1 minute read

AINDA NÃO PENHORARAM O DIREITO A SAUDADE

escrevêssemos tudo ao contrário. Meu pai encarou o vento bravo como pode.

Quando o meu pai morreu, num encoberto, úmido e apático 8 de maio, não explodi em lágrimas como gostaria e precisava.

Advertisement

Afinal, meu melhor amigo tinha acabado de ir embora, levando consigo tantas histórias, tantos feitos, tantas vitórias. Mas, talvez ele tenha sido excessivamente duro consigo mesmo, talvez tivesse valorizado mais as falhas do que os acertos, talvez, talvez, talvez.

Meu pai morreu num hospital onde uma necrófila funcionária olhava fixa para mim, como Filinto Müller, Sergio Paranhos Fleury, Brilhante Ustra e outras pustemas, gozavam diante da dor imensurável dos seus torturados.

Não seria surpresa se aquela mulher pegasse o celular e gravasse os últimos momentos de meu pai para alimentar as suas patologias noturnas.

O comportamento escroto da mulher me inibiu e acabei não explodindo de emoção como meu pai merecia, mas não achava que merecesse. Como se chorar, gozar, comer e rezar fossem crimes inafiançáveis, passíveis de penhora. Afinal, em Pindorama, tudo pode, até penhorar cachorro.

Aquele 8 de maio foi um dia horroroso. Em compensação (há sempre uma compensação nessa louca vida), a partir daquele sombrio dia comecei a admitir a saudade como um direito.

Um direito inalienável que eu julgava penhorado, como um cachorro. Só eu sei o que senti nos dias que se seguiram. Acabei meio que consolado por chaveiros, manobristas de carro, vendedores de farmácia, funcionários do prédio onde meu pai viveu, que vieram me dizer o quanto estavam sentidos com a sua partida. Em todos eles uma frase comum: “ele fez muito por mim”.

COMO ASSIM?

Eu nunca soube disso. Meu pai tinha um temperamento fechado, no passado foi um homem estourado, passava uma imagem de homem insular distante das pessoas. No entanto, depois da sua morte, comecei a ouvir agradecimentos e reverências que me apresentaram a um outro pai, que eu conhecia por alto.

This article is from: