Museus e indígenas – novos procedimentos para uma nova política: a gestão de acervos em discussão Juliana Dal Ponte Tiveron* José Francisco Miguel Henriques Bairrão** Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FFLCLRP-USP)
Pesquisa em Psicologia e Instituição Museal Há aproximadamente 2 anos tem sido realizada a pesquisa1 (inicialmente mestrado, e agora doutorado), chamada “Etnocídio e Memória Social: a aldeia dos Mortos no Sertão Paulista”, orientada pelo Prof. José Francisco Miguel Henriques Bairrão, na T.I. Vanuíre e na T.I. Icatu. Basicamente, tal estudo objetiva delinear os efeitos subjetivos atuais do processo de colonização do oeste do estado de São Paulo, de modo mais veemente com a população indígena Kaingang,2 afetada diretamente pelas políticas do Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Antes dos aldeamentos do SPI (hoje chamados Território Indígena Vanuíre e Território Indígena Icatu), muitos foram os indígenas mortos por conflitos com os colonizadores, principalmente com a construção da estrada de ferro Noroeste do Brasil.3 Porém, com os aldeamentos, muitos foram os que morreram por doenças contagiosas, e os que sobreviveram, além de sofrerem com a perda de seus entes, também tiveram de lidar com mudanças radicais nos seus modos de vida. 1. Agradecemos à Fapesp o incentivo na realização desta pesquisa (processo 2015/04974-5). 2. Povo pertencente à família linguística Jê. Vive em áreas hoje denominadas estado de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Atualmente estimam-se, no total, 32 T.I. Kaingang (dado disponibilizado no site do Instituto Socioambiental: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/ kaingang/286; Acesso em: abr. 2016. 3. Para mais informações acerca da construção dessa ferrovia consultar Moratelli (2009).
A queda populacional repentina dificultou a transmissão de saberes dos mais velhos aos mais jovens, ao passo que a política indigenista em voga preocupava-se em integrá-los à sociedade brasileira. Com isso, os indígenas passaram a realizar trabalhos agrícolas e manejo de animais, a ter de priorizar a aquisição de comida, ao invés da caça, a lidar com a ilegitimidade de seus rituais, regras de casamento, suas leis e modos punitivos, bem como a não legitimidade de seu idioma. Embora o cenário relatado inspire terror e convide ao assombro, sua finalidade é outra. Não se busca analisar mudanças culturais Kaingang para, então, afirmar que são aculturados, e sim comunicar uma reconciliação com a ideia da morte, por via da etnopsicologia. Porém, faz-se aqui uma ressalva: Manuela Carneiro da Cunha (1978) salienta que, para os indígenas, a partida para o mundo dos mortos é compreendida pelos vivos como uma traição e um rompimento. Com isso, os mortos são excluídos da sociedade dos vivos e são considerados como inimigos, estabelecendo-se, assim, uma enfática distinção entre eles e os vivos.4 Práticas como a destruição dos bens do morto e o não pronunciamento de seu nome são realizadas pelos 4. Vale mencionar que a autora realizou seu estudo com o povo Krahô, pertencente à família linguística Jê. Com os Ramkokamekrá-Canela, os Apanyekrá-Canela, Pikobye e Krikati, e povos chamados de Timbira Orientais, compõem a subdivisão dos Jês setentrionais (Cunha, 1978).
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