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Escolas João de Araújo Correia
N.º 24
Junho 2019
20 ANOS
ÍNDICE 02 03 05 06 07 08 08 09 10 12 13 14 15 17 19 20 21 22 24 25 27
Editorial - 20 anos de Pensar(es) A. Marcos Tavares Pensar(es) Meus... Ana Paula Lopes A Vida hoje Estela Maria Ferreira Mulher Ana Raimundo A Maravilha que é o Homem Anabela Lapa Insónia F. Ponte Fernanda Sousa Cartografias (sub)cutâneas Carla Cabral Questão de prioridades Diana Silva Viver 'para' ou viver 'da' política Diana Teixeira À minha Mãe Jerónimo «Lua» Para um amigo José Artur Matos Violência no namoro e violência doméstica A. Marcos Tavares Arte e Filosofia - Um olhar pelo Barroco Alexandra Magalhães Emancipação da Mulher Gabriela Borges Geopolítica e suas consequências Joana Teles Imagino José Artur Matos Maldita Insónia Conceição Dias Ela Tiago Teixeira O ensino em Portugal Jorge Coutinho Vários Centro Escolar da Alagoas
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Vários Centro Escolar da Alameda Vários EB 2,3 de Peso da Régua Biodiversidade Turma do 7.º F Epifania - A vivência em... João Andrade Rebelo O Rio M. Eugénia Monteiro O leitor do Séc. XXI... José Artur Matos Os filhos de Ícaro Leandro Andrade Lembranças Jorge vasques Um mero viajante Eduardo Ferreira Entender melhor a política Manuel Ferreira Na vida Luísa Chambel Gonçalves Dizer não ao racismo Gonçalo Carvalho Progresso Margarida Craveiro Vencedores e perdedores... Pedro Miranda A crise como necessidade Luís Cardoso A mulher ateniense Karolline Ferreira e Rita Osório A responsabilidade do sábio Matilde Carvalho (Des) ilusão Marisa Borges Astronomia e mitologia com... Sónia Lopes Feridas mal cicatrizadas Marco Mimoso Clarim da Verdade Pedro Babo
Editorial 20 anos de Pensar(es) 1
Cumpriram-se, no pretérito mês de fevereiro, 20 anos da Pensar(es). Ao longo dos vinte e três números publicados, registou-se a participação de 445 alunos, de 60 professores de 2 funcionárias assistentes administrativas e de diversos convidados, entre os quais alguns escritores da região, num total de 774 textos. Tal longevidade de um tipo de revista como esta merece ser ressaltada. Com pompa e circunstância (a possível e suficiente), celebrou-se o aniversário no dia 18 de março, na BE. Foi um ato simples e simpático, com atividades que integraram uma breve história da Revista, a leitura de alguns textos/poemas, troca de ideias/reflexões/opiniões e momentos musicais (protagonizados pelo Clube de Música da ESJAC).
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Uma das principais preocupações dos vários editoriais foi refletir/alertar para problemas sociais contemporâneos. No presente editorial assuntos não faltariam. O mundo continua em efervescência e a confrontar-se com alguns problemas bem preocupantes. Permito-me destacar os seguintes: - Os «coletes amarelos» em França com manifestações semanais, sobretudo nos meses de janeiro a março; - a crise na Venezuela (N. Maduro e Juan Guaidó): inflação que atinge 1.000%; fuga da população para outros países da América do Sul; proibição por parte de Maduro de ajuda humanitária às populações… - as asneiras do presidente americano, Trump: o muro na fronteira com o México, o fracasso das negociações com a Coreia do Norte, relativamente à contenção nuclear, para referir apenas algumas; - A crise em Espanha e o avanço da extrema direita (Vox), à semelhança do que tem acontecido por toda a Europa.
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Hoje, importa destacar o aniversário. Deixa-se para a próxima uma reflexão mais aprofundada sobre algum dos problemas do mundo. A. Marcos Tavares
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Pensar(es) meus… Ana Paula Lopes . Professora de Filosofia
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revista Pensar(es) faz 20 anos! Começou como projecto que se pretendia fosse potenciador do espirito democrático e pluralista, espaço de partilha de ideias, de experiências, de diferentes visões do mundo e também de reflexão. Vimo-la a crescer, a dar voz a alunos, pais, professores, assistentes operacionais, à comunidade em geral. A Pensar(es) constituiu-se como palco das conquistas, das certezas ou inquietações de todos nós. E é neste palco que hoje partilho o que me vai na alma, os pensar(es) meus… Comecei a leccionar há 25 anos. Casada, mãe de duas filhas, ao longo dos anos percorri milhares de quilómetros, quase duas dezenas de escolas, vivi em quartos arrendados e em casas de amigos, sempre na esperança de construir um futuro melhor. Ensinei, eduquei e dei apoio aos filhos de outros acreditando sempre que colegas meus teriam o mesmo tipo de atenção e dedicação para com as minhas filhas. Celebrei contratos de trabalho com o Ministério da Educação anualmente desde 1994. Aceitei continuamente os horários e as escolas onde obtive colocação, independentemente do número de horas e da sua duração. Bem sei que ser professora foi uma escolha minha, que percorrer o país de casa às costas é só o resultado das opções que fiz mas… Não é uma escolha minha ser professora contratada ao fim de 25 anos! Não é uma escolha minha que no meu país não se cumpra a lei! Não é uma escolha minha
que aquilo que ensino aos meus alunos quando falo de sociedades de Direito, de Leis, de Justiça e Equidade, não tenha reflexo na sociedade que me rodeia, no Estado que é o meu! Este espetáculo a que assistimos atualmente em torno dos professores é inqualificável! Se no meu país se cumprisse a lei, eu e mais alguns milhares de colegas, estaríamos numa situação diferente. Mas, ao que parece, não somos uma necessidade permanente do sistema… Se fosse verdade que os professores são egoístas, irresponsáveis e que só pensam nos seus
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interesses, não veríamos, diariamente, professores a patrocinarem do seu bolso os materiais e recursos que escasseiam em tantas escolas da rede pública. Lamentavelmente, a sociedade civil assimila a desinformação que se difunde, acredita em números fabricados, em estatísticas manipuladas, em falsidades defendidas por comentadores ad hoc e pseudo-especialistas em educação. As reivindicações dos professores, a serem satisfeitas, empurrarão o país para uma situação de calamidade orçamental. Não é o capital que se injecta nos Bancos, não é a fuga aos impostos ou os perdões fiscais, não é o despudor com que se utilizam os dinheiros públicos para satisfazer interesses de meia dúzia, não é o amadorismo e experimentalismos das políticas adotadas… é o facto de nos ser reconhecido o tempo de serviço que efectivamente trabalhamos! O Estado não me deve somente 9 anos, 4 meses e 2 dias. Deve-me o respeito que a minha profissão merece, deve-me o reconhecimento pelo serviço
que desempenhei com responsabilidade, deveme a valorização do contributo que dei à sociedade sem que tivesse direito a ajudas de qualquer espécie, de deslocação, representação, alojamento ou outras benesses destinadas só a alguns. Deve um pedido de desculpas pela forma como me (nos) tem difamado, porque aos olhos da lei, a difamação continua a ser crime. Deve-me uma vida sempre adiada pela ausência de estabilidade. Sei bem que não nos deve só a nós, professores. Deve a todo um país que se sacrificou, que uniu esforços, trabalhou, cumpriu com as suas obrigações. Olha, Pensar(es), parabéns pelos teus 20 anos! Afinal, um grupo de “malandros, irresponsáveis e folgados” como são os professores, conseguiu criar e implementar um projecto que tem uma vida mais longa e preenchida do que a maioria das medidas concebidas, debatidas e executadas pelos diferentes governos e ministérios da educação deste país.
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A vida hoje A neblina turba ainda a rebentação… E no hemisfério frio do dia a emergência do sol que nasce! Tudo é vida e… transformação, Um desencontro encontrado no turbilhão da mudança. O que sou? – para além do sono constante de desejos fugazes, que circundam o viver líquido? Sou campo de trigo dourado, Brisa suave de um oceano azul. Sou renda presa na existência Sou pensamento inenarrável, doce ternura poética de uma existência comum! Estela Maria Ferreira. Professora de Filosofia
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Mulher Ana Raimundo . Professora de Matemática
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uando Deus criou o homem teve, de imediato, a sensação de que algo estava a faltar na criação maravilhosa que fizera. O homem era o rei de tudo o que Deus criou, mas esse rei tinha uma falha. Essa maravilhosa criação estava incompleta. E Deus pensou, fazendo-se perguntas a Si mesmo. Se Adão tem o dom da fala, com quem é que ele vai falar? Com os animais não se vai entender. Se Adão quiser expressar a sua admiração pelo que Deus fez, a quem é que ele vai dizer: “Olha que maravilha!” Se Adão quiser um abracinho com ternura e muito carinho, a quem é que o vai pedir? Não pode ser à girafa, por exemplo, nem ao chimpanzé. Se Adão quiser prolongar a espécie semelhante a ele, não pode fazê-lo com as espécies diferentes. Ah! Já sei, disse Deus: vou fazer-lhe um ser semelhante a ele que se complementem. E, já que estou com a mão na massa, vou aperfeiçoar a espécie, que este original não me saiu lá muito bem! Comecemos pela cabeça: tornear o rosto e melhorar os olhos, fazer um cabelo que permita um penteado sedoso; o queixo deve ser um pouco mais pequeno e fazer grácil o nariz. Entrando dentro do cérebro, vou aumentar um pouco o bom senso e a acuidade de raciocínio. Passando ao tronco, vou adelgaçá-lo, colocar dois bonitos seios. Dentro vou colocar um coração com uma abundante reserva de amor. Creio que estes acertos vão fazer um
ser maravilhoso. Ora vamos lá a espantar o Adão. E então Deus, sempre engenhoso (não fosse Ele Deus!), convidou o Adão para uma merendinha que metesse um licorzinho feito pelos anjos mais malandrecos do Paraíso. Adão não desconfiou de nada e atacou-lhe no licor e, dentro de pouco tempo, estava a dormir tranquilo e profundamente. Deus aproveitou e lá fez o Seu trabalho de exímio artista. Adão acordou, espreguiçou-se e ficou de boca aberta, escancarada, quando viu aquela criatura semelhante a ele, mas de uma beleza fantástica. Não desmaiou de espanto, porque Deus, na Sua grandíssima sabedoria, achou por bem não ter inventado os espelhos e assim Adão não pôde comparar a sua beleza com a da criatura que tinha à sua frente. Como Deus é sábio! Aqui tens a Eva, disse Deus a Adão. É a Mulher de que deves cuidar. É uma obra de arte, por isso tem muito cuidado com ela. Se dela cuidares com amor e carinho, recebes dela mais amor e carinho. Portanto, sê esperto, meu filho. Não te preocupes por criar um dia para a honrares. Honra-a todos os dias e…serás feliz! E foi assim que apareceu no mundo a MULHER!
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A maravilha que é o Homem Anabela Lapa . Aluna do 11.º C
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uma das fases mais pensativas da sua vida, Sófocles proferiu uma frase que levou a pensar muitos críticos: “Muito são as maravilhas da natureza, mas a maior maravilha é o Homem”. Esta citação incentivou-me a redigir um texto de opinião. Sófocles foi um dramaturgo grego, nascido na cidade-estado de Atenas em 496 a. C. e falecido em 406 a. C. Ao longo da sua vida, Sófocles escreveu aproximadamente 120 peças de teatro. É considerado um grande representante do teatro grego antigo, sendo algumas das suas obras de grande reconhecimento, pois ele foi capaz de criar inovações na técnica dramática. A nível pessoal, os meus ideais vão ao encontro dos ideais presentes nesta frase, pelo facto de o homem ser realmente a maior maravilha de Deus, não o Deus cristão, porque Cristo só nasceu quase 300 anos depois da redação desta frase, mas falo dos deuses gregos, que deram ao homem inteligência para criar as coisas, raciocínio para pensar e sabedoria para distinguir o bem do mal, por exemplo. O Homem tem como missão reproduzir e cuidar de tudo o que o mundo tem, por exemplo, os porcos, as aves, as girafas, os animais em geral e a flora. Toda a natureza que foi criada depende da manutenção que o Homem lhe proporciona. Tudo gira em volta do Homem, das necessidades que ele tem e das dificuldades que surgem perante si,
Imagem in https://editorialverbum.es/team/sofocles
tendo assim de aprender a superá-las. Por exemplo, as doenças que surgem têm de ser estudadas e ultrapassadas em prol da salvação e sobrevivência do Homem. Em suma, podemos dizer que Sófocles tinha razão no seu pensamento em relação ao Homem. Concordo em grande parte com a citação, uma vez que considero a natureza uma grande maravilha, mas, como diz o autor, o Homem é a maior de todas.
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Insónia Esta noite sonhei à pressa, A insónia encurtou-me o sono. Lembrar de ti…de nós, faz as noites longas… e abrevia os sonhos. Preciso sonhar depressa, é urgente sonhar a correr! Pois a noite é longa, mas o sono é breve. Eu já só te encontro lá, nos sonhos apressados, Que chegam quando o cansaço de sonhar acordada leva a vigília e te traz a ti. Sim, ainda sonho contigo, sonhos à pressa. Sonho com as noites em que não dormimos e, juntos no mesmo abraço, sonhávamos acordados os mesmos sonhos, Sim, ainda sonho… F.
Ponte No espelho de água Em que me comtemplo Quem me olha Pensativa por dentro? Entre mim e quem me sonho Não sei quem está… Dor informe, quem me penso É vulto estranho que passou já. E, no fim, o que fica entre mim e mim É ponte de nada que é tudo. Negro passar de um rio, Um querer sempre mudo. Fernanda Sousa, Professora de Inglês
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Cartografias (sub)cutâneas Carla Cabral . Professora de Artes Visuais
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s marcas da terra gravam-se no corpo. Bolhas, vergastadas, picadas que delineiam um mapa cutâneo onde percorro a história dos dias. Bolhas, vergastadas, picadas que se vão fundindo e entranhando na pele camada a camada, epiderme, derme, hipoderme, carne, músculo, artérias e veias, tornando-se um fluxo, um batimento do coração, uma sinapse, uma memória. A minha genealogia simultaneamente rural e urbana transcrevendo-se na minha história, naquilo que sou. Urbana e rural, incapaz de me definir nómada ou sedentária*, assumo uma espécie de transumância oscilando entre o caminho e o lugar, suspensa entre pedra e água, árvore e nuvem. As marcas da terra gravam-se no corpo e desvanecem-se e criam uma cartografia invisível, um mapa interior onde cabem os caminhantes, viandantes, giróvagos, os pastores, os corredores, os viajantes, os deambuladores, os errantes, os passeantes, os agrimensores, mas também os enraizados, os imóveis, os petrificados e os empedernidos*. * Michel onfray in Teoria da Viagem.
Imagem de Carla Cabral
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Questão de prioridades Diana Silva . Aluna do 11.º C
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riança confunde câmara com arma e rende-se perante fotógrafo” – esta frase é o título da imagem que sensibilizou o mundo. A fotografia, de um fotojornalista que, segundo o jornal turco “Gaziantep Heberler”, se chama Osman Segirli, foi tirada em 2012 num acampamento na fronteira da Síria com a Turquia. No entanto, só depois de ser partilhada no Twitter pela fotojornalista da Palestina Nádia Abushaban é que a fotografia se tornou viral, sendo considerada «a imagem mais triste do dia». O fotojornalista, quando viu a criança render-se enquanto o mesmo se preparava para lhe tirar uma simples fotografia, ficou triste e sensibilizado com aquela situação, mas compreendeu a reação da criança, pois na situação em que a mesma se encontrava, de guerra e miséria, não saberia o que era uma câmara e, por causa disso, pensou ser uma arma. Quanto à imagem, pode-se ver que tem uma legenda e nesta legenda, publicada pelo mesmo jornal “Gaziantep Heberler”, pode-se ler: “A cara entristece subitamente. Espreme o lábio inferior entre os dentes enquanto levanta suavemente as mãos no ar. Sem uma palavra. Não é fácil confortar uma criança que pensa que a câmara é uma arma. Hudek, com quatro anos, perdeu o pai no atentado à bomba em Homã. A
In https://www.dailymail.co.uk/news/article-3024608/
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In https://www.dailymail.co.uk/news/article-3024608/
mãe, síria, e os três irmãos estão no campos de refugiados “Camp Atmen” na fronteira com a Turquia.”. Com esta legenda, vemos que não só a imagem é triste, como a própria história o é. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) estima que quase 14 milhões de crianças estão afetadas pelo conflito na Síria e no Iraque. A situação em que esta e muitas outras crianças se encontram neste momento arrasa o coração de qualquer um, pois através desta imagem vê-se o sofrimento das mesmas e no olhar, para além de tristeza, vê-se também o medo de estar só, apavorado, sem pai, sem mãe, sem irmãos, sem família. A meu ver, esta imagem é muito triste e põeme a pensar nos problemas que há no mundo. Nós, os jovens, não só os jovens, mas maioritariamente os jovens, estamos constantemente a reclamar da vida, mas não temos tanto para reclamar como eles têm. Temos os nossos problemas, é claro, mas antes de dizermos que a nossa vida não é nada demais, ou que somos infelizes, pensemos naqueles que estão em guerra, naqueles que não sabem o que é ter duas, três ou quatro refeições por dia, naqueles que não sabem o que é ter uma cama lavada, naqueles
que não sabem o que é ter o conforto de uma casa, naqueles que não sabem o que é ter água potável e naqueles que não sabem o que é ter o amor dos pais, pois infelizmente nem todos temos as mesmas oportunidades. Nós reclamamos dos estudos, eles dariam tudo para estudar, nós reclamamos que a internet está lenta, eles dariam tudo para ter internet, nós reclamamos do telemóvel velho, pois saíram modelos novos e melhorados, eles dariam tudo para ver, tocar e ter um, entre muitas outras coisas de que nós reclamamos e eles dariam tudo para ter.
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Viver 'para' ou viver 'da' política Diana Teixeira . Aluna do 11.º C
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oje em dia, vivemos envolvidos pela política. Esta e tudo o que a mesma envolve não é apenas de agora, mas de há milhares de anos. O ser humano está, desde muito cedo, ligado à política, que visa a melhoria das suas condições de vida. Assim, os papéis desempenhados pelos políticos devem ter como finalidade ajudar as pessoas em geral, mas isso nem sempre acontece. “Há duas maneiras de fazer política. Ou se vive ‘para’ a política ou se vive ‘da’ política – esta é uma célebre citação de Max Weber. Na minha opinião, para o cargo político ser exercido com sucesso, têm de estar relacionados o viver ‘para’ e ‘da’ política, não podendo haver uma separação. Na política, a maior parte dos que a praticam deixam o viver ‘para’ a política de lado e só se interessam em viver ‘da’ política, ou seja, grande parte dos políticos não se importa com a harmonia da sociedade de um certo país e acaba por retirar da política tudo o que os favorece, lhes dá mais poder e, sobretudo, mais dinheiro. A política não deve ser resumida a pessoas que só olham para as consequências dos seus atos a nível pessoal. Deve, sim, estar associada a indivíduos que a exercem com a perfeita noção das consequências dos seus atos e decisões para as pessoas em geral, num dado instante e até mesmo no futuro. O poder deve ser usado com consciência e medida certa, para não se tomarem
decisões erradas, que podem afetar parte da sociedade. Por muito que algo interesse a um político em particular, o mesmo não tem de ir em busca do que o favorece, mas em busca do que favorece uma sociedade. Concluindo, além de se viver ‘da’ política, é muito importante viver ‘para’ a política. Deve ser dada menos importância às ideias de poder e riqueza e mais valor às diferentes maneiras de ajudar um país ou até mesmo o mundo. São precisas mais pessoas concentradas na melhoria da vida em geral do que seres que só buscam uma vida melhor, com mais conforto, para si próprios, demonstrando ser pessoas puramente egoístas.
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À minha mãe Oh minha mãe, minha mãe...O que de ti eu sei: Sei que foste Princesa...E Rainha também! Pão e vinho na mesa... E a cor da natureza. Foste rocha...Foste mar... E perfume doce de cheirar! Foste a estrela polar... E o sorriso do meu olhar! Foste rosa Silvestre... E vento às vezes agreste. Foste rio...foste mar... E a segurança do meu caminhar! Foste floresta...foste beleza... E a força da natureza. Foste vento...Foste chuva... E o sereno olhar da lua! Foste o livro da minha educação... Que guardo no meu coração! Foste a razão do meu ser... Que jamais irei esquecer! Muitas mais coisas lindas de ti eu sei... Mas só para mim as guardei! Minha mãe...minha mãe... Sabes bem porquê eu sei: São saudáveis momentos só nossos... E não contá-los há razão... De guardá-los no meu coração...!
Jerónimo «Lua» - Convidado
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Para um Amigo José Artur Matos . Professor de Artes Visuais
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uerido Amigo, anoiteço com a tua inesperada perda. A minha vida na nossa escola de sempre, fica muito mais
pobre. A nossa relação poucas vezes foi para além das paredes do local de trabalho, mas a energia que em todos os momentos partilhámos foi imensa. A alegria que colocávamos a cada encontro, a força do nosso cumprimento e o humor único e inteligente que brotava naturalmente morreu contigo, e com isso, deixas-me só e profundamente triste. Agora, fico com a angústia de a nossa amizade ter ficado a meio caminho do desejo e de não ser mais possível continuar a concretizá-la. Morreste-me como que de improviso, sem palavras, sem justificação possível. Aceito a tua opção e resigno-me à força maior do que tenho de ti. Estou-te muito grato por teres existido e partilhado comigo a tua inteligência, alegria e bondade. Estarás em mim para sempre. 6 de julho de 2018
Caspar David Friedrich, O viajante sobre o mar de névoa, 1818
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Violência no namoro e violência doméstica A. Marcos Tavares . Professor de Filosofia e Psicologia
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le bate-me porque gosta de mim». Raciocínio: «Ele bate-me porque tem ciúmes. Se tem ciúmes de mim é porque gosta de mim; Logo, bate-me porque gosta de mim. Além disso ele é tão bonito!» Muito se tem falado de violência no namoro e de violência doméstica. As vítimas (ou potenciais vítimas) têm à sua disposição cada vez mais canais de informação e de alerta. Todavia, infelizmente, a violência continua e tem mesmo aumentado. Num seminário organizado no mês de fevereiro de 2019 pelo INMLCF (Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses), sob o tema «se a escola do namoro formasse profissionais em violência», que teve lugar no auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra (cf. Diário de Coimbra, 15 fev 2019) foram apresentados dados como estes: - 25 a 35% dos jovens interpretam a violência como uma manifestação de amor; - 33% das raparigas não consideram «que dentro de uma relação de namoro exista abuso sexual»; - Calcula-se que 1 em cada 5 mulheres é vítima de violência; - «os episódios de violência são progressivos e, frequentemente, os comportamentos de perseguição passam a ser concretizados através da internet, em especial nas redes sociais» (até
Imagem in https://www.dnoticias.pt
porque….); -O namoro na internet é cada vez mais frequente: segundo um estudo da Microsoft, «65% dos portugueses prefere namorar online do que presencialmente» - Há estudos que mostram que «58% de jovens que namoram ou já namoraram devem ter sofrido pelo menos uma forma de violência por parte do atual ou ex-namorado/a». Mais preocupante ainda é que «67% acham normal uma certa violência no namoro»
Depois, não é de admirar a violência doméstica que acontece no seio dos casais. A APAV, entre 2013 e 2017, registou um total de 36.528 processos de apoio a pessoas vítimas deste tipo de violência. Segundo o relatório anual de 2018,
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Imagem in https://www.udireito.com/2019/coimbra-recebe-seminario-sobre-violencia-no-namoro/
desta mesma instituição, houve um aumento de 31% de atendimentos entre 2016 e 2018, sendo a maioria das vítimas do sexo feminino (82,5%). Com idades compreendidas entre os 26 e os 55 anos (cerca de 41%), as vítimas de violência doméstica, eram sobretudo mulheres casadas (34%) e pertenciam a um tipo de família nuclear com filhos/as (41,9%). Só em 2018 foram assassinadas onze mulheres, todas enquadradas no âmbito de violência doméstica. (https://apav.pt/apav_v3/images/pdf/Estatisticas_APAV_Relatorio_Anual_2018.pdf ) Em termos académicos e profissionais, o ensino superior apresentou-se como o grau de ensino mais referenciado (8,7%) e mais de 30% das vítimas eram, à data do apoio prestado, profissionalmente ativas. Ou seja, ninguém está livre de sofrer esta violência. Os dados estatísticos podiam multiplicar-se e a APAV é, neste campo, uma valiosa e fidedigna fonte. Não obstante, o objetivo que norteou este escrito foi não tanto oferecer dados de e para análise como alertar para a profunda interação
entre violência no namoro e violência doméstica. Sabemos pela Psicologia que a imitação e a modelagem são formas importantes de aprendizagem. A violência a que os filhos assistem em casa é com frequência fonte de violência futura, por parte dos jovens. A violência entre o casal como que «legitima» a violência no namoro que, depois, se prolongará em família. E assim sucessivamente. Há que rasgar este círculo diabólico. A maneira mais eficaz é a denúncia imediata e sem receios. De uma vez por todas, há que interiorizar que a violência é incompatível com o amor. Quem bate, não é porque gosta da pessoa em quem bate, mas porque é possessivo e quer afirmar a sua posse mediante a violência. E se já o faz no namoro, o mais certo é que o venha a fazer pela vida futura. Claro que romper um namoro ou um casamento é sempre doloroso, por pressões, por preconceitos, por medos. Mas continuá-los, em situações de violência, será sem dúvida muito mais doloroso e eventualmente trágico. Há muita gente bonita que é sã e não recorre à violência para manifestar o amor.
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Arte e Filosofia – um olhar pelo Barroco Alexandra Magalhães . Professora de Filosofia
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conceito de Barroco é mais do que um fenómeno civilizacional de época como apontam as teses historicistas, constituindo um hiperfenómeno e uma hiperestrutura, onde habitam dinâmicas contraditórias, ilusões, simulações no discurso enquanto excesso e desproporcionalidade, como poiética e filosofia das metamorfoses. No espaço do múltiplo, a estética barroca experimenta uma plasticidade nas suas deslocações de fronteiras que permitem sobretudo a fruição da obra em desfavor da leitura da mesma enquanto estrutura de representação. Opondo-se ao classicismo, o Barroco inaugura uma “folie du voir” que (ir)rompe a partir do Renascimento jogando com a dualidade das oposições: linear/ pictórico; superfície/ profundidade; forma fechada/ forma aberta; unidade/multiplicidade; clareza absoluta/clareza relativa. A estética da complexidade, estilhaçando a ordem e a forma mostrase na irrupção dos fragmentos, nos detalhes que brotam do declínio da totalidade, de um todo que será sempre mais do que a soma das suas partes. A sensibilidade barroca introduz o artifício espantoso e a invenção engenhosa que se fundem no ideal de beleza (Athanasius Kircher).1 As múltiplas causas que originaram este conceito que extravasa épocas surgem dos pares de 1
Eco, Umberto, História da Beleza, Difel, 2004.
contrastes que fluem numa sociedade em crise (não estarão todas permanentemente em crise?). Tradicionalismo, autoridade, mística, teologia, guerra e geometria deixam entrever individualis-
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"O Êxtase de Santa Teresa D' Ávila" de Bernini (Séc. XVII)
mo, manifestação de liberdade, sensualismo, superstição, comércio e capricho…2 Um novo regime da luz e das cores traz-nos este Barroco no desvelar/ocultar, inventando a obra como operação infinita que cria o par hegemónico “material – força” em detrimento da matéria – forma. O maravilhoso, o transbordante, o deslumbramento dos sentidos no múltiplo que é dança e música no estilhaçar da forma /perspectiva, o “trompe l’oeil” que cria mundos sucessivos, esferas que se multiplicam festejando a vida e exorcizando a morte. O Barroco tendendo para a transcendência das formas, apontando para o ilimitado, o infinito, descarnando a forma, aproximando-se do abismo, da vertigem que, simultaneamente, desagrega e une, traz em si o germe do sublime romântico. A estética do fragmento desconstruindo o cen2
Maravall, J., La cultura del Barroco, Barcelona, Ariel, 1990
tro ou a ordem do discurso, caminha no sentido da complexidade, dos caminhos que se bifurcam, dos labirintos borgeanos, dos espelhos múltiplos escherianos, fluindo e refluindo nos enigmas, nós e rizomas deleuzianos das infinitudes…
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Emancipação da Mulher Gabriela Borges . Aluna do 11.º C
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tualmente, em pleno séc. XXI, a mulher ocupa um papel preponderante em todos os setores da sociedade. Contudo, isto só é possível devido ao facto de, ao longo da história, muitos lutarem afincadamente pela igualdade de direitos e oportunidades. Assim, foram conquistando o seu lugar num mundo a que até então só os homens tinham acesso. Esta vontade e determinação em querer alcançar os objetivos de igualdade é que fizeram com que a mulher não aceitasse a condição inferior que lhe era imposta e, através desta rejeição, a mesma foi exigindo um papel de igualdade em relação ao mundo masculino. Segundo Aristóteles, “A natureza só faz mulheres quando não pode fazer homens. A mulher é, portanto, um homem inferior”. Durante muitos séculos, a mulher era vista como um ser inferior, pouco inteligente e que apenas estava destinada às tarefas domésticas. O direito ao voto, à educação, ao emprego, à liberdade era-lhe negado. Lutar contra o que estava instituído era essencial para a conquista do respeito, liberdade e igualdade. Muitas foram as mulheres que se destacaram nesta luta. Personalidades como Margareth Tatcher, Marie Curie, Virginia Wolf, Coco Chanel, Malala, Eva Péron, Katherine Switzer e Anne Fisher destacaram-se em diversos setores da sociedade e alcançaram grandes feitos, conquistando o seu
lugar na história mundial. Também Gil Vicente, na obra “Farsa de Inês Pereira”, apresenta uma protagonista que se revela renitente em relação ao destino que lhe é oferecido, sendo um exemplo de rebeldia e força num tempo de silêncio conformado. Ela recusa os papéis estabelecidos, questiona o destino imposto à mulher, rejeitando o papel de submissa e aparece como contestatária da condição inferior da mulher do séc. XVI. Todos estas vozes contribuíram significativamente para que a mulher atual seja encarada de uma outra forma, sendo mais respeitada e ocupando um papel igualitário na sociedade. Porém, ainda se verificam muitas desigualdades em muitas áreas. Estas vozes e tantas outras que anonimamente lutaram pelos seus ideais deram um passo enorme nesta conquista, fazendo com que outras nunca deixassem de lutar e realizar os seus desejos e intentos de uma forma responsável, livre e autónoma. A mulher do séc. XXI pode até não querer um “asno que a carregue”, porque não tem necessidade devido à sua independência, mas definitivamente não aceitará “um cavalo que a derrube”. Esta situação só é possível devido a todos aqueles que nunca se conformaram e que, tal como Gil Vicente, através das suas personagens, transmitiram ideais de igualdade, liberdade e respeito pela condição feminina. E, assim, se vai contribuindo para a mudança de mentalidades ao longo dos tempos.
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Geopolítica e suas consequências Joana Teles . Aluna do 11.º A
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sta foto foi tirada em Junho de 1984 pelo fotógrafo Steve McCurry, num acampamento de refugiados no Paquistão, e tornou-se capa de uma das mais famosas revistas do mundo, a National Geographic. Trata-se de uma foto de Shabat Gula, mais conhecida por A menina dos olhos verdes, que simboliza todos aqueles que não puderam viver em paz. Todos aqueles que foram e são fruto da crueldade e barbaridade da guerra. A menina dos olhos verdes nasceu no Afeganistão, um país da Ásia. A sua juventude e a sua beleza poderiam sugerir a qualquer europeu uma adolescente com um futuro promissor, que iria viver uma vida normal, iria crescer até à idade adulta, casar com alguém de quem gostasse, criar uma família e viver na sua terra, na sua pátria. Contudo, não foi assim que aconteceu. Nos anos 80 do século XX, o seu país viu-se envolvido num conflito internacional, a guerra fria, onde de um lado lutava a antiga União Soviética e do outro os Estados Unidos da América. A guerra obrigou esta menina e muitos mais jovens, como ela, a fugir do seu país para outro que não o deles, outro país que não a sua pátria. Relativamente a uma interpretação pessoal da imagem, os seus olhos lindos contrastam com a sua expressão de tristeza, desolação e até mesmo de infelicidade, transmitindo o sentimento subjacente a uma vida adiada, de abandono da
sua família, da sua terra natal, com o estatuto de refugiada. A sua beleza contrasta com os seus sentimentos, constituindo a antítese dos sentimentos, dos seus e de todos os outros que também passaram e passam pelo mesmo. Os sentimentos de todos aqueles que são forçados a abandonar o seu lar, o seu país, por causa da geopolítica dos mais fortes, dos mais poderosos, daqueles cuja ambição é de tal forma desmedida que chega mesmo a desprezar a humanidade e a vida. Em suma, a imagem mostra uma menina infeliz. Para contrariar esta situação, isto é, para se conquistar a felicidade saudável e repartida de forma homogénea, é necessário delinear-se um plano de prioridades. A humanidade e a vida devem ser, indubitavelmente, a prioridade e não os jogos estratégicos de outros. A nossa liberdade não deve condicionar a liberdade do outro, pois quando assim é não existe nem liberdade nem humanidade.
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Imagino José Artur Matos . Professor de Artes Visuais
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magino… e não sei, porque não lembro, vou e volto… e vou outra vez. Dou voltas, sou circular, crio e recrio, caminho sempre e deixo-me estar. Sinto-me seguro no silêncio e no vazio, ocupo-o com outras coisas que não são presentes. Viajo no fluxo do estar-se perdido e esqueço-me, dou voltas novamente… recordo, volto para trás e fixo o olhar no caminho, um escape, uma fuga. Ocupo o tempo em vaivém, o jogo infantil do elástico e sobretudo o do conquistar mundos, um terreno lamacento, sempre de gume em riste. Quero o teu mundo, o meu é rarefeito.
Sinto-me determinado a fazer algo que seja eterno, ainda que apenas por um segundo. Uma quase impossibilidade, para um diletante que ocupa os dias no ir e no ar. Gosto de me sentir no alto, tão próximo e tão longe de todos os horizontes, desse eterno caminhar até à fonte, até ao infinito, desse exercício quase desumano de não ter sentido. Gosto tanto desses dias leves, onde nada parece acontecer, para surgir luz, onde o tempo anoitece. Ao fundo a brisa de fins de tarde, o balançar das coisas vivas.
Imagem de Gustavo Letruta in https://www.flickr.com/photos/letruta/34171863581/
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Maldita Insónia Conceição Dias . Professora de Inglês
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aldita insónia!!! Quem me dera dormir, deixar para trás esta incómoda peregrinação interna que me retira do aconchego e do quentinho da cama e me empurra para a solidão implacável de uma casa adormecida. O vazio da noite tomou assento e veio para ficar. As sombras vagueiam, dengosas, pelas paredes da sala, um gato mia no terraço do vizinho, alguém meio trôpego atravessou a rua… Refugio-me nas páginas de um livro (a leitura sempre me foi fiel, uma inestimável aliada neste deambular forçado que teima em persistir). Placidamente vou aprimorando a visão, aguçando o espírito na tentativa de absorver a história, o perfil das personagens, o enredo que as envolve e define. Definitivamente, o tema não me atrai pela banalidade com que é retratado; mais do mesmo, digamos assim, a tentativa agourada de traçar a diferença, segundo a teia amorosa, entre homens e mulheres, a nível de sentimentos e entrega. Tudo isto exposto em situações mais ou menos caricatas, de modo mais ou menos eloquente, vivenciadas com maior ou menor embaraço, não fossemos todos humanos, feitos da mesma essência, à procura mais ou menos dos mesmos ideais… Enfim, chega deste debate sexista que nada acrescenta ao que eu penso e me enfada. Hoje, a bem da verdade sinto-me enfadada e enfadonha, irritada por permanecer neste marasmo opressivo que não
me deixa dormir … Pouso o livro aberto no sofá, procuro a manta polar que sempre me conforta e fecho os olhos ansiando pela doce redenção do sono que não chega… Muito bem, cumpra-se o ritual do costume- dirigo-me preguiçosamente à cozinha, presenteio-me com uma fumegante chávena de chá de camomila, retorno ao sofá (ainda mais pesarosa do que quando dele sai), agarro uma caneta , retiro uma folha de rascunho do cesto dos desperdícios e aguardo que dela alguma coisa útil possa, eventualmente sair … e eu que só queria dormir, ser capaz de não pensar, ser capaz de impedir o turbilhão de ideias desalinhadas e fugidias que povoam e tumultuam o merecido “descanso do guerreiro” ou seja o meu suado descanso, após mais um dia de labuta incessante neste mundo cada vez mais louco, xenófilo e completamente empedernido. Hoje, porém, até a escrita terapêutica sempre tão solicita e gentil me abandonou, amedrontada quiçá, pela impaciência do meu traço, pela agressividade do meu tom… Volto a fechar os olhos na esperança de rapidamente voltar à intimidade dos lençóis ornamentados pelos bordados delicados da minha mãe e de me deixar afundar no lânguido torpor que antecede o sono, qual bebé adormecido no cálido regaço que o mima, protege e embala enquanto ele, sonolento, vai sorrindo para o rosto que, por puro instinto, aprendeu a amar. Não me parece justo crescermos sem estas
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Imagem in https://observatorio3setor.org.br/noticias/74-da-populacao-brasileira-nunca-comprou-um-livro/
memórias. Não me parece que a capacidade de ser pensante que nos distingue e superioriza perante os demais seres vivos seja somente uma bênção; por vezes, dou comigo a pensar que o ser racional que habita em mim me aprisiona e delimita no espaço e no tempo, me angustia , recrimina, impõe deveres e exige explicações, condiciona a vivência plena dos meus sentidos e das minhas vontades e, acima de tudo, torna-me consciente da minha finitude, do pouco tempo que me é dado para sem culpa, poder ser uma criatura mais instintiva, menos racional e, consequentemente, mais livre. Não é de todo agradável esta nua e crua consciência da morte. Nascer é um ato solitário; Morrer, eu sei, também o é. Volto a fechar os olhos: São três horas da manhã
e o relógio não trava a contagem irreversível do tempo, indiferente ao meu desespero, ao meu mau estar. Beberico o chá agora frio e imponho, a mim mesma, o recolher obrigatório: basta de devaneios, deste estado tão “blue “ que em mim se instalou; basta desta maldita insónia que me tortura e vence pelo cansaço… Quero única e simplesmente dormir e apagar, nem que por um segundo seja, toda a minha existência …
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Ela Ela não é minha, Não é tua, Não é nossa, Não é de ninguém! Ela é livre, Sempre foi, Sempre será! Tu que bates nela, Que a maltratas! Tu, seu porco, Sem vergonha, Machista, agressor! Não mereces o amor, Nem um pouco do sabor dos seus lábios, Mereces um quarto na cadeia, Mereces tudo menos, O amor dela! Tu que lhe prometeste tudo, Lhe prometeste até a lua, Disseste até que a morte nos separe, Bem a morte separou mesmo, As tuas agressões levaram a isso. Ela não foi livre, Prendeu-se a um homem, Nojento que não a merecia, E pagou com a vida. Tu, seu porco, nojento, Pensa bem antes de a magoares, Antes de lhe bateres, Antes de tudo pensa na sua liberdade. Tiago Teixeira 11.º PA
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O ensino em Portugal Jorge Coutinho . Professor de Português
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os dias que correm é recorrente ouvirmos falar do ensino em Portugal. Os professores estão constantemente a queixar-se dos alunos e estes, permanentemente, maldizem os primeiros. Afinal, o que se passa com a Educação em Portugal? Será, como diz Padre António Vieira, que “o sal não salga, ou a terra não se deixa salgar?”, isto é, ou a escola não ensina, ou os alunos não se deixam ensinar. Se analisarmos bem, a questão não se resumirá a esta simples dicotomia. É verdade que o corpo docente está desgastado e envelhecido, vejamos a média de idade dos docentes da nossa escola, mas não parece que tenha deixado de acreditar na sua principal função: ensinar. Então o que faz da escola um espaço de trabalho tão difícil? Para encontrarmos resposta a esta questão temos que recuar um pouco no tempo. Se, por analepse, olharmos para duas ou três gerações anteriores à dos nossos alunos, vemos que os jovens tinham uma maneira de ser diferente. Também eram rebeldes e desafiadores, mas existia um grupo de valores que eram tidos como universais, tais como o respeito pelos pais, pelos mais velhos, o reconhecimento da autoridade dos superiores hierárquicos e a valorização pessoal entre os seus pares. Atualmente esses valores ou desapareceram, ou foram subvertidos. Os novos modelos de educação apresentam-nos os pais com a obrigatoriedade de encontrar sem-
pre uma justificação para os erros dos seus filhos. Os meninos têm de ter sempre um motivo válido que justifique todas as suas reações. Valorizar as crianças teve como consequência deixar de lhes dizer “Não!” sendo proibido reprender ou castigar os meninos porque fizeram uma asneira, ou disseram um disparate. Em nome da educação tudo passou a ser permitido, pois se for contrariado, o menino poderá sofrer algum trauma que pode ter repercussões no seu desenvolvimento. Para cada comportamento menos correto da criança é forçoso encontrar um motivo, quanto mais longe possível do núcleo familiar. É com estas crianças / jovens, que os professores têm de trabalhar todos os dias. Alunos que se recusam a aprender e abominam quem, insistentemente, os procura ensinar. Face aos maus resultados obtidos, procuram-se justificações nos professores, questionando-se metodologias e estratégias. Todos os encarregados de educação se arrogam em pedagogos e todos acham que os seus meninos são seres especiais que merecem um tratamento personalizado na sala de aula. O professor tem de ter capacidade de compreensão para o aluno que recusa estar sentado na sua cadeira a ouvir a aula em silêncio para que todos os alunos da turma possam ouvir. Se mandar calar o aluno, pela décima vez, tem de lhe pedir por favor, pois se o fizer num tom de voz mais elevado, pode traumatizar o menino e, por
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isso, o encarregado de educação é obrigado a vir à escola travar-se de razões com o professor. Pedem à escola que eduque! Mas o conceito de educação exigido à escola está relacionado com transmissão de conhecimentos, com o desenvolvimento da capacidade de raciocínio que, certamente, tornará os nossos jovens em adultos mais capazes. O saber estar numa sala de aula, o respeitar
as ordens dos professores aprende-se em casa, quando se acatam as ordens dos mais velhos. O problema dos alunos de hoje, é que muitos dos pais já se esqueceram disso, em nome da educação deixaram de respeitar determinados valores e demitiram-se de os transmitir, exigindo que a escola faça exatamente o mesmo. “Já agora, vale a pena pensar nisto”
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A Liberdade A Liberdade Todos devem ter; Dá-nos muitos direitos E pelo menos um dever… Liberdade É fazer o bem. Não é o que nos apetece Nem tudo o que à cabeça nos vem. A Liberdade, para as crianças, É saltar, sorrir e brincar. Para os adultos é diferente: É partilhar e saber estar. Liberdade é viver a vida... Temos de aproveitar bem, Porque pode ser banida E não é bom para ninguém. A Liberdade é o melhor Que alguma vez tivemos. É um bem muito precioso E que toda a vida queremos. Liberdade é um sentimento Nobre, belo, de encantar! É poder sempre sorrir E com os amigos brincar! (Beatriz Pombo Ribeiro, T 4.1, Alg)
O Jardim Quando eu saio da escola, Passo num lindo jardim. É pena que, às vezes, chove E se ouve: Pim! Pim! Pim! Esse jardim é tão belo!
Tem várias flores bem cheirosas! Muito, muito coloridas, As que mais gosto são rosas. Naquele jardim também há Uma relva bem verdinha. No outono ela cresce E fica um pouco gordinha. Agora, esse jardim, Já não está nada igual: Muitas das plantas murcharam E o resto ficou mal... Mas aguardo a primavera E o lindo jardim voltará: Vai crescer a verde hera E, de novo, flores terá. (Matilde Ribeiro, T 4.1, Alg)
A Família A família é importante E é muito nossa amiga. É como um sol radiante E dos males nos abriga. A família é muito querida: Todos querem o nosso bem. Eles são a nossa vida E o nosso amor também. A família é amorosa E muito nossa amiga. É sempre bem carinhosa, Em todos os momentos da vida. ( João Pedro, T 4.1, Alg)
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Se eu Mandasse: no Mundo…
(Além de todos quererem ajudar os pobres com comida, roupas, casas, … ainda:) … mudava as horas de saída da escola para mais cedo, para os meninos terem mais tempo para brincar e estudar. (Nuno Ferraz, 4.1) … mandaria que todas as pessoas reciclassem o lixo e não o deitassem para o chão nem para os mares… Mandaria, também que não houvesse fábricas a poluir o ambiente e que se tratasse o mundo com cuidado; e que todos fôssemos amigos. (Raquel, 4.1) … acabava com a droga e os cigarros e plantava mais árvores. (Gabriel Mota, 4.1) … fazia uma associação para as pessoas lutarem contra a violência doméstica. E diminuía os impostos. (Tomás Borges, 4.1) … queria que houvesse muita paz em todos os lugares e que as pessoas fossem muito felizes. (Eduardo, 4.1) … mandava toda a gente ir ter com as famílias… Mas ser chefe do Mundo não é só mandar nas pessoas; também é ajudar; sentir com o coração; … (Inês Correia, 4.1)
na minha cidade… … não deixava poluir o nosso rio, daria castigos a quem o fizesse. (Rodrigo Peixoto, 4.2) … mandaria abrir uma Universidade. (Clara Almeida, 4.2) … faria uma praia fluvial para que no verão as pessoas se pudessem refrescar.( Joana Braz, 4.2) … mandaria reconstruir as casas mais velhas, evitando o risco de caírem. (Clara Ermida, 4.2) … mandaria colocar mais lugares de estacionamento porque há pessoas que ficam horas à procura de um lugar. (Laura Monteiro, 4.2) … mandaria abrir um hospital. (Leonardo Meireles, 4.2) … abriria um shopping e daria emprego a muitas pessoas. (Gonçalo André, 4.2)
na minha escola… …as aulas duravam menos tempo e os intervalos eram maiores. (Afonso, 4.3) …fazia muitas visitas de estudo, para os alunos poderem conhecer lugares. (Inês, 4.3) …pagava mais aos professores, porque os alunos dão muito trabalho e eles merecem receber mais. (Miguel, 4.3) … obrigava os alunos a chegar a horas à escola. (Maria, 4.3) …punha de castigo todos os que se portassem mal. (Rafael F., 4.3) …a escola acabava mais cedo para as professoras e alunos descansarem e estarem com as suas famílias. (Martim, 4.3) Trabalho Conjunto 4º ano CE Alagoas
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Biodiversidade Cidadania e Desenvolvimento . Turma do 7.º F
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biodiversidade é a variedade de espécies de seres vivos existentes no nosso planeta. Podemos observar, hoje em dia, um crescente aumento na destruição da biodiversidade provocada, essencialmente, pela mão humana. As suas causas e consequências podem ser muito variadas. Causas: > destruição de habitat; > uso excessivo de recursos naturais, coma a caça e a pesca; > introdução de espécies exóticas e invasoras. Consequências: > extinção dos seres vivos; > problemas de saúde; > desastres naturais; > diminuição dos recursos naturais
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Epifania - A vivência em Urkiola, País Basco João Andrade Rebelo . Professor de Filosofia
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que é uma Epifania? Há sentimentos que, sem palavras, expressam uma súbita sensação de entendimento, de compreensão plena, de algo, cuja essência procuramos. Na expressão “I’ve just had an Epiphany” os britânicos, e não só, mostram que algo ocorre no nosso pensamento, naquele instante, perturbador e único, de uma natureza sobrenatural, que nos liga energicamente ao cosmos e que proporciona uma sensação de tranquilidade para com tudo. Vou explicar: Estava numa mobilidade das várias que já vivi através do programa Erasmus+, e foram muitas…Aqui, era Junho, do ano de 2018 e estava no País Basco, em Urkiola. Urkiola é um centro de meditação cristã, um santuário, situado nas montanhas, na Biscaia, perto de Durango. O programa foi aliás desenhado pelos nossos parceiros da escola de Durango. Fomos de camioneta, numa tarde húmida e ventosa, até ao sopé das montanhas Aramotz-Eskubaratz. Íamos subir ao monte Amboto para de lá contemplar a magnífica paisagem. Éramos um grupo de cerca de 35 pessoas de várias nacionalidades (alemães, romenos, polacos, bascos e portugueses). Logo no início da viagem deparo com uma Cruz, em madeira, pintada de vermelho, perto de um conjunto de pedra, que segundo as lendas se trata de Mari, uma divindade (Mariurrika kobea ou Mariyen kobia)
que aí fez a sua morada e que significa a Terra Mãe. Quem der lá uma volta completa vai encontrar o seu par. A Santa terá também o poder de dirigir o clima, castigar a mentira, o orgulho e o roubo… Ali foi erguido o Santuário dos Santos Antónios. Segundo a lenda, era o local do encontro do Homem com a Religião. Lá viveram os ermitas S. Martinho e S. João de Gailatorre, muito venerados pela comunidade basca. Segundo a tradição foi S. Martinho quem ensinou aos locais os segredos da metalurgia e agricultura. Olhando em redor, espalhavam-se pelos imensos prados rebanhos de ovelhas e cabras, que realçavam o contraste dos verdes húmidos do prado inclinado, com a alvura dos animais. O céu era cinzento e ameaçador de trovoada. Logo no início da escalada o meu telemóvel tocou e fiquei um pouco para trás para atender. Era uma das minhas filhas com um problema circunstancial. Da conversa, apercebi-me que não os podia acompanhar. Assim, ali sozinho, decidi regressar e descansar um pouco na Igreja do Mosteiro. Entrei, e logo de inicio veio-me à memoria uma canção dos C,S,N e Y “Catedral”. Uma imensa sensação de bem-estar foi-me envolvendo. Sentei-me primeiro na lateral, para depois circular um pouco pela Catedral. O que mais me impressionava era a diferença de épocas. O edifício de traça medieval tinha no altar mor não aqueles habituais exemplos da talha dourada, mas um vi-
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Imagem de João Rebelo
tral, imenso, moderno, que, segundo investiguei depois, foi criado por um monge, também arquiteto, nos anos 70. Nas paredes do altar-mor havia frescos modernos a simbolizar as 4 estações no ano, com recurso a árvores e ramagens. Quase sem poder respirar, sentei-me. No silêncio, comigo próprio, pus-me a pensar no tempo, no que significava. A sensação de bem-estar não só se mantinha mas parecia espalhar-se mais, como uma espécie de dormência. O que me iluminava era sobretudo uma luz vinda das folhas na base de um moderno crucifico, onde um ser pendente estava sem nome. Não era um Cristo com cara e corpo. E a Luz das plantas perturbavam. Tirei fotos com o meu telemóvel para me certificar que estava consciente. Cada vez mais, como num conto de Lovecraft, algo se aproximava e me atingia. Mas estava só e sóbrio, num silêncio mais do que aliciante. O almoço tinha sido na escola e apenas bebera água. Deixei-me ficar inebriado pelo ambiente. Tranquilo a equacionar a Trindade, o Amor, o Tempo e os filhos dos homens. Na sua bruteza, de pecado próprio, podem ser redimidos pelo conhecimento, pela amizade e
afectos. E o são, constantemente, num renovar da vida que é permanente. Lembrei-me de muitos instantes da minha vida, como um filme a passar. Lembrei-me de Heraclito, Parménides e tudo que tinha aprendido. Santo Agostinho e o Todo indizível, revelado. Da minha mãe, e do meu Pai, falecidos, mas não perdidos nas suas palavras e sentimentos. E do meu professor predileto, o meu confessor, o padre franciscano da Faculdade (Cerqueira Gonçalves) que nunca há-de morrer. O que o tempo é, é isto, a permanência constante. Dali não queria sair. Quanto tempo tinha passado? Eles já deviam ter chegado da caminhada. Saí então, com muita pena. Em redor, o vento zumbia, estava para chover e frio. Estava consciente. Como não vi ninguém fui até a um café ali perto, pedi uma cerveja, daquelas bascas, e sozinho à mesa desatei a escrever no meu pequeno caderno de apontamentos, para memória futura. A empregada, jovem, olhou-me enternecida. Passado um pedaço de tempo, entrou no café o meu colega e amigo, mais velho, o alemão Eddie, exemplo de que tudo tinha acabado e voltado à rotina. Esperamos pelo resto do grupo. Secretamente, fiz a mim próprio a promessa de contar isto.
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O Rio Olho o brilho da corrente, Trespassada pelo Sol E suplico, Apelo humilde e urgente, Por momentos de quietude, Serenidade, Contemplação, Mitigando a ansiedade, O bulício, a confusão… Desliza o meigo caudal; Se espreguiça, Pachorrento. Deixo perder o olhar E elevo um pensamento Vou… Anseio ficar E em sua calma repousar, Entre o brilho da corrente.
M. Eugénia Monteiro (Docente 1º CEB, CE Alagoas)
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O leitor do Séc. XXI e as Bibliotecas Escolares José Artur Matos . Professor Bibliotecário
ELOGIO DA LEITURA
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er nunca foi fácil, nem é para todos, e tirar prazer da leitura ainda menos. A democratização do acesso à informação e aos diversificados suportes de leitura só estão a confirmar isso mesmo. No entanto, continua a caber à escola, ao contexto social em que nascemos e à sociedade em geral promover a leitura, pois é sabida a influência que esta tem na construção de uma sociedade esclarecida, crítica e pró-ativa. Assim não fosse, os livros e o acesso à informação não seriam os primeiros alvos a abater pelos regimes totalitários de todos os tempos. E na verdade, para comprovar esta ideia, ainda hoje à tarde quando regressava a casa, ouvi na rádio o relato de um jornalista português, que conseguiu entrar na Venezuela e que referia, como o acesso à informação escrita, Web e televisiva estavam cerceados. Ler é muitas vezes uma atividade exigente, provoca desconforto, afronta-nos e tantas vezes exige que nos coloquemos em perspetiva. Outras tantas vezes, transporta-nos numa viagem aos lugares físicos e mentais que nos ficam para a vida e nos ajudam a olhar para o mundo com a relatividade necessária, com a consciência nua e às vezes angustiada de que somos ínfimos. Muitas vezes ajuda-nos a com-
preender o que muitos parecem ignorar, e no limite, quando já tudo parece perdido, ajuda-nos a resistir, quando tantos já sucumbiram. Acabei de ler a novela gráfica de Joe Kubert, “Fax de Sarajevo”, que relata a vida de uma família durante os 4 anos de cerco à cidade de Sarajevo (Bósnia-Herzegovina), na guerra fratricida da ex-Jugoslávia, durante os ano 90. O “protagonista” é um conhecido editor de banda desenhada, que encontra num fax a única possibilidade de comunicar com o exterior, e assim dar a conhecer ao mundo as atrocidades, que então se estavam a cometer naquela parte do mundo. A oportunidade, a capacidade e o meio provaram ser eficazes. Um fax, a força da palavra escrita, associada à acutilância do olhar sobre o que estava a acontecer, acabaram por ser mais eficazes do que os tanques da ONU, então estacionados no Aeroporto da cidade sitiada.
OS MEIOS, OS SUPORTES E AS ANGÚSTIAS A sociedade digital está a mudar a forma como lemos e escrevemos, e ao contrário do que se poderia pensar, e até do que alguns auguravam, o livro continua mais vivo do que nunca e recomenda-se. Nunca se publicou nem leu tanto
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Imagem in https://www.antenasul.pt/tablets-para-promover-sucesso-escolar-em-vendas-novas/
como hoje. A par dos meios digitais, da leitura e escrita fragmentada do Whatsup, da interatividade, da mobilidade, da proliferação de dispositivos de acesso e da dimensão social de todo este processo, as palavras em estreita parceria com as imagens, continuam a ser os meios privilegiados de comunicação humanos. Claro que esta parafernália comunicacional trouxe novos desafios, muitos deles ainda por resolver. Se dantes a informação, essencialmente escrita, circulava em canais e suportes específicos e validados (ainda que tantas vezes ao sabor e vontade da ideologia vigente e dos círculos do poder), hoje a informação circula de forma descentralizada e em rede. Se por um lado é mais difícil e complexo aferir a veracidade e legitimidade da informação, por outro lado dificulta o trabalho disciplinador do poder estabelecido. Vejo aqui virtudes e problemas: Virtudes, na possibilidade que é dada a cada cidadão de se expressar livremente, as associações de cidadãos de fazerem ouvir a sua voz; problemas, do lado do recetor e
da sua maior ou menor capacidade para contruir um pensamento estruturado, entendendo, sintetizando e construindo visões, perceções, enfim, conhecimento, no turbilhão informacional em que vivemos.
E A ESCOLA… O QUE PODE FAZER? Sou professor há mais de 20 anos e sei que o conservadorismo próprio, mas não necessariamente obrigatório, das grandes “instituições”, tem sido contributo importante para o desfasamento, por demais evidente, entre sociedade e escola. O avanço desenfreado da sociedade digital mudou muito rapidamente a forma como acedemos à informação e naturalmente, como construímos conhecimento. É precisamente neste domínio fundamental da construção de conhecimento, que a escola parece estar a perder terreno. Metodologias assentes na memorização, práticas pedagógicas predominantemente expositivas e avaliações baseadas em conteúdos desfasados do
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seu contexto de aplicabilidade real, estão a criar um fosso, entre o cidadão crítico e pró-ativo que o tempo contemporâneo exige, e o acriticismo para que as práticas de boa parte da escola apontam. Nesta equação complexa, para a qual não existem soluções fáceis, existem desde logo, práticas bem explicitas no trabalho que é exigido às bibliotecas escolares (Referencial das Bibliotecas Escolares), que podem contribuir em boa medida para parte da solução dos problemas dantes apresentados. Estou a falar das literacias da leitura, da informação e dos média, que são os eixos fundamentais que possibilitam a transformação da informação avulsa em conhecimento útil e aplicável a realidades concretas. A necessidade premente de desenvolver as referidas competências, encontra no entanto pelo caminho, uma série de variáveis que não ajudam ao processo, como por exemplo, a escassa formação de professores em tecnologias digitais e na literacia dos média e da informação; os currículos desajustados às novas realidades, que não fomentam o pensamento crítico e no caso do português, a leitura por prazer; os escassos equipamentos existentes nas escolas, que não ajudam a fomentar a pesquisa crítica de informação online; os preconceitos, as “manias” e a inercia de um corpo docente envelhecido e tantas vezes desmotivado; a organização funcional e até espacial das escolas, que não ajudam às metodologias projetuais e práticas interdisciplinares. Se a escola quiser ganhar esta corrida contra o tempo, para não correr o risco de ser ultrapassada pelas circunstâncias, é fundamental, primeiro, reconhecer que o mundo mudou e nada será
como dantes; que a informação é omnipresente e já não se esgota num manual escolar; que as formas e os meios de acesso são diversificados e em constante mutação; que o professor já não é um transmissor de conhecimento, mas um mediador crítico. No fundo, aceitar que mais de que cumprir o programa é fundamental desenvolver o sentido crítico, integrando no processo, a dinâmica própria das tecnologias digitais.
EM FORMA DE CONCLUSÃO, OU A IMPORTÂNCIA DAS BIBLIOTECAS ESCOLARES Perante este panorama, cabe às bibliotecas escolares e aos seus técnicos serem agentes transformadores da realidade, implementando práticas ativas de gosto e interesse pelo conhecimento, pela leitura, pela escrita e pela cidadania. Pareceme que as ferramentas, a formação e a vontade existem, faltando apenas uma maior coragem e mobilização de todos os agentes intervenientes no processo educativo. Como não existem soluções fáceis para problemas complexos, e viver é resolver problemas, fundamental é procurar a energia certa e o equilíbrio necessário nas escolas, definir o que é possível e não é, ter a resiliência e a humildade necessária de aceitar que não vamos mudar o estado do mundo de um momento para o outro. Sobretudo, nunca deixar de caminhar, tentar ser recetivo à mudança, e lenta e gradualmente dar o contributo individual e/ou coletivo para criar uma sociedade melhor – menos que isto é pouco, se queremos ser os arautos de uma sociedade em transformação permanente.
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Os Filhos de Ícaro Leandro Andrade . Ex-aluno
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sses jovens a quem chamam de niilistas, que bebem do néctar que lhes é fornecido pela indumentária moderna, estão perdidos no seu próprio meio… e como correm, loucos perseguindo o misticismo de existir. Enquanto perseguem tentam compreender a razão de correrem, como internados na ala dos que nem pernas têm para o fazer, pois foram cortadas á nascença, pelos materialistas reunidos nas caves do intelectualismo. Renunciam a uma guerra já perdida contra os monstros da bolsa monetária. Alimentam-se como vadios diletantes no meio da grande cidadela, onde se interlaçam com os cães famintos. Assim nasce um jovem lutando constantemente pelo dever da solidão e por onde trespassa uma geração perdida no seu tão clamado elo social. Reconheço aqueles jovens com bigodes púbicos que tentam entrar na idade adulta sozinhos sem que nenhum pai os ajude a barbear-se, e, no entanto, reconheço-me como seu líder, pois choram sem motivo pela chegada de alguém a quem clamem o dom da existência pela qual nunca pediram. As minhas mãos começam a descer lentamente, gota a gota, passo-a-passo, descem sem qualquer incentivo moral e continuam rumo á arte do prazer pelo qual comunicam sem interseções demagogas, pela cristandade e
Edward Hopper, Office in a Small City, 1953
pelo nosso escapismo moral no qual vivemos sem tato próprio. E seguem sem instrumento, autómatas a querer sentir o prazer. O sémen fermenta a terra devastada pela solidão humana e os mendigos caminham pelas estradas vazias ovulando. Colhem, como ouro pródigo, as gerações passadas, quando nem ao futuro parecem pertencer. A noite desce.
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Lembranças Jorge Vasques . Aluno do 12.º E
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u sou uma pessoa que adora viajar, conhecer novas pessoas, novas culturas, novos lugares e adquirir um pouco de cada experiência para me tornar eu próprio, ou seja, para delinear os traços da minha personalidade que vão definir a maneira como vejo o que me rodeia e a forma como interajo com tudo. Guardo cada recordação que considero importante num espaço especial dentro de mim, emoldurada na cabeça para nunca deixar de lembrar, e no coração para nunca deixar de sentir. As lembranças menos importantes, não é que me esqueça, porque se existem e se nos proporcionaram bons momentos, são para serem mantidas. Por isso guardo-as na minha bagagem, a bagagem da vida, que contém algumas das minhas experiências e consequentes ensinos que também ajudaram na realização do projeto que deu origem ao que sou hoje. Em todo este meu trajeto por diferentes culturas, iniciei sozinho, solitário, para que não existissem entraves à minha vontade e desejo, mas, sempre terminei acompanhado por pessoas espetaculares que conheci, porque para além de adquirir muitas coisas através das minhas viagens, também eu ensino e espalho um pouco da minha cultura em outros locais, porque eu sou assim, tenho alguma facilidade em socializar e as pessoas interessam-se, e é por essa razão que eu me considero, de
Imagem in https://diariodoturismo.com.br/o-viajante-etico-artigo/
certa maneira, um negociante, porque eu recebo e retribuo, experiências, amizade e conhecimento. No entanto, a situação que mais me ensinou e continua a ensinar, não é o facto de eu ser um apaixonado turista e viajante, porque, ainda que me ensine muito, eu não sei o que é mudar-me para um outro país durante um longo período de tempo. Contudo, os meus pais são emigrantes, e mesmo que eles estejam para lá de um enorme muro e de uma impenetrável vedação, provenientes da minha imaginação, eles são a minha maior fonte de ensino e inspiração e é por essa razão que eu grafitei o muro, para transformar todas as experiências num quadro com uma bonita pintura.
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Um mero viajante Eduardo Ferreira . Aluno do 12.º E
U
m mero viajante encontra-se desta vez numa paragem completamente desconhecida, talvez a sua ânsia pelo oculto o tenha feito avançar neste novo desafio. De sorriso rasgado sai da Gare onde confluem centenas ou até milhares de pessoas. Caminhando então pelo local completamente desconhecido, o turista repara no olhar ausente e desolado das pessoas que por lá deambulam. Inconformado e curioso com esta situação encara um pequeno rapaz que se encontrava imóvel na rua, perplexo, a olhar para o céu. Assim que o rapaz é encarado a sua reação é completamente apática, com um discurso desprovido de emoção. O jovem revela então que nada é como antes, os valores afetivos, a emoção de viver não estava mais lá, a rotina tinha tomado o sentido da vida das pessoas, como se existisse uma vedação entre os seres humanos, o convívio. - Só nos resta esta luz- apontando o rapaz para o sol brilhante que irradiava a cidade.
Win Wenders, Asas do Desejo (Screenshot)
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Entender melhor a política… Manuel Ferreira . Professor de Filosofia
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uito se tem noticiado sobre o mal-estar e o relacionamento que existe entre o cidadão e a política. Muito se tem teorizado sobre a descrença e a desconfiança na política e nos seus protagonistas. Há que afirmar que muita da crítica faz sentido. Mas há muita outra que é gratuita, resultado de diversos preconceitos e estereótipos e de uma feroz batalha contra o regime político, nomeadamente a democracia, que só aumenta a dúvida e a confusão. Assim, há que separar as águas. O principal problema não está na vida política, mas na sua falta de qualidade ou na perfídia com que muitas vezes é praticada. Deste modo, a crise política não pode ser considerada como absoluta ou perene. Se a crise existe em maior ou menor extensão, ela deve ser entendida, explicada e superada. Com efeito, não é a indiferença ou a posição apolítica que resolve as questões de uma suposta má prática. A atividade política é conatural ao Homem, à sua vida em sociedade, pelo que qualquer tentativa de a apoucar ou menosprezar é sinal de inconsciência e infantilidade. O que é necessário é assumir a plena consciência da cidadania, de participação no bem público, como forma de reformular, renovar e reformar as organizações sociais e políticas do Estado. O que se pretende é que, com mais frequência, o padrão de com-
portamento político seja o da responsabilidade e o da defesa de um sistema político pautado pela legitimidade democrática, pela igualdade e pela justiça social. Na verdade, o discurso da antipolítica e o cavalgar do mal-estar têm os seus encantos, nomeadamente para muitos daqueles que aspiram ao exercício do próprio poder. Deste modo, a despolitização ou a tentativa de tornar o político algo de prescindível é uma ameaça e um perigo para o sistema político. Um perigo fecundo e bem aproveitado pelo poder económico e mediático, que pretende tomar o lugar da política. Assim, a tentativa de generalizar e de imputar todos os males da organização social à política faz dela o bode expiatório de uma realidade que em muito a ultrapassa e que lhe pretende ocupar o lugar, a posição, a influência e o poder. É um facto que são necessárias respostas para a crise política que atravessamos, para a confusão, a incerteza e a desorientação existentes. As mesmas, porém, não podem é ser encontradas num só lado da barricada, isto é, têm de ser governantes e governados a fazer um esforço no sentido de encontrar uma prática política melhorada e que aprofunde as relações amistosas entre os indivíduos. É importante que os cidadãos se empenhem em reavivar o lugar da política no mundo de hoje. E esta mudança depende da introdução de alguns procedimentos mais claros, mais transparentes,
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Ricardo Baptista Leite in http://www.ricardobaptistaleite.pt/pt/assembleia-da-republica/
mais reguladores, que possam validar as expectativas e a vontade dos cidadãos. Exige cumulativamente que o cidadão capacitado esteja atento, seja exigente e saiba exigir responsabilidade. Mas não podemos, de igual modo, esquecer que muitas das críticas, do desprezo, da desqualificação da vida política também são reveladoras de ignorância, de intolerância, de maledicência e de interesses difusos e obscuros de muitos indivíduos. Assim, o debate sobre as fragilidades do sistema político em cada momento da evolução do ser humano é fundamental, porém, a tentativa da sua anulação enfraquece a democracia e dá palco às medidas populistas e demagógicas.
Não é mau que se mantenha viva a tensão entre governantes e governados, entre cidadãos e os seus representantes, que se pratique um cepticismo moderado sobre o fenómeno político. Dela tem é de resultar uma afirmação da autoridade do poder político. O que a política tem de recuperar e que perdeu é a essência ideológica que deve estar na base dos projetos coletivos e apelar a uma forma de governar mais preocupada com a participação e a cooperação.
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Na vida
Dizer não ao racismo
Na vida há momentos, Todos são para recordar. Uns bons, outros maus, Mas não há razão para recear.
Partindo do princípio do que foi aprendido É simpatizar com todo o irmão perdido Desde a escravatura até à nossa altura Os brancos sempre impuseram a “ditadura” Mas os tempos mudaram, a “ditadura” acabou Muitos lutaram e o racismo abrandou. Está tudo escrito na mente dos mortais que não esquecem Todos têm direito de lutar pelo que merecem. Para quê branco ou preto? Quando todos são iguais por dentro Numa sociedade desenvolvida Com uma mente evoluída A igualdade não será utopia E só assim valerá a pena viver a vida.
Na vida há várias imagens, Muitas ficam-nos na memória: Ações, pessoas, personagens, afetos… Fazem parte da nossa história. Na vida há sentimentos, Emoções, vozes, palavras… Tudo nos pode fazer feliz, Bastam simples gargalhadas! Na vida… Na vida existe uma imensidão De realidades e de sonhos. Sonhos! Nos quais temos de nos focar, Pois podem-se tornar reais Apesar de serem fruto do imaginar. Luísa Chambel Gonçalves. Aluna 11.ºD
Gonçalo Carvalho, aluno 10.º PA
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Progresso Margarida Craveiro . Aluna do 12.º A
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creditar no progresso é, sem dúvida, condição sine qua non para o desenvolvimento civilizacional. O que seria da Humanidade se alguém não tivesse acreditado que chegaríamos mais longe com o desenvolvimento da ciência e das novas descobertas? Citando Garcia de Orta, «O que hoje não sabemos amanhã saberemos». De facto, o Homem é, por natureza, um ser insatisfeito, sempre à procura do conhecimento e da concretização de novos sonhos, e só assim é que o mundo «pula e avança». É neste sentido que a ciência progride, por exemplo, no que diz respeito à descoberta de novos medicamentos ou vacinas, entre outros. É nesta sequência que Neil Armstrong pisou a Lua e acreditou que esse acontecimento iria fazer a civilização evoluir, dar um passo em frente, conhecendo novos planetas. Na verdade, é fundamental acreditar no progresso, o que combina com o carácter ambicioso do Homem: a grande aspiração do ser humano é ultrapassar as fragilidades e inseguranças, com a vontade de vencer, conseguir ultrapassar o universo conhecido. Se tal não acontecesse, os portugueses não teriam descoberto a Índia. Vejamos também o progresso civilizacional operado pela revolução tecnológica com a invenção dos computadores, dos telemóveis ou das redes sociais. Conseguiríamos comunicar e ver a quilómetros de
distância com um simples clique? Se desejarmos viver num mundo melhor e mais desenvolvido, é imprescindível acreditarmos em nós próprios, nas nossas capacidades e valor, pois só assim conseguiremos descobrir, progredir e tornar o desconhecido em conhecido.
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Vencedores e perdedores da globalização Pedro Miranda . Professor de EMRC
A
noção de quem são os vencedores e perdedores da globalização, bem como o estado da desigualdade económica no mundo conheceu, com o recente trabalho de Branko Milanovic - um dos mais respeitados especialistas mundiais na matéria – um incremento substantivo que vale a pena detalhar. Devemos agora ter a clara noção de que dois grupos, à escala global, saíram vitoriosos, entre 1988 e 2008 – tendências que se terão acelerado entretanto – com o processo de integração e convergência dos mercados: por um lado, as classes médias dos países emergentes asiáticos (predominantemente da China, mas também da Índia, Tailândia, Vietname e Indonésia. Não são as pessoas mais ricas desses países, mas da classe média destes e também o que poderíamos chamar de classe média mundial). Em segundo lugar, os mais ricos que, em termos absolutos, avançaram mesmo mais que as classes médias asiáticas. Esta camada populacional mundial, os 1% mais ricos do mundo, são, predominantemente, cidadãos norte-americanos. As restantes são quase inteiramente da Europa Ocidental, do Japão e da Oceânia. Dos que restam, Brasil, África do Sul e Rússia contribuem 1 por cento cada com as suas populações. E do lado dos derrotados da globalização? Aí, situaremos, sobretudo, aquelas classe média-
baixa e pobre dos países mais desenvolvidos – que, em termos mundiais, porém, pertenciam a uma classe favorecida ao nível dos rendimentos -, que viram a sua riqueza – em particular, os rendimentos do trabalho – estagnar no período em análise. Muitos dos abalos políticos que estamos a assistir, em vários países a Ocidente, dificilmente poderão ser dissociados deste processo. Neste momento, e “pela primeira vez desde a Revolução Industrial há dois séculos, a desigualdade no mundo não está a ser impulsionada por disparidades crescentes entre países. Com os aumentos dos rendimentos médios em países asiáticos, as disparidades entre países têm, na verdade, vindo a diminuir. Se esta tendência de convergência económica prosseguir, não só irá conduzir a uma redução da desigualdade no mundo, como também atribuirá, indiretamente, uma relevância relativamente maior às desigualdades dentro dos países. Dentro de sensivelmente 50 anos, poderemos regressar à situação que existia no início do séc.XIX, quando a maior parte da desigualdade no mundo se devia a diferenças nos rendimentos dos britânicos ricos e pobres, russos ricos e pobres ou chineses ricos e pobres e não tanto ao facto de os rendimentos médios no Ocidente serem superiores aos rendimentos médios na Ásia”, assinala Branko Milanovic, em A desigualdade no mundo. Uma nova abordagem para a era da globalização, publicada pela Actual.
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Imagem in https://www.foreignaffairs.com/articles/2015-12-14/inequality-and-globalization
De entre as questões políticas colocadas pelo autor, desde logo duas adquirem especial premência: com estes dados, estaremos condenados a ser governados por populistas ou por plutocratas? Por vezes, diria mesmo, a realidade ainda se torna mais complexa, quando multimilionários, como máximos dirigentes nos EUA, ou, agora, na República Checa se assumem como os grandes guardiães dos mais frágeis, prometendo falsas soluções e mantendo as piores das políticas (veja-se a abordagem ao tema da Saúde, ou ao clima do Presidente norte-americano). Estaríamos, mesmo, perante plutocratas populistas. Como irão os países ricos gerir várias possíveis décadas de nenhum crescimento da sua classe média? É que estes resultados teriam sido certamente surpreendente para muitos, se a análise tivesse sido feita no final da década de 1980. Como observa Milanovic, “os políticos do Ocidente lutaram por uma maior confiança nos mercados nas suas economias e no mundo depois da revolução Reagan-Thatcher e não esperariam que uma muita exultada globalização falhasse em trazer benefícios palpáveis para a maioria dos seus cidadãos - ou seja, precisamente aqueles a quem estavam a tentar convencer das vantagens políticas neoliberais, comparadas com regimes de assistência social
mais proteccionistas”. O cidadão que procure uma posição equilibrada para a sua deliberação a este respeito, constatará com agrado como milhões saíram da pobreza noutras partes do mundo que não o Ocidente. E, porventura, tomará como justo um certo reequilíbrio à escala planetária. Sopesar na lógica de um consumismo que partiu da premissa do ilimitado e de recursos que se manteriam sempre, independentemente das lógicas de vida que levamos. Mas isso não pode coincidir com um argumento para calar os que, de entre os pobres, perderam com este processo, nem, tão pouco, ignorar que se devam procurar soluções políticas para que a redistribuição aconteça e que não haja um centésimo de um centésimo da população (1426 indivíduos para ser mais preciso) que têm o dobro de toda a riqueza de África. Menos de mil e quinhentas pessoas com o dobro da riqueza de um continente inteiro. Nem para impedir que os que lutam por regras de respeito pela dignidade das pessoas, contra os vários dumpings sociais, se ouçam: é que uma das grandes questões para o futuro será, como Milanovic não deixa de sublinhar, como irá a China lidar com as crescentes expectativas de participação e de democracia da sua população.
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A Crise como Necessidade Luís Cardoso . Aluno do 11.º C
É
na crise que nascem as invenções, os “ descobrimentos e as grandes estratégias.” O autor da frase em questão é Albert Einstein, um físico teórico que nasceu em Ulm, na Alemanha, em 14 de Março de 1879, e faleceu no dia 18 de Abril de 1955, em Princeton, nos Estados Unidos da América. Ficou conhecido por ser o grande fundador da física quântica. Este autor transmite a ideia de que sempre que o ser humano se depara com um obstáculo, consegue superá-lo e, ao fazê-lo, a nossa espécie evolui. Esta ideia é partilhada por uma teoria filosófica concebida por Thomas Kuhn, que defende que quando as anomalias, problemas a que a ciência não consegue dar resposta, se vão acumulando, a ciência entra num período de crise, vivendo a atividade científica um período instável. Nesse momento, entra-se num período de ciência extraordinária, onde há um debate sobre a manutenção do mesmo paradigma ou adoção de um novo. Dá-se uma revolução científica quando se decide adotar um novo paradigma que permite dar respostas diferentes aos vários problemas em questão. O ser humano, em tempos de crise, tenta sempre arranjar solução para diversos problemas e, por vezes, as inovações têm um peso extraordinário na vida de todos. Eis alguns exemplos que supor-
Imagem in https://www.birminghamtimes.com/
tam a ideia anteriormente apresentada: quando a troika supervisionou as decisões políticas e económicas no nosso país, de modo a controlar as contas públicas, foram concebidas inúmeras reformas, tais como aumento de impostos, privatizações, redução do número de funcionários públicos, maior controlo sobre as intuições bancárias, redução do défice, entre outros. Este espírito inventivo e superador das dificuldades também se verifica quando aparece uma nova doença letal, pois os cientistas unem esforços de modo a encontrar uma cura e erradicar a doença. Atualmente, doenças outrora letais já têm cura, tais como: varíola, sífilis, escarlatina, febre tifóide e poliomielite. Estes exemplos devem dar-nos muita esperança, visto que, apesar das dificuldades que verificamos atualmente, temos bons indicadores de que poderemos ultrapassar os nossos obstáculos.
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A mulher ateniense Karolline Ferreira . Aluna do 7.º D Rita Osório . Aluna do 7.º A
A situação de subalternidade das mulheres nas cidades-estado gregas, problematizando a questão com os debates atuais sobre a igualdade de géneros. A questão de a mulher ser considerada inferior ao homem já é de há muito tempo. Nas famílias conservadoras, situações iguais às da Grécia Antiga acontecem atualmente, como por exemplo: há mulheres que são submetidas ao casamento com homens completamente desconhecidos, geralmente porque o pai tem interesses, que podem ser de caráter económico e/ou material. Esta situação torna-se mais comum no interior dos países, onde as pessoas costumam ser mais religiosas e seguem tradições ancestrais. No entanto, se compararmos as procedências destes casos com a atualidade e com a condição da mulher na Grécia Antiga, pode-se concluir que as mulheres tentam sair ou saem mesmo dos relacionamentos abusivos por reconhecerem o quão errado isso é. Se observarmos a realidade em vários países, como por exemplo na Arábia Saudita, um país conhecido pela sua grande riqueza, as mulheres ainda são obrigadas a utilizar trajes para cobrirem completamente o corpo e, só em 2018, é que foi decretada a lei que as permite conduzir. Na República Democrática do Congo as mulheres
só podem assinar documentos legais com autorização do marido. Neste sentido, os debates, palestras e as manifestações feministas, realizados por todo o mundo, são muito importantes, na medida em que alertam e apoiam mulheres que podem ser, por exemplo, vítimas de violência.
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A Responsabilidade do Sábio Matilde Carvalho . Aluna do 11.º C
O “
sábio que não diz o que sabe é como a nuvem que passa e não traz chuva”. Trata-se de uma célebre citação de Platão, um importantíssimo filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, nascido em 427 a. C. e falecido em 347 a. C. Esta frase demonstra a inutilidade das nuvens que passam sem trazer chuva, com o objetivo de se dirigir àqueles que muito sabem sobre a vida, mas que, contrariamente ao que é esperado, não o partilham com os demais. O autor acreditava, portanto, que todas as nuvens eram feitas unicamente para uma função: fazer chover. De certo modo, tem a sua razão, mas quando se trata do ser humano, deve-se ter outro tipo de abordagem. E é precisamente por isto que eu não concordo com esta frase. É bom termos alguém com uma experiência de vida maior que a nossa a servir-nos de exemplo, mas por vezes o melhor é encontrarmos o nosso caminho, à nossa maneira, sem influências de ninguém. A isso chama-se processo de aprendizagem. Para que possamos triunfar na vida, temos de cair, levantar, recuperar da queda e continuar. Mas tal não seria possível se tivéssemos alguém constantemente a indicar-nos o caminho certo a seguir, pois iríamos perder aquilo que nos distingue dos outros, a nossa independência, a nossa capacidade de confronto e a nossa personalidade. Porque a nossa maneira de agir, tanto
connosco, como em sociedade, é moldada segundo os obstáculos que encontramos na vida. Não é por acaso que a maioria das pessoas mais bem sucedidas internacionalmente foram aquelas que por mais dificuldades passaram. Acho, portanto, que devemos dar uso às nossas capacidades e escolher fazer aquilo que queremos da nossa vida, sem medo de errar e cair. Porque todos nós temos o direito e o dever de o fazer! Para além do mais, quem é que nos diz que todas as nuvens foram feitas só e somente para trazer chuva? Algumas estão lá só a existir, a embelezar o céu, sem nenhuma função em concreto. Contudo, esta frase pode ser interpretada de uma outra maneira. O sábio apresenta uma responsabilidade social elevada, na medida em que deve fornecer informação importante aos membros da sua sociedade, melhorando assim o seu funcionamento. Assim sendo, é fundamental o seu desempenho para que seja possível avançar, não só a nível pessoal, como a nível social. Segundo este ponto de vista, partimos do princípio de que o autor está a criticar, não as nuvens brancas e vazias, mas sim as nuvens carregadas de água. Neste contexto, a frase já tem a minha concordância. Se o sábio tem uma função, porque não dar-lhe uso? Afinal de contas, nem sempre temos de partir da estaca zero. Se assim fosse, não seria possível o avanço e o desenvolvimento da sociedade e, provavelmente, iríamos viver num mundo totalmente diferente daquele que nós conhecemos. Para concluir, esta citação pode seguir dois caminhos diferentes, dependendo da interpretação de cada um, sendo que o importante a realçar é que devemos partilhar o que sabemos, mas apenas se isso servir o bem e se for realmente necessário. Caso contrário, o melhor é deixar que cada pessoa siga a sua opinião e aprenda sozinha.
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(Des)ilusão Marisa Borges . Aluna do 10.º C
I
lusões. Não vos vou dar a definição correta do que são. A meu ver não passam de coisas que ao início nos fascinam mas que, depois de descobrirmos o seu truque, deixam de ser a coisa brilhante que nós achávamos ser e revelam-se coisas banais. Vivemos rodeados delas e a prova disso são as pessoas, cada uma delas uma (des)ilusão. Infelizmente, são poucas as que fogem a esta regra e aquelas em que colocamos mais esperança de que sejam exceções, são as que, no fim, mais nos magoam. O ciclo é sempre o mesmo. Conhecemos alguém, olhamos para a pessoa e sorrimos sem nos apercebermos. Automaticamente achamo-la diferente. Esperamos que ela seja o que nós, inicialmente, vimos e o que achamos conhecer dela. Depositamos toda a nossa confiança. Damos tudo de nós e pensamos que algum dia o irão retribuir. Acreditamos que podem preencher o espaço que nos falta e trazer a felicidade que outrora alguém levou. Iludimo-nos. Iludimo-nos com aquilo que queremos que alguém seja. Porque sem querer amamos. Aos poucos as coisas mudam. As máscaras caem. A verdade revela-se. As pessoas afastam-se. A nossa cegueira desaparece e conseguimos ver o que sempre esteve lá, só que nunca tivemos coragem para ver. Talvez porque queríamos o fim dos contos de fadas e percebemos que não
Nazareno in https://carbonogaleria.com.br/obra/ilusoes-240
o vamos ter. Talvez porque sabíamos que ia doer e não queremos sofrer. Aí, damo-nos conta da ilusão em que vivemos. Desiludimo-nos. No fundo, porque sem querer amamos. As pessoas fazem isso. (Des)iludem. Acabam por transformar o amor, algo que deveria ser magnífico e puro, numa (des)ilusão. Tu, foste apenas algo que eu acreditei que era brilhante e diferente. Algo que amei. Tu, foste apenas uma (des)ilusão.
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Astronomia e Mitologia com Arte Sistema Solar – Planetas Gigantes Sónia Lopes . Professora de CFQ
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o último nº da Pensar(es) (nº 23, junho 2018) foram abordados os planetas telúricos (Mercúrio, Vénus, Terra, Marte). É agora o momento de falar dos planetas gigantes. Ficarão para o próximo número os planetas anões. O primeiro dos planetas gigantes é Júpiter. É o maior planeta do Sistema Solar (contém mais matéria do que todos os outros planetas juntos) daí o nome do Rei dos Deuses. A característica que mais o distingue é o "olho" vermelho que apresenta perto do equador. É uma tempestade com o tamanho de 3 Terras. Os ventos rodam a mais de 300 km/h. Demora doze anos terrestres a dar uma volta ao Sol, por isso, se fossemos jupiterianos, em vez de doze teríamos apenas um ano. O planeta gira de pé, logo não tem estações do ano. Marte está uma vez e meia mais afastado do Sol do que a Terra, Júpiter está cinco vezes mais. Este imenso espaço é ocupado pela Cintura de Asteroides. Como rei dos deuses é muitas vezes representado sentado num trono ou com um cetro na mão, mas também com um trovão porque, como rei dos deuses, controla as tempestades. Também é apresentado com uma águia, animal que o acompanha e em que muitas vezes se personifica. Júpiter tem mais de 60 satélites e as maiores são:
2 ª P
ARTE
Ganimedes, Calisto, Io e Europa que foram observados por Galileu em 1610. Esta visualização foi muito importante para a ciência pois veio pôr em causa a Teoria Geocêntrica. Afinal nem tudo gira à volta da Terra. É casado com Juno (para os gregos é Zeus casado com Hera), mas teve vários casos amorosos. As luas de Júpiter têm os nomes de algumas das suas paixões. Ganimedes era o escanção, um mortal, por quem Júpiter se apaixonou e raptou. Ruben inspirou-se e pintou o "Rapto de Ganimedes". Ganimedes é a maior lua do Sistema Solar. É maior do que o planeta Mercúrio. Calisto (que significa a mais bela) era uma ninfa companheira de Diana, a deusa virginal da caça. Todas as companheiras, tal como ela, estavam votadas a uma vida sem homens. Só que Júpiter apaixonou-se por Calisto e queria possui-la, mas sabia que ela o rejeitaria. Fez-se, então passar por Diana e desta forma a enganou. Certo dia, Diana e as ninfas foram banhar-se e Calisto estava com vergonha de se despir. A sua nudez mostrou a gravidez. Diana, horrorizada por uma das suas ninfas ser impura, expulsou-a. Europa era uma princesa muito bela por quem Júpiter se enamorou. Para se aproximar dela transformou-se num belo touro. Europa avistou-o quando passeava na praia e ficou tão impressionada com a sua beleza e mansidão que se aproximou. Primeiro afagou-o e depois subiu
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Representação da NASA do Sistema Solar: Foto: NASA/ JPL-CALTECH
para o seu dorso. Júpiter aproveitou e raptou-a levando-a para o continente que viria a ter o seu nome. Júpiter foi tão feliz que para sua lembrança colocou o touro no céu (constelação do signo de touro) e tal como o touro, quando mergulhado no mar só se vê a cabeça, também no céu só está a cabeça do touro. Io era filha do deus do rio, Ínaco. Júpiter ficou inebriado com a sua beleza que logo a quis. Quando Juno os avistou Júpiter disfarçou-a numa bezerra, mas Juno, desconfiada, exigiu-a de presente e entregou-a aos cuidados de Argos. Júpiter, desesperado, enviou Mercúrio para a libertar. Juno ainda se tentou vingar, mas logo se compadeceu e libertou Io. Saturno é o planeta dos anéis. Tem centenas deles. Até Saturno todos os planetas são visíveis da Terra a olho nu. Saturno (Cronos, para os gregos) era o mais novo dos doze titãs, filhos de Gaia (a Terra) e Urano (o céu). O Deus começou a temer que os filhos lhe usurpassem o trono. Passou então a devorá-los. Quem escapou foi Júpiter porque lhe deram uma pedra a comer. Goya retrata muito bem esse horror. Uma outra história conta que Saturno governou no período mais belo da história da humanidade. Os homens viviam em paz, liberdade, sem preocupações nem responsabilidades. Os romanos faziam grandiosas festas anuais a Saturno, as saturnálias, que coincidia com o solstício de dezembro. O Natal é a festa cristã que vem substituir as saturnálias. Úrano é o planeta que gira de barriga. A sua
atmosfera é azul por ter metano na constituição. Foi por isso que lhe deram o nome do deus do céu, quando foi descoberto, por William Herschel, em 1781. Úrano era o rei dos deuses. Mas sopraram-lhe ao ouvido que seria destronado por um dos filhos. Com medo, forçou-os a regressar para dentro de Gaia, mas Saturno escapou. Quando Úrano se aproximou novamente de Gaia, Saturno ficou tão revoltado que cortou os órgãos genitais do pai e os atirou ao mar. Libertou os irmãos e, com a ajuda destes, destronou o pai. Talvez por ser um deus tão sinistro não tenha merecido grande atenção por parte dos artistas. No entanto, Giorgio Vasari pintou "A castração de Úrano". Neptuno, também por ter metano na sua constituição, é azul. Ficou assim com o nome do deus do mar. Tornou-se o deus do mar depois de ter ajudado o seu irmão, Júpiter, a destronar o pai. Não só domina os mares como pode desencadear terramotos e domar cavalos. Daí surgir a teoria de que o cavalo de troia tenha sido um terramoto, que na realidade existiu, que destruiu Troia. O deus é retratado com um tridente na mão e, muitas vezes, sentado numa carruagem puxada por animais marinhos. Neptuno casou-se com Anfitrite, uma das cinquenta nereides, as ninfas do mar. Teve um filho chamado Tritão (célebre por produzir belos sons ao soprar numa concha). Mas, o seu filho mais famoso é Pégaso, o cavalo alado.
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Feridas mal cicatrizadas Marco Mimoso . Aluno do 11.º D
E
stamos habituados a ouvir que para qualquer problema existe uma solução, e não estou a dizer o contrário, não estou a negar qualquer crença que vocês tenham, estou sim a afirmar, que, por vezes, e com isto quero dizer a maioria das vezes, as pessoas cedem às tentações mundanas, trocando a felicidade eterna por uma felicidade obtida no momento, esquecendo assim, que um dia essas maravilhas podem acabar e voltamos ao ponto de partida, não cicatrizando por completo as nossas feridas e desta forma não nos tornamos a melhor versão de nós mesmos. E quem me ouve falar pensa, será que este tipo acha-se melhor que qualquer um que lê as barbaridades que ele escreve? A minha resposta é um óbvio não, e admito que também eu sou como qualquer pessoa que esta a ler e se identifica com isto, a minha única diferença é o facto de ter a coragem para admitir que me apercebo das coisas e não faço o que quer que seja para mudar. Todos nós temos as nossas tentações, boas ou más, são apenas nossas, e só dizem respeito a quem está em convivência com as mesmas. Com este pequeno texto, não quero dizer que nós temos que mudar de atitude, porque em tantos milénios, sempre nos apercebemos que estávamos a viver de uma forma completamente errada, mas nunca fomos capaz de mudar, ou pelo menos não mudamos de uma forma de-
finitiva, la esta, a tentação da felicidade repentina consome-nos a mente, e o nosso corpo é reflexo de todos estes erros sistemáticos que voltamos a repetir e a repetir vezes sem conta. Podia estar a dar exemplos de tudo o que fazemos mal, mas para que, se todos nós sabemos que se formos procurar as profundezas do nosso ser, encontramos milhentas coisas das quais agora nos arrependemos, e acredito que a maioria de nós, por mais vezes que voltassem atrás no tempo, caso isso fosse possível, iria sempre voltar a ceder a esta tentação, que nos dá tanto prazer de praticar, de facto, temos bastante noção de todo o mal que ira acontecer futuramente, mas preferimos ignorar e transformar isso num sentimento de culpa tardio. Acho que já todos descobrimos mais um pouco sobre aquilo de que a humanidade é capaz de fazer a ela própria, se calhar descobrir não é a melhor definição, mas sim relembrar. Na nossa mente há vários caminhos, portões, tanto abertos como fechados, E nós preferimos seguir sempre os caminhos pelos quais os portões estão abertos, apesar de já todos termos ouvido que o caminho mais fácil nunca compensa.
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3 ª P “Clarim da Verdade”
ARTE
O género visto por um jornal paroquial Pedro Babo . Professor de História
A EDUCAÇÃO FEMININA
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“invenção da maternidade”, verificada na Europa a partir da época moderna, contribui decisivamente para aprisionar a mulher ao lar. A função biológica de reprodução é associada à educação dos filhos como tarefa naturalmente feminina. É a biologia a servir de justificação a uma construção puramente cultural que define as funções socialmente distribuídas a ambos os géneros. O Clarim reflete esta forma de pensar, repetindo-a sem descanso. Num artigo dedicado ao namoro, incluído na já referida rubrica «Aos jovens», é proposta aos rapazes uma grelha de exame das qualidades que a sua namorada deve possuir, das quais ressalta como uma das mais importantes, logo a seguir à sua dedicação ao lar, a sua potencialidade como “boa mãe”: «Saberá Ela ser o anjo da guarda de vossos filhos ? Será capaz, como te disse já, de dar aos filhos os primeiros ensinamentos sobre Deus, de tal forma a encher-lhes a alma a ponto deles não mais poderem esquecer esses ensinamentos de sua mãe? Como trata Ela as crianças agora? É dedicada a seus pais e irmãos ? Que conceito faz Ela da grandeza da maternidade? Está con-
vencida de que a maternidade-a grandeza de ser mãe! - é uma obra de todos os dias, de todas horas, de todos os instantes? Está convencida de que ser mãe encerra em si a perfeição normal e constitui a verdadeira grandeza do sexo feminino? Qual a atitude e sentimentos ao pensar nos sacrifícios da maternidade ?» O facto de este questionário ser dirigido ao homem atribui-lhe um papel mais ativo no namoro e na escolha do futuro cônjuge, remetendo a mulher para uma atitude mais passiva e recatada. Mais emoção do que razão, não se espera da mulher muita capacidade intelectual, ao ponto de a sua formação escolar ser mesmo dispensável: “Ter bom carácter” «A força do bom carácter não esta só no saber. Quantas com tanto saber e sem carácter. Está sim no querer e no fazer. Exige formação mais moral do que intelectual» (A ti rapariga amiga, 28-10-56) A educação feminina deve realizar-se preferencialmente no interior do próprio lar, onde a aprendizagem se faz fundamentalmente pela observação das tarefas domésticas que mais tarde
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terá de desempenhar quando se converter pelo casamento na “rainha” da sua própria casa. O governo da sua casa é a tarefa mais importante que a boa dona de casa deve estar preparada para assumir, de forma a que os magros rendimentos obtidos idealmente pelo marido no trabalho assalariado fora de casa possam suster às necessidades mínimas da sua família. O próprio poder político legitimou a imagem da “boa dona de casa” ao servir-se dela como parábola utilizada no seu discurso domesticador da nação: «No caso da parábola da “boa dona de casa”, o caminho que a nação é convidada a seguir passa pelos comportamentos revivificadores de trabalho, sacrifício e independência» (Martins 1990:170). É ouvindo os ensinamentos que as mães e avós transmitem e observando a destreza com que estas mestras executam as tarefas domésticas, secularmente repetidas até à exaustão, que a jovem adquire o “habitus” corporal, para utilizar o conceito de Mauss conforme à “natureza feminina”: «É que este é sentido pelo autor como um ato de ordem mecânica, física ou físico - química, e é seguido com tal fim» (Mauss 1974:217), de tal forma que a divisão sexual do trabalho pareça perfeitamente adequada à natureza das coisas. Verifica-se por parte do Clarim uma delimitação muito estreita dos espaços de circulação destinados a ambos os sexos, espaços esses muito mais restritivos e absolutos em relação à mulher. À Casa e à Igreja restringe-se o espaço de movimentação feminina, de tal forma que os assuntos referentes quer a um como a outro são considerados esferas de intervenção feminina. O Clarim fiel ao patriarcado do Estado Novo apresenta um ideal feminino em tudo coincidente ao proposto pelo regime nacional-socialista para a Alemanha e que se resumia aos três K- Kinder, Kuche, Kirche, isto é, às crianças, à cozinha e à igreja: «O trabalho da mulher fora do lar desagrega este, separa os membros da família, torna-os um pouco estranhos uns aos outros. Desaparece a vida em comum, sofre a obra educativa das crianças, diminui o número destas; e com o mau ou impossível funcionamento da economia doméstica, no arranjo da casa, no preparo da alimentação e do vestuário, verifica-se uma perda importante, raro materialmente compensada pelo salário percebido» (Olivei-
ra Salazar in Martins,1990:72). Para a harmonia do lar, e só por isso, é conveniente que o homem eduque a sua esposa, de forma a que o diálogo entre ambos seja possível e a harmonia do lar mantida: “Saber pensar” «A tua noiva, meu amigo, deve também saber pensar. Eu sei bem que compete ao marido levar à sua esposa um grau maior de cultura, elevando-a cada vez mais, contribuindo com a sua pequena parte na riqueza cada vez maior de instrução e cultura de sua companheira. Mas também não é menos certo que, se uma esposa não é capaz de ter outro assunto de conversa que não seja o de comida e panelas, tal atitude pode vir a desgostar profundamente o marido... E como ela não o compreende, vai procurar fora do lar alguém com quem possa discutir tal assunto.» (Aos jovens,7-2-54) A mulher deve adquirir apenas a educação necessária, transmitida preferencialmente pelo seu marido, adequada à sua função de doméstica e mãe. Educação condensada com objectivos bem definidos, promover o desenvolvimento da mulher sem a adulterar, de forma que se mantenha como a natural mensageira do amor. Devido a esta forma de entender a educação feminina não será de estranhar a elevada percentagem de analfabetismo que se verifica entre as mulheres até aos anos setenta em Fontelas. A educação será desta forma um meio para aprisionar a mulher ao espaço físico do lar, restringindo o seu convívio social ao marido e aos seus filhos. A excessiva permanência da mulher na rua, como veremos adiante, poderá ser prejudicial à afirmação da honra masculina e, por outro lado, ser um factor perturbador da paz comunitária, fruto da sua tendência “natural” para a “má língua”. Esta é mesmo a justificação adiantada pelo Clarim para o impedimento canónico de as mulheres não assumirem funções sacerdotais: «As mulheres não são boas, sobretudo para manter segredos (...), são facilmente influenciáveis pelos seus próprios sentimentos em matéria de
ensar(es) Fé e de ordinário são demasiado gentis e simpatizam em extremo com outras mulheres.» (Ferreira Ramos, 12-6-1955) Quando por sorte a criança do sexo feminino frequentava o ensino primário, não iria encontrar na escola uma definição diferente dos papéis sexualmente distribuídos a ambos os sexos: «uma visão da mulher amplamente difundida nos séculos XIX e XX a quem cabe a proteção do lar e que percorre o discurso dos “ esclarecidos” da nação sobre o acesso da mulher à instrução e sobre o papel da escola. Além do mais, o papel atribuído à mulher no seio da família, do privado, são paralelos, são papéis semelhantes. A ambas cabem tarefas de regeneração da sociedade em esferas diferentes» ( Joaquim 1997:324-325). Sintomático a este respeito foi a proibição da coeducação no ensino primário elementar ser a primeira medida educativa tomada pelo novo regime, passados apenas onze dias após o golpe militar de 28 de Maio de 1928. Esta medida legislativa, devido aos elevados custos económicos que exigia, nunca foi totalmente implementada e, em muitas aldeias, o máximo que o regime ditatorial conseguiu foi a divisão da atividade escolar em dois turnos, com horários distintos para rapazes e raparigas. Depois de frequentarem escolas diferentes, rapazes e raparigas frequentariam no Liceu, depois da reforma de Carneiro Pacheco em 14 de Outubro de 1936, currículos diferenciados de acordo com as necessidades conformes à “natureza de cada sexo”: «As alunas aprenderiam nas aulas a confeccionar roupa branca, vestidos, chapéus, bordados, flores, etc., e noutras estudariam a Língua e Literatura Portuguesas, Moral, Economia, Direito, etc» (Carvalho 1996:775). A educação e o ensino das primeiras letras foram encaradas pelo poder salazarista como uma missão eminentemente feminina, que pouco se distinguia dos deveres das mães ao ponto de ser exigido à professora primária dedicação a tempo inteiro pelo que, para se casar, necessitava de uma autorização do Estado. Segundo o decreto-lei de 24 de Novembro de 1936: «O casamento das professoras não poderá realizar-se sem autorização do Ministério da Educação Nacional, que só deverá concedê-la nos termos seguintes: 1.º- ter o preten-
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dente bom comportamento moral e civil; 2.º- ter o pretendente vencimentos ou rendimentos, documentalmente comprovados, em harmonia com os vencimentos da professora» (Carvalho 1996:762). A formação dos professores primários foi propositadamente descurada durante o período Salazarista por se considerar um dispêndio inútil. Para um simples mensageiro do ideário político e moral do regime basta alguém que partilhe os mesmos princípios morais e religiosos. O Clarim, em 28 de Novembro de 1954, ao informar os fontelenses do falecimento da professora Luísa Vaz Osório dá-nos preciosas informações acerca do seu envolvimento nas atividades da Igreja local como a conferência de S. Vicente de Paulo, o Património dos Pobres e a Ação Católica. É um exemplo da cumplicidade entre o ensino e a Igreja, que foi extremamente reforçado com a Concordata de 1940, assinada por Salazar com a Santa Sé que impôs a doutrina cristã como objectivo curricular da escola. Não era pois de estranhar o empenho da professora de Fontelas com as tarefas da sua paróquia. Os próprios manuais escolares estavam polvilhados desde 19 de Março de 1932 com mensagens religiosas onde o patriarcado da religião é cuidadosamente associado ao patriarcado do regime: «Na verdade, em vez de estabelecer um verdadeiro regime teocrático, Salazar refere-se a Deus para melhor legitimar o seu poder e consolidar a sua autoridade. De certa forma, Deus justifica a obediência cega que todo o bom português deve prestar a Salazar» (Léonard 1998:63). Naquela data, o ministro da educação Carneiro Ramos publicou um decreto onde constavam 113 frases que deveriam constar obrigatoriamente de todos os manuais do ensino primário (cf. Carvalho 1996: 738). Foi a aprender a ler com frases como: «Na família o chefe é o Pai, na escola o Mestre, no Estado é o Governo» e a observar imagens como a do livro da terceira classe de 1954 (anexo3) que as crianças do sexo masculino e feminino foram construindo a sua identidade de género durante o Estado Novo. Em síntese os manuais escolares propagavam os elementos fundamentais da formação ideológica do salazarismo onde: «o familialismo untuoso, o bucolismo decrépito, a terna colaboração de classes, irracionalismo patrioteiro, o culto da ordem
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e asseio, a vocação da assepsia que evita a catástrofe sempre iminente, o academismo pedante, a sufocação pedagógica» (Bivar in Magalhães 1998:54). Funcionando no âmbito circum - escolar e com carácter obrigatório para as estudantes do ensino primário e secundário, a Obra das Mães pela Educação Nacional (O.M.E.N.) e a Mocidade Portuguesa Feminina (M.P.F.), ambas criadas na sequência da reforma educativa de 1936, reforçavam a ação da Escola na transmissão dos valores e da moral preconizada pelo regime salazarista profundamente patriarcal como todos os regimes totalitários. À Obra das Mães cabia a tarefa de transmitir a ideologia do “Estado Novo” na micro célula social: a família. Entre os seus objectivos contava-se o despertar nas raparigas a devoção ao serviço social, o gosto pela vida doméstica e o amor pela pátria. As atividades desenvolvidas pela Mocidade Portuguesa são bem demonstrativas do papel social reservado à mulher pelo Estado português até 1974. Estas circunscreviam-se a atividades de benemerência, como o fabrico de enxovais para serem entregues a mães pobres, o trabalho em cantinas escolares, campos de férias, lares para estudantes e bibliotecas (cf. Carvalho 1996:759).
Os principais meios de socialização da sociedade portuguesa durante o período ditatorial partilham a mesma concepção de género, que procuram perpetuar e reproduzir, a todo o custo, para que todos conheçam o seu lugar na sociedade. Para a Família, a Escola e a Igreja, o lugar da mulher é em casa.
Bibliografia Carvalho, Rómulo, História do ensino em Portugal - Desde a Fundação da Nacionalidade até ao fim do regime de Salazar - Caetano, Lisboa, fundação Calouste Gulbenkian, 1996. Joaquim, Teresa, Menina e Moça - a construção social da feminilidade, Lisboa, Fim de Século, 1997. Martins, Moisés de Lemos, O Olho de Deus no discurso salazarista, Porto, Edições Afrontamento,1990. Mauss, Marcel, “As técnicas corporais” in Sociologia e Antropologia Vol. II, Universidade de S. Paulo, 1974.
ensar(es) Coordenação e Redação A. Marcos Tavares José Artur Matos Colaboradores/Alunos Anabela Lapa, Diana Silva, Diana Teixeira, Eduardo Ferreira, Gabriela Borges, Gonçalo Carvalho, Joana Teles, Jorge Vasques, Karolline Ferreira, Leandro Andrade, Luís Cardoso, Luísa Chambel Gonçalves, Marco Mimoso, Margarida Craveiro, Marisa Borges, Matilde Carvalho, Rita Osório, Tiago Teixeira Alunos do 7ºE. Colaboradores/Professores Ana Fonseca, Ana Paula Lopes, Alexandra Magalhães, A. Marcos Tavares, Carla Cabral, Conceição Dias, Estela Ferreira, F., Fernanda Sousa, João Rebelo, Jorge Coutinho, José Artur Matos, Manuel Ferreira, Maria Eugénia Monteiro, Pedro Babo, Pedro Miranda, Sónia Lopes. Participação Especial Centro Escolar das Alagoas Centro Escolar da Alameda EB 2,3 de Peso da Régua Convidado Jerónimo Carreira Design, paginação e imagem da capa José Artur Matos Impressão / Tiragem Tipografia Minerva - Lamego / 300 exemplares
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1999 . 2019
DOURO Património Mundial da Unesco “Douro verdejante de socalcos vinhedos, sustentam paixões de um Povo vigoroso que produz da sua terra sonhos e encantos.” António Barroso