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Entre o amor e o silĂŞncio _
Spin-off
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Para todos aqueles que amam esse casal e que fizeram a história do Mitchell e da Francesca ganhar uma segunda edição em poucos meses de vida. Obrigada de coração
Babi A. Sette
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F
rancesca encheu o pulmão de ar enquanto via pelo
reflexo do espelho Dona Felipa fechar as costas do ves9do. A senhora Felipa foi apresentada a ela pelo caderninho da sua avó. – Grazie Nona – ela soltou sem nem perceber. Uma gratidão feita em silêncio, erguida através de um caderno de notas e de uma casa em uma cidade que mudou a sua vida. Abriu os olhos, as mãos ágeis que trabalhavam nas costas do vestido agora terminavam de arrumar as saias. – Madona mia – disse a mulher baixinha, cabelos presos para trás em coque grisalho –, está belíssima, Francesca… Una principessa. Francie olhou o vestido tomara que caia, coberto por uma renda tão fina que os braços pareciam tatuados pelo bordado. A mesma renda descia por cima de uma sobreposição de tules na saia evasê. Era um vestido perfeito, digno de estampar qualquer revista de alta costura. Mas, Francie, não conseguiu se fixar na própria imagem refletida. Mitchell ocupava todo o seu pulmão, toda a sua razão e tudo no mundo. E ele nem mesmo estava lá, no quarto da casa de sua avó. Na 4
verdade, não era Mitchell quem ocupava, e sim, a certeza de que logo, muito logo, eles estariam oficialmente casados. Depois do seu quase fracassado noivado ela desistiu de festa, vestido, flores ou qualquer coisa relacionada ao tema. Queria algo simples. Queria na verdade algo pequeno. Mitchell apenas dizia: – Sim, claro, como você preferir. – Podemos casar somente no cartório – ela sugeriu algumas vezes –, e não precisamos ter pressa… vamos deixar as coisas acontecerem. Ele apenas assentia, parecendo pouco satisfeito. Dois meses após reatarem, Mitchell sugeriu uma viagem; um dia e meio antes daquela manhã em que ela se olhava no espelho, pronta para dar outro passo importante junto ao homem da sua vida. – Alguns dias fora da correria de Nova York – ele disse para justificar a sugestão. Apesar de ele não estar mais no banco, desde que reataram o namoro, tinham feito apenas duas viagens curtas. Estavam muito ocupados organizando tudo da mudança deles para Paris. – Para onde? – ela perguntou. – Hawai. – Hawai? – Francie questionou um pouco supresa. – Pode ser qualquer outra praia… eu só quero sair um pouco da cidade. – Não, tudo bem – ela encolheu os ombros –, Hawai parece legal. – Ótimo então, vamos amanhã. – Amanhã? – ela arregalou os olhos –, isso é bem… rápido. 5
Mitchell suspirou, envolveu a sua mão entre as dele e disse: – Iremos no meu avião, vamos esquecer um pouco o mundo, mudança, papeis, malas, caixas, assinaturas… por favor, meu amor, serão só alguns dias. Ela sorriu. – Mitchell, você não precisa insistir para me levar no seu jatinho, até uma praia paradisíaca, é claro que sim… A expressão de Mitchell relaxou e a curva de um sorriso apareceu nos lábios dele. – Você está esquisito – Francie constatou intrigada. – Esquisito? – ele abriu as duas mãos no ar como se não entendesse. – Sei lá, parecia meio… tenso? – Não, eu? Não… imagina. – Se você diz – ela deu de ombros. Ele a abraçou e beijou de leve os seus lábios. – Prometo que não vou deixar você se arrepender. E Mitchell não deixou. Ele nunca deixava. Naquela mesma manhã, ela ainda não sabia o que ele havia planejado. Descobriu, ao menos parte das coisas, quando ele a acordou no fim do voo. – Meu amor, nós acabamos de pousar. – Ele disse e ela se espreguiçou confusa. A cabine em que havia dormido estava escura. Mitchell abriu duas das janelas e a luz da manhã a fez fechar os olhos e cobri-los com as mãos. – Bom dia – ela disse ainda com os dedos em cima dos olhos –, nossa, nem senti o pouso. – Não quis te acordar… você precisa estar descansada. – É mesmo? – ela espreguiçou esticando o corpo –, o Hawai vai exigir tanto assim? Ou é o Sr. Petrucci quem vai? 6
– Eu, com toda a certeza e, talvez, alguma dezena de pessoas. – Pessoas? – Ela sentou e abriu os olhos vencendo a luta contra a claridade. Mitchell estava sentado em uma poltrona ao lado da cama e a encarava com tamanha intensidade que ela sentiu o estômago gelar. – Mitchell? – Hum? – Está tudo bem? – Sim, querida, está tudo bem. Ela o mediu com determinada atenção enquanto tentava dar credito à resposta. O olhar dele, que arrancava parte dos seus órgãos, não deixava ela acreditar totalmente em suas palavras. – Vou tomar um banho antes de desembarcarmos, ok? – Não. – Não? – Quero dizer… vá rápido, acho que o motorista já está nos esperando para irmos até o hotel e tem o horário do check in. "Definitivamente muito estranho.” Francie preferiu não discutir, entrou no banheiro ainda assonada e um pouco confusa com esse Mitchell “pilha de ansiedade”. Talvez ele estivesse mesmo precisando deixar Nova York. Ela saiu do banheiro já vestida, Mitchell andava de um lado a outro da minúscula cabine do avião. Como se o chão queimasse os pés dele. Quando a viu, olhou-a daquele mesmo jeito intenso e sem dar tempo dela pensar em qualquer coisa disse: – Senta, Francesca – ele apontou para a cama às suas costas. 7
Ela deu dois passos e sentou. O coração metralhava todas as veias do corpo; o que quer que estivesse acontecendo, teve certeza de que era algo grande. Fechou os olhos e buscou levar o ar para dentro, devagar. – Eu vou fazer isso, logo – ele disse passando as mãos no cabelo. – O quê? Mitchell não respondeu, no lugar ajoelhou entre as suas pernas e disse: – Francesca, você quer casar comigo? – Oi? Foi a vez dele respirar fundo. – Você quer ser a minha esposa? – ele perguntou e segurou as suas mãos. Estava tão ansioso que possivelmente nem percebeu que apertava com um pouco de força os seus dedos. Francie ficou em silêncio, tentando entender. Ele perguntou se ela queria casar com ele? Como? Ela já não tinha dito que sim, mais de uma vez? Ouviu a respiração acelerada de Mitchell enquanto ele apertava os seus dedos um pouco mais. – Como assim? – ela sorriu de nervoso, isso porque, ele estava muito estranho e aquela pergunta, feita desse jeito, como se… – Casar… ser minha, minha esposa – ele repetiu com o cenho franzido. – Mitchell – ela tentou tirar os dedos do aperto das mãos dele, continuou. – Eu já… quer dizer, nós já não tinhamos entendido que sim. Ele fechou os olhos e sacudiu a cabeça. – Hoje, Francie… Você quer casar comigo, hoje? – Voltou a encará-la de uma maneira ainda mais profunda. Se 8
Francesca não respirasse desde que nasceu, ela tinha certeza de que esqueceria como fazer isso. – Hoje? Ele apenas assentiu. – No Hawai? Ai, Mitchell, minhas mãos! – Desculpe – ele beijou os seus dedos repetidas vezes –, desculpe, meu amor. – No Hawai? – repetiu um pouco tonta com a ansiedade que agora, ela mesma sentia. – Comigo, Francie. – As mãos dele envolveram e exerceram uma pressão leve em sua nunca. – Não importa onde – Mitchell concluiu. – Eu… eu… – Não que ela tivesse duvida é claro que não. Só que não tinha pensado em casar naquele dia… As pessoas normalmente não decidem casar logo que acordam e dentro de um avião, no Hawai. – Pelo amor de Deus, Francie – ele ofegou enroscando os dedos nos seus cabelos –, eu estou nervoso pra cara… muito nervoso – Mitchell fez uma negação com a cabeça e continuou –, acho que nunca fiquei tão nervoso na vida. – Mitchell… – ela engoliu em seco. – Sim ou não, Francie, tenha pena de mim. E ela? Riu… de emoção, ansiedade e claro, amor. – Sim… eu acho – respondeu sem ter certeza, sabia que queria se casar com ele, mas, não sabia se queria fazer isso no Hawai, de supresa, dentro de um avião ou sabe-se lá onde Mitchell imaginava. – Acha? – ele empalideceu. E ela riu outra vez ao entender que o lugar, como, quando, onde; não tinham o menor significado, somente… – Eu te amo – viu o peito dele subir e baixar em uma exalação longa –, se é tão importante para você assim que 9
casemos, hoje… no Hawai, dentro desse avião, ou em cima de uma montanha, eu caso sim… sempre será sim, para você. – E ele a beijou daquele mesmo jeito intenso e apaixonado que costumava destruir a sua capacidade de pensar. – Isso, é claro, enquanto você continuar a me deixar sem pernas com seus beijos. – Ela sentiu Mitchell dar uma risada junto a sua boca. – Só que talvez você tenha que ir me carregando até o altar. – Ele a beijou outra vez com mais vontade. A língua colocando xoques em seu estômago, os lábios quentes e macios distribuindo ondas no seu ventre. – Tomara que não seja em cima de um vulcão – ela disse resfolegada. – O quê, meu amor? – O Altar… você terá me carregar. – Sim… claro o altar – ele piscou fundo –, vamos. – Dizendo isso, Mitchell a puxou em direção a porta do avião. Parou pouco antes de cruzá-la, como se tivesse esquecido alguma coisa. – Francie – ele disse sem soltar a sua mão –, não estamos no Hawai. – Não? – Então... onde? – Ele voltou a puxá-la para fora. Em poucos passos já haviam saído da aeronave e desciam a escada em direção ao solo. Uma terra conhecida, distante do cheiro e cores exóticas que deviam carregar o Hawai. Aquele lugar a enchia de uma sensação morna no peito e uma moleza nas pernas e um descompasso cardíaco, que, claro, podiam também ser culpa da boca de Mitchell na sua orelha: – Taormina – ele completou sem desgrudar os lábios do seu rosto –, quer dizer, Catânia. Vamos pegar um barco até Taormina. 10
– Mas… mas… – Foi aqui que tudo começou de verdade.
– Sim, é verdade – ela disse em voz alta e olhou outra vez ao reflexo no espelho. – O quê, querida? – Dona Felipa perguntou espetando alguns alfinetes naquelas almofadinhas de pulso. – A vida é uma coisa mágica… Ontem, eu estava em Nova York, hoje, estou em Taormina, dentro desse vestido maravilhoso, a caminho do altar. – Toc, toc – ela ouviu uma voz conhecida anunciar a sua entrada. – Lilly – Francie encontrou a amiga no meio do caminho e a abraçou –, sua… Você também me enganou. – Os braços compridos de Oliva apertaram ela com carinho –, que bom que você está aqui… acho que eu não conseguiria, sem você. – Ele levou um mês tentando me convencer a ajudá-lo – Lily se afastou e segurou as mãos dela – Aquele homem insuportável… Acho que se ele quiser, é capaz de convencer uma freira, a fazer strip tease em um bar de beira de estrada. Francie sorriu com lágrimas nos olhos. – Olhe só para você. – A amiga disse também emocionada –, que bom que ele me convenceu a não matá-lo, como eu queria no começo e sim, a ajudá-lo a colocar um vestido de noiva nesse seu corpo lindo. – Lilly disse com a voz embargada. – Você está maravilhosa, minha amiga. – E você, tinha algum curso em Paris? – Mais parecido com um casamento para organizar na Sicilia – Olivia disse sorrindo. 11
– Graças a Olivia é que deu certo costurarmos a distancia - Dona Felipa se serviu de uma taça de vinho. – Aquele dia lá em casa? – Francie perguntou. – Sim – Lilly confirmou. – Bem que eu achei estranho a sua ideia neurótica de se medir e tirar todas as minhas medidas e as de tom e… – Eu disfarcei direitinho. – É claro que sim. – Uma voz forte rompeu no quarto. Francie levou as mãos até a boca abafando um gritinho, Tom ignorando a surpresa da amiga continuou -, com as suas neuroses de roupas e corpo e costura e fitas métricas… ninguém desconfiaria que tinha algo por trás, além das suas maluquices… Olá moça mais linda – cumprimentou Tom. – Ai, meu Deus! – Francie mordeu os lábios por dentro, para não chorar. – Você também veio – ele a abraçou. – Alguém tinha que te maquiar – ele olhou-a de cima a baixo. – Você está um deslumbre! – É – Olivia contrapôs em tom irônico –, até que as minhas neuroses de roupas e moda e costura servem para conseguir um modelo do Oscar de la renta, né? – Oscar de la renta? – Francie perguntou, analisando outra vez o vestido. – Sim, costurado pelo talento da Dona Felipa, desenhado pelo gênio e patrocinado pelo seu futuro marido.… a Dona Felipa – Olivia apontou com a cabeça para costureira – trabalhou muitos anos com ele também. – Sim sim – Felipa disse após suspirar –, com Versace e com o Oscar, eles foram grandes mestres. – Eu ainda não cai em mim – Francesca sacudiu a cabeça –, olhe isso – ela estendeu as mãos tremulas no ar –, estou assim desde que acordei, hoje pela manhã 12
– Oh meu Deus! O diamante rosa – Lilly gritou empolgada – você colocou ele de volta – Ele enfiou no meu dedo no barco a caminho para cá, eu nem consegui pensar em dizer não. – Francie tinha negado colocar a aliança depois que eles reataram o namoro. Dizia não concordar em usar uma joia tão cara. – Sim, esse era o principal motivo. – Mas, também era porque aquele anel trazia algumas recordações que ela preferia apagar. Entretanto, diante de tudo o que aconteceu pela manhã, ela entendeu que se opor iria, talvez, deixá-lo triste. A verdade é que não conseguia pensar em nada direito desde que ele a pediu em casamento no Hawai –sacudiu a cabeça –, em Taormina. – Graças a Deus – a amiga jogou um olhar para cima – essa pedra é maravilhosa. – Eu ainda não sei de nada… o que esperar… o que ele está fazendo… Quer dizer, no caminho até aqui tentei perguntar e Mitchell só respondeu: Confie em mim… confie em mim para as minhas dez perguntas… Então, ele me trouxe para cá e saiu dizendo que tinha que resolver algumas coisas… e…. quando entrei em casa, estava essa bagunça italiana deliciosa da Dona Felipa e suas amigas – ela olhou para costureira que guardava algumas coisas em sua bolsa e continuou –, e agora vocês… – Ela suspirou. – E isso – Francie abriu os braços e gesticulou para o vestido. – Meu Deus, o que mais? – Eu – ela olhou para a porta na direção daquela voz conhecida e encontrou a sua mãe dentro de um vestido azulclaro e chapéu de tela no mesmo tom do vestido. – Mamãe – ela correu para os braços abertos de Sofia. – Minha filha,como você está linda. – Ai meu Deus – Francie disse entre um soluço –, eu… eu acho que não vou aguentar… parem de chegar – ela disse e 13
se afastou do abraço da mãe –, ou cheguem todos de uma vez só. – Acho que eu sou a última… ao menos daqui – Sophia enxugou as lágrimas das suas bochechas, um gesto igual ao que fazia quando ela era criança –, vamos, ela tem que ser maquiada, o carro já está esperando lá fora e… – Para onde? – Francie interrompeu a mãe. – Para o seu casamento, é claro. – Sim, é claro – ela disse sentado em frente a bancada onde Tom arrumara as maquiagens – mas, onde será e… como? – Você verá. – Sophia afirmou e bateu três palmas de leve no ar –, vamos, não temos mais tempo a perder.
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Uma hora passou entre a maquiagem, o penteado e Francesca tentando conter o choro com todas as suas forças. Lilian se arrumou, Tom terminou de vestir o terno que ele chegou usando. Dona Felipa fez ela beber uma taça de vinho, para que relaxasse e a sua mãe lhe deu um brinco de brilhantes. O mesmo que a avó usou no dia do casamento dela e Francie? Derrubou algumas lágrimas teimosas que queriam desmanchar a sua maquiagem. O carro que esperava por elas era um Rolls Royce antigo dos anos cinquenta. Francie tinha quase certeza de que estavam a caminho da Praça IX de Aprille. Ela foi de olhos fechados quase todo trajeto, sentindo a mão de sua mãe envolver a sua. Respirou fundo e, quando abriu os olhos, reconheceu a rua Umberto Primo. Logo, avistou a praça de 14
chão xadrez branco e preto. No lugar das peças esperadas em uma partida do jogo, duas árvores de flores branca e rosa erguiam-se na frente da igreja do século 18. Ela respirou fundo, outra vez e disse: – Uma vez, contei a ele que se pudesse escolher um lugar do mundo para casar, seria aqui. Na época a mãe dele planejava uma festa para duas mil pessoas e eu sabia que os poucos lugares dessa igrejinha nunca acomodariam a exigência de convidados de um casamento da família Petrucci – ela riu junto a exalação e continuou: – Eu nem insisti. – Olhou para mãe que estava com os olhos vivos de lagrimas. – Ele lembrou, não é? Sophia assentiu e disse: – São no máximo quarenta convidados. O carro parou em frente à igreja de San Guissepe. Paredes rosa-claro com arcos brancos. Um céu sem nuvens de faz de conta abraçava tudo em volta. Na frente, a praça quadriculada e as árvores de flores emprestadas pelo dono do paraíso; ele, o paraíso, abria-se logo mais adiante na baía de azul infinito. – Mãe – ela disse saindo do carro –, eu nem sabia que queria tanto isso, até agora. – Acho que o Mitchell sabia… Vamos, já está na hora. Ela concordou e caminhou em direção às escadas. Se não estivesse tão emocionada, teria reparado melhor nas centenas de rosas brancas que despencavam da varanda, na frente da porta da igreja. Teria visto também os turistas entusiasmados fotografando o quadro romântico daquela tarde de verão: Uma noiva vestida de princesa, com o sorriso nos olhos e na alma, entrando em uma capela de fadas.
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itchell sentia o coração pulsar no corpo inteiro.
Andava de um lado a outro na sacristia… na minúscula sacristia, sem parar. Acreditou que a sua ansiedade diminuiria quando Francesca disse sim, mas, parece que aquela palavrinha tão esperada aumentou o processo de ebulição interna que ele vivia há trinta dias – desde que começou a planejar o casamento. – Vamos meu filho. – A voz suave da sua mãe, chamou sua atenção, ela continuou –, Francesca já está na porta da igreja. – Ele fechou os olhos, respirou fundo e tomou impulso para andar. Deteve-se ao sentir a mão de sua mãe, sobre a sua. – Tenho muito, muito orgulho do homem que você se tornou – ele olhou a mãe, emocionada. Silvia continuou: – Sei que lá na frente tem uma jovem linda, vestida de noiva, que talvez, não imagine a sorte que ela tem, por ter encontrado você. Mitchell sorriu, deu um beijo na testa de sua mãe e disse:
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– Foi ela quem me encontrou, quem me resgatou e quem me trouxe de volta à vida. – Eu te amo, meu filho – Silvia disse com a voz embargada. Mitchell sentiu um bolo se formar na garganta e pensou que não conseguiria encontrar voz para falar três palavras. O problema é que ele não dizia essa frase para sua mãe, há mais de vinte anos, talvez mais. Ele nem mesmo lembrava qual foi a última vez que disse. – Eu também te amo, mãe – conseguiu dizer e ouviu Silvia abafar um soluço. Ele a abraçou, tentando esconder de si mesmo a emoção que sentia. – Ah meu… eu… eu pensei que nunca… – Está tudo bem, mãe – Mitchell disse se afastando. Silvia tirou um lencinho da carteira de mão e enxugou o canto dos olhos. – Vamos… tem uma princesa, pronta para entrar na igreja. Mitchell acreditou que não conseguiria se manter em pé, de tanto que as pernas tremiam. A porta da igreja demorou alguns minutos para abrir, mas bem que podiam ter sido horas. E, então, elas abriram e Francesca vestida de noiva surgiu na nave da igreja. Ali, dentro do olhar da mulher que ele amava, soube que o mundo podia ruir e acabar; ele jamais se perderia de novo. Não enquanto os olhos dela o encontrassem daquela maneira. Foi o par de olhos verdes que o mantiveram em pé; esses olhos que o fizeram ter força de guiar Francesca até o altar. Foram dois oceanos de esmeralda que o sustentaram e que cobriram a sua alma e que… – Sim, eu aceito – ela disse em italiano e colocou a aliança em seu dedo. Ele ouviu a voz ecoada do padre perguntar: 18
– Mitchell Petrucci, você aceita Francesca Wiggs como sua esposa, para amá-la e respeitá-la, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, até que a morte os separe – Para além da morte, sim, meu Deus… como eu aceito. - Ele deslizou a aliança no dedo dela, segurou a sua mão, olhou-a como se não tivesse ninguém na igreja e disse: – Era uma vez, um homem que estava inconsciente, mesmo acordado… Então, uma jovem princesa vinda de um reino distante, foi capaz de enxergar dentro dele, o que nem ele mais via - Ele notou Francie respirar de maneira entrecortada e prosseguiu-, essa princesa é tão especial que fez isso enquanto ele dormia… e, de alguma maneira que ciência nenhuma explica, o amor dela o trouxe de volta à vida. – Os seus lábios foram até a testa dela, Mitchell continuou em seu ouvido, ignorando a audiência presente: – Você me devolveu os sonhos que eu não tinha mais coragem de ter… e… e eu te amo muito, acho, que minha alma sabia disso antes mesmo do era uma vez….
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Dois anos e alguns meses depois… Francesca acordou com os seios doendo e vazando. Vazando? Sim, quando não eram os gritinhos mais doces do mundo que a despertavam, era o seu seio gritando para ser esvaziado. Há um mês ela não dormia direito, sentia-se inchada, exausta, descabelada e… e nunca esteve tão feliz em toda a sua vida. Olhou para o relógio: 3:30 da manhã. Estranhou a filha não ter acordado ainda. Só por isso resolveu levantar. Se fosse ouvir o seu sono atrasado ele implorava para que ela agradecesse a pequena Charlote e voltasse a dormir, mas, o seu coração de mãe, não deixou o cansaço vencer. Sentou e jogou as pernas para fora, só então, olhou para o lado e reparou que Mitchell não estava na cama. Saiu do quarto um pouco grogue e parou antes de cruzar a porta do quarto da filha ao ouvir a voz de Mitchell. 20
– Meu anjo, vamos lá, pegue o bico da mamadeira e ajude a sua mamãe, é o leite dela que está aqui, só que em um… um bico esquisito e de plástico… Você já viu como ela está cansada? – Francie ouviu o resmungo baixinho e conhecido da filha e Mitchell continuou: – Eu sei, meu anjo, a sua mamãe é muito melhor do que eu, eu também acho… Mas, se você visse o trabalho que deu para conseguir arrumar essa mamadeira, você nos ajudaria. – Francie engoliu uma risada e sentiu os olhos encherem de lagrimas, ouviu: – Fiz uma bagunça tão grande na cozinha que, se eu não arrumar antes de dormir, a sua mãe me expulsa de casa e …. Isso, viu? Assim mesmo… Não é tão ruim, é?… – Pouco depois ela ouviu Mitchell dar uma respiração longa e profunda. Ele continuou com a voz mais baixa: – Meu Deus… Isso é incrível, Charlotte, acho que não vou mais deixar a sua mãe acordar de madrugada e vou roubar essa mamada para ser um momento só nosso… O que você acha? – Charlote fez um barulhinho que ela fazia sempre que mamava, um som de contentamento. – Eu amo tanto vocês duas, meu anjo, tanto – Mitchell disse e ela sentiu as lágrimas ganharem o rosto. Teve vontade de entrar no quarto e dizer que também amava eles, muito. Mas, ao olhar aquele corpo enorme em uma poltrona de amamentar, só de calça de pijama, com uma fralda jogada no ombro e com seu pequeno mundo, mamando nos braços protetores dele, ela não foi. Respeitou o momento dos dois. Voltou para cama sorrindo e emocionada, antes de dormir, escreveu um bilhete e deixou em cima do travesseiro de Mitchell. No apartamento nas margens do Senna, uma voz de barítono cantava canções de ninar, enquanto quem voltava a dormir era uma mãe exausta, mas com toda a certeza que 21
existe, nunca tão feliz e realizada. O bilhete ao lado do travesseiro contava isso: Senhor Petrucci, eu te vi e te amei ainda mais, se isso é possível. Você e a Charlotte fazem tudo em minha vida ser alegria e coisas doces. Amo vocês como nunca entendi ser capaz… Nem mesmo Neruda poderia descrever. Sua, Sra. Petrucci.
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Nota da autora: Obrigada a todos, espero que tenham gostado de matar as saudades desses personagens assim como eu.
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