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Beira do Rio
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Setembro, Outubro e Novembro, 2020
Cultura Engenharia
“Torcida, substantivo feminino” Gênero e performance no clássico mais disputado do mundo Adrielly Araújo
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No Pará, ainda não existem torcidas declaradamente feministas, mas torcedoras de Remo e Paysandu já protagonizaram manifestações em defesa das mulheres e contra o assédio sexual.
Clube do Remo e o Paysandu Sport Club, principais times da capital paraense, protagonizam uma rivalidade histórica. Um fenômeno sociocultural que mobiliza paixões, promove sociabilidade e já faz parte do imaginário paraense. As duas torcidas, juntas, somam mais de um milhão de torcedores, de acordo com pesquisa realizada pela Pluri Consultoria, em 2018. O RexPa, como é conhecido o jogo entre os dois times, é o clássico mais disputado do mundo. Até fevereiro de 2020, foram 752 jogos. No Brasil, a história das mulheres no futebol e nas arquibancadas é marcada por invisibilidade e opressão. No que se refere à cultura de torcida, por muito tempo, a ida ao estádio não era aconselhável para mulheres, principalmente se elas estivessem desacompanhadas. Hoje, as mulheres formam grande parte do público que frequenta os estádios de futebol. Atualmente existem torcidas e coletivos formados exclusivamente por mulheres, assim como departamentos femininos dentro das torcidas tradicionais. Diferentemente de outros estados, no Pará, ainda não existem torcidas feministas, mas as torcedoras de Remo e Paysandu já protagonizaram diversas manifestações em defesa das mulheres, entre elas, o fim do assédio e da violência de gênero e a afirmação daquele espaço como um lugar que também é delas. Esses são alguns dos resultados apresentados na dissertação Torcida, substantivo feminino: interações e relações de gênero nas torcidas do clássico Remo x Paysandu, defendida pela jornalista Mayra Leal do Nascimento no Programa de Pós-Graduação Comunicação, Cultura e Amazônia (PPGCom/ILC). A pesquisa, orientada pela professora Rosaly de Seixas Brito, analisou de que forma as relações de gênero estão presentes nas interações construídas por torcedoras dos times Remo e Paysandu e como essas relações se manifestam nas práticas do torcer e nas performances das torcidas durante o clássico paraense, o RexPa. Para o estudo, foram utilizadas como métodos a observação participante nas duas torcidas durante todos os RexPa realizados em 2018 e 2019 e a realização de entrevistas qualitativas com oito torcedoras, quatro do Remo e quatro do Paysandu, frequentadoras assíduas do estádio.
Hegemonia masculina está dentro e fora de campo De acordo com a pesquisa, o futebol brasileiro tem sua construção social atrelada à hegemonia masculina, que instituiu padrões culturais e relações de gênero tanto no campo como nas arquibancadas. Esses padrões que marcam a história do futebol estão presentes na sociedade de forma geral.
Assim, para Mayra Leal do Nascimento, refletir sobre a condição e o lugar das mulheres no futebol é refletir sobre a luta das mulheres por igualdade de gênero em diversos setores. “Atualmente estamos acompanhando no Brasil manifestações a favor da democracia, e encabeçando esses protestos estão as torcidas de futebol. Esse é
um exemplo da força que esse esporte e as relações sociais construídas por meio dele têm no nosso país”, observa. Além da análise das relações de gênero nas arquibancadas, a pesquisa faz um levantamento da história do clássico RexPa, evento tão importante no estado e na região, analisando rituais e outros
aspectos culturais das torcidas. Segundo a dissertação, as questões de gênero estão presentes nas mais diversas interações construídas na prática do torcer. Faz parte das trajetórias individuais das torcedoras a necessidade de se adequarem a uma performatividade (comportamento) masculina dominante, ao mesmo tempo