Beira 154

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Abril e Maio, 2020

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Beira do Rio

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Alto Turiaçu

Outros caminhos e novos lugares Educação ressignifica papéis de mulheres Ka'apor   Adrielly Araújo Em 2018, a líder indígena Joênia Wapichana, primeira advogada indígena a exercer a profissão no Brasil, foi eleita para representar o estado de Roraima no Congresso Nacional como deputada federal. Isso exemplifica o começo de uma ressignificação dos papéis sociais das mulheres indígenas, que se apropriam de novos lugares dentro e fora da sua tribo. A pesquisadora Leidiani Pena Pinheiro também percebeu essa mudança nas relações de poder na comunidade Xie Pihu Renda, onde dava aulas de português, “eu queria

entender o que ocasionou a mudança naquela comunidade, onde nós tínhamos uma cacica e várias lideranças femininas muito fortes”, explica. Partindo dessa percepção, escreveu sua dissertação intitulada O papel social das mulheres ka’apor dentro da comunidade Xie Pihu Renda/Terra Indígena Alto Turiaçu, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Linguagem, do Campus Universitário de Tocantins/Cametá da UFPA, sob a orientação do professor Jorge Domingues Lopes. Na pesquisa, Leidiani Pinheiro buscou entender como as mulheres conseguiram alcan-

çar posições de poder, em uma comunidade em que os papéis são muito bem estabelecidos, e quais mudanças sociais ocorreram para que isso fosse possível. Para tanto, entrevistou dez pessoas, homens e mulheres indígenas, residentes na comunidade. “Segundo o meu orientador, eu deveria olhar as mulheres não só pelo ponto de vista delas, mas também pelo ponto de vista dos homens, não como uma forma de validação masculina, e sim por entender que não havia uma subjugação ou inferioridade entre os gêneros. Os papéis sociais de homens e mulheres Ka’apor se

completam e são fundamentais para a sobrevivência desse povo. Em minha opinião, essa perspectiva foi o que enriqueceu a minha pesquisa”, avalia Leidiani. A análise foi feita por meio da convivência da pesquisadora com a comunidade. “Eu fiquei cinco anos frequentando o local como professora e, sempre que podia, observava as conversas das meninas. Frequentemente, eu estava entre as mulheres e, durante as conversas, eu perguntava: ‘mas por que isso? por que aquilo?’. Durante todo o tempo, eu estava pesquisando, gravando e anotando”, conta a professora.

A pesquisa rompeu com lugares-comuns na comunidade De acordo com Leidiani Pinheiro, um dos principais motivos para a construção da pesquisa foi a “quebra” dos lugares-comuns na comunidade, o que justifica a necessidade do estudo. “O papel da mulher não incluía o de liderança, isso era algo novo para elas, que tinham o papel de cuidar da casa, dos filhos, da roça. Mas sentar entre os homens e discutir política, educação e saúde é algo recente. As mulheres passaram a ocupar esse lugar, a sentar ao lado deles e discutir no mesmo nível”, explica. A pesquisadora alerta que não se deve pensar na mulher Ka´apor como um ser fragmentado, passível de ser estudado por partes, deve-se tentar enxergá-la como um todo que compõe o “ser mulher”, entendendo que, ao sair do ambiente escolar, ela ainda será mãe e esposa e terá que desenvolver atividades sociais e culturais na tribo. Leidiani Pinheiro manteve seu foco na educação e em como ela abriu espaço tanto para as mulheres em suas comunidades quanto para os homens e as mulheres na sociedade não indígena. “Com base no que vivenciaram, os Ka’apor veem na educação a ‘fórmula’ para visibilidade das suas necessidades,

reivindicações, lutas e, também, de sua cultura. Durante conversas e entrevistas, a importância do estudo era sempre mencionada, pois, assim, poderiam lutar por seus direitos, saberiam agir diante das dificuldades e participar das decisões que dizem respeito ao seu povo e às suas comunidades”, conta a pesquisadora. A professora pôde constatar como a educação favoreceu a mudança do comportamento feminino na tribo. “Observei de perto essa transformação da mulher indígena. A escola contribuiu para que elas pudessem participar mais, ocupando espaços dentro e fora da comunidade. Elas estão trabalhando como auxiliar de saúde bucal, auxiliar de enfermagem, professora etc. Existe um novo acesso e as mulheres estão ocupando espaços que não existiam ou que só os homens podiam ocupar”, revela. Leidiani Pinheiro alerta para o que chama de negligência governamental, “o que eu mais temo com relação a esses povos é a falta de cuidado por parte do governo, como já ocorre em relação à invasão das terras tradicionais”. A pesquisadora lembra que o governo é responsável por todas as pessoas em território nacional, indígena ou não indígena.

ACERVO DA PESQUISA

Além de mãe e esposa, hoje, a mulher Ka’apor ocupa espaços que, antes, não existiam ou que só os homens podiam ocupar.


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