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A fotografia no MAM Rio

Camila Pinho e Cátia Louredo

Em um artigo de 25 de maio de 1957 no Jornal do Brasil, Mário Pedrosa elogia a iniciativa do MAM de exibir uma mostra dedicada exclusivamente a fotografias do artista italiano Fulvio Roiter.

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“Roiter vem ao museu para provar aos céticos que se pode fazer arte e arte plástica com a máquina de tomada de vistas. (...) O homem moderno não é um homem desarmado; vive munido de máquina, isto é, de uma complementação orgânica, de um cômodo sistema dimensional e plurissensorial. (...) Esse escravo de sua máquina que é, por sua vez, escrava do visível, não é apenas um intérprete da realidade, ele a cria, amplia, mostrando assim que esta não pode chegar aos sentidos do homem senão através das imagens (pintada, fotografada ou como for).”1

A exposição celebrada por Mário foi a primeira individual de um fotógrafo registrada nos arquivos do museu. No entanto, quatro anos antes o MAM havia recebido os jovens portugueses Fernando Lemos e Eduardo Anahory, quando Lemos trouxe ao Rio um conjunto de cinquenta imagens fotográficas que foram apresentadas ao lado dos oito painéis decorativos de Anahory. É interessante notar um elogio da máquina como instrumento de criação legítimo nas palavras de Pedrosa, bem como, nas palavras de Manuel Bandeira, uma necessidade de afirmação de uma linguagem própria da fotografia e seu lugar no universo artístico.

“Não se trata de todo de um desses fotógrafos que se metem a pintores, espécie que não aprecio, pois o mais que chegam é uma falsificação da fotografia (...). Fernando Lemos não retoca nunca, tudo que ele obtém é por meio da máquina.”2

Nos anos que se seguiram, o MAM continuaria a trazer ao Rio importantes nomes da fotografia, dando continuidade ao trabalho de difusão da linguagem fotográfica. Em 1961 apresenta José Medeiros ao lado de Flávio Damm e Orlando Machado. Ainda na mesma década organiza mostras dedicadas exclusivamente a fotografias vindas da Índia, Bulgária e do Japão. Em 1970 apresenta a individual de Henri Cartier-Bresson,

fotos de Iole de Freitas e, em 1974, a produção de Ansel Adams. Em 1975, a instalação de Emil Forman inaugurou a histórica Sala Experimental do museu.

No ano de 1978, quando o museu passa pelo grande incêndio que o levaria a fechar temporariamente, três exposições totalmente dedicadas à fotografia foram oferecidas ao público, entre elas uma individual de Hugo Denizart. Contudo, foi apenas em 1986, dentro do escopo das ações de reconstrução do museu, que o pesquisador e fotógrafo Pedro Vasquez, a convite do coordenador de artes, Paulo Herkenhoff, criou o Departamento de Fotografia, Vídeo e Novas Tecnologias do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. A função do departamento seria contar 150 anos da história da fotografia, desde sua introdução em 1840 até aqueles anos da década de 1980, bem como criar estrutura para colecionar e preservar obras artísticas e documentais baseadas nas novas tecnologias que surgiam. Infelizmente, o projeto original, pioneiro para a época, foi descontinuado. Para além das fotografias, apenas uma holografia de Eduardo Kac permaneceu desse período, mas o impulso daqueles dias legou ao museu uma coleção de mais 3.500 itens fotográficos. Atualmente, essa coleção, somada aos comodatos das coleções Joaquim Paiva, Luiz Carlos Barreto e Gilberto Chateaubriand, faz do gênero fotográfico o mais numeroso do acervo do MAM Rio.

A ideia original de reunir uma variedade de imagens nacionais e internacionais em suportes diversos, desde os daguerreótipos até as impressões contemporâneas, para desse modo contar a história da fotografia, perdeu fôlego com a falta de uma curadoria dedicada especialmente ao gênero após a saída de Pedro Vasquez. No entanto, em 2005, com a decisão pelo comodato com Joaquim Paiva, considerado o maior colecionador particular de fotografias nacionais e internacionais em nosso país, a missão de contar a história da fotografia foi renovada. Hoje a Coleção do MAM Rio e seus comodatos somam mais de 7.580 obras fotográficas das mais diversas técnicas, assinadas por 790 artistas brasileiros e estrangeiros, o que compreende cerca de metade do acervo do museu. As exposições dedicadas a fotógrafos e ao gênero têm sido um elemento importante da programação. O MAM Rio recebeu edições do Fotofest, Favelografia, e individuais de artistas como Ivan Cardoso, João Pina, Pierre Verger e Nan Goldin, entre outras. É nesse contexto que a exposição Terra em tempos foi organizada.

Medidas de conservação para a exposição Terra em tempos

A fotografia é um dos gêneros e técnicas da arte moderna e contemporânea mais frágeis do ponto de vista da conservação de acervos

museológicos. Ela é constituída por três camadas que podem apresentar uma infinidade de materiais variados, e com eles, suas combinações e reações que resultam em possíveis instabilidades físico-químicas. Tais camadas são: os suportes primários, que podem ser de diferentes tipos de papéis, polímeros, metais ou até tecidos e vidros; a camada que constitui as imagens, como prata, ouro, platina, corantes ou pigmentos; e os materiais constituintes da película, como gelatina, albumina ou colódio. Quando se trata de fotografia contemporânea, pode-se encontrar um leque ainda mais vasto de materiais em cada camada. Com a chegada da fotografia digital, a instabilidade e a sensibilidade permanecem e, em alguns casos, podem ser consideradas ainda maiores quando comparadas com técnicas tradicionais. Diante disso, a necessidade de medidas específicas para a proteção das obras durante o período de exposição foi levada em conta na expografia escolhida.

Os agentes que podem causar danos em acervos são de naturezas diversas e devem, dentro da prática museológica, ser evitados em todas as fases de tratamento de acervo. Para a movimentação e a exposição de obras são fortemente levados em consideração, já que os itens são retirados de suas condições permanentes de guarda, que geralmente são as ideais para garantir sua conservação, e passam

por momentos de vulnerabilidade. Junto dos aspectos intrínsecos dos materiais, os fatores de degradação podem acelerar os processos de desbotamento, acidificação, amarelecimento e até esmaecimento de imagens das fotografias. Pode-se considerar que o fator de degradação que age mais intensamente e de maneira veloz nas fotografias é a luminescência; por isso, durante o período de preparação da exposição foram instaladas novas cortinas e películas nos vidros das janelas do espaço expositivo, respeitando os aspectos arquitetônicos modernistas do prédio, de interação do interior e exterior. Essas barreiras para a luz garantiram uma baixa incidência de luz natural e, consequentemente, de raios ultravioletas. Além dessas barreiras físicas para a luz externa, a luz artificial interna do espaço teve controle rigoroso de até 50 lux em todas as obras selecionadas para a exposição.

Outros elementos expográficos foram pensados especialmente para a exposição, com o objetivo de evitar o desgaste físico das obras. Foram desenhados e construídos suportes em acrílico que comportam sob medida álbuns históricos da coleção, sem forçar suas costuras internas e lombadas. Para os negativos de vidro, suportes em acrílico serviram como apoio, com uma angulação segura para o material, mas também pensada para que o público pudesse explorar visualmente a transparência do material e suas imagens.

Necessidade de revisão da catalogação e oportunidade do projeto

Durante os anos em que as coleções de fotografia do MAM Rio foram sendo formadas, o aprofundamento na catalogação delas não foi possível. O fim do Departamento de Fotografias, Vídeo e Novas Tecnologias foi um dos fatos que contribuíram para o pouco investimento em pesquisa e inserção de informações a respeito de cada item do acervo, mas também a variedade e a especificidade que são características dessa técnica e gênero foram obstáculos para uma maior investigação das particularidades físicas, históricas e conceituais de cada objeto.

Na ocasião de Terra em tempos, entendendo que um público especializado seria atraído para o museu e partindo da premissa de que a catalogação museológica é o primeiro passo para a conservação de acervos, o departamento de Museologia se mobilizou para traçar um projeto-piloto de revisão da catalogação das obras selecionadas para a mostra. O projeto foi realizado pelas especialistas em conservação de fotografia Sandra Baruki e Marcia Mello. O foco principal foi a revisão das identificações das técnicas fotográficas, mas, dependendo da obra, foram criadas oportunidades de revisão de outras informações diretamente com os artistas – quando vivos – ou através de pesquisa bibliográfica. A premissa é

que toda a coleção fotográfica deverá receber o mesmo tratamento em um momento futuro.

1. Mário Pedrosa, "Fulvio Roiter e sua máquina", Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 25 de maio de 1957. 2. Manuel Bandeira, catálogo da exposição de Fernando Lemos e Eduardo Anahory, novembro de 1953, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Acervo MAM Rio.

Juvenal Pereira

Romaria, MG, Brasil, 1946

[Mãe de desaparecida]

sem data emulsão de gelatina e prata sobre papel de fibra 24 x 18 cm Coleção Joaquim Paiva MAM Rio

Luiza Baldan

Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 1980 Sem título 2009 série Natal no Minhocão impressão em jato de tinta | pigmento mineral sobre papel de algodão 60 x 60 cm Coleção Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro Patrocínio Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça – Funarte/MinC

Luiza Baldan

Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 1980 Sem título 2009 série Natal no Minhocão impressão em jato de tinta | pigmento mineral sobre papel de algodão 120 x 120 cm Coleção Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro Patrocínio Prêmio de Artes Plásticas Marcantonio Vilaça – Funarte/MinC

Lenora de Barros

São Paulo, SP, Brasil, 1953

Poema

1979/2001 fotografias de Fabiana de Barros em emulsão de gelatina e prata sobre papel de fibra 108 x 14,8 x 1,5 cm Coleção Gilberto Chateaubriand MAM Rio

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