Direitos indígenas no museu: novos procedimentos para uma nova política: a gestão de acervos....

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Meruri 2015: do território cultural ao território dos entraves morais Aramis Luis Silva* Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap)

Este texto está articulado em torno de informações relacionadas à última viagem de campo da pesquisa “Lendo Museus Salesianos”, vinculada ao Projeto Jovem Pesquisador “Alteridade e Mediação: processos de construção do ‘outro’ em universos católicos e protestantes no Brasil e na África”1, encerrado no primeiro semestre de 2015. Essa viagem foi realizada entre os dias 24 de janeiro e 1º de fevereiro de 2015, na Missão Salesiana do Sagrado Coração de Jesus de Meruri, junto aos índios Bororo da Terra Indígena homônima, no Sudoeste do Mato Grosso. Nossa intenção, aqui, é iniciar a sistematização de um universo de dados e apontamentos dessa última experiência de campo, confrontando com resultado de pesquisas anteriores, a fim de suscitar um debate sobre pertinências e urgências de pesquisas futuras enquadradas sob a específica maneira de abordar o fenômeno sociocultural que apresentaremos a seguir. Estávamos justamente encerrando o processo de revisão de dados e elaboração textual dos resultados da pesquisa “Lendo Museus Salesianos”2 quando fomos surpreendidos com uma notícia que definiu os contornos desse texto: depois de longos (e indesejados) 7 anos de ausência, 1. Bolsa Fapesp (processo 2008/10758-0). 2. Os esforços decorrentes do projeto “Lendo Museus Salesianos” acabaram sendo trabalhados em um capítulo de livro e um artigo de periódico: “Patrimônio etnográfico salesiano na América do Sul: entre a ciência e a religião” (na coletânea precedente a essa mesma série de publicações) e “Quando as musas vestem o hábito – diálogo entre Antropologia, Museologia e História à soleira dos museus missionários” (Revista Museologia & Interdisciplinaridade, criada pelo Curso de Museologia e vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade de Brasília).

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uma nova viagem de campo à Missão Salesiana do Sagrado Coração de Meruri havia sido finalmente autorizada pela congregação religiosa católica de origem italiana. Um fato surpreendente e significativo. Meruri não só é parte do território de missão salesiana de onde proveio grande parte das coleções etnográficas brasileiras postas em observação ao longo desse projeto, como também foi o ponto de partida da nossa trajetória de pesquisa, desde o mestrado e o início do doutorado, quando realizamos nossa última estadia nesse campo.

Por que Meruri é central? Meruri, um enclave indígena e missionário atualmente cercado por bois e soja do agrobusiness nacional no Sudeste do estado do Mato Grosso, pode ser entendida como o fio da meada de uma pesquisa que nos conduz até o projeto “Lendo Museus Salesianos”. Tratase de uma nomenclatura referente a um sistema que se desdobra em dois eixos histórica e sociologicamente imbricados e indissociáveis, como já atestaram alguns autores (Novaes, 1993; Evangelista, 1996; Montero, 2012). Condição sistêmica que se reflete até mesmo no espaço. De um lado está a Missão Sagrado Coração de Meruri, um complexo arquitetônico multifuncional erigido pela Congregação Salesiana a partir de 1902 junto aos índios Bororo da região dos Rios Garças. De frente à missão, compondo um enorme quadrilátero com fileiras de casas de alvenaria perfiladas, a aldeia indígena de Meruri, a mais antiga e maior entre as quatro


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