8 Terra Ruiva Setembro 2019
Entrevista
a Aurélio Nuno Cabrita “Gosto de olhar para uma casa e questionar-me por que é assim” “A história é a ciência ao inverso” afirma Aurélio Nuno Cabrita e talvez esta ideia explique como é que um engenheiro do ambiente, de 41 anos, que gosta do que faz, se dedique profundamente à história local e regional. A sua obra mais recente, um avultado volume de cerca de 500 páginas, dedicada à freguesia de São Bartolomeu de Messines impressiona, não só pelo seu conteúdo, mas também pelo trabalho “insano” que foi necessário para construir este livro de referência. À volta deste travou-se esta conversa, que passa por Messines, Silves e Algarve. E também pela justiça, ou a sua ausência. Aurélio Nuno Cabrita
É
formado em Engenharia do Ambiente e trabalha nessa área, mas no Mestrado desviou-se para a História. Como é que isso aconteceu? Eu sempre gostei de Letras, mas tinha uma grande dificuldade em línguas e no 9º ano uma professora aconselhou-me a ir para a área de Ciências e assim fiz. Depois entrei na Universidade de Faro, em Engenharia do Ambiente. E curiosamente, foi por causa de um trabalho para o curso, que me apercebi da importância da imprensa local para a história. Fui com uns colegas para Peniche e tínhamos de recolher uma série de informação que só um jornal poderia ter. O jornal era “A Voz do Mar”, não sei se ainda existe, e o diretor recebeu-nos e estivemos um dia inteiro, a folhear o jornal todo, à procura de notícias. E foi nessa altura que fiquei com a pulga atrás da orelha, sobre a importância dos jornais. E então relacionou a Ciência com a História e a imprensa…. Quando o Terra Ruiva surgiu, em 2000, e fui convidado para escrever, já tinha muito material em casa. Isto porque quando estava na universidade, tinha a tarde de sexta-feira livre e ia para o Arquivo Distrital de Faro. Comecei por fazer a minha árvore genealógica, só depois é que me fui apercebendo do fundo que existia no Arquivo e iniciei a investigação. Direcionada para a história de Messines? Sim. Eu só comecei a alargar a investigação para o Algarve em 2004, quando comecei a escrever para o “barlavento”. Na altura, consultei o “Correio do Sul” que existiu no Algarve entre 1920-1984 e corri os jornais todos à pro-
cura de referências a Messines e ao concelho de Silves. São Marcos da Serra foi das terras que anotei sempre tudo. Mas aí ainda não tinha a ideia de escrever uma monografia? Eu li a “Monografia de São Bartolomeu de Messines” de Ataíde Oliveira, teria uns 10 anos, a minha avó tinha o livro, e achei muita piada ler a
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E então fui à procura e li o “Correio do Sul” todo, recolhendo a informação que comecei a usar no Terra Ruiva
história de Messines. Numa rua gosto de olhar para uma casa e perceber quem morava lá e questionar-me porque é que isto é assim? De onde é que veio? A monografia abriu-me um pouco os horizontes mas é uma obra escrita em 1909 e eu li-a aí em 1989, e fiquei com uma série de dúvidas. E então fui à procura e li o “Correio do Sul” todo, recolhendo a informação que comecei a usar no Terra Ruiva. E pesquisei nos jornais que existiam na Universidade do Algarve, na biblioteca hoje António Ramos Rosa, em Faro, li o jornal “O Algarve”. Mas uma pessoa sentada numa secretária a ler um jornal, à procura de notícias, é imenso tempo… Depois começou a ir a Lisboa… Fiz alguma investigação na Biblioteca Nacional, inicialmente para a minha árvore genealógica, só depois de depois de terminar o curso é que comecei a debruçar-me
mais sobre a história local. O seu primeiro trabalho é sobre o Remexido, ( “O Remexido- Traços biográficos de um homem coerente e fiel aos seus princípios”) publicado pela Câmara Municipal de Lagoa. Isso aconteceu porque eu estava, nessa altura, a ler as atas da Câmara Municipal de Silves. Tinha começado a lê-las em 2002, assim que concluí o curso. E a Dr.ª Bárbara Ribeiro, do Arquivo de Lagoa, pediu ajuda ao Arquivo de Silves para um trabalho sobre o Remexido e falaram-lhe em mim. Escrevi um pequeno artigo, que foi publicado num livro, em 2005. Hoje em dia não gosto nada do que foi publicado. A síndroma da primeira obra? Acho péssima. O meu segundo trabalho foi sobre a visita da família real ao Algarve, reunia artigos que eu tinha publicado no “barlavento”. O primeiro artigo que publiquei nesse jornal foi em 2004, sobre a inauguração da eletrificação do caminho de ferro para o Algarve. Depois publiquei uma série de artigos sobre a história do Algarve e em 2007, a Câmara de Lagoa publicou esses artigos. Dessa publicação, “Recordar a visita real do Algarve outubro de 1987”, já gosto mais. Está ligado a um grande momento que Messines viveu, há cerca de dez anos, com a Exposição Notáveis Messinenses, da qual resultou também um livro com as biografias dos homenageados. Esse trabalho foi bastante difícil e foi possível porque tivemos o apoio fundamental da Dr.ª Luísa Pereira, do Arquivo de Silves e da Dr.ª Bárbara Ribeiro, do Arquivo de Lagoa. A ideia surgiu quando eu comprei um livro, “A Longa Luta”, do messi-
nense José Correia Pires, e na altura o José Vítor Lourenço era o presidente da Junta de Messines e começamos a pensar que seria interessante mostrar aos atuais messinenses as pessoas que por aqui têm passado. Começamos a amadurecer a ideia, a fazer contactos e foi tudo gracioso, as pessoas não cobraram absolutamente nada pelas biografias que escreveram e isso permitiu fazermos o livro que foi oferecido à população. Das emoções que guardo dessa altura, uma está relacionado com a poetisa Maria Antonieta Barbosa. Eu passava pela casa onde viveu, via a placa e tinha lido a biografia que o Vasco Reis escreveu, mas quando fomos a casa da irmã dela, em Cuba, falar com a sua irmã, ver os seus objetos pessoais, foi uma grande emoção. E guardo outros momentos, a visita à Assembleia da República com a D. Noémia Anacleto, a visita à Fundação Oriente com o neto do visconde de Messines, o contributo do engenheiro António Silva, que me forneceu muita informação que agora também me foi muito útil no livro que publiquei…
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Não é só ler, temos de compreender o que se estava a passar, e o que motivou aquelas pessoas a escrever aquilo naquela altura Estamos a falar da obra “São Bartolomeu de Messines e o Concelho de Silves – Dos alvores do Liberalismo ao 5 de outubro de 1910”, que foi apresentada em junho deste ano…
Sim, nesse livro vali-me muito das informações que me deu, investigações que ele tinha feito, do século XVII e XVIII. O liberalismo é uma época muito complicada, acontece tudo e mais alguma coisa e reviravoltas frequentes, para quem não tem um conhecimento profundo da história não é fácil. Temos de entender. Dou o exemplo das atas da Câmara de Silves. Não é só ler, temos de compreender o que se estava a passar, e o que motivou aquelas pessoas a escrever aquilo naquela altura. Para quem chega 200 anos depois, aquela informação pode não ser fácil. Tem de fazer uma espécie de tradução do que está a ler. É isso, e eu vali-me muito, espero eu que bem, de livros que tinham sido publicados na mesma época, para comparar e tentar perceber o que as pessoas pensavam e porquê. Houve uma altura em que tinha um capítulo feito e deitei-o fora, porque encontrei um livro novo e as conclusões que eu tinha antes não eram as melhores. A história, como outras ciências, está sempre em aberto… Há dias, uma pessoa amiga deu-me um link com 537 referências sobre a história de Messines. Fiquei quase em pânico, enquanto não percebi se tinha algumas gaffes grandes no livro. A história realmente nunca acaba. Tantas vezes se pensa que uma descoberta é a definitiva, depois vem outra que muda tudo… Eu dou por mim a pensar que a história é a ciência ao inverso, enquanto a ciência estuda o presente e o futuro, a história estuda o passado e o presente. Não há conclusões, estão sempre a aparecer fontes novas… felizmente, da análise que fiz às 537
entradas, apareceram alguns elementos que podem complementar, mas não apareceu nada que venha discordar
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Eu procurei reunir o máximo de informação, para não cometer erros, e depois até tive o problema inverso, tinha excesso de informação e também não foi fácil selecionar das conclusões. Já dormi um pouco melhor nessa noite… Eu procurei reunir o máximo de informação, para não cometer erros, e depois até tive o problema inverso, tinha excesso de informação e também não foi fácil selecionar. Depois optei, se calhar erradamente, por colocar o máximo de informação por isso levei tanto tempo e o livro cresceu desta maneira, 500 páginas. Entretanto, enquanto estava a preparar este, ainda publiquei outros trabalhos, “A visita do presidente Sidónio Pais ao Algarve” (2011), para os Anais de Faro e publiquei, pela Casa do Algarve, uma compilação de artigos que tinha escrito na imprensa regional, um pequeno opúsculo “O comboio no Algarve: festejos e inaugurações” (2014). E depois o livro “A Igreja Matriz de São Bartolomeu de Messines” (2014), que já foi um trabalho no âmbito do Mestrado na Universidade do Algarve, na cadeira de História de Arte. Quando foi a apresentação do seu livro da história de Messines, disse que várias vezes