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O visível mundo do invisivel

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O VISÍVEL MUNDO DO INVISIVEL

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Por Andreza Magalhães e Flávio Costa

Desde sempre a sociedade capitalista normaliza a relação do opressor e do oprimido, e causa em cada indivíduo que exerce seu papel o estandarte real de merecimento. Como se cada atividade desempenhada já estivesse incumbida da não valorização ou até fadada ao insucesso.

O que correlaciona-se diretamente ao pertencimento ou não do filtro das retinas daqueles que olham. Determinando a qual esfera da sombra cada indivíduo deve ser preenchido. Onde você se identifica, o que você vê, de onde você vê ou é visto, depende onde você está.

A invisibilidade social é uma expressão intrínseca na construção da história da violência imperial, onde a humilhação social e reificação está associada a relação do poder, do ter, do definir e controle o direito o existir como um ser humano.

Podemos exemplificar várias violências dessa natureza, como a escravidão quando indivíduos africanos eram forçosamente transportados para outros países, ou mesmo no caso também dos chineses quando é possível constatar por um fenômeno econômico, por motivos comerciais se espalham pelo mundo, constroem negócios se adaptando e se submetendo a desvalorização da mão-de-obra em função da sobrevivência.

Segundo Nicholas Mirzoeff (2016, p.747), Visualidade é uma palavra antiga para um projeto antigo. Não é um vocábulo teórico da moda significando a totalidade de todas as imagens e dispositivos visuais, mas é na verdade um termo do início do século XIX que faz referência à visualização da história. Esta prática deve ser imaginária ao invés de perceptual, porque o que está sendo visualizado é demasiado substancial para que qualquer pessoa individual o veja, e é criado a partir de informações, imagens e ideias. Esta habilidade para compor uma visualização manifesta a autoridade do visualizador. Por sua vez, a autorização da autoridade requer renovação permanente, a fim de ganhar o consentimento como o ‘normal’ ou cotidiano, porque sempre já é contestada. A autonomia reivindicada pelo direito a olhar opõe-se assim à autoridade da visualidade. Mas o direito a olhar veio primeiro, e não devemos esquecê-lo.

Consideremos aqui o ser visto a partir do ato de olhar, ficar cara a cara com alguém, fitar seus olhos em direção a um ser que, como você mesmo, tem reais necessidades, sentimentos e carrega em cada uma de sua íris uma ancestralidade, uma história, uma característica única e peculiar que constitui sua identidade.

Sendo assim, o campo do visível e não visível não deveria ser definido ao querer de quem o vê, simplesmente porque assim o é, porque simplesmente se é. Contudo, o que é notório nas relações humanas é a imposição do direito de olhar com sua própria identidade e repertório.

E o comportamento colonizador logo exala além dos poros, atitudes essas representadas como aquele que invade o território alheio, sequestra bens imateriais, cultura, bens materiais, riquezas e outras, vai moldando o colonizado, apagando, quebrando, matando suas digitais, agredindo com sedução ao gerar uma sobreposição de valores e padrões definidos pelo colonizador.

Neste ensaio, selecionamos sete registros nossos de pessoas em seu cotidiano, sob o nosso ponto de vista, onde cada um de nós, com um equipamento fotográfico, exerceu o poder de olhar não necessariamente como sujeito, mas determinou, conduziu a intenção daquilo que via com seu repertório como a verdade do momento.

Após a escolha, separamos o que poderia não ser visto, ou o que retiraríamos por termos o direito, a arma nas nossas mãos, literalmente, de moldar o cenário daquele cotidiano antes registrado. Determinamos não utilizar software de edição de imagens, mas vivenciarmos o recorte físico da imagem, violando inclusive o papel impresso. E desta forma, a cada colagem, e exclusão, nossas próprias fotografias sofriam agressões. Nada mais pertencia ao que era, construímos novas histórias conduzidas a uma representatividade alheia à cada lugar real a que pertencia cada personagem.

O exercício de tornar o conhecido desconhecido e/ou o conhecido como ideal no lugar daquele sem valor. A todo instante gerava uma busca por uma harmonia de pertencimento àquele novo cenário. Ali, visitamos questionamentos tais como: quem é mais visto, o que se reconhece, o que não se vê e o que merece ser visto, o que incomoda, o que é visível num mundo que não se vê?

A cada intervenção na imagem, ao preencher um braço com a Torre Eiffel, as pernas com uma tatuagem do Rio de Janeiro, o vaqueiro agora como o espetacular Batman, o novo conteúdo criou outras realidades, e imageticamente representou o ato da fotografia imperial onde invasivamente, sem consentimento al-

gum, vandaliza-se a cultura, o lugar, a história, impondo uma realidade por outras que não pertenciam aquelas pessoas, e talvez até nunca os desejassem ou aceitassem experenciar o recorte ou exclusão a que foram submetidas: É a reivindicação performativa de um direito a olhar onde tecnicamente ele não existe que coloca a contravisualidade em jogo. Como a visualidade, ele relaciona aspectos formais e históricos. O direito, no direito a olhar, contesta primeiramente o direito de propriedade sobre outra pessoa, insistindo na autonomia irredutível de todas as pessoas, antes de qualquer lei. A autonomia implica uma realização das reivindicações iluministas por direitos no contexto da colonialidade, com ênfase no direito à subjetividade e à contestação da pobreza (MIRZOEFF, 2016, p.750).

Ao experienciar o poder e não mais visualizar o que era pra ser visto, logo percebemos o quão necessário se faz exercermos essa agressão como uma contravisualidade para provocar o estranhamento do que é o real daquilo que se manipula, e gerar o questionamento: quem é você no mundo dos invisíveis?

E não poderíamos deixar de citar um trecho da transcrição da palestra de Nêgo Bispo, realizada em 28 de julho de 2017, na qual ele falou: “Para nós, povos e comunidades tradicionais, as imagens são construídas e são vistas das mais diversas formas possíveis. Nós temos sempre um olhar circular. Os povos e comunidades tradicionais têm várias matrizes cosmovisivas que são politeístas e nos permitem conviver com diversidade.”1

1 Retirado da transcrição no livro “Mundo, imagem, mundo: Caderno de reflexões críticas sobre a fotografia”, VILELA, Bruno (Org.). Belo Horizonte: Malagueta Produções, 2018.

REFERÊNCIAS:

BISPO DOS SANTOS, Antônio (Nêgo Bispo). “A influência das imagens na trajetória das comunidades tradicionais”. In: VILELA, Bruno (Org.). Mundo, imagem, mundo: Caderno de reflexões críticas sobre a fotografia. Belo Horizonte: Malagueta Produções, 2018.

MIRZOEFF, Nicholas. “O direito a olhar”. In: Educação, Visualidades e Espacialidades no Contemporâneo (Dossiê). ETD – Educação Temática Digital, 18(4), 745-768, 2016.

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