Beira 156

Page 14

14 -

Beira do Rio

-

Setembro, Outubro e Novembro, 2020

Amazônia

Peixe e farinha: a dieta de risco Contaminação por mercúrio e cianeto ameaça comunidades no Pará   Flávia Rocha

A 63% da população do estudo declararam consumir farinha de mandioca acima de quatro vezes por semana.

s principais atividades desenvolvidas em áreas rurais dos municípios do nordeste do Pará incluem a produção agrícola, a pecuária e a pesca. Nesses municípios, dois grupos de alimentos estão quase sempre disponíveis na dieta: a mandioca e o pescado. A atividade pesqueira e a produção de farinha artesanal são elementos importantes para as comunidades tradicionais da região. No Norte no Brasil, é comum o consumo de farinha e peixe concomitantemente. Entretanto, assim como a farinha pode apresentar teores significativos de cianeto de hidrogênio (HCN), algumas espécies de peixes da Amazônia têm apresentado elevados níveis de ALEXANDRE DE MORAES

mercúrio, acima de 0,5μg/g, o limite recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Esse foi o contexto da pesquisa desenvolvida por Cláudia Simone Baltazar de Oliveira e apresentada na tese Respostas toxicológicas e oxidativas associadas ao consumo de peixe e farinha de mandioca em uma população rural do nordeste paraense. O estudo foi defendido pelo Programa de Pós-Graduação em Doenças Tropicais (PPGDT/ NMT), orientado pela professora Maria da Conceição Nascimento Pinheiro. “Diante da ausência de estudos da interação bioquímica do HCN e do Hg através da alimentação no organismo e da existência de grupos populacionais na Amazônia em risco por essa dupla exposição, surge a necessidade de se investigar os efeitos nocivos da ingestão do metilmercúrio oriundo da dieta de peixes e do HCN da farinha”, afirma Cláudia Baltazar. Em contato com o organismo, o cianeto é rapidamente absorvido independentemente da via (mucosa respiratória, gastrointestinal, pele e olhos, se o contato for contínuo). Em casos de intoxicação oral, foram observadas quantidades relevantes de cianeto no cérebro, nos rins, no estômago, no fígado, no sangue e na urina, demonstrando que ele é distribuído em vários tecidos, causando vertigens, vômito e, dependendo da dose, pode levar à morte, em uma ou duas horas. Em relação ao mercúrio, destaca-se a atividade garimpeira na contribuição da exposição, pois o metal é oxidado, gerando íons de mercúrio (Hg+1 e Hg+2), que interagem com o ecossistema aquático. A ingestão do pescado contaminado é capaz de causar várias doenças em humanos, como diminuição da memória, alterações da visão e da pressão arterial, tremores, problemas reprodutivos e renais.

14 amostras de farinha e nove espécies de peixes A metodologia usada foi observacional e transversal, desenvolvida em dois municípios no nordeste paraense. “Foi realizada a avaliação das concentrações de cianeto em 14 amostras de farinha de mandioca e de mercúrio total (HgTotal) em nove espécies de peixes. Além disso, analisamos as concentrações de HgTotal e de marcadores oxidativos de 76 residentes de uma comunidade rural, que tinham dieta à base de peixes e farinha de mandioca”, relata Cláudia Baltazar. A biomédica revela que a concentração média de cianeto variou entre as comunidades. Na


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.