A coleção etnográfica do Museu Goeldi e os povos indígenas: desafios contemporâneos Suzana Primo dos Santos* Claudia Leonor López Garcés** Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG)
A coleção de objetos etnográficos que o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) guarda tem uma trajetória que se funde com a própria criação do museu. No transcurso de 150 anos de história, o Museu Goeldi foi acumulando amadurecimento com relação a suas pesquisas, nos vários ramos do conhecimento que competem às suas coordenações de Ciências Humanas e Biológicas. Os mais de 14 mil objetos etnográficos hoje guardados na Reserva Técnica Curt Nimuendaju, na área de antropologia, são documentos que contam a história de diversos povos indígenas e populações tradicionais da Amazônia, por meio dos materiais usados na sua confecção, das amarrações, dos tipos e formas e dos usos do objeto, além das relações sociais implícitas e demais informações possíveis que os objetos etnográficos oferecem aos nossos olhares e à pesquisa sobre eles. Uma flecha, por exemplo, é cultura, visto que representa uma sociedade indígena em determinada época. No âmbito do museu, ela se torna uma fonte de informação, desde sua saída do local de origem, onde tem outras conotações e significados, até o espaço das reservas técnicas, onde interagem, principalmente, os olhares museológico e antropológico sobre o objeto. Apesar de muitas coleções no acervo etnográfico apresentarem informação precária, o que permite obter maior informação sobre os objetos, além das leituras especializadas e da pesquisa de campo, é o contato com os povos indígenas e as populações locais que os criaram. Uma vez incorporados ao acervo, esses objetos adquirem um valor científico e museológico próprio, mas, ao mesmo tempo, contribuem para reconhecer, valorizar e visibilizar o povo que os
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confeccionou. Nas últimas décadas, o Museu Goeldi tem propiciado espaços de diálogo com os povos indígenas por meio de visitas e oficinas e pela incorporação de uma funcionária do povo Karipuna (uma das autoras deste artigo) no quadro que atua na coleção etnográfica. Essas ações têm facilitado o contato dos povos indígenas com o acervo, viabilizando as próprias pesquisas indígenas, por meio do mergulho no seu passado, em busca de algo já esquecido, ao mesmo tempo que enriquecem as informações sobre os objetos etnográficos e a atuação institucional no seu fazer museológico, pelo diálogo e interação com os conhecimentos indígenas. O objetivo deste artigo é refletir sobre esses diálogos e interações Museu Goeldi-povos indígenas, mostrando os avanços e os desafios em termos das transformações necessárias que o Museu Goeldi, como instituição científica, deve assumir em prol da adequação às demandas sociais no século XXI.
O acervo etnográfico do Museu Goeldi: história e contexto atual O interesse em preservar objetos indígenas começou século XIX, com a criação da Sociedade Filomática, em 1866, cujo objetivo principal era “manter um museu de história natural e de artefatos indígenas” (Sanjad, 2010). Os objetos adquiridos pelos naturalistas da época, entre eles Domingo Soares Ferreira Pena, médico fundador do Museu, e o geógrafo francês Henri Coudreau (1896), contribuíram para formar