina de trabalho em São Paulo para viver em Ubatuba e se dedicar à construção de seu barco. Isso aconteceu em 2000 e àquela altura ele já tinha gasto cinco anos na construção de seu veleiro. Sua esposa topou a mudança e embarcou com ele no sonho de morar no litoral e viver a vida navegando.

Enquanto ele estava na capital paulista, só trabalhava no barco nos finais de semana. "Depois de mudar para Ubatuba, comecei a me dedicar integralmente ao barco, tinha tempo, mas aí não tinha dinheiro", diverte-se ele. A saída foi dar aulas de mergulho, uma de suas paixões, para complementar a renda e conseguir levar adiante a empreitada. Foi assim, com muita teimosia e persistência, que ele conseguiu realizar seu sonho. Seis anos depois da mudança para Ubatuba ficou pronto o Soneca, o veleiro de 33 pés que Tio Spinelli construiu do zero com suas próprias mãos – e também com a ajuda de outros profissionais qualificados, coisa que ele faz questão de ressaltar. O barco é inteiramente em mogno, recoberto de fibra, e ganhou esse nome porque Spinelli, que já que tinha feito o curso de rádio operador na Marinha, queria um nome curto e de fácil pronúncia. Chegou a Soneca como uma homenagem à esposa, que na época da escolha do nome dormiu 29 horas em uma viagem que durou 36. Quando Soneca ficou pronto, veio mais um sacrifício, a venda do carro do casal para custear o mastro do veleiro – o que valeu a Spinelli a descoberta de que em Ubatuba é possível fazer tudo de bicicleta, inclusive ganhar condicionamento físico. Durante os 11 anos que passou construindo seu veleiro, o maior sonho foi sempre vê-lo na água. Mas quando o Soneca estava na reta final, Spinelli passou um período apreensivo: "Será que ele vai aguentar? Como vai se comportar no mau tempo? Será

que vai boiar?" Ele boiou, mas o começo não foi exatamente fácil. Assim que o barco ficou pronto, havia muito a fazer, pois a ideia era usá-lo para charters e aulas de mergulho, mas foi preciso enfrentar alguns problemas e ganhar familiaridade para conduzi-lo com confiança. Com os anos, veio muito mais que familiaridade, vieram milhares de milhas velejadas e muitas experiências. Tanto que em 2013 ele decidiu compartilhar seus aprendizados e começou a trabalhar com a atividade que mantém até hoje, as aulas de vela. "Criei uma metodologia própria para formar velejadores oceânicos", conta Spinelli, que sempre gostou de dar aulas. Atualmente, a Escola de Vela Oceânica do Tio Spinelli recebe os alunos aos finais de semana para participar do curso formado por três módulos, que inclui a navegação de aproximadamente 350 milhas. Ao final, no módulo chamado de Blue Water, os alunos fazem o trajeto de Ubatuba a Cabo Frio, no Rio de Janeiro, ou a Joinville, em Santa Catarina, destino decidido em função do vento e demais condições metereológicas. Com a escola e a paixão por velejar, Tio Spinelli já fez incontáveis viagens com o Soneca desde que o barco ficou pronto, há 14 anos. Mas o porto seguro sempre foi Ubatuba: "Em termos de vento, a região é instável e não seria a ideal para velejar, mas ela tem um charme todo especial". Os ventos não são realmente sua preocupação, pois ele gosta das mais diversas condições e também de aproveitar a natureza local: "Ubatuba tem a vantagem de ter uma costa bem recortada, com um grande número de praias e abrigos para você parar quando está navegando. São muitos lugares especiais para passar um final de semana, por exemplo". Spinelli também tem uma relação especial com a Ribeira e com as pessoas que moram e trabalham na região. "Temos ótimos profissionais, pessoas confiáveis, com quem é possível cultivar bons relacionamentos. Tenho muito carinho pela Ribeira", conta ele. Foi a partir do Saco da Ribeira que Tio Spinelli partiu para suas três grandes viagens: Argentina,

em 2017, e África do Sul, em 2018 e novamente no ano seguinte. Foi na primeira delas que ele comprovou a importância do planejamento em trajetos mais longos. A viagem ao país vizinho, programada para durar 35 dias no total, ida e volta, acabou demandando 65, por vários motivos. As experiências seguintes foram muito melhores. Cada uma das viagens ao continente africano teve a duração de pouco mais de um mês na ida e cerca do mesmo tempo na volta, totalizando, nas duas, quase 150 dias no mar. Spinelli conta que um dos pontos altos das viagens à África foi contar com amigos na tripulação, sempre formada por duas pessoas. Houve muitos momentos memoráveis e experiências no mar, além de cenários deslumbrantes. Entre eles, ele destaca a ilha de Santa Helena, uma das mais remotas do planeta, em pleno Atlântico, a quase meio caminho entre a América do Sul e a costa oeste da África. O lugar é conhecido por ter sido o refúgio de Napoleão, que lá passou os últimos anos de sua vida. Santa Helena é um dos lugares em que ele planeja atracar novamente. Apesar de septuagenário, Spinelli transborda disposição e não pensa em parar. Tanto que a data da próxima viagem já está marcada: em outubro do ano que vem ele pretende zarpar para sua terceira travessia do Atlântico, mais uma vez rumo à África. Enquanto planeja a próxima aventura, mantém sua rotina em Ubatuba, desejando que mais pessoas possam viver o sonho que tantos têm de velejar. "Aqui na Ribeira, muita gente faz charter. Você pode alugar um veleiro e passear por um dia ou um final de semana inteiro, pernoitando a bordo." Quem aproveitar a dica talvez entenda na prática porque Tio Spinelli diz que mudar para Ubatuba foi a grande e mais importante virada de sua vida.

Em Hout Bay, na bela região da Cidade do Cabo, com Vagner e Vitor, companheiros na sua segunda viagem à África do Sul Ao lado: Spinelli e seu sextante, instrumento utilizado em navegações, e o veleiro Soneca, sempre pronto para novas aventuras

NO MEIO DO AZUL

Os irmãos Neto e Lucas, de Ubatuba, viveram a quarentena ancorados no Taiti e aguardam o momento de retomar o sonho de navegar pelo planeta no veleiro Katoosh

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A dupla já foi destaque aqui na revista Ribeira, na edição de janeiro de 202o, com sua empreitada para tentar se tornar a tripulação brasileira mais jovem a dar a volta ao mundo em um veleiro. Naquele momento, Celso Pereira Neto, de 28 anos, e seu irmão Lucas Pereira, de 25 anos, estavam no país apenas para renovar seus vistos e pretendiam voltar em breve à Polinésia, onde haviam interropido sua viagem e deixado seu barco. De lá para cá, muita coisa aconteceu.

Logo antes do início da pandemia, Neto e Lucas retornaram ao Katoosh, o veleiro de 44 pés construído por seus pais, e onde eles viveram até os seis anos de idade. Enquanto se preparavam para retomar a viagem, foram surpreendidos pela necessidade de cumprir a quarentena em pleno Taiti, onde estavam ancorados. Passaram então 35 dias embarcados na baía de Vairao, isolados e com uma série de restrições. "De certa forma foi tranquilo, porque já estamos acostumados com a nossa rotina a bordo, então era como se estivéssemos em uma travessia, ficávamos no barco e procurávamos descer em terra o menos possível", diz Lucas. Ele conta que o local era muito bonito e que eles se ocuparam bastante, aproveitaram para ler e fazer exercícios e mantiveram sua rotina de manutenções no barco. Os dois já voltaram a navegar, mas continuam na Polinésia, por onde ainda devem permanecer nos próximos meses. Aproveitando a temporada dos ciclones e as muitas fronteiras ainda fechadas, eles estão velejando pela bela região, conhecida pelo mar azul e transparente. Já visitaram mais de dez ilhas e, no momento desta entrevista à Ribeira, estavam ancorados em uma ilha chamada Raiatea, se preparando para partir para Bora Bora. Lucas e Neto estão se valendo da pausa nas longas travessias para pensar nos planos futuros e em novos projetos, como ampliar sua loja on-line e seu canal de YouTube. Eles acreditam que só conseguirão retomar a viagem em março ou abril do ano que vem: "É quando a gente espera que as

Quer acompanhar essa aventura?

Os irmãos Neto e Lucas usam as redes sociais praticamente como um diário de bordo, compartilhando com seus seguidores a rotina e imagens dos belos lugares por onde estão navegando. A partir do perfil no Instagram deles, é possível acompanhálos e também ir para as demais redes da dupla. Acesse www.instagram.com/ veleiro.katoosh/ ou vá direto com o QR Code.

O veleiro Katoosh na chegada a Moorea, ilha da Polinésia Francesa, no Pacífico Sul

fronteiras dos países começarão a ser abertas e as condições estarão mais seguras", torce Lucas. Enquanto isso não acontece, os irmãos do Katoosh seguem aproveitando as ilhas por onde estão circulando. "Este período em que, de certa forma, estamos presos aqui na Polinésia, tem sido muito especial. Pegamos a época das baleias e nadamos com os golfinhos. Com a pandemia, fomos obrigados a parar e com isso nos conectamos mais com a natureza e pudemos conhecer melhor esse lugar e sua cultura." Lucas acredita que, como aconteceu com os dois, as restrições causadas pela crise sanitária mundial também tiveram um lado positivo para muita gente: "Tudo isso fez com que muitas pessoas fizessem uma pausa em suas vidas, para refletir e se reencontrar consigo mesmas". Quando retomarem a viagem, devem partir rumo a Tonga, depois Nova Caledônia e, daí, para o Sudoeste Asiático. Mas os dois não sabem mais quanto tempo vão precisar para concluir a planejada volta ao mundo. Quando iniciaram a viagem a partir de Ubatuba, no início de 2018, tinham a perspectiva de completar a aventura em três anos. Agora que já percorreram cerca de 26 mil quilômetros e conheceram 21 países, eles projetam mais dois ou três anos de viagem, mas sabem que isso vai depender da evolução da pandemia ao redor do mundo. Lucas não reclama. Diz que ele e seu irmão estão vivendo uma história única desde que decidiram juntar dinheiro, reformar o veleiro da família e sair mundo afora. "Nosso sonho já estamos vivendo." Ele diz isso por tudo o que já passaram e também pela expectativa das experiências que ainda os esperam ao longo da viagem. Mas além de ansiar por todos os destinos incríveis que vão conhecer, Lucas também pensa na volta para sua cidade do coração: "Ubatuba é o melhor lugar do mundo, em beleza, custo de vida e muito mais. Devemos valorizála". Palavras de peso, vindas de quem está viajando por alguns dos lugares mais incríveis do planeta.

Na foto ao lado a dupla curtindo um momento de relaxamento durante a parada no Taiti

No barco da família, em dois momentos: nesta foto, quando pequenos, com a mãe, e, ao lado, atracados no atol polinésio Tikehau, um paraíso do mergulho

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