Revista: "Sursum Corda" | Ano 1 /Nº 2

Page 1

Ano I. N. 2 Revista de Formação Católica Abr/23 – Ago/23

Brevidade da Vida

"Quae est vita vestra? Vapor est ad modicum parens."

"Que é vossa vida? É vapor que aparece por um instante (Tg 4,14)."

"Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteirosenofimperdeasuaalma?".(Mt16,26)

"Em tudo o quefazeslembra-te doteu fime jamaispecarás."(Eclo7,4)

"É bom pensar nos novíssimos todos os dias... porque este pensamento é eficacíssimo para nos fazer evitar o pecado." (S. Pio X, CatecismoMaior.)

Preparação para a Morte, Santo Afonso de Ligório. Edit. Parceria António Maria Pereira, Lisboa, 5a. Edição, 1922.

1. Que é nossa vida? Assemelha-se a um tênue vapor que o ar dispersa e desaparece completamente. Todos sabemos que temos de morrer. Muitos, porém, se iludem, imaginando a morte tão afastada que jamais houvesse de chegar. Jó, entretanto, nos adverte que a vida humana é brevíssima: “O homem, vivendo breve tempo, brota como flor e murcha” (Jó 14,1-2). Foi esta mesma verdade que Isaías anunciou por ordem do Senhor. “Clama — disse-lhe — que toda a carne é erva... verdadeira erva é o povo; seca a erva, e cai a flor” (Is 40,6-8). A vida humana é, pois, semelhante à de uma planta. Chega a morte, seca a erva; acaba a vida e murcha, cai a flor dasgrandezasedosbensterrenos.

A morte corre ao nosso encontro mais rápido que um corredor. E nós, a cada instante, corremos para ela (Jo 9,25). A cada passo, a cada respiração chegamos mais perto da morte. “Este momento em que escrevo — disse São Jerônimo — faz-me caminhar para a morte.” “Todos temos de morrer, e nós deslizamos como a água sobre a terra, a qual não volta para trás” (2Sm 14,14). Vê como corre o regato para o mar; suas águas não retrocedem;assim,meuirmão,passamteus

dias e cada vez mais te acercas da morte. Prazeres, divertimentos, faustos, lisonjas e honras,tudopassa.Eoquefica?“Sómerestao sepulcro” (Jó, 17,1). Seremos lançados numa cova e, ali, entregues à podridão, privados de tudo.Notransedamorte,alembrançadetodos osgozosqueemvidadesfrutamosebemassim das honras adquiridas só servirá para aumentar nossa mágoa e nossa desconfiança de obter a salvação eterna. Dentro em breve, o pobre mundano terá que dizer: minha casa, meus jardins, esses móveis preciosos, esses quadros raríssimos, aqueles vestuários já não serãoparamim!“Sómerestaosepulcro”.

Ah! com que dor profunda há de olhar para os bens terrestres aquele que os amou apaixonadamente! Mas essa mágoa já não valerásenãoparaaumentaroperigoemquese achaasalvação.Aexperiêncianostemprovado que tais pessoas, apegadas ao mundo, mesmo noleitodamorte,sóqueremqueselhesfalede sua enfermidade, dos médicos que se possam consultar, dos remédios que os aliviem. Mas, logo que se trata da alma, enfadam-se e pedem descansar, porque lhes dói a cabeça e não podem ouvir conversação. Se, por acaso, respondem, é confusamente e sem saberem o que dizem. Muitas vezes, o confessor lhes dá a absolvição, não porque os acha bem preparados, mas porque já não há tempo a perder. Assim costumam morrer aqueles que pensampouconamorte.

AFETOSESÚPLICAS

Meu Senhor e Deus de infinita majestade! Envergonho-me de aparecer ante vossa presença. Quantas vezes injuriei vossa honra, preferindo à vossa graça um indigno prazer, um ímpeto de cólera, um pouco de barro, um capricho, um fumo leve! Adoro e beijo vossas santas chagas, que vos infligi com meus pecados. Pelas mesmas espero meu perdão e salvamento.Fazei-meconhecer,óJesus,a

01

gravidade da ofensa que cometi, sendo como sois a fonte de todo o bem e eu vos abandonei para saciar-me em águas corruptas e envenenadas. Que me resta de tantas ofensas, senão angústia, remorsos e méritos para o inferno? “Meu pai, não sou digno de chamar-me vosso filho” (Lc 15,21). Não me abandoneis,pai.

Verdade é que não mereço a graça de chamar-me vosso filho. Mas morrestes para salvar-me. Dissestes, Senhor: “Convertei-vos a mim e eu me voltarei para vós” (Zc 1,3). Renuncio, pois, a todas as minhas satisfações. Deixo no mundo quantos prazeres se me podem oferecer e me convertoavós.

Perdoai-me, pelo sangue que derramastes por mim. Senhor, arrependo- me e vos amosobretodasascoisas.Não sou digno de vos amar, mas vós, que mereceis tanto amor, não desprezeis o amor de um coração que em outro tempo vos desprezava. A fim de que vos amasse, não me deixastes morrer quando me achava em estadodepecado.

Quero amar-vos na vida que me resta, e não amar a nada mais que a vós. Assistime, meu Deus; dai-me o dom da perseverança e o vosso santoamor.

Maria, meu refúgio, recomendai-me a Jesus Cristo.

2. Exclamava o rei Ezequias: “Minha vida foi cortada como por tecelão. Quando ainda estava urdindo, ele me cortou” (Is 38,12).

Quantas pessoas andam preocupadas a tecer a teia de sua vida, ordenando e combinando com arte seus mundanos desígnios, quando os surpreende a morte e rompe tudo! Ao pálido resplendor da última luz todas as coisas deste mundo se obscurecem:aplausos,prazeres,pompasegrandezas.

Grande segredo o da morte! Sabe mostrar-nos o que não vêem os amantes do mundo. As mais cobiçadas fortunas, os postos mais elevados, os triunfos mais estupendos, perdem todo o seu esplendor considerados à vista do leito mortuário. Convertem-se então em indignação contra nossa própria loucura, as ideias que tínhamos formado de certa felicidade ilusória. A sombra negra da morte cobre e obscurece até as dignidadesrégias.

Durante a vida, nossas paixões nos apresentam os bens do mundo de modo mui diferentedoque são. A morte, porém, lhes tira o véu e os mostra na sua realidade: fumo, logo, vaidade e miséria. Meu Deus, para que servem depois da morte riquezas, domínioereinos,quando,aomorrer,temosapenasnecessidade de um ataúde de madeira e de uma mortalha para cobrir o corpo?Paraqueservemhonras,seapenasnosdarãoumcortejo fúnebre ou pomposas exéquias, que de nada nos aproveitarão se a alma está perdida? Para que serve formosura do corpo, se não restam mais que vermes, podridão espantosa e, pouco depois, pó infecto? Ele me reduziu a ser como a fábula do povo, e sou um ludíbrio diante deles (Jó 17,6). Morre um ricaço, um governador, um capitão, e por toda parte sua morte será apregoada. Mas, se viveu mal, virá a ser censurado pelo povo, exemplo da vaidade do mundo e da justiça divina, e escarmento para muitos. Na cova será confundido com os cadáveres dos pobres. “Grandes e pequenos ali estão” (Jó 3,19). De que lhe serviu a galhardia do seu corpo, se agora não passa de um montão de vermes? De que lhe valeu a autoridade que possuía, se agora seus restos mortais estão condenados a apodrecer numa vala e a sua alma arrojada nas chamas do inferno? Oh! quedesditaserparaosdemaisobjetodesemelhantesreflexões, e não as haver feito em benefício próprio! Persuadamo-nos, portanto,que,pararemediarasdesordensdaconsciência,nãoé apropriadootempodamorte,massimodavida.

Apressemo-nos a pôr mãos à obra naquilo que então não poderemos fazer. Tudo passa e fenece depressa (1Cor 7,29). Procuremos agir de modo que tudo nos sirva para conquistar a vidaeterna.

A Vida Eterna
02

AFETOSESÚPLICAS

Ó Deus de minha alma, ó bondade infinita! Tende compaixão de mim, que tanto vos tenho ofendido. Sabia que, pecando, perdia vossa graça, e quis perdê-la. Dizei-me, Senhor, o que devo fazer para recuperá-la.Sequereisqueme arrependa de meus pecados, deles me arrependo de todo o coração, e tanto que quisera morrer de dor por havê-los cometido.

Se quereis que espere o vosso perdão, espero-o pelos merecimentos de vosso sangue. Se quereis que vos ame sobre todas as coisas, tudo deixo, renuncio a todos os prazeres que o mundo me pode oferecer, e vos amo mais que todos os bens, ó amabilíssimo Salvador meu! Se quereis, enfim, que vos peça alguma graça, ouso pedir-vos as seguintes: que não permitais vos torne a ofender e que me concedais vos ame verdadeiramente; depois fazei de mim o que quiserdes.

Maria, esperança minha, alcançai-me estas duas graças. É de vós que as espero.

A Vida Eterna

Que grande loucura expor-se ao perigo de uma morte infeliz e começar com ela uma eternidade desditosa, por causa dos breves e miseráveis deleites desta vida tão curta! Oh, quanta importância tem esse último instante, esse último suspiro, esta última cena! Vale uma eternidade de gozos ou de tormentos. Vale uma vida sempre feliz ou sempre desgraçada. Consideremos que Jesus Cristo quis morrer vítima de tanta amargura e ignomínia para nos obtermorteventurosa.Comestefitonosdirigetantasvezes seu convite, dá-nos suas luzes, nos admoesta e ameaça, tudo para que procuremos concluir a hora derradeira na graçaenaamizadedeDeus.

Até um pagão, Antístenes, a quem perguntaram qual era a maior dita deste mundo, respondeu que era uma boa morte. Que dirá, pois, um cristão, a quem a luz da fé ensina que nesse momento começa a eternidade e se toma um dos dois caminhos, o do eterno sofrimento ou o da eterna alegria? Se numa bolsa metessem dois bilhetes: um com a palavra inferno, outro com a palavra glória, e tivesses que tirar à sorte um deles para seguir imediatamente ao lugar indicado, que precaução não tomarias para tirar o que desseentradaparaocéu?

Os desgraçados, condenados a jogar a vida, como tremem ao estender a mão para lançar os dados, dos quais dependesuavidaoumorte.

Com que espanto te verás próximo desse momento solene em que poderás dizer a ti mesmo: Deste momento depende minha vida ou minha morte eterna! Decide-se agora se hei de ser eternamente feliz ou desesperado para sempre. Refere São Bernardino de Sena que certo príncipe, ao expirar, dizia atemorizado: Eu, que tantas terras e palácios possuo neste mundo, não sei, se morrer esta noite, que mansão irei habitar! Se crês, meu irmão, que hás de morrer, que existe eternidade, que se morre só uma vez, e que, dado este passo em falso, o erro é irreparável para sempre e sem esperança de remédio: por que não te decides, desde o momento em que isto lês, a praticar quanto puderes para te assegurar uma boa morte? Era a tremer que Santo André Avelino dizia: Quem sabe a sorte que me estará reservada na outra vida: salvar-me-ei? Tremia um São Luís Beltrão de tal maneira que, em muitas noites, não lograva conciliar o sono, acabrunhado pelo pensamentoquelhedizia: Quemsabesetecondenarás?

03

E tu, meu irmão, que de tantos pecados és culpado,nãotremes?

Apressa-te em tomar o remédio oportuno; decide entregar-te inteiramente a Deus, e começa, desde já, uma vida que não te aflija, mas proporcione consolo na hora da morte. Dedica-te à oração; frequenta os sacramentos, evita as ocasiões perigosas e, se tanto for preciso, abandona o mundo para assegurar tua salvação, persuadido de que, quando desta se trata, não há confiança quebaste.

AFETOSESÚPLICAS

Quanta gratidão vos devo, meu amado Salvador! Como pudestes prodigalizar tantos benefícios a um traidor e ingrato para convosco? Criastes-me, e, criando-me, já prevíeis quantas ofensas vos havia de fazer um dia. Remistes-me, morrendo por mim, e, já então, víeis toda a ingratidão com que havia de proceder. Apenas entrando no mundo, afastei- me de vós; entreguei-me à morte, à corrupção, mas vós, por vossa graça,merestituístesàvida.

Estava cego e me abristes os olhos. Tinhavos perdido, e fizestes que vos tornasse a encontrar. Era vosso inimigo e me oferecestesvossaamizade.

Ó Deus de misericórdia, fazei-me conhecer o muito que vos devo e que chore as ofensas que vos fiz. Vingai-vos de mim, dando-me dor profunda de meus pecados; mas não me castigueis, privando-me de vossagraçaedovossoamor.

Ó Pai Eterno, abomino e detesto acima detudoosultrajesquefiz.

Tende piedade de mim, por amor de Jesus Cristo! Olhai vosso Filho morto na cruz, e desça sobre mim o seu sangue divino para lavar a minha alma. Ó Rei do meu coração, venha o vosso Reino. Estou resolvido a repelir toda a afeição que não seja por vós. Amo-vos sobre todas as coisas; vinde reinar em minha alma. Fazei com que vos ame como único objeto de meu amor. Desejo agradar-vos quanto me for possível no tempo da vida que me resta. Abençoai, meu Pai, este meu desejo, e concedei-me a graça de permanecer sempre unido a vós. Consagro-vos todas as minhas afeições e doravante só quero ser vosso, ó meu tesouro, minha paz, minha esperança, meu amor, meu tudo! Tudo espero de vós pelos merecimentosdevossoFilho.

Ó Maria, minha Rainha e minha Mãe, ajudai-me pela vossa intercessão! Mãe de Deus, rogai por mim.

A Vida Eterna
04

"Em qualquer enfermidade, perseguição, desprezo e outra aflição, é mister pormo-nos do partido de Deus e contra nós mesmos, e dizer que tudo isso merecemos justamente e ainda mais, que Ele tem direito a usar de todas as criaturas para nos castigar, e que adoramos a grande misericórdia que Ele exerce agora sobre nós, pois sabemos perfeitamente que no tempo da sua justiça nos tratará mais rigorosamente."

Compêndio de Teologia Ascética e Mística, Pe. Ad. Tanquerey. Tradução do Rev. Pe. Dr. João Ferreira Fontes, 6. Ed., Livraria Apostolado da Imprensa, Porto, 1961; pp. 534-536; 541-543.

IMPRIMI POTEST. Bracarae, die 8 Februarii, 1961. Lucius Craveiro, S.J. Praep. Prov. Lusit.

IMPRIMATUR. Bracarae, die 2 Februarii 1961. A., Arch. Bracarensis.

AHUMILDADE

Suanatureza.

A humildade é uma virtude que os pagãos não conheceram: para eles, a humildade designava algo de vil, abjeto, servil, ignóbil. O mesmo não se passava entre os Judeus: iluminados pela fé, os melhores dentre eles, os justos, cônscios do próprio nada e miséria, aceitavam com paciência a provação como meio de expiação. Deus, então, inclinava-se para eles, para os socorrer; comprazia-se em escutarasoraçõesdoshumildes,eperdoavaao pecador contrito e humilhado. Quando, pois, N. S.JesusCristoveiopregarahumildadee

mansidão, puderam os Judeus compreender a sua linguagem. Nós, porém, compreendemo-la melhorainda,depoisdehavermosmeditadoos exemplosde humildade que Elenosdeu na sua vidaoculta,públicaepadecente,enãocessade nosdarnasuavidaeucarística.

Pode-se definir a humildade: uma virtude sobrenatural que, pelo conhecimento que nos dá de nós mesmos, nos inclina a nos estimarmos em nosso justo valor e a buscarmos o abatimento e o desprezo. Mais concisamente a define S. Bernardo: "virtus qua homo, verissima sui agnitione, sibi ipsi vilescit." Esta definição melhor se compreenderá, quando houvermos exposto o fundamento da humildade.

Fundamento.

A humildade tem um duplo fundamento: a verdade e a justiça: a verdade, que faz nos conheçamos a nós mesmos tais quais somos; a justiça, que nos inclina a tratar-nos em conformidadecomesseconhecimento.

Para nos conhecermos a nós mesmos, diz Santo Tomás, é necessário ver o que em nós pertence a Deus e o que nos pertence a nós, comopróprio;ora,tudoquantohádebomvem de Deus e a Deus pertence, tudo quanto há de mau ou defeituoso vem de nós: "ln homine duo possunt considerari, scilicet id quod est Dei et id quod est hominis. Hominis autem est quidquid pertinet ad defectum; sed Dei est quidquid pertinet ad salutem et perfectionem."

Ajustiçaexige,pois,imperiosamentequese dê a Deus, e a Deus só, toda a honra e glória: "Regi saeculorum immortali et invisibili soli Deohonoretgloria…"(1Tim1,17).Benedictio, et claritas, et sapientia et gratiarum actio, honor et virtus et fortitudo Deo nostro." (Apoc 7,12).

Não há dúvida que alguma coisa boa há em nós, o nosso ser natural e sobretudo os nossos privilégios sobrenaturais. A humildade não nos impede de os ver e admirar; mas, assim como, quando se admira um quadro, é para o artista, que o pintou, que vai a nossa homenagem, e nãoparaatela,assimtambém,quando

A Vida Eterna
05

admiramos os dons e graças de Deus em nós, é a Ele e não a nós mesmos que se deve dirigir a nossaadmiração.

Por outra parte, a nossa qualidade de pecadores condena-nos à humilhação. Em certosentido, não somosdenósmesmossenão pecado, porque, nascidos no pecado conservamos em nós a concupiscência que nos levaaopecado.

Ao entrarmos no mundo, vimos já contaminadoscomamáculaoriginal,dequesó a misericórdia divina nos pode purificar. E quantas faltas atuais não temos nós cometido desde o primeiro despertar da nossa razão! Se cometemos um só pecado mortal, merecemos por esse motivo eternas humilhações. Mas, ainda quando não hajamos cometido senão faltas veniais, devemo-nos lembrar que a menor delas é uma ofensa de Deus, uma desobediência voluntária à sua lei, um ato de revolta pelo qual preferimos a nossa vontade à sua: uma vida inteira passada na penitência e humilhação não bastaria a expiá-la. Mas, além disso, conservamos em nós, ainda depois de regenerados, tendências profundas para o pecado, para toda a espécie de pecados, de tal sorte que, segundo o testemunho de S. Agostinho, se não temos cometido todos os crimesdomundo,àgraçadeDeusodevemos.

Devemos, pois, por justiça, amar as humilhações, aceitar todas as afrontas; se nos dizem que somos avaros, desonestos, orgulhosos, devemos convir nisso, porque conservamos em nós a tendência a todos esses defeitos. "E assim, conclui M. Olier, em qualquerenfermidade,perseguição,desprezoe outraaflição,émisterpormo-nosdopartidode Deus e contra nós mesmos, e dizer que tudo isso merecemos justamente e ainda mais, que Ele tem direito a usar de todas as criaturas para nos castigar, e que adoramos a grande misericórdia que Ele exerce agora sobre nós, pois sabemos perfeitamente que no tempo da suajustiçanostratarámaisrigorosamente."

Eis aqui, pois, o duplo fundamento da humildade: não sendo de nós mesmos mais quenada,devemosamaroesquecimentoeo

abatimento; pecadores, merecemos todos os desprezosehumilhações.

Aexcelênciadahumildadecomo fundamentodasdemaisvirtudes.

Considerada a humildade enquanto a chave que abre os tesouros da graça e o fundamento das virtudes, é ela, no dizer dos Santos, uma dasvirtudesmaisexcelentes.

É a chave que abre os tesouros da graça: "humilibus autem dat gratiam." Deus sabe, efetivamente, que a alma humilde se não compraz nas graças que lhe dá, que não se desvanececomelas,antespelocontráriorefere a Deus toda a glória que delas provém; pode, pois, fazer afluir a ela a abundância dos seus favores, pois desse modoseráaumentadaasua glória. Vê-se obrigado, pelo contrário, a retirar a sua graça aos soberbos "Deus superbis resistit", porque estes a monopolizam para seu proveito e fazem dela um título de glória para si mesmos; o que Deus não pode suportar: "Gloriam meam alteri non dabo." (2Cor10,2).

Por outro lado, a humildade esvazia-nos a alma de amor próprio e vanglória, e assim prepara nela para a graça uma vasta capacidade, que Deus sumamente deseja encher; porque, como diz S. Bernardo, há estreita afinidade entre a graça e a humildade: "Semper solet esse gratiae divinae familiaris virtus humilitas."

É também o fundamento de todas as virtudes; é, se não a mãe, ao menos a nutriz de todas elas, sob um duplo aspecto, a saber: sem ela não há virtude sólida, com ela todas as virtudessetornammaisprofundaseperfeitas.

1) Como o orgulho é o maior obstáculo à fé, é certo que a humildade torna a nossa fé mais pronta, mais fácil, mais firme, e até mais esclarecida: "Abscondisti haec a sapientibus et prudentibus, et revelasti ea parvulis". (Mt 11, 25) Como é mais fácil cativar a inteligência sob a autoridade da fé, quando temos consciência da dependência em que estamos de Deus! "ln captivitatem redigentes omnem intellectum in obsequium Christi." (2Cor 10, 5). E reciprocamenteafé,mostrando-nosa

A Vida Eterna
06

infinita perfeição de Deus e o nosso nada, confirma-nosnahumildade.

2) O mesmo se diga da esperança: o orgulhoso confia em si mesmo e presume demasiado das próprias forças; quase nem pensa em implorar o auxílio divino. O humilde, pelo contrário, põe toda a confiança em Deus, porque desconfia de si mesmo. A esperança, por sua vez, torna-nos mais humildes, porque nos mostra que os bens celestiais estão de tal modo acima das nossas forças que, sem o auxílio onipotente dagraça, osnãopoderíamos alcançar.

3) A caridade tem por inimiga o egoísmo; é, pois, no vácuo de nós mesmos que aumenta o amor de Deus; e este, por sua vez, torna mais profunda a humildade, porque nos sentimos ditososemnoseclipsarmosdiantedaqueleque amamos. E assim, com razão diz S. Agostinho que não há nada mais sublime que a caridade, mas que só quem é humilde a pratica: "Nihil excelsius via caritatis, et non in illa ambulant nisi humiles." Do mesmo modo, para exercitar a caridade para com o próximo, não há meio mais seguro que a humildade, que lança um véu sobre os seus defeitos, e nos faz ter compaixão das suas misérias, em vez de nos indignarmoscontraele.

4) A religião é tanto mais perfeitamente praticada quanto mais claramente se vê que tudosedeveaniquilaresacrificaraDeus.

5) A prudência exige-a: os humildes folgam de refletir e consultar antes de empreenderem qualquercoisa.

6) A justiça não se pode praticar sem humildade, porque o orgulho exagera os seus direitosemdetrimentodosdopróximo.

7) A fortaleza cristã, como vem não de nós mesmos, senão de Deus, verdadeiramente só existe naqueles que, cônscios da própria fraqueza, se apoiam no Único que os pode fortificar.

8) A temperança e a castidade, já vimos que supõem a humildade. A mansidão e a paciência não se praticam bem, senão quando se sabem aceitarashumilhações.

Assim pois, se pode dizer que sem humildadenãohávirtudesólidaeduradoura,e que por ela, ao contrário, todas as virtudes crescem e se enraízam mais profundamente na alma. Podemos concluir com S. Agostinho: "Desejas elevar-te? Começa por te abaixar. Sonhasconstruirumedifício que se levante até o céu? Estabelece primeiro o fundamento sobre a humildade. E quanto mais elevada há de ser a construção, mais profundos têm que ser os alicerces: Magnus esse vis? A minimo incipe. Cogitas magnam fabricam construere celsitudinis? De fundamento prius cogita humilitatis."

Discite a me, quia mitis sum et humilis corde; et invenietis requiem animabus vestris.

A Vida Eterna
Aprendeidemimquesoumansoehumildade decoraçãoeachareisdescansoparavossas almas”(Mat.11,29).
07

A Instituição da Festa de São José Operário.

“O mundo do trabalho precisava, em nossos dias, receber um sopro de espiritualidade. O trabalho é uma ocupação normal do homem. Nesta manifestação da vida humana, mais do que a força, manifesta-se a inteligência da criatura racional, feita à imagem de Deus. Trabalho não é só fruto de energias físicas: é particularmente, para o homem, fruto do espírito. E este fruto do espírito se enobrece e valoriza ao receber um como banho de sobrenaturalização e santidade, na imitação e no espírito dos que foram trabalhadores e santos. O trabalho assim executado, transcende os limites deste mundo, e serve para a consecução de uma recompensa eterna. É por isso que, aos trabalhadores de qualquer classe, foi dado um patrono celeste: São José Operário, em cuja oficina de carpinteiro trabalhou o próprio Filho de Deus, que santificou com seus suores divinos,asfadigasdotrabalhohumano."

MissalRomanoQuotidiano,Ed.Paulinas, SãoPaulo,1959,festadeSãoJoséOperário.

OPERÁRIOCRISTÃO

Pe.WanirDelfinoCésar–DaAcademia MatogrossensedeLetras.

Bem haja o espírito apostólico do Santo Padre gloriosamente reinante, em seu zelo e solicitude a prol dos múltiplos aspectos da evangelização.

A Festa de São José Operário é com certeza um atestado eloquente daquele zelo pastoral, que inflama o grande coração de Pio XII. Conquanto de origem profana e até em seus princípios eivado, por assim dizer, de inspiração malsã, este ‘‘1º de Maio’’ se cristianiza, inserto como vai no calendário litúrgicodaIgreja.

E nem se nos antolhe aqui uma inovação discrepante das tradições católicas. A Igreja sem preconceito algum, antes aos estos do sublimado anseio de salvar as almas, sempre soube enriquecer o seu extraordinário patrimônio, aproveitandotudo oqueéútil,e corrigindo e orientando aos mais altos destinos, as finalidades muitas vezes ambíguasdasinstituiçõeshumanas.

E não foi outra, por sem dúvida, a intenção clarividente do imortal Pontífice, que em nossos dias, com esplendores que empolgam atéosindiferentes,presideeguiaaBarca

A Vida Eterna
08

de Pedro, em meio aos escarcéus das mais intrincadas questões que assoberbam a humanidade.

Se lançarmos um olhar sobre o panorama do mundo moderno, constataremos a existência de uma grave crise, que se apelidou de ‘‘Questão Social’’. É, como sabemos, a situação dos operários, surgida com o vertiginoso desenvolvimento das indústrias e das artes, ambiente em que se chocam o capital e o trabalho, em controvérsiasdelicadasetendenciosas.

A eclosão de tal estado de coisas facilitou aos inimigos da Religião e da Verdade, em seu trabalho nefasto de desagregação das classes e consequente lançamento da cizânia sobre a vasta messe. Vieram eles, antes de mais mada, como lobos que são em peles de ovelhas com intentos de resolver o impasse, com soluções perversas, que encerram a maldade constante de seus diabólicos projetos. E aquilo que propuseram por remédio, outra coisa não foi senãoumaruínamaiorparaasituaçãoatualda humanidade.

A Santa Igreja, porém, sentinelavigilantena defesa da Verdade, pela boca magistral de seus Pontífices, saiu a campo, esclarecendo a questãoesolucionando-a,aosraiosvivificantes da moral cristã. E aí ficaram sobre o magno assunto esses monumentos perenes da vitalidade da Igreja, que são as encíclicas Rerum Novarum e Quadragesimo Anno, dos Santos Padres Leão XIII e Pio XI, ambos de imorredouramemória.

E agora, como para corroborar tais e salutares ensinamentos de sociologia e economia política, baseados em princípios genuinamente cristãos, é que se instituiu a festa de ‘‘São José Operário’´, neste mesmo dia, numa espécie de ‘’sincatábasis’’ que é como se chama o processo em que Deus se tem havido com os homens descendo até eles, valendo-se deseusartifícios,paraelevá-losasi.

SÃOJOSÉ,MODELODOSOPERÁRIOS

Que de maravilhosos frutos não advirão paraasociedadehumana,emsepropondoSão

Joséparamodelodosoperários.

Ooperáriocristãohádeencontrarnafigura serena do esposo castíssimo de Maria Virgem as qualidades de que se deve revestir, para que seu trabalho cresça não só em valor estimativo destes bens perecedouros da vida presente, senão e muito mais ainda, seja penhor de salvaçãoeBem-aventurança.

Os Evangelhos são muito parcos nas referências que fazem a respeito de São José. Entretanto, estas rápidas passagens nos revelam perfeitamente as notas dominantes do grande Santo: profundo espírito de caridade, ardente fé e obediência sem reserva às determinações de Deus, humildade encantadora.

Desde a primeira vez que o vemos surgir, naquele passo angustioso, em que põe em dúvida a honestidade de sua virgem esposa enleva-nos sobremodo a caridade com que, longe de qualquer espalhafato, preferiu deixála ocultamente = cum esset justus et nollet eam traducere: como fosse justo e não quisesse desmoralizá-la é o que dele nos refere o Evangelista São Mateus (1, 19). Exemplo sublime de caridade, remédio seguro para tantosmales,queafligemasfamílias!

Não trepidava em obedecer aos desígnios da Providência Divina, ainda que estes tivessemasaparênciascontraditórias.Comque fé aceita o mistério da Encarnação do Verbo no seio puríssimo da sua VirgemEsposa!Com que fé, acompanha o nascimento do Menino, que era Deus, sem sequer encontrar um abrigo decente que O amparasse das intempéries reinantes! Com que fé, mais tarde, alta noite se levanta para tomar nos braços um Deus, que fugia à sanha dum miserável mortal! São lições admiráveisdefé,quenosiluminamaalma!

Mas se a fé e a caridade disputavam a primazia naquele coração privilegiado, onde lhe poremos a humildade?! Embora fosse o pai putativo do Filho de Deus, nada reivindicava para si. Não pretendeu sair da humilde esfera da sua classe operária, para gozar os foros do burguesismodaépoca.Compreendiaqueo

A Vida Eterna
09

verdadeiro valor do homem não consiste nas aparências ilusórias duma falsa posição social, mas sim no brilho intrínseco da virtude, que ele cada vezmaisacrisolava.

Bendita oficina de Nazaré onde cada operário moderno deveria recolher-se espiritualmente, ao abrigo das estridências mecânicas e materializadoras das nossas fábricas, a fim de aprender a lição regeneradora da honestidade no cumprimento de seus deveres e da exata conformidade com as disposições da Providência Divina! Como então, sem descurar das justas reivindicações que lhes assistem, saberiam todos concorrer, com a honestidade da vida e do trabalho fecundo e abençoado, para o equilíbrio da paz social e para a vitória da justiça, que doutra forma emvãobuscaram!

ITEADJOSEPH

Eis, pois, como a Santa Igreja, solicitamente carinhosa em atender a todos os reclamos da humanidade, vem propiciar-nos mais este meio eficaz de salvação para os operários, colocando a classedebaixodoaltopatrocíniodeSãoJosé.

Quando cada operário, fugindo dos mitos falazes que lhe propõem os falsos redentores da sua classe, souber espelhar-se nesse Modelo singular de trabalho e virtude, que se lhe apresenta neste dia, a classe inteira terá conseguido a mais alta reivindicação e a humanidade toda a suspirada

paz, dentro da justiça: Opus Justitiae Pax = A Paz éObradaJustiça.

É o que nos inculca o ínclito Pontífice Leão XIII, em seu luminoso documento: “Os costumes cristãos, desde que entram em ação, exercem naturalmente sobre a prosperidade temporal a sua parte de benéfica influência: porque eles atraem o favor de Deus, princípio e fonte de todo o bem; comprimem o desejo excessivo das riquezas e a sede dos prazeres, esses dois flagelos que frequentes vezes lançam a amargura e o desespero no seio mesmo da opulência (I Tim 6, 10); contentam-se enfim com uma vida e alimentação frugal, e suprem pela economia a modicidade do rendimento, longe desses vícios que consomem não só as pequenas mas as grandes fortunas e dissipam os maiores patrimônios”.

Esta é a verdade límpida, que se nos oferece, no momento em que os homens buscam, consciente ou inconscientemente, dar um remédio errôneo à chaga crucial da humanidade. Operários que somos todos da grande messe de Cristo, salvemos a classe operária, não só da miséria material senão também da ruína moral emque se abisma, e inflamadosde santozelo,em meio aos “slogans” desnorteadores, que surgem, apontemos-lhe o santo e senha que nos sugere a sabedoriadaIgreja= Ite ad Joseph: ideaJosé.

A Vida Eterna 10
Jornal “A Cruz”, Ano XLVII, N. 2.188; 23 de Abril de 1957.

O dom do Temor

O nosso obstáculo ao bem é o orgulho. O orgulho nos leva a resistir a Deus, a pôr o nosso fim nós mesmos, em umapalavra,anosperder.Sóa humildade pode nos salvar de tão grande perigo. Quem nos dará a humildade? O Espírito Santo, derramando em nós o Dom do Temor de Deus. Esse sentimento repousa na ideia da majestade de Deus que a fé nos dá, em presença da qual nada somos; na ideia da sua santidade infinita, diante da qual não passamos de indignidade e escória; do julgamento soberanamente equitativo que ele deve exercer sobre nós ao sairmos desta vida e do perigo de uma queda sempre possível, se faltarmos à graça, que nunca nos falta, mas à qual podemos resistir.

A salvação do homem se opera, pois, “com temor e tremor”, como ensina o Apóstolo; mas este temor que é um dom do Espírito Santo, não é um sentimento grosseiro que se limitaria a nos lançar no horror da consideração dos castigos eternos. Ele nos mantém com a compunção do coração, mesmo quando nossos pecados já foram há muito tempoperdoados;elenos

impede de esquecer que somos pecadores, que devemos tudo à misericórdia divina e que só estamos salvos naesperança.

O Temor de Deus não é um temor servil; ao contrário, se torna a fonte de sentimentos mais delicados. Pode-se aliar ao amor, não sendo mais do que um sentimento filial que abomina o pecado por causa do ultraje que este comete a Deus. Inspirado pelo respeito à majestade divina, pelo sentimento da santidade infinita, põe a criatura em seu verdadeiro lugar. São Paulo nos ensina que o temor, assim purificado, contribui para “o aperfeiçoamento da santificação”. Escutemos também esse grande Apóstolo, que foi arrebatado até o terceiro céu, confessar que é rigoroso consigo mesmo “a fimdenãoserreprovado”.

O espírito de independência e de falsa liberdade que reina hoje em dia contribui para tornar mais raro o Temor de Deus e aí está uma das chagas do nosso tempo. A familiaridade com Deus toma, na maior parte das vezes,olugardessadisposição fundamental da vida cristã e, desde então, cessa todo progresso, a ilusão se introduz naalmaeosdivinos

Sacramentos,quenomomento de uma volta para Deus tinham operado com tanto poder, tornam-se quase estéreis. É que o dom do Temor foi abafado pela vã complacência da alma consigo mesma. A humildade se extinguiu; um orgulho secreto e universal veio paralisar os movimentos desta alma. Ela chega, sem perceber, a não mais conhecer a Deus, pelo próprio fato de não tremer maisdiantedele.

Conservai em nós, ó Divino Espírito, o dom do Temor de Deus que nos foi derramado no nosso batismo. Este temor salutar assegurará nossa perseverança no bem, detendo os progressos do espírito de orgulho. Que ele seja como uma trave que atravessa nossa alma de lado a lado e que seja sempre fixada como nossa salvaguarda. Que abaixe nossa altivez, que nos arranque da indolência, nos revelando sem cessar a grandeza e a santidade Daquele que nos criouequenosdevejulgar.

Sabemos, ó Divino Espírito, que esse feliz Temor não abafa o amor; longe disso, afasta os obstáculos que o deteriam em seu desenvolvimento. As Potestades celestes veem e amamcomardorosoberano

A Vida Eterna 11
28 de Maio.
PENTECOSTES DomProsperGuerangerOSB

Bem, elas são inebriadas pela eternidade; no entanto tremem diante da terrível majestade,tremuntPotestates. E nós, cobertos das cicatrizes do pecado, cheios de imperfeições, expostos a mil armadilhas, obrigados a lutar contra tantos inimigos, não sentimos que é preciso estimular por um temor forte e ao mesmo tempo filial, nossa vontade que adormece tão facilmente, nosso espírito tomado por tantas trevas! Velai por Vossa obra, ó divino Espírito! Preservai em nós o Dom precioso que Vos dignastes dar-nos; ensinai-nos a conciliar a paz e a alegria do coração com o Temor de Deus, segundo a advertência do Salmista: “Serve o Senhor com temor e exulta de felicidade tremendodiantedele”.

O dom da Piedade

O dom do Temor de Deus destina-se a curar em nós a chaga do orgulho; o dom da Piedade é derramado em nossas almas pelo Espírito Santo para combater o egoísmo, que é uma das paixões más do homem decaído por causa do pecado original, e o segundo obstáculo à sua união com Deus. O coração do cristão não deve ser nem frio nem indiferente; é preciso que seja terno e devotado; do contrário não poderá se elevar à via para a qual Deus, que é amor, dignou-sechamá-lo.

Assim o Espírito Santo produz no homem o Dom da Piedade,inspirando-lheum

retorno filial para seu Criador. “Vós recebestes o Espírito de adoção, nos diz o Apóstolo, e é por este Espírito que gritamos para Deus: Pai! Pai!”. Essa disposição torna a alma sensível a tudo o que toca a honra de Deus. Faz o homem alimentar em si mesmo a compunção de seus pecados, tendo em vista a infinita Bondade que se dignou suportá-lo e perdoá-lo e o pensamento dos sofrimentos e da morte do Redentor. A alma iniciada no dom de Piedade deseja constantemente a glória de Deus; quer pôr todos os homens a seus pés e os ultrajes que Ele recebe lhe são particularmente sensíveis. Sua alegria é ver o progresso das almas no amor e as devoções que este amor lhes inspira por Aquele que é o soberano Bem. Cheia de submissão filial para com o Pai universal que está nos céus, essa alma está pronta para todas as suas vontades. Resigna-se de coração com todas as disposições de sua Providência.

Sua fé é simples e viva. Mantém-se amorosamente submissa à Igreja, sempre pronta a renunciar às suas próprias ideias e àquelas mais caras, se estas afastam-se de alguma forma de seu ensinamento ou de sua prática, tendo um horror instintivo da novidade e da independência.

Essa devoção para com Deus que o dom de Piedade inspira,unindoaalmaaseu

Criador pela afeição filial, a une,também,comumaafeição fraternal, a todas as criaturas, já que estas são obra do poder deDeusequeassãoparaEle.

Em primeiro lugar, nas afeições do cristão animado pelo dom de Piedade, estão as criaturas glorificadas, das quais, Deus goza eternamente e as quais gozam Dele para sempre. Ama eternamente a Santíssima Virgem Maria e é zeloso de sua honra; venera com amor os santos e os atos heroicos de virtude realizados pelos amigos de Deus; deliciase com seus milagres, honra religiosamente suas relíquias sagradas.

Mas sua afeição não é apenas pelas criaturas coroadas no céu; aquelas que ainda estão aqui embaixo ocupam um lugar importante em seu coração. O dom de Piedade faz com que ele encontre nelas o próprio Jesus. Sua boa vontade para com seus irmãos é universal. Seu coração está inclinado ao perdãodasinjúrias,asuportar as imperfeições do outro, a desculpar as imperfeições do próximo. É compassivo para com o pobre, solícito aos pés do doente. Uma doçura afetuosa revela o fundo do seu coração e em suas relações com os irmãos da terra, o vemos sempre disposto a chorar com os que choram, a se alegrar com os que se alegram.

Tal é, ó Divino Espírito, a disposição daqueles que cultivamodomdePiedade

A Vida Eterna 12

que derramais em suas almas. Por esse inefável benefício, neutralizais o triste egoísmo que a oraria em seus corações, livrando-os de uma frieza odiosa que torna o homem indiferente a seus irmãos e fechais suas almas à inveja e ao ódio. Para isso, só foi preciso esta piedade filial para com seu Criador; que amoleceu seus corações, fundindo-os com uma viva afeição por tudo o que sai das mãos de Deus. Fazei frutificar em nós este Dom tão precioso, ó Divino Espírito! Não permitais que ele seja abafado pelo amor de nós mesmos. Jesus nos encorajou dizendonos que seu Pai Celeste “faz o sol nascer sobre os bons e os maus”; não permitais, Divino Paráclito, que uma tão paternal indulgência seja um exemplo perdido para nós e dignai-Vos desenvolver em nossas almas o germe de devoção, de benevolência e de compaixão que Vos dignastes infundir no momento em que delas tomastes possessão pelo santobatismo.

O dom de Ciência

A alma, estando desligada do mal pelo Temor de Deus e aberta às nobres afeições pelo dom de Piedade, experimenta a necessidade de saber como evitará aquilo que é objeto de seu temor e como encontrará o que deve amar. O Espírito Santo vem em seu socorro e lhe trás o que deseja, derramando nela o dom de Ciência.PoresteDomprecioso averdadelheaparece,ela

sabe o que Deus pede e o que reprova,oquedeveprocurare do que deve fugir. Sem a Ciência divina nossa vista corre o risco de perder-se por causa das trevas que muitas vezes obscurecem totalmente, ou em parte, a inteligência do homem. Essas trevas são provenientes, primeiramente, do fundo de nós mesmos, que carrega os traços, bem reais, da decadência do pecado original. São ainda causadas pelos preconceitos e máximas do mundo que enganam diariamente os espíritos que se creem os mais retos. Enfim, a ação de Satã, que é o príncipe das trevas, exerce-se em grande parte com o fim de envolver nossa alma na obscuridade ou perdê-la com aajudadeluzesfalsas.

A fé que nos foi infundida no batismo é a luz de nossa alma.

Pelo dom de Ciência, o Espírito Santo produz, na virtude da fé, raios tão vivos, que dissipam todas as trevas. As dúvidas, então, se esclarecem, o erro se desvaneceeaverdadeaparece com todo seu fulgor. Vemos cada coisa na sua verdadeira claridade que é a claridade da fé. Descobrem-se os deploráveis erros que estão em curso no mundo, que seduzem tão grande número de almas, dois quais, talvez tenhamos sido, nós mesmos, durantemuitotempo,vítimas.

O dom de Ciência nos revela o fim que Deus se propôsnacriação,aquelefim

fora do qual os seres não poderiam encontrar nem o bem nem o repouso. Ensina o uso que devemos fazer das criaturas, que nos são dadas não para tropeço, mas para nos ajudar em nossa marcha para Deus. Sendo-nos, assim, manifestado o segredo da vida, nossa estrada torna-se segura, não hesitamos mais e nos sentimos dispostos a nos retirar de todo caminho que nãonosconduzaàquelefim.

É esta Ciência, dom do Espírito Santo, que o Apóstolo tem em vista quando, falando aos Cristãos diz: “Antes éreis trevas; agora sois luz no Senhor: andeis agora como filhos da luz”. Daí vem a firmeza e a segurança da conduta cristã. A experiência pode faltar algumas vezes e o mundo se perturba com o pensamento de dar algum temível passo em falso; mas o mundo não conta com o dom de Ciência. “O Senhor conduz o justo por vias retas e para assegurar seus passos lhe deu a Ciência dos santos”. Todos os dias esta lição é dada. O Cristão, por meio da luz sobrenatural, escapa a todos os perigos e, se não tem experiência própria, tem a experiênciadeDeus.

Seja bendito, Divino Espírito, por essa luz que derramais e mantendes em nós com tão amável perseverança. Não permitais que nunca procuremos uma outra. Somente ela nos baste; fora dela só há trevas. Guardai-nosdastristes

A Vida Eterna 13

inconsequências em que muitos se deixam levar imprudentemente, aceitando um dia vossa conduta e depois se entregando às opiniões do mundo; levando uma vida que não satisfaz nem ao mundo nem a Vós. Precisamos, pois, amar esta Ciência que nos destes para que sejamos salvos; o inimigo de nossas almas inveja em nós essa Ciênciasalutar;quersubstituíla por suas sombras. Não permitais, Divino Espírito, que ele consiga seu pérfido desígnio e ajudai-nos sempre a discernir o que é verdadeiro doqueéfalso,oqueéjustodo que é injusto. Que segundo a palavra de Jesus, nosso olhar seja simples, a fim de que

pensamentos, esteja na luz; salvai-nos daquele olho que Jesus chama de mau e que torna tenebroso o corpo inteiro.

O dom da Fortaleza

O dom de Ciência nos ensina o que devemos fazer e o que devemos evitar para estar de acordo com as intenções de Jesus Cristo, nosso divino Chefe. É preciso agora que o Espírito Santo estabeleça em nós um princípio, do qual possamos tomar a energia que deverá nos sustentar no caminho que Ele acaba de nos mostrar. Devemos, com efeito, contar com obstáculos e, o grande número daqueles que sucumbem basta para nos

comunica é o dom da Força pelo qual, se somos fiéis ao empregá-lo, será possível e mesmo fácil para nós triunfar sobre tudo o que possa deter nossamarcha.

Nas dificuldades e nas provações da vida, o homem é tanto levado à fraqueza e ao abatimento, quanto empurrado por um ardor natural, que tem sua fonte no temperamento ou na vaidade. Esta dupla disposição pouco ajudará na vitória dos combates pelos quais a alma deve passar para sua salvação. O Espírito Santo trás então um novo elemento como força sobrenatural, que lhe é tão próprio, que o Salvador, ao instituir seus Sacramentos, estabeleceu dentre estes um que tem por objeto especial nos dar esse Espírito divino comoprincípiodeenergia.

Está fora de dúvida que tendo de lutar durante esta vida contra o demônio, o mundo e nós mesmos, precisamos de outra coisa para resistir além da pusilanimidadeoudaaudácia.

Temos necessidade de um dom que modere em nós o medo e que, ao mesmo tempo, tempere a confiança que seríamos levados a ter em nós mesmos. O homem assim modificadopeloEspíritoSanto certamente vencerá, pois a graça substituirá nele a fraqueza da natureza ao mesmo tempo em que corrigiráaimpetuosidade.

Duas necessidades encontram-senavidado

A Vida Eterna 14

docristão:adesaberresistire a de saber suportar. O que poderia se opor às tentações de Satã, se a Força do divino Espírito não viesse cobri-lo de uma armadura celeste e fortalecer seu braço? O mundo não é também um adversário terrível, se considerarmos o número de vítimas que caem todos os dias pela tirania de suas máximas e de suas pretensões?Qualnão deveser a assistência do divino Espírito quando se trata de tornar o cristão invulnerável aos golpes assassinos que fazem tantos estragos à sua volta?

As paixões do coração do homem não são um obstáculo menor à sua salvação e à sua santificação: obstáculo tanto mais temível por que mais íntimo. É preciso que o Espírito Santo transforme o coração, que o leve mesmo a renunciar-se, quando a luz celeste indique um outro caminho para o qual nos empurra o amor e a busca de nós mesmos. Que Força divina não é preciso para “odiar até a sua própria vida”, quando Jesus Cristo o exige, quando se trata de escolher entre dois mestres cujos serviços são incompatíveis?

O Espírito Santo, todos os dias, realiza esses prodígios, por meio do dom que derrama emnós, senãoodesprezamos, se não o abafamos com nossa covardia ou com nossa imprudência. Ele ensina ao cristão a dominar suas paixões, a não se deixar conduzirporguiascegos,a

não ceder a seus instintos, a nãoser,quandosãoconformes à ordem que Deus estabeleceu. Algumas vezes esse divino Espírito não pede somente que o cristão resista interiormente aos inimigos de sua alma, mas exige também que proteste abertamente contra o erro e o mal, se o deverde estado ou aposiçãoo reclamam. É aí, então, que é preciso afrontar uma espécie de impopularidade que se associa às vezes ao cristão, e que não deve surpreendê-lo ao lembrar-se das palavras do Apóstolo: “Se eu fosse agradável aos homens, não seriaservidordeCristo”.Maso Espírito Santo não falta nunca e quando encontra uma alma resolvida a fazer uso da Força divina da qual Ele é a fonte, não somente lhe assegura o triunfo, mas a estabelece numapazcheiadedoçuraede coragem que a leva à vitória sobreaspaixões.

Tal é a maneira pela qual o Espírito Santo aplica o dom de Força no cristão, quando este deve exercer resistência. Dissemos que este precioso Dom trazia ao mesmo tempo a energia necessária para suportar as provações cujo prêmio é a salvação. Há temores que gelam a coragem e podem levar o homem à sua perda. O dom de Força os dissipa, substituindo-os por uma calma e uma segurança que desconcerta a natureza. Vejam os mártires! E não só um São Maurício, chefe da legião Tebana, acostumado às lutasdocampodebatalha,

mas tantos outros, como Felicidade, mãe de sete filhos, como Perpétua, nobre senhora de Cartago para quem o mundo só tinha favores; como Inês, criança de treze anos, bem como milhares de outras, e digam se o dom da Força é estéril em sacrifícios. O que foi feito do medo da morte, desta morte cujo único pensamento nos acabrunha muitas vezes?

E as generosas ofertas de toda uma vida imolada na renúncia e nas privações, afim de encontrar Jesus sem reserva e de seguir suas pegadas de mais perto? E tantas existências veladas aos olhares distraídos e superficiais dos homens, existências cujo elemento é o sacrifício, onde a serenidade nunca é vencida pela provação, onde a cruz sempre reinante é sempre aceita! Que troféus para o Espírito de Força! Que dedicação ao dever ele sabe produzir! E se o homem sozinho é pouca coisa, o quanto é engrandecido sob a açãodoEspíritoSanto!

É ainda Ele que ajuda ao cristão a enfrentar a triste tentação do respeito humano, elevando-o acima das considerações mundanas que ditariam uma outra conduta. É Ele que empurra o homem a preferir às honras vãs do mundo, a alegria de não ter violado o mandamento de seu Deus. É esse Espírito de Força que nos faz aceitar as desgraças da fortuna assim como tantos desígnios misericordiosos do céu, que sustentamocristãona

A Vida Eterna 15

perda dolorosa dos entes queridos, nos sofrimentos físicos que torna- riam a vida um fardo, se não soubesse que são visitas do Senhor. É Ele enfim, como lemos na Vida dos Santos, que se serve das próprias repugnâncias da natureza, para provocar atos heroicos onde a criatura humana parece atravessar os limites de seu ser para elevarse à ordem dos espíritos impassíveiseglorificados.

Espírito de Força, permanecei cada vez mais em nós e salvai-nos da indolência desse século. Em época nenhuma a energia das almas esteve mais enfraquecida, o espírito mundano e diabólico mais triunfante, o sensualismo mais insolente, o orgulho e a independência mais pronunciados. Saber ser forte contra si mesmo é uma raridade que excita o espanto daqueles que o testemunham: como as verdades do Evangelho perderam terreno! Detei-nos sobre esse declive que nos levaria como a tantos outros, ó Divino Espírito! Deixai que peçamos como São Paulo aos cristãos de Éfeso e que ousemos reclamar de Vossa liberalidade “a armadura divina que nos porá em condições de resistir no dia mau e de permanecermos perfeitos em todas as coisas. Cingi nossos rins com a verdade, cobri-nos com a couraça da justiça, dai a nossos pés, como calçados indestrutíveis, o Evangelho da paz; muni-nos com o escudo dafé,contraoqualvem

atingir as flechas inflamadas de nosso cruel inimigo. Colocai em nossa cabeça o elmo que é a esperança da salvação e em nossa mão a espada espiritual que é a própria palavra de Deus” e com a ajuda da qual possamos enfrentar, como o Senhor no deserto, todos os nossos adversários. Espírito de Força fazeiqueassimseja.

O dom de Conselho

O dom da Fortaleza que reconhecemos ser necessário para a obra da santificação do cristão, não seria suficiente para assegurar esse grande resultado, se o Divino Espírito não tomasse o cuidado de unilo a um outro Dom que vem em seguida e afasta todo perigo. Este novo benefício consiste no dom de Conselho. A Força não podia ser deixada sozinha: precisava de um elemento que a dirigisse. O dom de Ciência não poderia ser este elemento porque, se ele esclarece a alma quanto ao seu fim e as regras gerais de conduta que ela deve seguir, não trás, no entanto, luz suficiente quanto às aplicações especiais da lei de Deus e o governo da vida. Nas diversas situações em que podemos nos encontrar, nas resoluções que devemos tomar, é necessário que ouçamos a voz do Espírito Santo e é pelo dom de Conselho que esta voz divina chega até nós. É ela quem nos diz, se quisermos escutá-la, o que devemos fazer e o que devemosevitar,oque

devemos dizer e o que devemos calar, o que podemos conservar e ao que devemos renunciar. Pelo dom de Conselho, o Espírito Santo age em nossa inteligência, assim como o dom da Força age em nossavontade.

Este dom precioso aplicase à vida inteira porque precisamos, sem cessar, nos decidir por um partido ou por outroeéumgrandemotivode reconhecimento para com o Espírito divino, pensar que Ele nunca nos deixa sozinhos conosco mesmos, desde que estejamos dispostos a seguir a direção que Ele nos imprime. Quantas armadilhas pode nos fazer evitar! Quantas ilusões podedestruiremnós!Quantas realidades nos mostra! Mas, para não perder suas inspirações, precisamos nos guardar do encadeamento natural das coisas, com que tantas vezes nos deixamos determinar, da temeridade que nos arrebata ao gosto da paixão, da precipitação que nos induz a julgar e a agir, mesmo quando só vemos um lado das coisas, da negligência que nos faz decidir ao azar, no temor de nos cansarmos com a procura daquilo que seria melhor.

O Espírito Santo, pelo dom deConselho,arrancaohomem de todas essas inconveniências. Reforma a natureza, tantas vezes excessiva quando não é apática. Mantém a alma atenta àquilo que é verdadeiro, ao que é bom, ao que é verdadeiramente

A Vida Eterna 16

vantajoso. Insinua a virtude que é o complemento e como se fosse o tempero de todas as outras, ou seja, a discrição, da qual Ele tem o segredo e pela qual as virtudes se conservam, se harmonizam e não degeneram em defeitos. Sob a direção do domde Conselho,o cristão nada tem a temer. O Espírito Santo toma a responsabilidade de tudo para ele. Que importa que o mundo reclame ou critique, que se espante ou se escandalize! O mundo se crê sábio; mas não tem o dom de Conselho. É daí que vêm, muitas vezes, as resoluções tomadas sob uma inspiração e que acabam em um fim diferente do que foi proposto.Etemqueserassim; porque foi ao mundo que o Senhor disse: “Meus pensamento não são os vossos pensamentos e meus caminhos não são os vossos caminhos”. Clamemos, então, com todo ardor de nossos desejos, pelo Dom divino que nos preservará do perigo de nos governarmos a nós mesmos;mascompreendamos que este Dom só habita naqueles que O estimam bastante para renunciarem-se em sua presença. Se o Espírito Santo nos encontra desligados das ideias humanas, convencidos de nossa fragilidade, dignar-se-á ser nosso Conselho; mas se somos sábios a nossos próprios olhos, Ele retirará sua luz e nos abandonará a nós mesmos.

Não queremos que isso aconteçaconosco,óDivino

Espírito! Estamos fartos de saber que correr atrás da prudência humana não nos trazvantageme,diantedeVós, abdicamos sinceramente das pretensões de nosso espírito, tão pronto a se deslumbrar e a se iludir. Conservai em nós e dignai-Vos desenvolver com toda liberdade esse Dom inefável que nos concedestes no batismo: sede para sempre nosso Conselho. “Mostrai-nos Vossoscaminhoseensinai-nos Vossas veredas. Dirigi-nos na verdade e instruí-nos; porque édeVósqueviráasalvaçãoeé por isso que nos prendemos à Vossa direção”. Sabemos que seremos julgados por todas as nossas obras e por todos os nossos desígnios; mas sabemos também que não teremos nada a temer se formos fiéis à Vossa direção. Estaremos, pois, atentos “para ouvir o que nos diz o Senhor nosso Deus”, o Espírito de Conselho, seja nos falando diretamente, seja nos enviando ao mediador que quis escolher para nós. Bendito seja Jesus que nos enviou seu Espírito para ser nosso condutor e bendito seja este Divino Espírito que se digna nos assistir sempre e que nossas resistências passadasnãoafastoudenós!

O dom de Inteligência

O sexto Dom do Espírito Santo faz a alma entrar em uma via superior a que ela se encontrava até aqui. Os cinco primeiros Dons tendem todos para a ação. O Temor de Deus remeteohomemaoseulugar

humilhando-o, a Piedade abre seu coração às afeições divinas, a Ciência ensina-o a discernir entre a via da salvação e a via da perdição, a Fortaleza o arma para o combate e o Conselho dirige o homem em seus pensamentos e em suas obras; agora, então, ele pode agir e seguir pela estrada, com a esperança de chegar ao termo. Mas a bondadedoEspíritodivinolhe reserva ainda outros favores, fazendo-lhe desfrutar desde este mundo, de um antegozo da felicidade que lhe reserva na outra vida.Este será omeio de fortalecer sua marcha, de animar sua coragem e de recompensar seus esforços. A via da contemplação lhe será, de agora em diante, aberta e o Espírito divino nela o introduzirá por meio da Inteligência.

Muitas pessoas, talvez, se inquietem com a palavra contemplação, persuadidas erradamente de que as condições para isso só poderão ser encontradas na rara condição de uma vida passada no recolhimento e longe do comércio dos homens. É um grave e perigoso erro que, muitas vezes, freia o impulso das almas. A contemplação é o estado para o qual é chamado, em certa medida, toda alma que procura a Deus. Não consiste nos fenômenos pelos quaisoEspíritoSantogostade manifestar em algumas pessoas privilegiadas e que são destinados a provar a realidadedavida

A Vida Eterna 17

sobrenatural. Ela é, simplesmente, uma relação mais íntima que se estabelece entre Deus e a alma que lhe é fiel na ação; se esta alma não põe obstáculos, são-lhe reservados dois favores, entre os quais, o primeiro é o dom de Inteligência, que consiste na iluminação do espírito esclarecido desde então por umaluzsuperior.

Estaluznãoretiraafé,mas clareia os olhos da alma, fortificando-os e dando-lhes uma visão mais extensa sobre as coisas divinas. Muitas nuvens provenientes da fraqueza e da grosseria da alma ainda não iniciada, se desvanecem. A beleza cheia de encantos dos mistérios, a qual era vagamente sentida, se revela; inefáveis harmonias que nem eram suspeitadas, aparecem. Não é a visão face a face, reservada para o dia eterno; mas já não é mais aquela fraca luminosidade que dirigia seus passos. Um conjunto de analogias e de concordâncias mostram-se sucessivamente aos olhos do espírito, trazendo uma certeza cheia de doçura. A alma se dilata com essas claridades que enriquecem a Fé, aumentam a Esperança e desdobram o Amor. Tudo parece novo; e quando a alma olha para trás, compara e vê claramente que a verdade, sempre a mesma, agora é alcançada por ela de maneira incomparavelmente mais completa.

A leitura dos Evangelhos a impressionamais;encontra

um sabor nas palavras do Salvador desconhecido para ela até então. Compreende melhor o fim a que Ele se propôs instituindo os Sacramentos. A santa Liturgia a emociona por suas fórmulas tão augustas e seus ritos tão profundos. A leitura da vida dossantosaatrai,nadaa

espanta nos seus sentimentos e nos seus atos; aprecia seus escritos mais do que quaisquer outros e sente um aumento de bem estar espiritual, tratando com esses amigos de Deus. Rodeada de deveres de toda natureza, a chama divina guia essa alma parasatisfazeracadaum

A Vida Eterna
18

deles.Asdiversasvirtudesque deve praticar conciliam-se em sua conduta; uma nunca é sacrificada pela outra, porque vê a harmonia que deve reinar entre elas. Está longe do escrúpulo como do relaxamento e sempre atenta para logo reparar os danos que pôde cometer. Algumas vezes, o próprio Espírito a instrui por uma palavra interior que, quando ouvida, ilumina sua situação com uma novaluz.

De agora em diante, o mundo e seus vãos equívocos, são tomados por aquilo que são e a alma se purifica do resto de vínculos e complacências que ainda poderia conservar por eles. Aquilo que só tem grandeza e beleza segundo a natureza parece insignificante e miserávelparaessesolhosque o Espírito Santo abriu para as grandezas e belezas divinas e eternas.Sóumacoisaredimea seus olhos esse mundo exterior que ilude o homem carnal: é que a criatura visível, que trás a marca da beleza de Deus, é suscetível de servir à glória de seu Autor. A alma aprende a fazer uso dela com ação de graças, tornando-a sobrenatural,glorificando com o Rei Profeta Àquele que imprimiu as marcas de sua beleza nessa multidão de seres que servem tantas vezes para a perda do homem, mas que são chamados a se tornarem degraus que o conduziriamaDeus.

O dom de Inteligência derramatambémnaalmao

conhecimento de sua própria via. Faz com que ela compreenda o quanto são sábios e misericordiosos os desígnios do alto que, muitas vezes, a quebra e a transporta para onde não contava ir. Vê que se ela fosse senhora de si mesma, para dispor de sua existência, teria perdido o seu fim e que Deus nele a fez chegar, escondendo primeiramenteosdesígniosde sua paternal Sabedoria. Agora ela está feliz, pois goza da paz e seu coração não cabe de ações de graças para agradecer a Deus que a conduziu ao termo sem consultá-la. Se acontecer de ser chamada para dar conselhos, para exercer uma direção por dever ou por motivo de caridade, pode-se confiar nela; o dom de Inteligência a esclarece para os outros como para ela própria. No entanto, não se intromete, dando lições àqueles que não lha pedem; mas se é interrogada, responde e suas respostas são luminosas como a chama que a ilumina. Este é o dom de Inteligência, verdadeira luz da alma cristã e que se faz sentir nela em proporção à sua fidelidadeaosoutrosdons.

Este dom se conserva pela humildade, moderação dos desejos e recolhimento interior. Uma conduta dissipada detém o seu desenvolvimento e pode mesmo abafá-lo. Essa alma fiel pode se conservar recolhida mesmo em uma vida ocupada echeiadedeveres,eaténo

meio de distrações obrigadas às quais a alma se presta sem se prender. Que ela seja simples a seus próprios olhos e o que Deus esconde aos soberbos e revela aos pequenos lhe será manifestado e nela permanecerá. Não há dúvida de que tal Dom seja um imenso socorro para a salvação e a santificação da alma. Devemos implorá-lo ao divinoEspíritocomtodoardor de nossos desejos, convencidos de que o atingiremosmaisseguramente peloimpulsodonossocoração do que pelo esforço de nosso espírito. Na verdade é na Inteligência, que se derrama a luz divina, objeto desse Dom; mas sua efusão provém, sobretudo, da vontade aquecida pelo fogo da Caridade, segundo a palavra de Isaías: “Crede, e tereis a inteligência”.Vamosnosdirigir ao Espírito Santo nos servindo das palavras de Davi, dizendo: “Abri nossos olhos e contemplaremos as maravilhas dos Vossos preceitos; dai-nos a inteligência e teremos a vida”. Instruídos pelo Apóstolo, manifestaremos nosso pedido de maneira ainda mais insistente, nos apropriando da oração que ele dirige ao Pai celeste em favor dos fiéis de Éfeso, quando implora por eles “o Espírito de Sabedoria e de revelação pelo qual se conhece a Deus, os olhos iluminados do coração que descobrem o objeto de nossa esperançaeasriquezasda

A Vida Eterna 19

gloriosa herança que Deus preparouparaseussantos”.

O dom de Sabedoria

O segundo favor que o divino Espírito destinou à alma que lhe é fiel na ação é o dom de Sabedoria, ainda superiorao deInteligência.No entanto, está ligado a este último no sentido de que o objeto mostrado na inteligência é saboreado e possuído no dom de Sabedoria. O Salmista, convidando o homem a se aproximar de Deus, recomenda-lhe o sabor do soberanoBem.“Provai,dizele, e experimentai que o Senhor é cheio de doçura”. A santa Igreja, no próprio dia de Pentecostes, pede a Deus para nós o favor de provar o Bem, recta sapere, porque a união daalmacomDeuséantesuma experiência do gosto do que uma visão, a qual seria incompatível com nosso estado presente. A luz dada pelo dom de Inteligência não é imediata, ela alegra vivamente a alma e dirige seu sentido paraaverdade;mastendease completar pelo dom de Sabedoria que é como se fosse seufim.

A Inteligência é então iluminação e a Sabedoria é união. Ora, a união com o soberano Bem se realiza pela vontade, quer dizer pelo amor que reside na vontade. Notamos essa progressão nas hierarquias angélicas. O Querubim refulge de inteligência, mas acima dele ainda está o Serafim abrasado.

O Amor é ardente no Querubim, assim como a inteligência esclarece com sua luz viva o Serafim; mas um é diferenciado do outro pela qualidade predominante e o mais elevado é aquele que atinge mais intimamente a divindade pelo amor, aquele quesaboreiaosoberanoBem.

A Festa do Divino

A Festa do Divino teve sua origem na então Vila de Alenquer – em Portugal –instalando-se definitivamente no arquipélago dos Açores. O estabelecimento da festa ocorreu ao longo do século XIV, quando a celebração foi instituída pela Rainha D. Isabel (1271-1336). A então rainha portuguesa determinou que durante a festa fosse coroado rei um menino, que alimentos fossem distribuídos entre os mais humildes e que algunspresosfossemsoltos.

Entre os diversos papéis a serem representados na celebração, havia o rei, ocapitãoda guarda, o alferes da bandeira e o pajem do estoque (uma espécie de tesoureiro). Outras manifestações populares que se integram à Festa do Divino, são apresentações de cavalhada, congada e danças como cururu, fandango e jongo. No Brasil, a festa foi trazida pelos açorianos no século XVI, e também acompanhou os açorianos que emigraram para os Estados Unidos, o Canadá e o continente africano.

Para a realização da festa era preciso arrecadar donativos. Esse papel era feito pelos foliões que percorriam fazendas recolhendo doações e esmolas para os preparativos do banquete. Os foliões alegravam a população com dança e música em troca de esmolas. As irmandades responsáveis por essas folias eram todas reunidas durante o banquete público, também conhecido como o “jantarparaospobres”.

Disponível em:

https://fundart.com.br/divina-historiaa-festa-e-a-folia-do-divino-de-ubatuba/

A Vida Eterna
20

CORPUS CHRISTI

Cap.17;Liv.IV.ImitaçãodeCristo

Dograndeeabrasadodesejoderecebera JesusCristo.

Santíssimo Senhor, eu desejo receber-vos com suma devoção, com amor ardente e com todo o afeto do meu coração, assim como vos desejaram receber muitos Santos e almas puras, que se tornaram agradáveis aos vossos olhos pela santidade da sua vida e pelo ardor da sua devoção. Ó meu Deus, amor eterno, que sois o meu bem e a minha soberana felicidade, eu desejo receber-vos com o afeto mais ardente e com o respeito mais profundo, que teve ou pode ter Santo algum!

Ainda que eu seja indigno de ter todos aqueles devotos sentimentos; ofereço-vos contudo todo o afeto do meu coração, como se eu só tivera todos os soberanos e abrasados desejos dos vossos Santos! Ofereço-vos também tudo o que a piedade de uma alma, que vos é verdadeiramente dedicada, pode conceber ou desejar neste Sacramento. Nada desejo reservar para mim, mas meu próprio ser e tudo o que é meu vos sacrifico com a mais ampla vontade. Meu Deus e meu Senhor, meu Criador e meu Redentor, desejo receber-vos hoje com um afeto, um respeito e uma veneração, com um reconhecimento, um amor, uma santidade digna de vós; com uma fé, uma esperança e uma pureza, que parecesse haver em mim uma disposição semelhante àquela, com que a vossa Santíssima Mãe, a gloriosa Virgem Maria, vos recebeu e desejou possuir-vos, quando ao Anjo, que lhe anunciava o Mistério da Incarnação, respondeu com tanta devoção como humildade: Eis-aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra.

E assim como S. João Batista, vosso bemaventurado Precursor e o maior dos Santos, por um movimento do Espírito Santo, saltou de prazer ainda encerrado no seio de sua mãe, e vendo-vos depois andar entre os homens, humilhando-se profundamente dizia com o afeto mais devoto: O amigo do Esposo, que está de pé ouvindo-o, está transportado de gosto por ouvir a voz do Esposo. Do mesmo modo desejo eu, ó meu Deus, ser abrasado em vós recebendo-vos e apresentando-me à vossa mesa com todo o afeto do meu coração.

Ofereço-vos também todos os júbilos, todos os afetos ardentes, todos os transportes de espírito,

todas as luzes sobrenaturais e extraordinárias, todos as visões celestes e divinas das almas santas, a que haveis dado estes dons. Ofereço-vos ainda todas as homenagens e louvores, que vos dão e darão para o futuro todas as criaturas do Céu e da terra. Recebei, se vos agrada, estas ofertas por mim e por todos aqueles que devo encomendar nas minhas orações, para que sejais louvado e glorificado para sempre de um modo digno de vós.

Recebei meu Deus e Senhor, os meus votos e os desejos que sinto, de que sejais honrado por uma glória infinita e por bênçãos sem limites: pois que a vossa grandeza inefável está acima de todos os louvores. Isto vos ofereço e desejo oferecer cada dia e em cada momento, convido ainda e rogo com todo o empenho que me é possível a todos os Espíritos celestes e a todos os vossos fiéis servos, que se unam a mim para vos darmos graças e louvores.

Louvem-vos todos os Povos, Tribos e línguas, e exaltem o vosso santo e suavíssimo nome nos transportes de uma alegria santa e de uma devoção fervorosa. Todos os que celebram com reverência e piedade este divino mistério, e o recebem com viva fé, mereçam achar diante de vós graça e misericórdia, e pedir humildemente por este miserável pecador. Depois que tiverem satisfeito neste divino Sacramento o ardor de seus santos desejos, gozando das delícias da vossa união sagrada, e se retirarem desta mesa celeste cheios de uma consolação santa, peço-lhes que se lembrem da pobreza de minha alma.

A Vida Eterna 08 de Junho.
21

"É Santo Antônio que, doutrinal e primeiramente, precisa não só essa piedade cristocêntrica, mas, relacionadas com ela, vai transmitir algumas teses, que ficaram tradicionais na Escola Franciscana: o Primado de Cristo, o SS. Nome de Jesus, o Sangue de Cristo, o SS. Coração de Jesus, a Virgem Maria como Medianeira de todas as graças e designadamente a Assunção da Senhora, tese da qual o nosso taumaturgo foi singular paladino e apóstolo entusiasta".

Santo Antônio de Lisboa, Doutor da Igreja.(*)

Pe.IlídiodeSousaRibeiro,O.F.M.,Revista "Lumen'',Junhode1946,págs.340-350.

(*) Por brevidade, achamos por bem não reproduzir as extensas 47 referências do texto que ora publicamos. O leitor interessado poderá solicitá-las enviando ume-mailparaanossaRedação.

Sto. ANTÔNIO de LISBOA

Por julgar chegado o momento oportuno, a Carta Apostólica de Pio XII, "Exulta, Lusitania felix", datada de 16 de Janeiro de 1946, veio, enfim, ratificar oficialmente o culto de Doutor que, desde há séculos, se tributava, de fato, ao taumaturgo português; quer na liturgia, como observaSuaSantidade,quernaarteplástica-o costumedeapresentaraimagemdoSantocom um livro nas mãos, símbolo da sua sabedoria e da sua doutrina(1) - quer no missal romano. Mesmo depois da reforma do calendário introduzida por Pio V, em 1570, nunca se deixou decelebrar,emhonradeSantoAntônio, a Missa dos Doutores, seja na Ordem Franciscana, seja nas dioceses de Pádua, de PortugaledoBrasil.(2)

O motivo desta tão arraigada tradição derao Gregório IX que, no dia da canonização do Santo, a 30 de Maio ele 1232, onze meses apenas depois da sua preciosa morte, saudou Antônio com aquela antífona que a Igreja usa para comemorar os seus Doutores: "O Doctor optime, Ecclesiae sanctae lumen"... Saudação esta que foi consequência lógica de quando o nosso Santo, pregando em presença do mesmo Pontífice, este, assombrado pelos caudais da sua eloquência arrebatadora, denominou-o "Arca do Testamento e escrínio das Sagradas Escrituras".(3)

Contudo, tal motivo não teria passado, porventura, de ocorrência episódica, se Antônio, além da santidade eminente com que aureolou a sua vida, não se houvera logo revelado, através dos seus escritos, varão de preclara e admirável doutrina sacra, e ainda profana.(4) De fato, não poucas citações dos escritos antonianos, feitas por autores graves dos séculos XIII e XIV, pertencentes a várias nações - Itália, França, Inglaterra e Espanhatestemunhamagrandeestimaemqueeram

A Vida Eterna 22 13 de Junho.

tidos esses escritos e, igualmente, a sua larga difusão.(5) O próprio S. Boaventura revela, aqui e além, afinidades, no sentido e na letra, com Santo Antônio.(6) Casuais? O certo é que o primeiro devia ter lido os escritos do segundo, ao qual presta culto de Doutor no panegírico quelheteceu.(7)

Todas as obras certamente autênticas do taumaturgo português foram escritas quando ele se havia alistado já na Ordem Franciscana, em1220:

1) "Sermones Dominicales", que compreendem os domingos desde a Septuagésima até ao Advento, e desde esta quadra litúrgica até à quarta dominga depois da Epifania.(8) Estes Sermões, a que Santo Antônio chama "Quadriga" (9) e que vêm a ser o seu "opus majus", começaram a ser redigidos provavelmente em 1226, na região do Limosino, e foram completados em Pádua, em 1229.(10)

2) "Sermones in laudem B. Mariae Virginis": Natividade, Anunciação, Purificação e Assunção.

3) "Sermones Solemnitatum Sanctorum": ficaram incompletos pela morte do autor, contendo só metade das solenidades de todo o ano, pois foram redigidos em Pádua, no inverno de 1230-1231, como também os SermõesemhonradeN.Senhora.(11)

Outras obras atribuídas a Santo Antôniocomo "Sermones ou Expositio in Psalmos", as "Concordâncias bíblicas" e uma "lnterpretatio ou Collatio mystica in S. Scripturam" - não se consideram autênticas.(12) E, mesmo dos escritos certamente autênticos - cuja doutrina jaz sob uma forma compendiosa, esquemática, destinada a ser desenvolvida depois pelos pregadores - não possuímos o autógrafo. E, doutra parte, esses escritos não se apresentam precisamente tais quais foram pregados ao povo ou ao clero, como se infere dos não poucos lugares paralelos anotados pelo próprioautor;anotaçãoqueassimpõetambém em evidência a unidade de composição dos Sermões.(13)

Existem várias edições do sermonário de Santo Antônio.(14) Todavia, a melhor edição textualéaquedeuA.M.Locatelli(Pádua,

A Vida Eterna

1895-1903), embora não absolutamente crítica.(15) De fato, Locatelli não examinou acuradamente todos os principais manuscritos, servindo-se, em geral, ele três códices apenas. Demais, quanto às fontes doutrinárias, além de não assinalar todos os lugares escriturísticos, Locatelli não verificou as citações explícitas, e muito menos as referências implícitas, respeitantesàPatrísticaeaoutrosautores. Santo Antônio foi, ao menos oficialmente, o primeiro Leitor de Teologia da Ordem minorítica, sendo nomeado para este ofício pelo seu próprio Patriarca.(16) Contudo, o seu magistério foi breve, como que ele passagem; seja em Bolonha - do que, no entanto, não possuímos documentação absolutamente decisiva - seja em Tolosa - o que não é impossível,dadaafaltadeleitoresformadosna Ordem recentemente fundada - seja em Mompilher, o que também não deixa de ser crível; e tanto mais crível, quando se tem em consideração o episódio sucedido nesta cidade e narrado pelo "Liber Miraculorum", isto é, o desaparecimento de um códice - um Saltério, glosado pelo Santo e do qual ele se servia nas suas lições - que um noviço, seu discípulo, lhe furtara.(17) No entanto, se o magistério de Antônio não constituiu um ensino teológico regular, foi, pelo menos, o primeiro passo para uma futura organização dos estudos na Ordem. (18)

Mas, o que importa sobretudo notar é que, comasuanomeaçãoparaLeitor,SantoAntônio deu solução a um problema pendente no espíritodeS.Francisco.Seestedispensou,para si, a ciência como meio de perfeiçãobastavam-lhe as efusões íntimas e as intuições pessoais, abonadas por um ímpeto extraordinário de fé - de modo algum verberou a ciência em si mesma. Não inculca ele, no seu Testamento, o máximo respeito pelos teólogos: "et omnes theologos, et qui ministrant sanctissima verba divina, debemus honorare et venerari"? Somente receou que os seus Frades viessem a enamorar-se tanto dos cartapácios que perdessem "o espírito da santa oração e devoção,aqueasdemaiscoisasdevemservir"

23

(cap. V da Regra) … Ora, o nosso Santo era o homemdoutoconformeoespíritodoAssisiata; e, deste modo, podemos realmente afirmar que o nome e ação de Santo Antônio como que se transporta "do círculo da sua Ordem para o seio ela história da cultura teológica no Ocidente".(19)

Por outro lado, não deixa também de ser significativa, em particular, a integração de Santo Antônio no pensamento português. Sem dúvida, com os primeiros mensageiros franciscanos que, em 1217, se estabeleceram em Portugal - enviados por S. Francisco no Capítulo Geral deste ano, celebrado emAssis(20) - veio juntamente a mensagem do Poverello enxertar-se no ambiente lusitano; mensagem despida de ouropéis de linguagem, é certo, e até não emoldurada em formalísticos e abstratos conceitos filosóficos, mas, em compensação, exuberante de vida... concreta e amorosa: concreta, pela atenção e pela intuição; amorosa, como corolário imediato, pelasimpatiaepelasimbólicamística.Todavia, este cunho indelével da mensagem franciscana carecia de uma sistematização doutrinal que, operando a fusão de intelectualismo e de misticismo, viesse projetar-se significativamente, desde o início, na mentalidade lusa. E a nossa primeira grande figura que, através dos seus Sermões, encarna, quase totalmente, essa sistematização é Santo Antônio de Lisboa. Verdade, é, porém, que, na época medieva, a escola mística dos Vitorinos não foi alheia a Portugal. No entanto, a ação da sua influência ficou muito circunscrita, porque "se acaso sugeriu confidências ou diálogos na discrição dos claustros, não deixou de si claro testemunho". (21) Antes, parece-me que o mais retumbante e o mais perdurável do seu eco em Portugal efetuou-se através de Santo Antônio, influenciadoparcialmenteporessaescola.

Com efeito, se eleve ser rejeitada definitivamente a sentença dos que afirmaram que o nosso Santo foi discípulo do célebre abade de Vercel, Tomás Galo, que tinha sido antes cônego e doutor no mosteiro de S. Vitor de Paris (22), não deve, porém, negar-se a existênciadeumagrandeintimidadeentreos

dois. E por aqui se explica como nos seus últimos Sermões, nos "Sermones Solemnitatum", não são poucos os lugares em que Santo Antônio, por influxo de Tomás Galo, depende do livro "Beniamin maior" de Ricardo de S. Vitor; enquanto nos "Sermones Dominicales", apenas num só lugar, parece depender do "Beniamin minor" do mesmo autor.(23)

Contudo, o taumaturgo português não foi o fundador da Escola Franciscana, muito embora aplanasse o caminho para S. Boaventura, seu verdadeiro fundador. Efetivamente, a doutrina antoniana acha-se informada por aquela tese metodológica, fundamental na Escola Franciscana, filha legítima daquele gênio de amor, o Poverello: a sabedoria diz mais respeito ao bem do que à verdade, donde a primazia do movimento afetivo e místico sobre o discurso.(24) A atitude mental de Santo Antônioé,defato,voluntarista;umaatitude,na qual a especulação se une indissoluvelmente à unção mística. E porque o ardor da vontade é o elemento constitutivo da mística antoniana, esta tem por fundamento, centro e fim a caridade e, por conseguinte, inspira uma visão otimista da vida: Deus é, antes de tudo, um Deus de amor, a quem se deve amor filial… É o "Pater Noster" que S. Francisco proferiu no momento em que se despojou dos bens paternos; e, desta sorte, o paraíso se aproxima e se humaniza, tanto mais que essa caridade é caracteristicamente cristocêntrica. Por isso, em tese, pode considerar-se Santo Antônio precursordaorientaçãobonaventuriana. (25)

Não obstante, afigura-se-me que o Santo português nunca assimilou, por completo, toda a opulência do espírito franciscano. A sua doutrina permaneceu sempre prática, moralnaturalmente por ter sobretudo em vista a utilidade próxima dos ouvintes - e não ensaiou guindar-se àquele simbolismo especulativoafetivo, maximamente cultivado por S. Boaventura; tendência herdada, em linha reta, de S. Francisco, o qual punha todas as suas complacências em o mundo sensível transparecer intuitivamente ao seu espírito numaperspectivanovadesimbolismo

A Vida Eterna
24

sagrado, que o arrebatava em adoração permanente à bondade do Criador. Contudo, alguma coisa ficou deste espírito de amor à natureza, que bem se revela nas imagens sensíveis, dela auferidas, com as quais Antônio ilustraprevalentementeassuasprédicas.(26)

Doutra parte, o nosso Santo, cuja primeira educação foi moldada pelos cônegos regrantes de Santo Agostinho (1210-1220) - e a primeira educação é decisiva na vida - aderiu fundamentalmente à mística ocidental isto é, à mística pré-dionisiana e pré-vitoriniana.(27) Por isso, não aponta as vias ascéticas: purgativa, iluminativa e unitiva; ao contrário de S. Boaventura, que as colheu do Pseudo-Dionísio e as adotaram, após ele, os autores espirituais em geral. Santo Antônio fala de três graus: incipientes, proficientes e perfeitos, os quais, ao contrário das vias bonaventurianas - atos hierárquicos que fazem parte integrante da perfeição - representam três etapas da contínuaeprogressivaascensãodaalmaparaa perfeição.(28) Consequentemente, enquanto Santo Antônio opõe a vida ativa à vida contemplativa dos perfeitos, colocando a plenitude da perfeição na vida mista - o que, aliás, já havia ensinado S. Bento com o seu "ora et labora" - S. Boaventura não só inculca a vida mista, mas funde contemplação e ação, de modoarepresentaremapenasdoisaspectosda mesma e única elevação para Deus. É esta a grande originalidade da mística do Santo de Bagnorea. (29)

Alémdisso,segundooDoutorSeráfico,após Ricardo de S. Vitor, a vocação para a contemplação infusa é geral e remota, e não especial, para todos os católicos. E não só para a contemplação infusa de grau inferior, mas ainda para o estado extático, como tal.(30) Ao contrário, Santo Antônio opina - a seguir a Santo Agostinho, S. Gregório e S. Bernardoque essa vocação diz apenas respeito àquela contemplação (a que chama "mentis elevatio", como Ricardo de S. Vítor) e não a este estado ("mentis alienatio", como o mesmo autor). O que significa que a mística bonaventuriana se assinala por um apelo mais vasto e mais premente-porventuraúniconahistória

religiosa de todos os tempos - do que a mística donossotaumaturgo.

Um ponto há, porém, na mística antoniana que marca na história da Teologia mística, como observou Heerinckx. É que três séculos antes da análise profunda e da formulação clara e metódica de S. João da Cruz a respeito da "purgatio passiva" - na qual o místico carmelita, como se sabe, distingue a "noche del sentido" da "noche del espíritu" - já Santo Antônio apelidara de noite essa purgação, apontando, bem assim, os três sinais clássicos da "purgatio passiva". (31) Entretanto, ao contrário da mística de S. João da Cruz - o qual urge, quase até ao rigorismo, a renúncia das chamadas consolações espirituais - o nosso Santo, com toda a mística franciscana, de carácter afetivo, porque voluntarista, considera ótimo meio deperfeiçãoafruiçãodoespíritoe, por isso, recomenda às almas, imersas na noite mística, que a impetrem instantemente de Deus. Quer dizer, a mística antonianafranciscana é mais espontânea: desde o momento que Deus dotou naturalmente o homemdesensibilidade,aquestãonãoestáem suprimi-laartificiosamente, mas,sim,emsaber dirigi-la,comoconvém.

Em conclusão: como observa o mesmo Heerinckx, as fontes da mística de Santo Antônio são principalmente, além do espírito franciscano e da experiência pessoal, Santo Agostinho, S. Gregório e S. Bernardo (mística ocidental); secundariamente, Ricardo de S. VitoreGuilhermedeSaint-Thierry. (32)

Todavia, não foi como místico que o Santo português se tornou conhecido por "Santo de todo o mundo". (33) Foi como apologeta. Mas, uma apologética servida por um ardor todo seráfico - que visava unicamente um movimento de emigração das tendências humanasparaapureza doespírito,para Deuse por uma cultura profundamente teológica. Basta compulsar o breve, mas ordenado, compêndio de teologia antoniana, publicado por Scaramuzzi, para nos compenetrarmos desta verdade.(34) E é este um ponto de vista sobreoqualnuncaédemasiadoinsistir,ao

A Vida Eterna
25

lembrarmo-nos de que, hoje, se atende mais a Antônio como taumaturgo, cheio de zelo apostólico, sim, mas cuja figura aparece com frequência desvirtuada, quando não profanada, àforçadeseaterpopularizadoemdemasia...

Sem dúvida, enquanto o Doutor Seráfico foi o pregador das elites (consistórios, Cúria romana, famílias reais, Universidades, cabido das Catedrais ... ) , e não mais do que vinte e três sermões pregou "coram populo", a pregação de Santo Antônio era de índole popular,istoé,dirigia-seatodaclassedegente, sem distinção.(35) No entanto, o nosso taumaturgo não se limitou a pregar aos fiéis a moral apoiada no dogma, para estigmatizar com o seu verbo eloquente toda a casta de vícios, dos povos e do clero. Foi o pregador das massas... mas não amorfas. Muito pelo contrário, por demais estavam caracterizadas, pois, como bem advertiu o ilustre Prof. Dr. Joaquim de Carvalho, foram precisamente os dissídios religiosos da Itália e do sul da França (Valdenses, Cátaros, Patarenos e Albigenses) que estimularam a eloquência do taumaturgo português.(36) Por isso, foi chamado, por antonomásia, "Martelo dos hereges", como nos diza "Legenda Benignitas". (37)

Ora, para esta pregação essencialmente apologética requeria-se uma preparação invulgar. E foi, em verdade, poderosa a erudição do Santo, haurida na livraria de S. Vicente e na escola de Santa Cruz, onde nos começos do século XIII floresciam três afamadosmestres:D.Fr.João,D.Fr.PedroPires e D. Fr. Raimundo, que aí ensinavam a Gramática, a Retórica, a Dialética e a Teologia. (38) Quem quiser certificar-se dessa erudição, bastará ater-se ao inventário das fontes dos Sermões, apurado por Cantini, onde, a par de profundasconsideraçõespessoaisdoSantosão copiosas as referências escriturísticas e as citações patrísticas sobretudo de Santo Agostinho, sem faltarem, bem assim, as que dizem respeito à literatura pagã. E, por conseguinte, é manifestamente errônea a opinião, levantada por um ou outro biógrafo, de que Santo Antônio se serviu principal e quaseunicamentedeglosasbíblicas.(39)

Advirta-se, porém: a erudição foi, para o famoso pregador, um meio e não um fim. E, deste modo, ele veio a ser o primeiro franciscano que conjugou harmonicamente o método antigo de pregação, meramente parenético, com o método, seu coetâneo, de erudição pura.(40) Eis por que o Santo não dissertava, mas - como bem adverte, mais uma vez, o Dr. Joaquim de Carvalho - procedia antes por contraste do que por apologia direta, denunciando primeiro o vício, o mal e o erro, por vezes numa exposição crua e realista, para que ressaltassem polarmente a virtude, o bem e a verdade.(41) E, realmente, é digno de nota que,emboraaoratóriadeSantoAntônionãose caracterize pela espontaneidade e pela simplicidade da eloquência do seu Seráfico Pai - pois, por um justo critério de apostolado, não por moda, se adaptou às tendências da sua época - contudo é fundamentalmente franciscana; tanto que ele como que se antecipou à redação do capítulo IX da Regra, concernente aos pregadores, que admoesta estes de que atendam "ad utilitatem et aedificationem populi, annuntiando eis vitia et virtutes, poenam et gloriam" (42)

Por via disto, o engenho do Santo está, não em apresentar sistematicamente a suma da doutrinacatólica,masnagrandehabilidadeem revestir as verdades comuns dessa doutrina com imagens sensíveis - não tanto colhidas da história profana, como sobretudo de exemplos dos três reinos da natureza, como já se disse(43) - e relacioná-las abundantemente, talvez mais do que nenhum outro mestre de espírito ou doutor, com a autoridade, pessoas e coisas, da S. Escritura.(44) E, relativamente a esta, como os oradores do seu tempo, o grande taumaturgo não deu tanta importância ao sentido literal como lhe dão os exegetas modernos, não obstante deter-se, com relativa frequência, na exposição etimológica de não poucos vocábulos. Atendia particularmente ao sentido alegórico ou anagógico, para tirar todo o sabor da letra e, como pregador eminentemente prático, procurava nas sagradas páginas o sentido moral ou tropológico; e um e outro soubeaplicarcompropriedadeadmirável

A Vida Eterna
26

àsmatériasdequetratava.

O Santo Padre Pio XII, ao proclamar Santo Antônio Doutor da Igreja, deu-lhe autorizadamente o título de "Doutor Evangélico", já porque "exegeta peritíssimo na interpretação das Sagradas Escrituras", já porque "costumava confirmar as suas palavras com passos e sentenças do Evangelho", já, enfim, porque, "com divina sabedoria se dedicou a restaurar a santidade e a integridade doEvangelho".

Diz ainda o Sumo Pontífice que Santo Antônio foi "o teólogo exímio na definição das verdades dogmáticas". E se fôssemos a especificar, diríamos que esta asserção tem particular cabimento no que se refere à piedade cristocêntrica, a que já aludimos, enquanto a caridade tem não só Deus por objeto, mas ainda Deus-Homem, a humanidade de Cristo. Antes de S. Francisco, se exceptuarmos S. Bernardo, os Doutores bem como a arte cristã consideravam, de preferência, Jesus Cristo como Verbo de Deus e como Rei da glória.(45) Pelo contrário, a piedade franciscana é caracteristicamente cristocêntrica: Cristo, mediador entre seus "irmãos" e Deus e, por isso, modelo, exemplar, deles.

Ora, é Santo Antônio que, doutrinal e primeiramente, precisa não só essa piedade cristocêntrica, mas, relacionadas com ela, vai transmitir algumas teses, que ficaram tradicionais na Escola Franciscana(46): o Primado de Cristo, o SS. Nome de Jesus, o Sangue de Cristo, o SS. Coração de Jesus, a Virgem Maria como Medianeira de todas as graças e designadamente a Assunção da Senhora, tese da qual o nosso taumaturgo foi singular paladino e apóstolo entusiasta.(47) Por isso, pode dizer-se afoitamente que o pensamento teológico de Santo Antônio foi, em realidade, precursor. Assim como pela utilização positiva da erudição sacra e da ciência profana, que ele soube unir criteriosamente nos seus Sermões, Santo Antônio mostra ter uma viva e quase moderna consciênciadovalordacultura.

A Vida Eterna
27

SACRATÍSSIMO CORAÇÃO DE JESUS

"A todos os que comungarem na primeira sexta-feira em nove meses consecutivos, eu prometo a graça da penitência final: Eles não morrerão no meu desagrado, mas receberão os santos sacramentos, e o meu coração será para eles asilo seguro naquele momento extremo".

A GRANDE PROMESSA DO Sacratíssimo Coração de Jesus. Frei Salvador do Coração de Jesus, Terceiro dos Menores Capuchinhos. Tradução do italiano, com permissão do autor, por uma Zeladora do Apostolado da Oração.

REIMPRIMA-SE. Mons. Leopoldo Neis, Vigário Geral PREFÁCIODA1ºEDIÇÃO ITALIANA

Ébomsaber...queeu,como o filho pródigo, tinha abandonado o redil do Bom Pastor. Ingrato! Eu tinha à minhadisposiçãoaspastagens mais belas e perfumadas... tinha os cuidados mais assíduos... as mais doces, as maisternascarícias.Ingrato!E eu abandonei, fugi para bem longe daquele que me seguia, chamando-me com os nomes maiscarinhososquesóoamor é capaz de pronunciar... Oh, quão ingrato que fui! Às finezas do amor dum Deus respondi com a repulsa, maltratando-o. Oh! que ingrato!

no bom Pastor... Oh! negra ingratidão!

Mas um dia, de repente, uma lembrança me assalta... e sem querer, Vem-me ao pensamento a idade feliz da minha infância... Relembro-me de que por nove meses consecutivos, eu me tinha prostrado aos pés de Jesus para recebê-lo na Santa Comunhão. "A Grande Promessa" do SS. Coração de Jesus triunfara, Jesus no excessodemisericórdiadeseu amor se tinha lembrado dessa ovelhinhadesgarrada.

Hoje finalmente, cumpro a promessa, executo o voto que eu então fiz de publicar esta graça extraordinária, a fim de persuadir a todos: Que é impossível que se condene aquele que faz as nove primeiras sextas-feiras em honra do Sagrado Coração de Jesus, pois será sempre fiel à suaGrandePromessa.

Lede estas poucas páginas eficareispersuadidos.

Dia do Perdão de Assis de 1923. Salvador do Coração de Jesus, Frade Terceiro dos MenoresCapuchinhos.

28
16 de Junho.

AGRANDEPROMESSA TODOSNOCÉU

"Todos no céu" - exclamava São Francisco de Assis convidandoosfiéisaentrarem na igreja de Santa Maria dos Anjos,quandoobtevedoSumo Pontífice a indulgência chamadadaPorciúncula.

"Todos no céu" - podem também exclamar alegres, e com muita razão, os devotos do Santíssimo Coração de Jesus, porque o mesmo Coração de Jesus lho prometeu.

Que alegria, que felicidade ter certeza moral da própria salvação! Que podemos desejar mais? Nada, absolutamente nada, porque este pensamento: estou salvo, enche a alma e o coração de tamanhasatisfação,quesenão pode desejai e nem mesmo imaginar coisa melhor. Vamos àsperguntas:

1ª. PERGUNTA - Quando e a quem fez o Sagrado Coração estaGrandePromessa?

RESPOSTA- Narealidadeo

Sagrado Coração de Jesus fez doze consoladoras promessas a favor dos seus devotos; nós, porém, somente queremos falar na Grande Promessa, porque esta é como um resumo e coroa de todas as outras. Para manifestar o seu amor, o Coração abençoado de Jesus escolheu uma jovem, uma virgem, Margarida Maria de Alacoque, desconhecida do mundo, mas muito querida porDeus.

Estadonzelafelizcontava

vinte e seis anos, professando, desde um ano, no mosteiro da Visitação de Paray-le-Monial, na França. Três vezes quis Jesus consolar a sua amada com sua presença. A primeira vez foi no dia 27 de dezembro de 1673; a segunda, na oitava de Corpus Christi. Numa dessas aparições, na segunda, parece, enquanto a jovem estava em dulcíssimo êxtase, recolhida e imóvel, com os braços cruzados no peito, com a face irradiada pela chama interior, uma luz celeste, vista somente por ela, iluminava o altar, e através das grades ela viu o Coração... Estava este coração completamente cercado de chamas e rodeado por uma coroa de espinhos, transpassado por uma profunda ferida, todo ensanguentado e encimado por uma cruz. Margaridadisse Jesus, dirigindo-se à jovem - eu te prometo na excessiva misericórdia do meu coração conceder a penitência final a todos os que comungarem na primeira sexta-feira em nove meses consecutivos... eles não morrerão no meu desagrado, nem sem receber os Sacramentos, tornando-se meu Coração refúgio para eles naquelestransesextremos.

Se essa grande e solene promessa não tivesse saído dospróprioslábiosdoHomem Deus, poder-se-ia, talvez, duvidar de sua autenticidade, por ser demasiado extraordinária, por parecer impossível que com tão pouca coisa,comnovecomunhões

somente, o cristão possa adquirir o direito de entrar na glória do céu. Daí, mais a seguintepergunta:

2ª. PERGUNTA - Será mesmo certo queoCoraçãode Jesus tenha feito esta Grande Promessa?

RESPOSTA- Não hádúvida alguma, a promessa é certo que foi feita com mais 11, foi examinada pela Igreja com a severidade com que ela costuma proceder em coisas tão delicadas e importantes. O próprio Sumo Pontífice Bento XV lembra-se textualmente na Bula da canonização de Santa Margarida, dizendo que tais foram exatamente as palavras que o bom Jesus dirigiu à sua fielserva.DepoisdeaIgrejase ter pronunciado, sobre este assunto, não pode haver mais dúvida alguma para o bom cristão.

3ª. PERGUNTA - Que é que se deve fazer para alcançar estagraçaextraordinária?

RESPOSTA - Nada mais que o que disse Jesus, isto é, aproximar-se, com as devidas disposições da Santa Mesa Eucarística, nas primeiras sextas-feiras de cada mês, por novemesesconsecutivos.

4ª. PERGUNTA - E teremos também a certeza de receber os Sacramentos antes de morrer?

RESPOSTA - Sem dúvida, se os Sacramentos forem necessários para se conseguir a salvação, mesmo que o fiel esteja em estado de graça, a Igreja,recomendaa

A Vida Eterna 29

recepção devota dos Sacramentos. O certo é: o devoto do Sagrado Coração, não morrerá no desagrado de Deus.

5ª. PERGUNTA - Mas se depois de ter feito as nove sextas-feiras com as devidas disposições o cristão perdesse a sua devoção, que pensar dessapobrealma?

RESPOSTA - Deve-se pensar que o Coração de Jesus terá tido compaixão dessa pobre alma, a qual, em seus últimos momentos de vida, terá achado o seu refúgio seguro neste Coração. De fato, Jesus prometeu, sem exceção alguma, a graça da penitência final a todos os que tenham comungado na primeira sextafeira em nove meses seguidos; daí se crer que, no excesso de misericórdia do seu Coração, terá iluminado e tocado essa alma nos seus últimos transes com a sua graça de modo a poder fazer um ato de contriçãoperfeita.Assimenão de outro modo é que se deve pensar, porque Jesus é fiel em suas promessas. Direi ainda mais, que se para se salvar aquela alma fosse necessário um milagre, não há dúvida alguma que Jesus o faria, faria este excesso de misericórdia com a onipotência de seu Coração.

Ademais, a experiência o tem provado, que quem teve a perseverança de fazer em honra do Sagrado Coração de Jesus, nove comunhões em nove meses consecutivos, sem nuncainterrompê-la,

dificilmente abandonará esta pia devoção. As mais das vezes, até sucede que estes devotos acabam por não só comungar nas primeiras sextas-feiras de cada mês como também em todas as sextas-feiras do ano, não sendo raro o caso em que acabam por comungar todos os dias. E não é de admirar, porque Jesus veio à terra para trazer o fogo do divino amor, e nadamaisdesejaqueestefogo se acenda e arda em todos os corações.

6ª. PERGUNTA - Se alguém interromper as nove sextasfeiras por motivo justo, deverá começardenovo?

RESPOSTA - Sim, porque a condição posta pelo Sagrado Coração é expressa de um modo claro e preciso; é indispensável, portanto, comungar nas nove primeiras sextas-feiras de nove meses consecutivos.

7ª. PERGUNTA - Quem fizesse as nove comunhões com a intenção de garantir o céu, pensando, entretanto, consigo mesmo, de continuar a pecar, poderia ele ter confiança nesta grande promessa do Sagrado Coração deJesus?

RESPOSTA - Certamente que não e até cometeria muitos sacrilégios, porque, quem se aproxima dos Santos Sacramentos, deve ter firme intenção e vontade decidida de abandonar o pecado. Não é a mesma coisa ter medo de tornar a ofender a Deus por causadanossafraquezaea

calamidade da intenção de continuar a cometer pecados. No primeiro caso a misericórdia de Deus nos abre seus braços e nos concede o perdão; no segundo, porém, ela se irrita e fica por assim dizerimpelidaacastigar.

8ª. PERGUNTA - Mas se depois de ter feito bem e com as devidas disposições as nove primeiras sextas-feiras, com o andar do tempo alguém se tornasse mau e perverso, poderiaessesalvar-seainda?

RESPOSTA - A isso já foi respondido na 5ª. pergunta, mas repeti-lo-emos de novo: Jesus é fiel em suas promessas, e não poderá permitir que, quem tiver feito as nove sextas-feiras, com a preparação devida, venha a perderaalma.

9ª. PERGUNTA - Poderia indicar-nos quais são as devidas disposições para fazer bem as nove primeiras sextasfeirasafimdemereceragraça daGrandePromessa?

RESPOSTA - Para merecer a graça da Grande Promessa é necessário:

1) receber nove vezes a SantaComunhão;

2) na primeira sexta-feira decadamês;

3) e isto por nove meses consecutivos;

4) aproximar-se da Sagrada Mesa, não só em estado de graça e sem más intenções, mas, ainda, com a intenção de honrar de modo especialoSagradoCoraçãode

A Vida Eterna 30

Jesus, que pediu estas comunhões em reparação da ingratidão e de abandono de que é vítima por parte de tantasalmas;

5) renovar em cada comunhão a intenção de cumprir a devoção das nove sextas-feiras, a fim de obter o frutodaGrandePromessa,isto é,dapenitênciafinal.

ACHAVEDOCÉU

Alma cristã, queres de hoje em diante viver segura, garantindo o importante negócio da tua salvação eterna? Queres adquirir o direito à glória eterna do céu? Pois bem, tu já viste que o Sagrado Coração de Jesus, no excesso da misericórdia do seu amor, pôs em tuas mãos a chave de ouro que te abrirá as portas do céu, no último instante de tua vida. Esta chave de ouro está à tua disposição, basta que o queiras, basta que faças as nove sextas-feiras em honra do Sacratíssimo Coração de Jesus. Podia bem o bom Jesus liberalizar-te, melhor do que assim, a salvação de tua alma? Grata e reconhecida, prostrate a seus pés,agradece-Lhe de todo o coração por ter posto a teu dispor um meio tão fácil de salvação e promete-Lhe que hás de começar já esta devoção. Feliz de ti se perseverares: o Paraíso será teu galardão porque bem o sabes, Jesus é fiel em suas promessas.

A Vida Eterna
31

S. João Batista

Profeta do Altíssimo, São João foi figurado por Isaías e Jeremias; melhor ainda do que eles foi consagrado, desde o seio materno, para anunciar a Jesus e preparar as almas à sua vinda. O Evangelho narra os prodígios que assinalam seu nascimento. Zacarias impõe à criança o nome que S. Gabriel trouxe do céu, significando: "o Senhor fez graça". Ele recupera imediatamente a voz e, cheio do Espírito Santo, prediz as grandezas de seu filho: "Irá diante da face do Senhor para dar ao povo o conhecimento da salvação". O Anjo Gabriel anunciaraaZacarias"quemuitossealegrariam com o nascimento de S. João Batista". Não foram "os vizinhos e parentes de Isabel" os únicos a festejarem esse acontecimento: cada ano, neste aniversário, a Igreja inteira convida seus filhos a compartilharem desta santa alegria sabendo que a natividade do "Profeta do Altíssimo", neste Natal do verão(*) está intimamente unida à chegada do Messias. A partir da festa da Natividade de São João, os dias diminuem, pois, o sol tendo atingido o pontoculminantedoseu cursoanual,começaa descer. Ao contrário, a festa da Natividade do Salvador, de que esta é prelúdio, marca a época em que o sol recomeça a subir na sua órbita. O Precursor deve apagar-se diante de Jesus, a verdadeiraluzdasalmas.

"Éprecisoqueelecresça,dizSãoJoão,eque eu diminua". Os solstícios eram ocasião de festas pagãs: acendiam-se então fogos a fim de honrar o astro da luz. A Igreja cristianizou estes ritos vendo neles um símbolo de S. João que era "uma lâmpada ardente e brilhante"; portanto, "anima ela esta manifestação de alegria, correspondendo tão bem ao caráter da festa. Os fogos de S. João completavam muito bem a solenidade litúrgica, mostrando unidas num mesmo pensamento a Igreja e a cidade terrestre."Paulodiácono,mongedoMonte

Cassino, amigo de Carlos Magno, compôs em seu louvor o hino: "Ut queant laxis". No século XIII, o monge beneditino Guido d'Arezzo observou que as notas cantadas nas sílabas iniciais, formavam a série dos seis primeiros tons da escala musical; designando cada tom pela sílaba correspondente: (Ut, Re, Mi, Fa, Sol, La, Si). Assim facilitou muito o estudo dos intervalosmusicais.

Ut queant laxis

Resonare fibris

Mira gestorum

Famuli tuorum

Solve poluti

Labii reatum

A Vida Eterna
Sancte Iohannes 32 24 de Junho.
Missal Quotidiano e Vesperal, D. Gaspar Lefebvre, 1936, pp. 1251-1252.

"Purificai ó São João, os lábios dos vossos servos, a fim de poderem cantar com voz harmoniosa as maravilhas de vossas obras."

Zacarias, fazendo saber que João seria o seu nome, recuperou a palavra e, um hino composto em honra do profeta cuja voz ressoava no deserto, se torna instrumento de novoprogressoparaaartemusical.

(*)Convém notar que no Brasil e países equatoriaisafestadeS.Joãocainoinverno.

São João

Lendas e Tradições Brasileiras, Afonso Arinos, 1917, Tipografia Levi, S. Paulo.

O mês de Junho é o mês das fogueiras e dos mastros por todo o Brasil. Celebra-se nele Sto. Antônio, a 13; S. João, a 24; S. Pedro a 29; as festas e fogueiras são na véspera. O dia 23 é esperado com especial ansiedade. De muito antes se fazem os preparativos, arruma-se a boa lenha, preparam-se os doces e o bolo de S. João, dispõe-se o livro de sortes, convida-se a vizinhança e não se esquece da boa pinga. Na roça, onde não há consumados artistas pirotécnicos, nem simples fogueteiros, cortamse no mato as taquaras para se fazerem as rouqueiras e os buscapés. Para as salvas, servem as mais velhas pistolas, os bacamartes, os clavinotes e as pederneiras, muitas vezes esquecidas e enferrujadas. Se a festa é celebrada em povoado ou em fazenda onde haja capela particular, é geralmente precedida denovena.

Na tarde da última novena, na véspera da festa, ergue-se no adro da igreja ou no pátio da fazenda, o alto mastro onde oscila a bandeira de S. João. É esta uma tela estendida num quadrodemadeiraondesepintouatradicional imagemdoPrecursoraoladodoseuimaculado cordeirinho. Muitas vezes a bandeira é conduzida da casa do festeiro ao adro por brilhantecavalgada.

Quatro cavaleiros dos mais garbosos, em ginetes de arnezes açacalados, trazem a bandeira presa nos quatro cantos por outras tantas alças de fita, cada uma segura à mão de umcavaleiro.

A Vida Eterna

Recebe-os o vigário em hábitos talares e procede à bênção da bandeira, que depois é passada na haste do mastro. Então, no meio da algazarradopovo,deestampidossucessivosde baterias de bombas, do espoucar dos rojões e de girandolas, ergue-se lentamente o mastro até ficar aprumado e firme desafiando os ventos. A bandeira gira na haste mostrando a efígie de S. João aos quatro pontos cardeais, à hora suave em que as palmas do coqueiro se remexem ao sopro da viração e ao canto das graúnas.

Ao escurecer as fogueiras devem estar prontasparaseatearofogoaoprimeirosinal.

Afinam-se violas e violões. Em rumas, nas bandejas,estãoempilhadasascaixasdebichas, os pistolões, as rodinhas de fogo, os fogos de bengala. Os busca-pés e rojões vão ser distribuídos pela molecada, cuja grita e cujas cabriolas recrudescem ao ver o primeiro rolo de fumo e o primeiro enxame de centelhas surgirem do vão escuro entre os troncos sobrepostos em cruz para a construção da fogueira. Montes de batatas, de carás, de mandiocas, de canas de açúcar esperam, para ser desbastados, o adiantar da noite, ao declínio das fogueiras, quando os animosos cheios de fé, põem-se descalços para de pés nus,calcaremasbrasas.

LENDASDES.JOÃO

Enquanto etnologistas e historiadores profanos vão buscar nos cultos de Artemisa as origens das festas de S. João, o povo simples tece, nas noites de luar, o seu rosário simbólico delendas.

Nossa Senhora indo visitar sua prima Santa Isabel, quando para ambas se avizinhava o nascimento de seus benditos filhos, pediu a Santa Isabel, cujo sucesso era esperado, antes lhe desse um sinal da feliz natividade. Santa Isabel prometeu a Maria Santíssima mandar plantar um mastro na montanha próxima e acenderemtornoumafogueira.

Com efeito, algum tempo depois, Nossa Senhora divisou no lugar aprazado, fumaça, labaredaseomastro.NasceraS.João

33

Batista, o Precursor; e Maria partiu logo a abraçar sua santa prima. Desde então se celebraosantocomfogosemastros.

Eis uma das lendas do Precursor, segundo a versão das “Festas e tradições do Brasil”, de Mello Moraes Filho. Com pequenas variantes, foi esta uma das que eu tanto ouvi em menino, na longa noite muitas vezes enluarada, onde a alma brasileira, repassada da tríplice nostalgia das três raças componentes do nosso povo, duas das quais exiladas e uma perseguida, borbotava em entusiasmos, quebrava-se em lamentoseameigava-seemesperanças.

ASDANÇAS

Das fogueiras e festejos de S. João há memória no Brasil desde o primeiro século da Colonização Com efeito, frei Vicente do Salvador, o primeiro brasileiro que escreveu a historiadesuaterra,concluídaem1627,jáfala nos folguedos de S. João, que atraíam muitos índios ao povoado e estes eram dos mais entusiastas.

As danças junto ás fogueiras são ainda, como outrora, as de origem popular europeia e as de procedência africana, mas umas e outras francamente nacionalizadas com verdadeiras criações originais nossas, cuja música é tão característica e tão viva que não há confundi-la comoutras.Penaéqueosnossoscompositores não se deem ao trabalho de viajar pelo interior a colher esses elementos preciosos e inéditos da arte nacional. Conhecemos em S. Paulo várias, a “chimarrita” e o “bate-pé”, por exemplo; aquela espalhada em todo o sul do Brasil e este usado por toda a parte em Minas, Goiás, Bahia, sob os nomes “dança-de-sala”, “guaiana”, “curraleira”, “recortado”, cada uma das quais tendo, porém, o seu cunho particular. Nestas quatro últimas, o ritmo, o bater de palmas, os solos e os coros, a variedade das figuras, fazem delas bailados lindos, com a facilidade de poderem ser dançados por homenssós,oumulheressós,masemnúmeros pares,comummínimodequatro.

Deorigemeuropeiasãotambéma“ciranda” ea“rolinha”;ambasdançadasemroda,comas

seguintescantigas,respectivamente:

ACIRANDA

Óciranda,ócirandinha, Vamostodoscirandar, Vamosdarameiavolta, Voltaemeiavamosdar, Vamosdaravolta inteira, Cavaleiro,troqueopar.

AROLINHA

Boteaqui,boteaqui; Oseupezinho; Seupezinho,seu pezinho Juntoaomeu;

Novirar,novirar Doseupezinho, Umabraço,umabraço, Lhedoueu.

Olhaarolinha Doce,doce; Embaraçou-se, Doce,doce; Donossoamor Doce,doce; —Andoároda, Andoâroda, Porquequero Mecasar —Colheinestejardim Arosaqueteagradar —Nãomeserve Nãomeagrada. Sóati,sóati, Heidequerer.

Da obra conscienciosa e rica de informações, “Folk-Lore Pernambucano”, de Pereira da Costa, vemos que estes bailados populares, que conhecemos no sul são também vulgares no norte do Brasil. A “rolinha” vi-a eu dançada graciosamente muitas vezes em Diamantina, no ano de 1904 e fui revê-la, com algumas variantes, em uma quinta de S. GonçalodoAmarante,aonortedePortugal.

As danças de origem africana, ao som de adufes, caxambus, canzambês, etc, são também frequentes na grande noite de S. João, sob os variados nomes pelos quais são conhecidas — batuque, lundu, samba, catira, cateretê, coco, fandangoeoutros.

De um S. João em Sorocaba ficou memória na descrição de Abreu Medeiros, nas suas “Curiosidades Brasileiras”, dadas a lume em 1864. Aí se nota, ao lado da reza de S. João, e diantedoseualtar,nacasadecertoNhôLico,o fandango.Eéaindaassimnosertãobrasileiro.

O terço ou a reza que se faz em comum e a conviteéiniciodafunção.

A Vida Eterna
34

Nossa Senhora do Carmo

Os Cinco Escapulários. Pe. Vicente Vítola, 1ª. Ed., 1949.

Imprima-se. Por comissão especial do Exmo. e Revmo. Sr. Arcebispo de Curitiba, Dom Attico Eusébio da Rocha. Curitiba, 15 de Agosto de 1949. Padre Dr. João de Castro Engler C. M. F.

ABENDITAORDEMCARMELITANA

Foi em 1091 que chegou ao Monte Carmelo o piedoso cruzado: Bertoldo de Limoges, com dezcompanheiros.

Este monge fôra um guerreiro famoso, o defensor tenaz de Antioquia, considerada verdadeira fortaleza da cristandade na Terra Santa,contraosembatesdossarracenos.

Bertoldo abandonara a espada e, vestindo grosseiro burel, iniciara, no Monte Carmelo, os fundamentosdeumaOrdemflorescentíssima.

De feito, não tardou que muitos anacoretas eeremitasdiscípulosda antigaescolaprofética de Elias, atraídos pelo fulgurante exemplo e pelo odor de suas virtudes, se submetessem à suaautoridadeedireçãoespiritual.

São Bertoldo, morrendo em 1187, teve como sucessor São Brocardo que recebeu, no ano de 1209, a regra de Santo Alberto, patriarca de Jerusalém, aprovada pelo Papa Honório III, em 30 de janeiro de 1226; regra essaqueéobservadaatéhoje.

Devido à política desleal de Frederico III, os piedososcristãoseeremitasdoMonteCarmelo perseguidos pelos ataques dos maometanos, deixaram quase todos o berço da Ordem, 1237 anosdepoisdonascimentodeCristo.

Nessas horas amargas, a Santíssima Virgem mostrou o quanto prezava a ordem do Carmo. Foi ela que tocou o coração do Vigário de Cristo: Inocêncio IV, que acolheu os fugitivos, confirmandoaOrdemeonomegloriosoque

elapossuía.

Graças a esta proteção, a Ordem espalhouse rapidamente pela Europa, principalmente pela Itália, França e Grã-Bretanha, onde em brevesurgiram40conventos.

Corriaoanode1251.Ajoelhadoumhomem reza.Éumvarãoextraordinárioqueviveumais de vinte anos albergado num buraco de uma árvore.

Ei-lo agradecendo a SS. Virgem o ter-lhe ordenadoingressarnaOrdemdoCarmelo. Ah!OsanosquepassaranaUniversidadede Oxford lhe foram pesados, mas assim pôde receber a graça do sacerdócio! Voltara novamente à solidão, onde permanecera até 1212.

Quando Maria lhe revelou a vinda dos primeiros carmelitas, correu a filiar-se a eles, e apósfundarummosteiroemNorwich,

A Vida Eterna
35 16 de Julho.

deixando-o em condições de receber novos aspirantes,retira-senovamenteàsolidão.

Mas tanta virtude não podia ficar oculta. S. Brocardo nomeia-o para coadjutor no governo da Ordem, e indica-o para Comissário Geral em toda a Europa, a presidir o governo dos religiosos. E desde 1245, pesa-lhe sobre os ombros o cargo de Superior da Ordem do Carmo!

Estesantovarãochama-seSimãoStock.

Com o rosto em terra, evola-se de seus lábios mais uma prece ardente à SS. Virgem rogando à tão bondosa Mãe, salve da última ruína a Ordem do Carmo e pedindo sinais de especialproteçãoaseusfilhosdiletos...

O seu coração amargurado pelas injustas perseguições de que era alvo a Venerável Ordem do Carmo, eleva-se até o trono da Virgem misericordiosa, recomendando à proteção materna da Senhora do Carmelo, em fervorosas preces regadas com abundantes lá grimas,asuaOrdem.

Nessa hora bendita, a Santíssima Virgem revelaaomundooescapuláriodoCarmo.

OSANTOESCAPULÁRIODOCARMO

1. A PRIMEIRA PROMESSA: A PERSEVERANÇA.

Transcrevemos a seguir um trecho da carta que São Simão Stock escreveu a seus irmãos sôbreaorigemdoescapulário:"Quandoeulhe dizia, com ternos suspiros: "FLOR DO CARMELO, VIRGEM DEPOIS DO PARTO, Ó MÃE ADMIRÁVEL E SEMPRE VIRGEM, DÁ AOS CARMELITAS PRIVILÉGIOS DE PROTEÇÃO, Ó

ESTRELA DO MAR, me apareceu a Soberana Senhora escoltada de inumeráveis anjos, e, tendo nas mãos o santo escapulário, me disse : "Recebe, filho meu muito amado, o escapulário de tua Ordem e sinal de minha confraria, privilégio para ti e todos os carmelitas, e o que morrercomelenãopadeceráofogoeterno.Ele é um sinal de salvação nos perigos, símbolo e penhordepazedealiançasempiterna.

Esta aparição celeste com a entrega do santoescapuláriorealizou-sea16dejulhode

1251,emCambridge,naInglaterra.

Os autores explicam assim a maneira como Nossa Senhora há de cumprir sua promessa: "Ela assistirá de um modo especial os confradesdoCarmo,distribuindo,dostesouros inesgotáveis da misericórdia divina, dos quais é depositária, as graças necessárias para a perseverança na justiça ou para a sincera conversão.

Quantos pobres pecadores revestidos do santo escapulário obtiveram a graça de se converterem, e salvaram sua alma, até mesmo nasproximidadesdaderradeirahora!

Pelo contrário, quantos se viram privados, às vezes de modo espantoso, do santo bentinho, por se abandonarem à presunção e à impenitência!...

Aopecadorimpenitenteeendurecidodiráo Anjo da Morte, como outrora um grande santo ao ministro de Tótila, rei dos Godos: "Depõe estavestequenãoétua".

2. A SEGUNDA PROMESSA: O PRIVILÉGIO SABATINO.

Apesar de insígne e consoladora a primeira promessa, não é senão uma parte do que São Simãoalcançaradetãoboamãe.

Segundo os termos da Bula do Papa João XXII, a Virgem apareceu a esse Pontífice, dizendo: "JOVEM VIGÁRIO DE MEU FILHO, TU FOSTE ELEVADO À MAIS ALTA DIGNIDADE DA TERRA, GRAÇAS À MINHA INTERCESSÃO A JESUS, E ASSIM COMO EU TE LIVREI DOS TEUS INIMIGOS, EU ESPERO DE TI AMPLA E FORMAL CONFIRMAÇÃO DO SANTO ESCAPULÁRIO DA ORDEM CARMELITANA, QUE ME FOI SEMPRE ESPECIALMENTE GRATA ... E, SE ENTRE OS RELIGIOSOS E CONFRADES, HOUVER ALGUM QUE, PELOS SEUS PECADOS, MEREÇA O PURGATÓRIO, EU COMO BOA E AFETUOSA MÃE, APARECEREI NO MEIO DELES, NO SÁBADO APÓS SUA MORTE, LIBERTAREI TODOS OS QUE ENCONTRAR E OS CONDUZIREI À SANTA MONTANHA, NA FELIZ MANSÃO DA ETERNIDADE."

A Vida Eterna
36

3. CONDIÇÕES PARA OBTER ESTES PRIVILÉGIOS

Para merecer o privilégio da perseverança, basta morrer revestido com o santo escapulário. No entretanto, quem desejar o privilégio sabatino, deve além das obrigações gerais a todos os escapulários, cumprir com as seguintes condições (segundo uma Bula de Pio V,de1612):

a) guardar a castidade, segundo o seu estado;

b) rezar todos os dias o OFÍCIO PARVO DE NOSSASENHORA.

Os sacerdotes cumprem esta obrigação rezandooBreviárioouasHorasCanônicas.

Os que não sabem ler, e por isso não podem recitar o Ofício de Nossa Senhora, se quiserem gozar do privilégio sabatino, não somente devem observar todos os jejuns prescritos pela Igreja, mas também abster-se de carne nas quartas-feirasesábados,salvoseodiadeNatal cairnessesdias.

Quanto aos jejuns, pode-se aproveitar dos indultos da Santa Sé. A obrigação do Pequeno Ofício e das abstinências, nas quartas e sábados, pode ser comutada pelo confessor "intra vel extra confessionem", ou pelo sacerdote autorizado a impor o bentinho. Esta comutação pode ser qualquer obra boa ou oração, p. ex., rezar diariamente 6 Pater, Ave e Gloria.

4. FEZ REALMENTE A SS. VIRGEM TAIS PROMESSAS?

A.TESTEMUNHODAIGREJA.

Quanto à primeira promessa "de livrar do fogo do inferno" o Papa João XXll, consultado, declara na primeira Bula de 1316, havê-la examinado na balança do Santuário e achado veríssima.

No que concerne à segunda promessa, do privilégio sabatino, o mesmo Pontífice declara que a própria Virgem lhe apareceu e lhe fez esta promessa. Para melhor confirmá-la, escreve em 03.03.1332, uma segunda Bula "Sacratíssimo uti culmine".

Vinte e dois dos sucessores de João XXII manifestaram-se no mesmo sentido. E finalmente, na festa de Nossa Senhora do Carmo a Igreja lembra a origem e as graças extraordinárias concedidas ao santo escapuláriodoCarmo.

As vantagens do privilégio sabatino foram confirmadas pela Sagrada Congregação das Indulgências,em04.07.1908.

B.TESTEMUNHODEDEUS.

Deus confirmou a veracidade dessas promessas, com inúmeros milagres. Lembremosapenastrês:

1. Foi durante o cerco de Montpellier, na França. O Sr. De Beauregard recebeu no peito duas balas, com tal violência que o precipitaram no chão, e quando lhe tiraram as roupasviramadmiradosasbalasamassadasde encontro ao escapulário, sem lhe causar o menormal.Foi testemunhodestefatoLuizXIII, Rei da França, o qual se apressou em receber o santo bentinho, cujo maravilhoso efeito vinha dever.

2. Monsenhor de Coislin, numa de suas luminosas Pastorais, em 1721, conta o assombroso caso de um enorme incêndio no Castelo de Raguin, que foi apagado, graças à um escapulário, lançado no meio das chamas, pelo Barão de Sourches. Não somente as chamasseapagaram,comoesteficouintacto.

3. Há poucos anos, um jovem marinheiro partiu de França para a América. Aqui chegando, mau grado a agitação das águas traiçoeiras e a oposição de seus companheiros, quis banhar-se. De repente, vê atemorizado junto de si um enorme tubarão, pronto a devorá-lo. Devoto fervoroso de Nossa Senhora, arranca do pescoço o escapulário do Carmo e com a mão esquerda, apresenta o milagroso bentinho ao tubarão, enquanto, com a mão direita,nadavelozmenteparaapraia.

O monstro, como se fôra ferido de cegueira ou paralisia, se detêm e o feliz protegido da SS. Virgem chega sem mais novidade à praia, onde se ajoelha e agradece tão assinalado favor à PoderosaRainhadosCéus.

A Vida Eterna
37

5.GRANDEZADESSESDONS A.ODOMDAPERSEVERANÇA

Oh! como é boa e carinhosa nossa Mãe celeste, presenteando-nos com estes dois privilégiosimerecidos!

Quantos foram elevados a altas dignidades… cresceram em virtudes e em santidade,paraumdiarolaremdeseutronoao lodoimpurodepecadosabomináveis...

Davi era santo e pecou. Salomão era o mais sábio dos homens e caiu. Judas, que era o apóstolo de Jesus, tornou-se o vil traidor do Mestre.

Queméquenosgaranteasalvação,o"único negócio necessário", aqui na terra? Nossa Mãe e Rainha, oferecendo-nos o santo bentinho do Carmo.

Agora, podemos compreender melhor a visão do companheiro do "Poverello de Assis", Frei Leão: Pareceu-lhe estar numa vasta planície, onde se encontravam duas escadas, uma branca e outra vermelha. Ambas conduziamaocéu.

Grande quantidade de pessoas procuravam subir por elas. Na extremidade da escada vermelha, estava Jesus Cristo, o Justo Juiz de vulto severo, e muitos dos que por ela subiam rolavamporterra…

Então, São Francisco convida os irmãos a subir pela escada branca, no cimo da qual estava Maria, radiante de glória e de bondade, e, ó maravilha! todos conseguem subir facilmente...

Já Santo Agostinho dissera que MARIA É A ESCADA MÍSTICA. Por Ela Jesus desceu à terra. Por intermédio dela nós poderemos subir até Deus!

B.OPRIVILÉGIOSABATINO.

Séculos depois da morte, a Santa Madre Igreja oferece ainda o santo sacrifício da missa pela libertação dos cruciantes sofrimentos do purgatório!

Como devemos temer suas chamas, se as almasmaispurasesantasaívãopurgarsuas

mínimas faltas! "Nada manchado entra no reino dos céus" (Apoc. 21, 27) diz a Sagrada Escritura. Deus que descobre manchas, nas almas mais puras e santas, quantas achará em nossamisériaefraqueza?

Os sofrimentos deste mundo podem ainda aproveitar para aumento da glória eterna, mas os sofrimentos do Purgatório só têm razão de castigo e com eles nada merecemos para a Eternidade!

Feliz de ti, meu irmão, se mereceres o privilégio sabatino, porque, então, "a própria Virgem Santíssima virá levar-te, no sábado apóstuamorte,paraaeternaglória!"

É bem verdadeira a asserção de Santo Efrém: "A devoção à SS. Virgem é um passaporte,(salvoconduto)paraoCéu".

A Vida Eterna
38

No mesmo dia 16 de Julho.

Canonização de Nosso Padre São Francisco

A Origem da Oração da Paz de São Francisco pelo Dr. Christian Renoux, Professor Associado da Universidade de Orleans, França

BelleprièreàfairependentelaMesse

Seigneur,faitesdemoiuninstrumentdevotre paix.

Làoùilyadelahaine,quejemettel'amour.

Làoùilyal'ofense,quejemettelepardon.

Làoùilyaladiscorde,quejemettel'union.

Làoùilyal'erreur,quejemettelavérité.

Làoùilyaledoute,quejemettelafoi.

Làoùilyaledésespoir,quejemette l'espérance.

Làoùilyalesténèbres,quejemettevotre lumière.

Làoùilyalatristesse,quejemettelajoie.

ÔMaître,quejenecherchepastantàêtre consoléqu'àconsolar,àêtrecomprisqu'à comprendre,àêtreaiméqu'àaimer,carc'est endonnantqu'onreçoit,c'estens'oubliant qu'ontrouve,c'estenpardonnantqu'onest pardonné,c'estenmourantqu'onressusciteà l'éternellevie.

Fonte: LaClochette,n°12,dez.1912,pág.

Umabelaoraçãoparadizerduranteamissa Senhor,fazeidemimuminstrumentodavossa Paz!

Ondehouveródio,queeuleveoAmor; Ondehouverofensa,queeuleveoPerdão; Ondehouverdiscórdia,queeuleveaUnião; Ondehouverdúvida,queeuleveaFé.

Ondehouvererro,queeuleveaVerdade; Ondehouverdesespero,queeulevea Esperança;

Ondehouvertristeza,queeuleveaAlegria; Ondehouvertrevas,queeuleveaLuz.

OhMestre,fazeiqueeuprocuremaisconsolar queserconsolado;compreenderqueser compreendido;amarqueseramado. Poisédandoqueserecebe;Éperdoandoque seéperdoado;

EémorrendoqueseviveparaaVidaeterna.

ORIGEMDESTAORAÇÃO

A primeira aparição da Oração pela Paz ocorreu na França em 1912 em uma pequena revista espiritual chamada La Clochette (O Pequeno Sino). Foi publicado em Paris por uma associação católica conhecida como La Ligue de la Sainte-Messe (A Liga da Santa Missa), fundada em 1901 por um padre francês, padre Esther Bouquerel (1855-1923). A oração tinha o título de 'Belle prière à faire pendente la messe' (Uma bela oração para dizer durante a missa), e foi publicada anonimamente. O autor pode ter sido o próprio padre Bouquerel, mas a identidade do autor permaneceummistério.

AoraçãofoienviadaemfrancêsaoPapaBentoXVem1915peloMarquêsfrancêsStanislasde La Rochethulon. Isso foi logo seguido por sua aparição em 1916, em italiano, no L'Osservatore Romano [ojornaldiáriodoVaticano].Porvoltade1920,aoraçãofoiimpressaporumpadre

A Vida Eterna
39
285

franciscano francês no verso de uma imagem de São Francisco com o título 'Prière pour la paix' (Oração pela Paz), mas sem ser atribuída ao santo. Entre as duas guerras mundiais, a oração circulou pela Europa e foi traduzida para o inglês. Foi atribuído pela primeira vez a São Francisco em 1927 por um movimento protestante francês, Les Chevaliers du Prince de la Paix (Os Cavaleiros do Príncipe da Paz), fundadoporÉtienneBach(1892-1986).

A primeira tradução em inglês que conhecemos apareceu em 1936 em Living Courageously , um livro de Kirby Page (18901957), escritor e editor de The World Tomorrow (Nova York). Page claramente atribuiu o texto a São Francisco de Assis. Durante a Segunda Guerra Mundial e imediatamente depois, esta oração pela paz começou acircularamplamentecomoaOração de São Francisco, especialmente através dos livros do cardeal Francisco Spellman, e ao longodosanosganhoupopularidademundial.

No Brasil mais antiga versão conhecida desta oração é publicada em Anais da Câmara dosDeputadosdoBrasilem1957. (1)

Dr.ChristianRenoux, Laprièrepourla paixattribuéeàsaintFrançois : une énigmeàrésoudre,Paris,Editions franciscaines,2001.

Disponívelem:

https://silkworth.net/alcoholics-anonymous/t he-origin-of-the-peace-prayer-of-st-francis/? amp.Acesso:11.08.2023.

https://www.capuchinhos.org/ franciscanismo/sao-francisco-de-assis/fontesfranciscanas/oracao-da-paz. Acesso: 11.08.2023

(1) Anais da Câmara dos Deputados, Congresso Nacional. Câmara dos Deputados, Centro de Documentação e Informação, Sessão em7deoutubrode1957,1957,p.464.

A Vida Eterna
40

ManualdaPiaUniãodasFilhasdeMaria, 12a.Ed.,FederaçãoMarianaFeminina.

Aprovação

Aprovamos e abençoamos os presentes estatutos, reformados em reunião de todos os diretores de Pias Uniões, por nós presidida, e mandamos que sejam adotados na Arquidiocese de São Paulo, mantendo-se desta arte unidade de espírito e de formação em todaselas.

SãoPaulo,30deoutubrode1960

FestadeCristo-Rei

C.card.Motta, Arceb.Metrop.

Nota

Este Manual foi compilado por iniciativa da Federação das Pias Uniões de Filhas de Maria da Arquidiocese de S. Paulo. Nesta compilação foram aproveitados, com ligeiras modificações necessárias para generalizá-los a todas as Pias Uniões,algunstrabalhosdeR.P.J.Nysten,deR.

Frei Basílio Roewer, O. F. M. (Manual da Pia União das Filhas de Maria) de R. P. A. Menezes, S. J. (Manual das Filhas de Maria), da Fed. das Filhas de Maria do Rio de Janeiro (Manual das FilhasdeMaria).

Estaediçãorecebeualgumasmodificações.

Estatuto da Pia União das Filhas de Maria

CAPÍTULOI

Disposiçõespreliminares.

Art. 1º. A Pia União das Filhas de Maria é uma associação religiosa, aprovada pela Santa Sé, que tem em vista fomentar nos seus membros uma ardentíssima devoção, reverência e amor filial para com a SS. Virgem Maria, e por esta devoção e pelo patrocínio de tão boa Mãe, tornar as jovens, em nome dela reunidas, cristãs autênticas, que sinceramente se esforcem por santificar-se em seu estado e se deem deveras à Igreja para salvar e santificar os outros, no apostolado, sob as ordensdaHierarquia.

Parágrafo único. A Pia União fará parte da Confederação Católica Arquidiocesana, cujos estatutos acata e, nos pontos que lhe dizem respeito,fielmenteobservará.

Art. 2º. O poder de erigir as Pias Uniões compete de direito ao Ordinário do lugar mediante cuja aprovação devem ser agregadas à Primária de Santa Inês em Roma, para que as Filhas de Maria possam lucrar as indulgências concedidaspelosSumosPontífices.

Art. 3º. A Pia União das Filhas de Maria se rege pelas normas do Direito Canônico, pelos Decretos do Concílio Plenário Brasileiro, no que se referem às associações religiosas, e pelospresentesEstatutos.

CAPÍTULOII

DasAssociadas.

SeçãoI

DascategoriasdeAssociadas

Art. 4º. A Pia União compõe-se de cinco categoriasdeassociadas:

1ª. Apresentadas;

A Vida Eterna
41

2ª. Aspirantes;

3ª. FilhasdeMariaativas;

4ª. FilhasdeMariapordevoção;

5ª. FilhasdeMariahonorárias.

SeçãoII DasApresentadas

Art. 5º. Será incluída na classe das Apresentadasa candidata a Filhade Mariaque, com14 anosaomenos, o solicitar, umavezque seja indicada por alguma associada, que possa darboasreferênciasdela.

Art. 6º. As Apresentadas devem frequentar os atos religiosos e as reuniões, não tendo porémodireitodeintervirnasvotações.

Art. 7º. O distintivo das Apresentadas, imposto sem formalidade, é uma fita estreita azul com uma pequena medalha de Nossa Senhora.

SeçãoIII DasAspirantes

Art. 8º. A Apresentada, não antes de 2 mesesdeestágio,podepassarparaaclassedas Aspirantes,pordeliberaçãodoConselho,desde quetenha:

a) manifestado especial amor a Maria Santíssima.

b) boa frequência aos atos religiosos, reuniõesecursodereligião;

c) bomprocedimento;

d) 15anosdeidade,pelomenos;

e) recebidoaprimeiraComunhão.

Art. 9º. As Aspirantes participam de todos os direitos, privilégios e indulgências concedidos às Filhas de Maria. Nas eleições, porém,nãopodemvotarnemservotadas.

Art. 10º. O distintivo das Aspirantes, imposto solenemente, é a medalha da Pia União (1) que trazem ao pescoço, pendente de umafitaverde.

(1) AmedalhadaPiaUniãotemdeumladoa efígie da SS. Virgem das Graças acolhendo as suasfilhas,queLhesãoapresentadasporSanta

emaisestainscrição: "Mater, tuos oculos ad nos converte".(Mãe,volveanósosteusolhos),eno reverso tem o monograma de Maria cercado de doze estrelas, tendo ao lado os Corações de Jesus e de Maria, e em redor abreviada, esta inscrição: "Sodalitem Filiarum Mariae sub patrocinio B. M. V. Immaculatae et S. Agnetis V. M. Romanam ad S. Agn. Plus IX Primariam dixit, Indulgentiis ditavit",(O Sodalício Romano das Filhas de Maria, sob o patrocínio da B. V. Imaculada e de Santa Inês, Virgem e Mártir, na BasílicadeSantaInês,PioIXdeclarouPrimário eenriqueceucomIndulgências).

Esta medalha foi aprovada pela Congregação das Indulgências a 24 de agosto de 1897; somente ela pode ser benta pelos Diretores locais com indulgência plenária in articulo mortis. Com autorização do Diretor Geral de Roma, o Diretor local pode delegar seuspoderes.

SeçãoIV

DasFilhasdeMariaativas

Art. 11º. A Aspirante, depois de um ano de estágio, pode passar paraaclassedasFilhasde Maria ativas, por deliberação do Conselho, desdequetenha:

a) boafrequênciaaosatosdaAssociação;

b) procedimentoexemplar;

c) observânciadestesEstatutos.

Parágrafo único. Para o fim de que trata esteartigoseráconsideradaAspirante,comum ano de estágio, a sócia da Cruzada Eucarística que, já por todo um ano, pertence a esta associação e lhe observa os estatutos, e que tenha,pelomenos,15anosdeidade.

Art. 12º. Só quem pertence a esta categoria poderávotareservotada.

Art.13º. AsFilhasdeMariagozamaindade todos os privilégios e indulgências concedidos in perpetuum pelos Sumos Pontífices Pio IX e Leão XIII, segundo o breve de 4 de fevereiro de 1870.

Art. 14º. O distintivo da Filha de Maria, recebido solenemente, é a medalha da Pia União,pendentedeumafitaazul.

A Vida Eterna
42

SeçãoV DasFilhasdeMariapordevoção

Art. 15º. As associadas que casarem passam, ipso facto, para esta categoria; bem como as que se ausentarem para lugar, onde nãohajaPiaUnião.

Art. 16º. Serão também admitidas e recebidas nesta categoria, a pedido seu, as donzelas de procedimento irrepreensível que, impossibilitadas por motivo de moléstia, de frequentar os atos da Pia União, desejarem gozardasvantagensespirituais.

Art. 17º. Podem assistir às reuniões e demaisatosreligiosos,usandodamedalhacom a fita azul. Nas eleições não podem votar, nem servotadas.

SeçãoVI

DasFilhasdeMariahonorárias

Art. 18º. São consideradas Filhas de Maria honorárias aquelas que, tendo prestado relevantes serviços à Pia União, por motivo de forçamaior,deixamdefrequentá-la.

Parágrafo único. A Pia União terá um livro deregistrodasFilhasdeMariahonorárias.

SeçãoVII

DosDeveresdasAssociadas

Art.19º. Sãodeveresdasassociadas:

a) Cultivar a piedade, sobretudo frequentando os sacramentos. Rezar o Ofício da Imaculada Conceição aos sábados ou aos domingos, devendo esta recitação, ao menos umavezpormês,seremcomum.

b) Participar da Missa mensal da Pia União e,sepossível,dominical.

c) Nesta Missa mensal, procurar receber a sagrada Comunhão, respeitada a liberdade de consciência,conformedecretosdaSantaSé.

d) Comparecer às reuniões, círculos de estudos e atos em geral da Pia União; procurar participar das festas de Nossa Senhora e dos Padroeiros,dosexercíciospiedososdeMaio,do retiro espiritual e das procissões de Corpus ChristiedoPadroeiroprincipal.

Impossibilitada de comparecer por razões justas,nuncadeixardejustificar-se.

e) Estudar a doutrina católica, frequentando os círculos de estudos da Pia União e, se possível, um curso de religião, íntegro, adaptado ao nível cultural da associada.

f) Contribuir dentro de suas possibilidades com seu trabalho ou com seu auxílio pecuniário para as obras de caridade, de zelo e de apostolado, de acordo com o espírito da Pia União.

g) Ter o vestido branco uniforme, com faixa evéu,deacordocomomodelooficialecomele apresentar-se nos atos oficiais solenes da Pia União.

h) Quanto à pureza dos costumes evitar, cônscia de sua dignidade, tudo que repugne à consciência cristã nas modas, nos divertimentos,nasatitudesenavidasocial.

i) Visitar as associadas enfermas, confortando-asespiritualematerialmente.

j) Contribuir com a joia de entrada e quota mensalqueforemfixadaspeloConselho.

CAPÍTULOIII

DaAdministraçãodaPiaUnião SeçãoI

DisposiçõesGerais

Art. 20º. A Pia União reconhece, na pessoa doEmmo.Sr.Cardeal-ArcebispoMetropolitano, a suprema autoridade na Arquidiocese, cujas decisões, salvo recurso à Santa Sé, são definitivas.

Art. 21º. A Pia União será administrada por um Conselho composto de um Diretor, possivelmente uma Diretora, uma Presidente, uma Vice-Presidente, uma 1ª Secretária, uma 2ª Secretária, uma Tesoureira, e um número de Conselheiras,segundoocritériodoDiretor.

Art. 22°. A nomeação do Diretor compete aoOrdináriodaDiocese,ecostumarecair:

a) noVigário,nasAssociaçõesparoquiais;

b) noCapelão,nasAssociaçõesformadas

A Vida Eterna
43

emColégioseoutrosestabelecimentos.

Art. 23°. A Diretora, que costuma ser uma Religiosa, será nomeada pelo Diretor, por tempoindeterminado.

Art. 24°. A Presidente e a Vice-Presidente serão eleitas pelas Filhas de Maria, entre duas ou mais candidatas apresentadas pelo Conselho, e o seu mandato será de dois anos, podendo ser reeleitas por mais um biênio somente.

§ 1°. A eleição ordinária efetua-se na reunião de novembro do último ano do respectivoperíodo.

§ 2°. No caso de vaga, a eleição será pelo temporestante.

Art.25°. Asoutrastitularesdadiretoriasão designadas pela Presidente, com aprovação do Diretor.

Art.26°. AsConselheirasserãoeleitaspelas Filhas de Maria, por 3 anos, renovando-se, anualmente,peloterço.Podemserreeleitas.

§ 1°. A eleição ordinária efetuar-se-á na reuniãomensaldenovembrodecadaano.

§ 2°. No caso de vaga, elege-se outra Conselheira, pelo tempo que restar à substituída.

Art. 27°. Só poderão ser votadas as Filhas de Maria ativas, que figurem numa lista, organizada pelo Diretor, com audiência do Conselho.

Art. 28°. O Diretor nomeará uma das Conselheiras para Mestra das Aspirantes, e outraparaZeladoradoCultoDivino.

Art. 29°. As eleições efetuam-se por escrutínio secreto, ou por outra qualquer forma,ajuízodoDiretor.

Parágrafo único. Havendo eleição por escrutínio, é suficiente a maioria relativa de votos.

Art. 30°. Os membros da Diretoria e do Conselho tomam posse, solenemente, no dia 8 dedezembro.

Art. 31°. O Conselho delibera, com a presençadoDiretoroudaDiretora,eda

maioriadosseusmembros.

SeçãoII

DasatribuiçõesdoConselhoedastitulares decargo

Art.32°. CompeteaoConselho:

a) julgar da idoneidade das Aspirantes e informar, quando necessário, sobre a admissão de Apresentadas e Filhas de Maria por devoção;

b) excluir as associadas nos casos do art. 48°.

c) resolver sobre todos os negócios da Associação.

Art. 33°. As deliberações são tomadas por maioria de votos e dependem de aprovação do Diretor.

Art. 34°. O Conselho reúne-se uma vez por mês, em dia, lugar e hora designados pelo Diretor.

Art. 35°. Os membros do Conselho devem guardar segredo daquilo que se tratar em suas reuniões, e primar pela observância dos estatutos e pelo bom exemplo, lembrando-se que não receberam seus cargos para a própria vanglória mas, unicamente, para a utilidade de todaaAssociação.

Art.36°. CompeteaoDiretor:

a) presidir a todas as reuniões; dirigir as sessões; propor as matérias de deliberação; subscrever as atas das sessões e os diplomas dasassociadas.

b) presidir ao retiro anual, se não julgar mais conveniente convidar para isso outro Sacerdote;

c) em casos extraordinários, receber candidatas a qualquer categoria, e determinar exclusões,semovotodoConselho;

d) nomearaDiretoria;

e) zelar pela fiel observância do art. 19°, letra "e".

Art.37°. CompeteàDiretora:

a) presidiràsreuniõeseaosdiversos

A Vida Eterna
44

exercícios da Pia União, no caso de ausência do Diretor;

b) subscrever as atas das sessões e os diplomas;

c) velar sobre os membros do Conselho e sobretodasasAssociadas;

d) advertir, em particular, e com toda a caridade, a associada que não proceder corretamente, para que se corrija, dando aviso aoDiretor,sefornecessário.

Art.38°. CompeteàPresidente:

a) substituiroDiretor,nafaltadaDiretora;

b) abrireencerrarassessões;

c) subscrever as atas das sessões e os diplomasdasassociadas;

d) velar sobre as Associadas e comunicarlhesasordensdoDiretor,bemcomoosavisose outrasnotasdaFederação;

e) recitar as orações com as demais associadas;

f) apresentar ao Diretor o nome das donzelas que desejarem pertencer à Associação;

g) nomear,sefornecessário,associadasque coadjuvem à Zeladora do Culto Divino no mês de Maria e nasprincipaisfestividadesde Nossa Senhora.

Art. 39°. Compete à Vice-Presidente: substituiraPresidenteeauxiliá-la.

Art.40°. Competeà1ªSecretária:

a) lançar no livro competente os nomes das associadas,comadatadasuarecepção;

b) lançar no livro competente as atas das sessões da Pia União, registrar as deliberações do Conselho e outros acontecimentos que mereçamseranotados;

c) nas sessões do Conselho, ler a ata da sessão antecedente, para ser aprovada e assinada;

d) subscrever as atas das sessões e os diplomas.

Art.41°. Competeà2ªSecretária:

substituireauxiliaraprimeira.

Art.42°. CompeteàTesoureira:

a) receber as contribuições e coletas e ter sob a sua guarda uma das chaves do cofre (quando houver), ficando a outra em poder do Diretor;

b) escriturarareceitaedespesa;

c) pagar as contas, feitas com autorização do Conselho, do Diretor, Diretora ou Presidente;

d) recolher,a estabelecimentodecrédito de confiança, toda a quantia superior a 500 cruzeiros;

e) anualmente enviar à Cúria os livros da Tesourariaparaexamedecontas.

Art. 43°. CompeteàMestradasAspirantes:

a) instruir as candidatas a Filhas de Maria, nos deveres, no espírito e nas práticas da Pia União, e, em tempo, informar ao Conselho quais estão no caso de ser admitidas como FilhasdeMaria;

b) prestar assistência, na recepção das candidatas.

Art. 44°. Compete à Zeladora do Culto Divino tomar conta do Altar de Nossa Senhora, e especialmente nas festas da Santíssima Virgem,diassantoseduranteomêsdeMaria.

CAPÍTULOIV

DasPenaseCulpas.

Art. 45°. As associadas são sujeitas às seguintes penas, que todavia só devem ser aplicadaspormotivossólidosegraves:

a) suspensão;

b) exclusão.

Parágrafo único. Procure o Diretor ou a Diretora ou, conforme o caso, a Presidente caridosa e reservadamente admoestar o membro faltoso, só o fazendo em reunião, em casosabsolutamenteexcepcionais.

Art. 46°. A suspensão é imposta pelo Diretor ou pela Diretora reservadamente e, nos casosgraves,emreunião.Deveapenaser

A Vida Eterna
45

recebida com humildade, procurando a Associada seguirosconselhoseavisosquelheforemdados.

Art. 47°. A pena de exclusão será imposta pelo Conselho, por proposta do Diretor ou da Diretora, e, salvo em caso de extrema gravidade, depois de trêsadmoestaçõesinfrutíferas.

Parágrafo único. Havendo grande urgência, podeimpô-laoDiretor,semovotodoConselho.

Art.48°. Sãoconsideradasculpasgraves:

a) toda culpa grave, quando pública e escandalosa;

b) desobediência grave e formal às ordens dos superiores;

c) injuriargravementeasAssociadas;

d) zombar e escarnecer das práticas da Pia União;

e) proceder de maneira indecorosa e frequentar lugares e ambientes moralmente condenáveis;

f) habitual e incorrigível desobediência ao regulamentodaPiaUnião;

g) faltar obstinadamente a várias reuniões seguidassemdarjustificativadafalta.

CAPÍTULOV

DisposiçõesGerais

Art. 49°. A recepção das Aspirantes e Filhas de Maria ativas se fará, com toda a solenidade possível, escolhendo-se, para isso, as principais

Art. 50°. A associada que se retirar para lugar diferente ou quiser transferir-se para outra Associação, pedirá uma carta de recomendação de seu Diretor, com a qual poderá ser admitida na classe a que pertencer, depois de um mês de prova, se o Diretor da Pia União ad quam julgar necessário.

§ 1°. Durante esse tempo, ela deve frequentar osatosreligiososereuniões.

§ 2°. A agregação poderá fazer-se com a imposição da fita e a renovação do ato de consagraçãoaMariaSantíssima.

Art. 51°. Quando falecer uma associada, a Pia União acompanhará, se puder, o enterro, e fará celebrarMissapeloseudescansoeterno.

Art. 52°. Durante o ano, possivelmente dentro da oitava de finados, deverá haver uma Comunhão e Missa pelas irmãs falecidas de todas as associaçõesagregadasàPrimária.

Para boa ordem da Pia União e aproveitamento de seus membros, seria conveniente instituir-se, quando for grande o número de Associadas, um corpo de zeladoras, que terão a seu cargo 6 ou 7 Filhas de Maria, cada uma, observando-lhes a frequência, afervorando-lhes a piedade e o zelo. As zeladoras, se forem muitas, serãoafervoradaspelas zeladoras-chefes, e estas pela vice-presidente. Sejam prontas em transmitir às suas zeladas os avisosnecessários.

Uma vez por mês, as zeladoras entregarão as

A Vida Eterna
46
Grupo das Filhas de Maria de Óbidos - PA acompanhado de seu diretor espiritual Frei Daniel Budde, OFM, 1950.

Pia União dos Zeladores da Santa Casa de Loreto

IntençãoGeralparaomêsdeAgostode

2023: Pelo aumento e santificação das vocações religiosas femininas.

Oferecimentodiário.

“Ofereço-Vos, ó meu Deus, em união com o Santíssimo Coração de Jesus e pelo Coração Imaculado da Santíssima Virgem Maria Rainha de Loreto, as orações, obras, penitências, sofrimentos e alegrias deste dia, em reparação de nossas ofensas e por todas as intenções pelas quais o mesmo Divino Coração está de contínuo a interceder e sacrificar-se em nossos altares. Eu vos ofereço de modo particular pelas intenções recomendadas aos Zeladores da Pia União da Santa Casa de Loreto neste mês e neste dia e pelo Diretor Geral de nossa Pia União."

Asintençõesparaosúltimosmeses,foram:

Maiode2023:

1.PeloSeminárioSeráficoSãoBoaventura.

2. Pela visita do Bispo Dom Pio Espina ao Brasil.

3.PeloapostoladonoBrasil.

Junhode2023:

1. Pela organização Clero Secular Brasileiro epeloaumentodasvocaçõessacerdotais.

Julhode2023:

1. Para que Deus dê condições para o desenvolvimento espiritual e material dos ConventoseSeminários.

Devoção e Testemunho dos Sumos Pontífices à Santa Casa

LORETO THE NEW NAZARETH AN ITS CENTENARY JUBILEE” – POR WILLIAM GARRATT M. A. – 1895. Nada menos que quarenta e sete Papas renderam honra à Santa Casa de Loreto, seja por suas visitas, seja por seus presentes, seja pelos favores espirituais que concederam aos peregrinos.

Entre os primeiros Soberanos Pontífices que conferiram privilégios a este Santuário, citamos de passagem Bento XII e Urbano VI. Um escrito pelo primeiro foi encontrado entre os registros da cidade por Angelita chanceler deRecanati.

Ordem dos Cavaleiros de Loreto e cercaram acidadecommuralhas;porelestambémforam erguidas as duas fontes, e a água foi trazida de Recanati por um magnífico aqueduto que lembraosdoperíodoromano.

Leão XII declarou a cidade de Loreto “digna de toda honra, porque em seu Templo se conserva a Sala em que o Verbo se fez Carne”. Clemente VIII proibiu o canto de quaisquer outras Ladainhas da Santíssima Virgem, exceto a de Loreto. Assim como São Jerônimo chamou Nazaré de “a Flor da Galileia”, São Pio V intitulou a Santa Casa de Loreto de “verdadeiramente a Casa das flores que havia em Nazaré”; Inocêncio XII cantou as glórias da Santa Casa como “o primeiro Tabernáculo de Deushabitandonomeiodoshomens”.

Os Papas estabeleceram ainda a festa da Translação da Santa Casa; eles prescreveram ritossolenesparasuacelebraçãoecolocarama comemoração no martirológio romano; inseriram a história da Translação no ofício do Breviário Romano e aprovaram uma Missa especial; eles também autorizaram os esclaves, noladoorientaldoAdriático,arezaresta

A Vida Eterna
47

missa e ofício em memória da Translação da SantaCasaparaaIlíriaem10demaiode1291.

Existem as dissertações de Bento XIV sobre a Santa Casa de Loreto. Este dotado e erudito Papa expressa assim a sua profunda convicção: “Que a Santa Câmara em que o Verbo Divino se encarnou foi transportada pelo ministério dos anjos, todos os monumentos fornecem a prova; e tradição constante, o testemunho dos Romanos Pontífices, e os milagres que não cessamdeseroperadoslá,confirmamisso”.

Urbano VIII fez a peregrinação em 1625, ano jubilar, e permitiu que as indulgências da Santa Casa permanecessem em pleno vigor, apesar da suspensão geral das indulgências. Pio VI, também, preservou ao Santuário as indulgências durante o Ano Santo, e foi à Santa Casa colocar sob a proteção da Virgem de LoretosuaviagemàÁustria.

Só neste século XIX, a Virgem de Loreto recebeu a visita de três Papas; e o atual Pontífice, Leão XIII, (na época de publicação do livro), fez a peregrinação à Santa Casa como Cardeal. Todo católico sabe o motivo pelo qual, como Papa, Sua Santidade foi impedido de renovarsuaperegrinação.

Pio IX, que proclamou o dogma da Imaculada Conceição, tinha grande devoção por aquela morada sagrada que três de seus predecessores já haviam honrado como o próprio lugar onde Maria foi concebida. Foi na Santa Casa que fez voto de ordenar-se se cessassem inteiramente os ataques a que estava sujeito, por intercessão de Nossa Senhora do Loreto. E foi à Santa Casa que, ao ser eleito para o trono papal, enviou a cruz peitoraleoanelqueusaracomobispo.Desdea infância visitava Loreto. “Meus pais”, disse ele, “tinham o hábito de ir à Santa Casa todos os anos, e levavam meus irmãos e eu com eles. Desdeomomentoemquesabiadaviagem,não conseguiadormirdealegria!”

“Nãoédeadmirarque,desdeosprimórdios da religião cristã, esta abençoada Casa, adornadaetransformadaemcapela,tenhasido objeto de respeito, devoção e veneração por partedetodososfiéis;detodasasépocas

posteriores, animada de sentimentos da mais profunda reverência, não cessou de lhe dar glória; se príncipes vieram das terras mais distantes para prestar-lhe suas homenagens e prodigalizá-la com suas mais preciosas ofertas; se os Soberanos Pontífices, nossos predecessores, especialmente desde o do tempo de Bonifácio VIII, de feliz memória, sentiram-se honrados em encerrar o augusto berço da Virgem numa rica e magnífica Igreja, ostentando o título de Basílica, e possuindo todososprivilégiosinerentesaessadistinçãoa intenção de fazer florescer de um extremo ao outro do mundo a santidade da Virgem Imaculada e a devoção a Nossa Senhora de Loreto, aprovamos e confirmamos todas as indulgências, e concedemos ao Prefeito da Congregação de Loreto o poder de filiar-se igrejas,etc.”

Entre os mais esplêndidos documentos pelos quais os sucessores de São Pedro renderam homenagem à Santa Casa, devemos colocar a Carta Apostólica do venerado Pontífice Leão XIII, na qual Sua Santidade proclama um Jubileu em honra da Santa Casa de Loreto. Nas palavras do Vigário de Cristo sobre a observância do centenário, todos os católicos devem encontrar a garantia da aprovação de Jesus de Nazaré aos preparativos feitos para celebrar este evento tão auspicioso, e uma garantia de muitas graças a todos que, seguindo as exortações do Papa Leão XIII, devem concordar com Sua Santidade em honrar “aquele lugar mais abençoado onde o iníciodasalvaçãodohomemfoirealizado”.

A Vida Eterna
48

Ordem Terceira de São Francisco de Assis

Manual da Ordem Terceira de São Francisco de Assis. Compilado pelos PP. Franciscanos e PP. Missionários Capuchinhos do Brasil, IV EdiçãoOficial,1949,Ed.Vozes.

IMPRIMATUR.Curitibae.17Septembris1934. Fr.MarcellusBaumeister,O.F.M.,Min.Provils.

IMPRIMATUR. PorComissãoEspecialdo Exmo.eRevmo.Sr.DomManuelPedroda CunhaCintra.BispodePetrópolis.FreiLauro OstermannO.F.M.,Petrópolis.28.07.1949.

PARTEI

AREGRADAO.T.ESUAEXPLICAÇÃO

I.SÃOFRANCISCOESUASTRÊSORDENS

QuemeraS.Francisco?

Era um homem suscitado por Deus, para, em sua pessoa, apresentar ao mundo decaído a imagem do Salvador, a fim de reanimar a caridade nos corações regelados e fazer renascer o espírito cristão e os bons costumes. Extraordinário foi o êxito que obteve: o amor a Jesus empolgou de novo os corações; à Igreja e a seus chefes prestaram-se a submissão e o amor que lhes são devidos, e inúmeras almas sentiram-se atraídas a praticar as mais altas virtudes. Deus o inspirou na fundação das três ordens,queforamoesteiodesuasobraseasua continuaçãonodecorrerdostempos.Francisco foi, portanto, o amparo da Igreja, o renovador da vida cristã e o fundador de um novo apostolado.

QuesabemosdaorigemdeS.Francisco?

OsantonasceuemAssis,naItália,aos26de Setembro de 1182, e em circunstâncias tais que o tornaram, desde o nascimento, semelhante ao Salvador, cujo fiel retrato se deviatornarmaistarde.

Opaidonossosantoeraumriconegociante de nome Pedro Bernardone Moriconi; a mãe descendia da nobre família dos Bourlemont, da

da Provença. O menino, na pia batismal, recebeu o nome de João Batista, mais tarde, porém, o pai sempre o chamava “Francisco”, nome com que se tornou geralmente conhecido.

De que modo viveu Francisco os anos da juventude?

Francisco passou a mocidade rodeado de rapazes levianos e amigos de divertimentos, e entretodoseraeleochefe.

Deus, porém, o protegeu de modo tal, que jamais se deixou o jovem engodar pelos prazeres ilícitos. A pureza de que era dotado, a sua inata nobreza no que diz respeito à moralidade e bons costumes, o preservaramde todaaqueda.

Desde aquela época, notava-se-lhe algo de foradocomum,queotornavaestimável.

Portanto, quando mais tarde se refere à sua conversão, não devemos entender que tenha deixado vida viciosa, mas que se desprendeu completamente do mundo para consagrar-se a Deus e passar vida exclusivamente votada ao Senhor.

Conquanto tivesse sido educado com destino ao comércio, Francisco não tinha os característicos comuns dessa profissão: não se inclinavaàpossedebenseriquezas.

Deus lhe dera terna compaixão pelos pobres, por isso tomou a resolução de jamais negar esmola a quem lhe pedisse, maximé se lhaimplorassepeloamordeDeus.Afisionomia nobre e meiga, juntamente com a conduta intemerata que sempre tivera, a ilimitada caridade, os belos talentos e qualidades boas de que era dotado, faziam presumir, desde aquela época, que Deus havia de derramar sobreelebênçãosaindamaisabundantes.

Como atraiu Deus a Francisco para uma vocaçãomaiselevada?

A Vida Eterna
49

Escolhido realmente por Deus, devia Francisco ser purificado pelas provações, a fim de se tornar apto a receber maiores graças. Padeceu prolongada moléstia. Vencida esta, viu em sonhos um palácio armado de guerra, ornamentado de cruzes; sentiu o jovem desejo de glórias militares, e pôs-se a caminho para tentar a sorte das armas. Uma noite, porém, Deus lhe falou: — “Francisco, quem te pode fazer maior bem, o senhor ou o servo? O pobre ou o rico?" Respondeu o jovem: — “Maior bem me podem fazer o senhor e o rico”. Então a voz divina insistiu: — “Por que deixas o senhor pelo servo, e o Deus rico pelo homem pobre?” — “Que queres, Senhor, que eu faça?” inquiriu Francisco. — “Volta para tua pátria, respondeu o Senhor, porque o sonho que tiveste representa uma obra espiritual que se há de executar, não pelo poder humano, mas pelo auxíliodeDeus”.

Desde então, Francisco se retirou dos negócios públicos e pediu a Deus que o esclarecesse.

Por uma aparição do divino Crucificado reconheceu que devia obedecer à seguinte advertência: “Se alguém me quiser seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz, e sigame” (Mt 16, 24). Francisco inflamou-se então de amor à pobreza e à humildade, e de seráfico amordeDeus.

Pouco depois, ouviu a voz divina que lhe dizia: “Vai, Francisco, e reconstrói a minha casa que,comovês,ameaçaruína”.

A princípio, não conheceu o santo o alcance destas palavras; julgava que Deus o mandava reerguer o edifício meio derruído da igreja onde se achava em oração. Deu-se pressa a ir a Foligno, onde vendeu pano e cavalo, dando o preço da venda a um padre pobre para a reedificaçãodaquelaigreja.

Ao saber disso, o pai de Francisco, que era ambicioso, foi, cheio de cólera, procurar o bispo de Assis, exigindo que fizesse o filho desistirdaherançaquelhecabia.

Francisco de bom grado o fez e com tamanharenúncia,queatéasroupasdocorpo

entregou ao pai, cobrindo-se com o manto de um campônio, criado do bispo, e dizendo: “Agora posso dizer em verdade: Padre nosso queestaisnoscéus”.

Estava então o nosso santo provecto na humildade de Cristo e ocupado com a reconstrução da igreja de S. Damião, para a qual, pelo amor do Crucificado, esmolava em Assis e, com as mãos, carregava pedras. Terminado esse trabalho, fez o mesmo para o conserto de uma igreja consagrada a S. Pedro e depoisparaaigrejinhadeSta.MariadosAnjos, chamadaaPorciúncula.

Essa reedificação material das três igrejas era como a predição das três ordens que mais tardehaviadefundar.

Que levou Francisco a fundar a primeira Ordem?

Um dia, ouviu, por ocasião da missa, as palavras com as quais Cristo, o Senhor, enviou os apóstolos à pregação do evangelho, e lhes mandou que não levassem para o caminho mais do que um bastão (Mc 6, 8). O amante da pobreza exclamou alegre: “Aí está o que desejo eanelodetodoocoração!”

E assim dizendo, desatou o sapato dos pés, atirou para longe a bolsa, e contentou-se com umbastão.

E assim começou a ser o ardente imitador da perfeição evangélica, e a atrair muitos outros para a vida de penitência. Não tardou que se lhe ajuntassem homens do mesmo modo de pensar; com isto estava lançado o fundamento da primeira Ordem dos Frades Menores,cujaregradevidaoutranãoésenãoo evangelho da vida de Jesus, com todas as suas máximas, virtudes e exemplos. Esta foi a primeira ordem, para homens, estabelecida no anode1209.

De que modo nasceu a segunda Ordem, paramulheres?

Animadas pela palavra e pelo exemplo de S. Francisco, quiseram algumas donzelas seguir também ao Salvador pela senda da perfeição evangélica. Destasa primeirafoi ClaradeAssis.

A Vida Eterna
50

Nascidadepaisnobres,em1194,eeducada com esmero, desde cedo manifestava excelsa vocação. Francisco logo reconheceu-lhe os altos dons divinos, tomou-a sob sua direção e, depoisdegrandesdificuldades, obteveparaela agasalho numa casa, ao pé da igreja de S. Damião.

Pouco depois foi se juntar a Clara sua irmã Inês, e não tardou que a ambas se associassem certo número de almas seráficas. Foi assim que se fundou, em 1212, a segunda ordem de S. Francisco, a Ordem das Senhoras Pobres ou Clarissas, que perfumou a Igreja com o suave odor de santidade das virgens consagradas a Deus.

Como se constituiu a Ordem Terceira, paraosseculares?

Depois de ter feito tudo quanto cumpria fazer para fortalecer as duas ordens, Francisco e seus companheiros percorreram diversos lugares, a fim de anunciarem aos homens a salvação. E, como diz Leão XIII, não trepidaram nessatarefa.

Pelas estradas e pelas ruas, sem teto e fora dopúlpito,emdiscursosdestituídosdeatavios, começaram a concitar o povo ao desprezo das coisas terrenas e à contemplação dos dons celestes. É admirável o resultado de uma atividadequetãosembasesparecia!Numerosa acudia de roldão a turba sequiosa de salvação: um, a chorar pecados, outro, a esquecer injú rias; este, a abandonar disputa, e aquele, a buscar reconciliação. Era inaudito o devotamento com que o povo se sentia atraído por Francisco. Seguia-lhe os passos por onde andasse; e não raro, os habitantes das cidades e dos lugarejos pediam ao Santo que os tomassesobsuaguardaedireção.

Isto lhe foi ensejo para fundar a Ordem Terceira, Ordem da Penitência, que abrange todos os estados, qualquer idade e ambos os sexos, sem destruir laços de família ou condiçõesdomésticas.

Aos membros desta Ordem, nada mais pede além da observância das leis do evangelho que nãoparecempesadasaosbonscristãos.

OSantoquerqueosterceirosobedeçamaos mandamentos de Deus e da Igreja, que evitem discórdias, não prejudiquem ao próximo, não usemarmas,sejammodestosnomododeviver, abstendo-se do luxo no trajar e dos divertimentosperigosos.

Pessoasdehumildescondições,assimcomo as mais eminentes, deram-se pressa de entrar para essa Ordem, de modo que, com o correr dos tempos, contam-se nela reis e príncipes, Papas,CardeaiseBispos.

A Ordem Terceira é o anteparo da sociedade. Pela observância das regras prescritas por S. Francisco, e pela imitação das virtudes do Santo, floresceu a virtude na sociedade cristã, cessaram as desavenças entre concidadãos, ou, quando não, pelo menos diminuíram; as armas caíram das mãos dos tiranos; os pobres e indigentes encontraram socorro; o sensualismo, destruidor da prosperidade e instrumento da luxúria, foi combatido por palavras e por exemplos (Leão XIII). S. Francisco, como Abraão, tornou-se pai demuitospovospelafundaçãodastrêsordens, a que inúmeros homens se incorporaram, no decorrerdosséculos.

De que modo se confirmou Francisco na vocaçãoapostólica?

Era o santo tão humilde, que se achava irresoluto, se devia ou não pregar publicamente

Amava profundamente a vida solitária e a oração; além disso, julgava-se incapaz de atividade apostólica, e receava, exercendo-a, prejudicar-senaalma.

Implorou a Deus que o iluminasse, mas só se tranquilizou quando, por intermédio de Sta. ClaraedoirmãoSilvestre,lhefoideclaradoque pela Providência divina era chamado não somente para cuidar da própria alma, mas também para trabalhar pela salvação da humanidade. Deus mesmo lhe havia de pôrnos lábiosaspalavrasquedeviapronunciar.

Como nos descreve S. Boaventura a figuradeS.Francisco?

A Vida Eterna
51

Num estilo belo e incisivo, profundo e solene, nos diz S. Boaventura: “A misericórdia de Deus, nosso Salvador, manifestou-se, nestes últimostempos,emFrancisco,seu fielservidor, sobre quem o Senhor deitou olhar tão benevolenteque,alémdeerguê-lodapoeirada vida mundana, escolheu-o para o mais fiel observador, condutor e arauto da perfeição evangélica, e o elegeu luminar dos fiéis, a fim de que desse testemunho da luz e do caminho para Deus, e que preparasse o caminho para o céunasalmas.

Era a estrela d’alva no meio de névoa, cintilando com o fulgor de sua vida e dos ensinamentos com que iluminava aqueles que jaziam nas trevas e nas sombras da morte. Era o arco-íris de cores rutilantes por entre nuvens majestosas,penhordaaliançacomDeus.

Núncio de salvação, era o verdadeiro anjo da paz. Qual segundo precursor, fôra ainda o santo escolhido por Deus para pregar a penitênciaporpalavraseexemplos.

Paraessefim,oSenhorocumuloudegraças e de grandes virtudes, e o inflamou todo em amor seráfico, de modo que, com espírito e força de Elias, e como o anjo que João viu descer do oriente (Ap 7, 2), trazendo o sinal de Deus vivo, tornou-se Francisco a imagem do Salvador crucificado, cujas chagas se lhe imprimiram na carne por meio da admirável forçadoespíritodeDeusvivo”.

QuandomorreuS.Francisco?

Faleceu aos 45 anos de idade, em Assis, no ano de 1226, na tarde de três de Outubro e, dois anos depois, foi canonizado pelo Papa GregórioIX.

Que é para os Terceiros a vida de S. Francisco?

É para eles um modelo que devem estudar minuciosamente e compreender bem, a fim de poderimitá-lo.

Quais as principais virtudes de S. Francisco?

1ª. Extraordinária predileção pela pobreza evangélica;

2ª. Espírito de contínua penitência e mortificação;

3ª.Humildadedecoração;

4ª. Cega e completa obediência à autoridadeeclesiástica;

5ª.AmorardenteaDeus,oquelhemereceu onomedeserafimemcarne.

Quais os deveres dos terceiros para com oseupaiS.Francisco?

Devem:

1.° Imitá-lo como guia e mestre, principalmente nas virtudes que ele mais amou;

2.° Impregnar-se cada vez mais do seu espí rito, para o que somente a observância das regrasdaráanecessáriaforça.

A Vida Eterna
52

DOIS POBRES NO MESMO CAMINHO

SantaMariaGoretti-MártirdaPureza.Pe.

J.C.M.Colombo,IIEd.,1949

Nihilobstat. Fr.RernandoFieneO.F.M., Censor ad hoc. RiodeJaneiro,02.02.1949

PodeImprimir-se. Rio,3defevereirode 1949.Mons.CarusoproVigárioGeral

Imprimatur. Pe.SalvadorDeRuggiero, Provincial.

A família Goretti era originária de Corinaldo (Ancona).

O pai, Luiz, depois de ter feito o serviço militar, casara-se com a sua conterrânea D. Assunta Carlini, de dezenove anos, e a levara para sua casa, na sua pequena propriedade, ondeviveramanosfelizes.

Assunta Carlini é chamada por todos os biógrafosdanossamártir:"amulherforte".

Dera-lhe a natureza uma índole viva, embora tímida, sentimental. De sua sensibilidade intuitiva, pronta a perceber os pensamentos e os sofrimentos do próximo adquiriuaqueladedicaçãoquelhecaracterizou toda a vida, no amor, no sofrimento e no sacrifício.

Não lhe acalentou a infância a doçura do beijo materno; e, na sua adolescência, para ganhar o pão, teve que sujeitar-se ora a um ora a outro patrão. Quem conhece a vida dessas pobres moças, que se empregam nos campos, pode avaliar quais foram os primeiros anos de Assunta. Arcava com duros trabalhos. Era a última a deitar-se e a primeira a levantar-se; tinha de contentar-se com o que lhe davam, tanto para comer, como para se vestir; exposta a todas as intempéries e à inclemência das estações, sempre sujeita às ordens e mesmo aosabusosdospatrões.

Viveu assim até 19 anos, forjando aquelas virtudes de sacrifício e de coragem, de que a suaMarietadariatãoluminosaprova. Aduravidaemcasaalheiaenriqueceu-a

também de conhecimentos práticos, indispensáveis a uma boa mãe de família: aprendeu a manter a casa bem limpa, a remendar vestidos, a preparar refeições com gosto e variedade, a substituir os homens no árduo trabalho do campo, manejando com habilidadeomachado,aenxadaeafoice.

Os gravíssimos perigos morais a que se achou exposta na casa dos patrões, obrigaramna a maior vigilância na defesa do seu melhor tesouro: sua pureza. Respeitou-se e fez-se respeitar. Guardou aquela nobre altivez, que, no dizer do Papa, aumenta o valor moral da jovem, impede-lhe dobrar-se em escravidão, e a conserva intacta para se consagrar a Deus na vida religiosa ou para entregar-se ao esposo na formaçãodafamília.

O segredo desta admirável segurança com que soube, por tantos anos, defender a sua virtude, deve ser encontrado na sua constante fidelidade à lei de Deus, na prática da piedade cristã, bem como na sua filial devoção a Maria Santíssima. A invocação: "Mãe das Dores", afigurava-se-lhe o mais belo título com que honraria Nossa Senhora e a maior garantia contratodoperigoetodainsídia.

Seusprincípiosdevidacristã eramsimples: fidelidade à lei de Deus, à Missa festiva, ao Santo Rosário e aos preceitos da Igreja. A oração, a confissão frequente, a Comunhão e uma fervorosa e constante devoção a Jesus Sacramentado, proporcionavam-lhe as energias físicas e morais de que diariamente necessitava e de que ainda mais precisaria no tempo de sua viuvez. Embora analfabeta, ainda assimconseguiudecorartodoocatecismo,que, mais tarde, repetiria com segurança aos filhos empacientesliçõesdominicais.

Os dias, decorridos a serviço de patrões diferentes, no meio de tantos perigos e mil necessidadesnãoforamsempretranquilos.Ela, no entanto, venceu sempre e chegou ao matrimônio cheia dessa saúde física e moral, que constitui, ainda hoje, o mais valioso patrimôniodanossamocidadedoscampos.

Ocasamentofoiparaela,comoparatodo

A Vida Eterna
53

verdadeiro cristão, uma comunhão de espíritos, uma verdadeira fusão de almas, mais do que uma simples comunhão de bens físicos e materiais... Nunca o concebeu como um bom negóciooucomoumaventurasentimental.

Na vida conjugal, foi ela sempre fiel companheira, dividindo com o marido os sacrifícios e as alegrias. Jamais sombra alguma veioofuscarafelicidadedessesdoisesposos.

Luiz Goretti, o companheiro que Deus reservara para o coração de D. Assunta, crescera na sólida e ingênua piedade que reinava na sua família. De maneiras rudes, era, no entanto, incansável trabalhador, econômico e honesto, e um bom cristão no autêntico sentido da palavra: oração quotidiana, pela manhã e à noite; sinal da cruz antes e depois das refeições; terço à noite em família; Santa Missa todos os Domingos e festas de preceito; amorosaobservânciadetodasasleisdeDeuse daIgreja.

Os mandamentos eram o seu código. Considerava-os como elos da corrente de ouro baixada do céu à terra, para elevar a alma humana da terra ao céu; o fio de divisão entre livreseescravos,osulcoprofundoqueseparao trigodojoio.TraziaaleideDeusnamenteeno coração,encontrandonaaparenteamargurado preceito ou da proibição a doçura da graça de Deus nesta vida e a consoladora esperança da vidafutura.

Lavrador incansável e inteligente ganhava com seus braços o pão para a esposa e os filhos, que Deus lhes mandava, e que eram acolhidos com a mesma alegria com que se recebemdonsdocéu.

Suaprincipalrendaeraoprodutodocampo sempre incerto, como as condições climáticas de que depende. E quando o tempo desfavorável, anunciava uma colheita escassa, cresciam as preocupações do bom homem. Era com o coração apertado que via a neblina descer dos Apeninos, e cobrir a terra queimandootrigoedestruindoassementes…

Mas, nem mesmo nos anos favoráveis, a colheitadasuapequenapropriedadedavapara

sustentar família tão numerosa. Era preciso emigrar. Dura necessidade! Luiz procurou... e quando lhe ofereceram trabalhar, numa propriedade de Gianturco (Paliano), não hesitou. O terreno insalubre e a impunidade dos crimes que afastavam desse lugar todos os que amavam a vida, não amedrontavam esse pai, que, por amor dos filhos, não media sacrifícios.

Dia e noite, ao sol, ao gelo, à chuva, o pobre Luiz lavrava a terra, esperando antes o prêmio doPaiCelestedoqueosaláriodospatrões.

Três anos depois, a escassez das colheitas, as crescentes necessidades da família e mais outras circunstâncias, obrigavam-no a emigrar novamente - doloroso calvário dos pobrespara o centro do Agro Pontino, em Ferriere de Conca. Aí terminaria sua laboriosa existência, para receber no Reino de Deus, o prêmio de tantaslutasedetantasfadigas.

SEM PAI

À direita da imperial "Via Appia", a atual estirada nº. 7, a onze quilômetros e meio da cidadezinha de Nettuno, nas cochilas do tristonho "Agro Romano", surge a aldeia de "La Ferriere".

Outrora lugarejo de umas poucas casas de colonos, é hoje uma região pontilhada de vilas. O gigantesco trabalho de saneamento transformou os campos onde pastavam búfalos selvagens em cidades povoadas de laboriosos agricultores.

Bem diversa, porém, era a aldeia de "La Ferriere" nos tempos de nossa heroína: pântanos, charcos e juncais por todo lado; e, portodapartefocosdemalária.

Os poucos habitantes ali estabelecidos, e os outros nômades, pastores de Abruzos ou camponeses dos vizinhos montes Lepini, eram gente típica do pântano: magros, pálidos e nervosos, frequentemente atacados de febres, que os castigavam em período quase que regulares. Viviam cultivando campos numa ou noutra região mais fértil (famosa era a chamada "Campo de carne", que produzia saborosasuvasdemesa).Dosbonslucros

A Vida Eterna
54

que, de tempos em tempos, auferiam, aproveitam-se para juntos se expandirem em ruidosas alegrias, nas festas da aldeia, sobretudonasde Nettuno,asmaisfamosaseas maisfrequentadas.

Nettuno é um encanto. Seus jardins sombreados, seus campos bem regados, o aroma das noites floridas, a brisa marítima e, enfim,atentadorapraia,tudoissodavaàqueles camponeses a impressão de um pequeno paraíso terrestre. As poucas horas lá passadas renovavam-lhes as forças para voltarem em seguidamaisanimadosparaotrabalho.

Em Ferriere todos sentiam-se "em casa". E, tal como numa boa família, esses pobres lavradores, lá chegados de todas as regiões da Itália, amavam-se entre si como se fossem irmãos, compartilhando dores e alegrias. Só uma coisa entristecia-os profundamente: a falta de uma igreja e de um padre. A Santa Missa só raramente era celebrada em Ferriere; o mais das vezes, era preciso ir a Conca, a Cisternaou,maisfacilmentea Nettuno...eeram quilômetrosequilômetrosdedistância!

Mas "Deus está em toda parte" murmuravam as águas que desciam alegremente dos montes Lepini. "Deus está em todaparte"sussurravamasfolhasagitadaspela brisa.Eocintilardasestrelas,ànoite,repetiao mesmocantodaDivinaProvidência:"Deusestá emtoda.parte".

Luiz Goretti e sua esposa sentiam esta invisível presença de Deus. Não eram cristãos apenas pelo Batismo: viviam intensamente a sua fé e davam a Deus na família, o lugar que lhe cabe: o primeiro. Sabiam por experiência, que, procurando o reino de Deus e sua justiça, tudo o mais ser-lhes-ia dado por acréscimo, conforme a promessa divina. E tinham tanta necessidade das bênçãos de Deus! Os filhos aumentavam e os braços, embora incansáveis no trabalho, eram apenas dois... Era preciso prover as boquinhas sempre abertas daquelas avezinhas de Deus. Pais dedicadíssimos, mesmo na solidão de Ferriere, cuidavam dos seus pequeninos com todo o zelo para que a Deusreservassemsempreasprimícias.

Garante D. Assunta que, mal suas crianças balbuciavam as primeiras sllabas de ma-mãe e pa-pai, logo ensinavalhes o nome de Jesus e o sinal de Cruz, enquanto elas com as mãozinhas atiravam beijos às imagens dos santos. Ainda com pouca idade, já todos sabiam rezar. E era de ver com que recolhimento acompanhavam ospaisàigreja,emdiasdefesta!

Mas a cruz não pode faltar neste mundo: é dada a todos, e se levanta em toda casa ... Não faltariatambémnestavirtuosafamília.

Luiz, forte e robusto, sofria com o clima insalubre do tórrido "Agro Pontino". Nos abrasados dias de verão, sentia saudades da frescura das colinas, que, coroando a fértil província onde nascera, desciam até o mar Adriático,aíabrindo-seemconvidativaspraias, juntoàáguadomaislímpidoemaisbeloazul...

Na primavera de 1900 adoeceu. Ao empaludismo veio ajuntar-se o tifo, e depois a meningite...

Estava perdido! Teria pressentido? Quem sabe? Certo é que, um dia, descarregando os caixõesmortuários,queopatrãoparaqualquer eventualidade encomendara, dissera: “Serei o primeiro a precisar de um deles!”; Riram-se os colegas como de uma brincadeira... os supersticiosos apressaram-se a fazer os devidos esconjuros... Entretanto, era realmente isto o que a Divina Providência havia determinado.

A doença do pai veio revelar a dedicação da pequenina Maria. Tão criança e já parece moça feita. Esquecendo as diversões próprias da sua idade, une-se à mãe na assistência do enfermo e nas tarefas de casa. Atenta aos menores desejos do pai para aliviar-lhe os sofrimentos, cuida,aomesmotempodosirmãozinhos.Varre a casa, prepara a comida, arruma os quartos, corre à farmácia, encarrega-se das despesas. Maria está em todo lugar, a fim de poupar aos pais, em tão dolorosa contingência preocupações e angústias. Noites de insônia, dias quase sem alimento, em movimento contínuo.

A Vida Eterna
EntrementeschegaraparaLuizahorado
55

chamado de Deus. A morte não o assustou. Fortalecido com os confortos da religião, de que havia de temer? Por que entristecer-se, se ia passardo mundo paraa recompensaeterna?

Afligia-o, porém, a sorte de sua mulher e de .seus filhos a ponto de fazê-lo chorar. Faltara-lhe o tempo para garantir-lhe um futuro melhor. Chamando a esposa, aconselhou-a voltar para Corinaldo, sua terra natal, o mesmo repetindo no delírio da agonia. Deixava-lhe agora, toda a responsabilidade, pois teria também que substituí-lo no ganha pão para os filhos, ainda pequenos. Segurandolhe as mãos pediu-lhe, com olhar suplicante que deles cuidasse com todo o carinho. Depois, voltando-se para Maria e os outros presentes, recomendou-lhes que obedecessem à mãe comoaelepróprio.

Foi esse o derradeiro adeus às coisas do tempo. Depois entregou-se aos pensamentos da eternidade, que, dentro em breve, o receberia.

Ao último suspiro do pai, Maria sentiu-se desfalecer; dominou-se porém, e, voltando-se para a imagem de Nossa Senhora que acolhera o olhar do moribundo, diante dela expandiu todaasuador.

- "Não tenho mais pai!" disse-lhe, e, nestas palavras traduzindo toda a sua angústia, rompeu em prantos. Essas lágrimas eram o merecidotributodeamoràquelepai,quehavia sustentado a ela, bem como aos irmãozinhos comosuordeseurosto.

desceuparasemprenaquelerostotãosuave.

A sensação de vazio que reinava agora na casa, sem o pai, que tanto a enchia de sua presença, foi outro golpe para a menina. O sofrimento aumentava quando via sua mãe interromper abruptamente a refeição e procurar, com os olhos marejados em lágrimas, olugardoamadoesposo...

Essa dolorosa contingência serviu, no entanto, para revelar-lhe o sentido real da vida e da morte. A vida é um tempo de provação e dedemonstraçãodefidelidadeaDeus;amorte, a imolação de todo o ser e o caminho para a pátria abençoada, eterna recompensa dos justos.

Continua...

À

os despojos queridos. À luz dos quatro círios, Maria olhava, ora para o pai imobilizado entre as tábuas do caixão, ora para a mãe, que, embora chorando, mostrava-se calma. De súbito, irrompeu em seu coraçãozinho uma torrente de dor e saudades. Soluçava e as lágrimas rolavam-lhe sem cessar pelas faces impalidecidas. Atemorizada, D. Assunta, correu para ampará-la, receando mais uma terrível perda…

Depoisdisso,Mariamostrou-semaisforte,mas daquelediaemdiante,umanuvemdetristeza

A Vida Eterna
noite, mãe e filha guardaram sozinhas
56

CristonoLar: Meditaçõesparapessoas casadas.2ªEd.,Pe.RaúlPlus,S.J.,Trad.Pe.José deOliveiraDias,S.J.,1947.

Imprimipotest. Die17octobris1946. JuliusMarinho,S.J.Praep.Prov.Lusit. Podeimprimir-se. Porto,6deDezembro de1946.P.Lopes,Vig.Ger.

DOS TRÊS AOS CINCO ANOS

Nenhum acordo de si deu ainda o sentido moral, pelo menos acordo completo. Isto, geralmente falando. A meio caminho entre a inconsciência da primeira idade e o contato raciocinado com a vida. Por ocupação principal,obrinquedo;cortarcartonagens,seé umrapaz,ou garatujardesenhosinformes.Seé uma menina, confeccionar, vestir ou despir qualquer manequim de trapos, primeiro esboçodaprimeiraboneca.

Um princípio de contato com o mundo invisível – isso depende das famílias, das mães sobretudo: - aprendem orações, sabem que há umpai do céu, umMeninoJesus.Sabemquehá coisas proibidas; mas não descobrem ainda a malíciadomal.Apoderam-sedoquepertenceà mamã, mas sem saberem que isso é roubar ; nem sempre dizem a verdade, sem saberem bem que isso é mentir e que mentir é uma vilania; e quando o fazem é mais por instinto de defesa que por maldade natural. Por um beijo iriam até ao fim do mundo, e muito mais longe ainda por um rebuçado. Mas, se se trata de ceder esse rebuçado ao irmãozinho, ou à irmãzinha, são corajosos, embora sem deixarem de lamber primeiro um pouco. Não é isso generosidade já? E se, pelo Natal, a mamã lhes sugere que ofereçam ao Menino Jesus alguns bolos, fá-lo-ão resolutamente, embora pela calada não deixem de ir “recomer o que sacrificaram.”

É necessário aproveitar bem esta idade maravilhosa.

Já que a criança é uma grande imaginativa, é mister sugerir-lhe imagens, mascomonecessitadesereducada,imagens

queelevem.Eparaisso,porquenãocomeçarjá a utilizar a vida de certos santos, a vida de Maria,deJesussobretudo?Queepisódios,etão pitorescos, e tão ao alcance da criança, no Evangelho! Sobretudo se o Evangelho passou pelo coração da mamã, ela saberá corno estimular sem falsear, instruir sem cansar, adaptaràcompreensãodacriança.

Coisas inexatas, nunca. A criança, nessa idade, é duma docilidade extrema: “Papá disse, mamã disse”, é sagrado. Portanto cuidado com as histórias que se lhes contam, comasconversasquesetêm.

Nesta idade a criança é também inclinada a referir tudo a si, mas mui disposta para o desprendimento, para a bondade. De si mesma é egoísta, instintivamente. Tem uma propensão terrível para a propriedade: não reparte, quer tudo para si. E, como tem múltiplas necessidades e sabe que é pequena, procura rodear-se do maior número possível de coisas que lhe aproveitem. Mas, se, pouco a pouco, a ensinam a olhar à volta de si, a ver que há outras menos privilegiadas do que ela, se lhe persuadem que é bonito despojar-se de qualquer coisa para socorrer a outrem, encontrar-se-ão generosidadesraras

A criança nesta idade não tem ainda, entre ela e o batismo, a casca crustácea do desleixo e dos pecados adultos. É pura; a simplicidade élhe inata. Possui a fé infusa, e o Espírito Santo na sua alma está à vontade. Mas, cuidado não se escandalize amenordestascrianças,nãose lhes dê o espectáculo do mal, da impureza mesmomaterial,damentira,dacólera.

Por outro lado, ela é distraída, esquecida, cabeça no ar. Falais-lhe; escutará ou não escutará; mas não vos prometo que prestará atenção ao que lhe dizeis. As vossas ordens deslizam por ela como a água por cima do mármore. É necessário prender-lhe a atenção: reiterai as vossas exortações, as vossas ordens, sem impaciência para vós, nem cansaço para ela.

Cuidado com as maneiras que adotam, comasatitudesquetomamnoleito,àmesa,

A Vida Eterna
57

cuidado com esses primeiros sintomas de gulodice, de preguiça, de indisciplina, de sensualidade. A criança é ainda inconsciente, mas não o deve ser o educador. Nada de longas explicações; uma palavra breve, às vezes um olharsimples,masquedizmuito.

E nunca desanimar, mesmo se os resultados são deficientes. Examinar-se, corrigir-se, se necessário for. E nessas criancinhas ver só a Cristo. “O que fizerdes ao mais pequenino de entreosmeuséamimqueofazeis.”

A ARTE DE ESTRAGAR AS CRIANÇAS

Hádoisgrandesmeios:omauexemploeos mimos.

1º. - O mau exemplo. Todos os homens se imitam entre si. As crianças mais do que ninguém estão expostas a macaquear os grandes,e,antesdequaisqueroutros,osdasua imediata convivência, sobretudo os pais, que lhes aparecem como seres privilegiados em quenadahádecondenável.

A mãe é arrebicada? A filha será vaidosa. Falará, agirá,adornar-se-á,nãoporumidealde belezaconformecomasuacondição,comasua posição, mas para que dela se tenha uma opinião levantada; há-de passar adiante de todas as suas companheiras, das amigas, pelo corte ou pela singularidade dos seus vestidos, ligará uma importância considerável, exagerada, a ínfimos pormenores do trajar, despertará crises de terrível ciúme quando se julgardesbancada.

Opai éorgulhoso?Procuraacasoencarecer as suas qualidades, rebaixar as dos outros, ou não as querer reconhecer? O rapaz há-de ser presunçoso, desdenhoso, gabarola, pretensioso, arrogante, obstinado, dará mostras de incompreensão com relação aos outros.

Os pais são faladores, questionadores, picantes nas suas palavras? Os filhos hão-de ser intemperantes em palavras, bulhentos, ciumentos.

Os pais são fingidos? Os filhos arriscam-se a tornar-se mentirosos. Há indiscrições nas conversas, julgando-se a torto e a direito as ações alheias? Os filhos, já inclinados a julgaremdetudodoaltodasuagrandeza,farão apreciaçõesindiscretas,injustas,inoportunas.

"Os pais manifestam gosto pelas comodidades, pela riqueza, ambição até de adquirirem por todos os meios? Os filhos arriscam-se a fazerem-se egoístas, apegados ao bem-estar, e se a ocasião se proporcionar, a seremfraudulentos.

2º. - Os mimos. - Certos pais são demasiado duros, não animam. Outros - é o maior número-são bonacheirões, lisonjeiam os filhos, condescendem com todos os seus caprichos.

Amimar os filhos não é querer-lhes bem, não é amá-los por eles mesmos. É antes um retorno dos pais sobre si mesmos. Buscamse a si nos filhos. Assim não poderão dar firmeza à educação, nem castigar quando for necessário, nem prevenir extravagâncias, nem fazerem-se obedecer. Deixarão de censurar qualquerfantasia.

Mas se não somos bondosos, a criança fogenos; nas horas difíceis deixará de desabafar, ficaremos privados das suas confidências. Se, pelo contrário, multiplicamos as nossas atenções, será sempre franca e teremos mão nela.

Não se trata de faltar à bondade, trata-se de não ser fraco. Se sois criteriosamente firmes, longe de perderdes a confiança dos vossos filhos, mais confiança terão eles ainda, porque sois prudentemente fortes. Se eles veem que nas provas de afeição que lhes dais nãovosbuscaisavósmesmos,masunicamente o bem deles, compreenderão que nas vossas atitudes de severidade não há vestígios de capricho, mas só o interesse deles. É precisamenteissoqueoseduca,essecontato comumaalmaforteedesprendida.

RISO DESASTRADO

A Vida Eterna
cercadeMerimeucontaSainte-Beuve
A
58

estahistorieta.

“Aos cinco anos cometera ele não sei que criancice. Sua mãe, ocupada num trabalho de pintura, pô-lo fora da oficina, de castigo, e fechou-lhe a porta. Através da mesma porta, pôs-se a criança a pedir perdão, a prometer emenda, com verdadeira entoação de arrependimento e de sinceridade. A mãe não respondia. Mas a criança tanto fez que ela lhe abriu a porta. De joelhos arrastou-se para ela sempre suplicante, com uma acentuação de tanta sinceridade, e numa atitude tão patética,quenomomentodeacriançachegarà sua presença, ela não pôde conter o riso. No mesmo instante a criança levanta-se e exclama, mudando de tom: “Ah! Então é assim? Pois bem, já que se riem de mim, nunca mais hei de pedir perdão. Esebemodisse,melhorofez.”

Parecer zombar dum ato de generosidade da criança é o melhor meio de lhe fazer perder para sempre o gosto de ser generosa. Certamente a pobre mãe não se ria dos sentimentos que agitavam o filho. Ria-se unicamentedomodocomoeleostraduzia.Mas a criança é que não distingue. Riem; logo zombam.E,sezombam,équeacoisaéridícula. Portanto nunca mais se porá em situação ridícula.

A sua tenra consciência é geométrica. O seu raciocínio não admite distinções. E o que dá a idade.

Calcule-se o que é necessário à criança que procedeu mal para ela se decidir a pedir perdão. É travesso. E então? Não se explica?

Está torturado pelo desgosto que deu aos pais, torturado talvez pelo remorso, obsessionado pelaperspectivadocastigo.O suplicarperdão exprime-se por soluços um tanto ofegantes demais. Mas há neles um sincero pesar. Comediante nato, pode ser que ele exagere voluntariamente a manifestação exterior do seu arrependimento; mas será sempre assim? O mais das vezes a criança é “natureza”, e, enquantonãoconstarocontrário,oseugestoé leal,exprimerealmenteoquesente.

Enessecaso,quedesconchavoquandoo

seu arrependimento é acolhido dum modo paraelatãoinesperado,tãodesconcertante!

Às vezes tratar-se-á duma confidência, dum assunto que a criança, na sua simplicidade, exporá sem lhe medir o alcance, dum entusiasmo que ela entendeu fazer compartilhar, duma aspiração generosa, de que ela desejaria ouvir uma confirmação. Se vê que não lhe dão ouvidos, ou que parecem zombar dos seus lindos sonhos, ou das suas perguntas, depressa aprenderá a reservar-se. Da sua alma tenra nada mais se saberá; manterá secretosos seuspensamentos, procuraráporsi mesma uma resposta às dúvidas por vezes tão inquietantes que desabrocham na sua consciência.

Outra sorte há ainda de risos imprudentes: é o dos pais, ou o da convivência, quando a criança pratica um ato moralmente repreensível.

No proceder duma criança há duas categorias de atos que se devem cuidadosamente distinguir: 1º. - os que não geram nenhuma deformação moral, por exemplo,ferirosjoelhosaocair,mancharofato inadvertidamente, entornar um tinteiro por distração; 2º. - aqueles em que entra em causa algum problema moral: furtar, mentir, faltar à obediência,aorespeito.

Ora pode acontecer que os pais sejam exageradamente severos com atos em que nenhumaresponsabilidadehádeordemmoral, e que sorriam ou gracejem com atos ou palavras moralmente repreensíveis. Nada mais apto para deformar as consciências infantis. Habituam-se a considerar graves os atos que nenhuma gravidade apresentam, mas a propósito dos quais se fez uma cena espaventosa; a tomar por insignificantes atos de gravidade moral, mas que serviram de divertimentoaquemospresenciou.

Cuidado com o meu rir e com o meu sorrir. Quenemumnemoutrovenhamforadetempo.

Continua...

A Vida Eterna
59

O PRIMEIRO CONGRESSO EUCARÍSTICO NACIONAL

"Estamos num momento cruciante de nossa vida nacional e a base de onde há de partir a nossa salvação é a Eucaristia".

Semana Religiosa, Órgão Oficial da Diocese de Porto Alegre

Setembro de 1933. O apelo de Dom Leme aos católicos brasileiros

O Congresso Eucarístico Nacional que vai ser efetuado na Bahia, assume caráter de um compromisso de honra em que estão emprenhadosonossopatriotismoeanossafé.

Trata-sedeumaafirmaçãoreligiosacoletiva e pública em nome de todo o Brasil. Daí o carinho com que, em todos os cantos da cristandade brasileira, se mobilizam as almas em cruzada de esforço para que o Congresso Eucarístico Nacional tenha o maior esplendor possível.

Exigem-no o amor que votamos ao dulcíssimo Rei Sacramentado e os interesses superiores da Pátria, cujos destinos, nesta hora difícil, vamos confiar à onipotência da vontade divina.

Afetuosamente coadjuvado pelos sacerdotes e fiéis da arquidiosece baiana, o Sr. Arcebispo Primaz está ultimando os preparativos para o grande certame da espiritualidadenacional.

Ressoa por todo o país a palavra afetuosa e eloquente de S. Exma. Revma. ao episcopado, aoclero,eaopovocatólicodoBrasil.

Da nossa parte, a todos deixamos comovido apelo para que, com sua presença pessoal, com numerosas representações, com o testemunho público de sua adesão e, principalmente, com o fervor de suas preces, todas as dioceses e paróquias brasileiras contribuam para o Triunfo do Congresso Eucarístico Nacional de São Salvador da Bahia, de 3 a 10 de setembro próximo.

Triunfo do Cristo Rei, oração nacional pela pátria, demonstração de fé, gratidão e amor a Jesus Sacramentado, argumento de nossa incondicional fidelidade à Santa Igreja Católica Apostólica Romana e ao seu chefe supremo, Papa Pio XI, tão amigo do Brasil, o Congresso Eucarístico será uma expressão inconfundível da pujança e elevação das forças espirituais que plasmaram e sustentam a alma da nacionalidade.

Circular sobre o 1º. Congresso Eucarístico Nacional

RevmosCooperadoreseCaríssimosFilhos.

Transferido do ano passado por motivo da revolução, deve realizar-se este ano, de 3 a 10 de Setembro, na capital da Bahia, o 1º. CongressoEucarísticoNacional.

Tratando-se de um empreendimento de caráter nacional e que visa a glorificação de Jesus Sacramentado, é necessário que o Brasil inteiro volte desde já as suas vistas para a tradicional cidade do Salvador e coopere eficazmente para que esse acontecimento se revista do máximo esplendor, traduzindo o amordosbrasileirosàSagradaEucaristia.

Para que essa nossa Diocese também participe, do melhor modo possível, dessa grande festa eucarística, determinamos o seguinte:

1º. A Diocese será representada no Congresso por dois sacerdotes do clero diocesano

2º. No nosso Seminário realizar-se-á um pequeno congresso eucarístico nos dias 7, 8, 9 e 10 de Setembro, sob a direção do Revmo. Padre Inácio Botta, professor de teologia, terminando esse Congresso numa sessão solene na Catedral, no dia 10, às 2 horas da tarde.

3º. Em nossa Catedral e em todas as paróquias haverá um tríduo eucarístico nos dias 7, 8 e 9, possivelmente com pregação, terminandocomumagrandecomunhãogeral

Cruzada pelo
Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
60

no dia 10 e o piedoso exercício da Hora Santa à noite,precedidodeprocissãocomoSantíssimo Sacramentopelointeriordotemplo.

4º. Nos primeiros dias do Congresso os Revmos. Vigários promoverão telegramas de adesão das associações católicas e fiéis, dirigindo esse telegrama ao Exmo. Sr. ArcebispoPrimaz.

5º. Durante todo o mês de Agosto faça-se em todas as matrizes, com prévio aviso, uma coleta de esmolas para auxiliar as despesas do Congresso.

6º. A partir do dia 1º. de Agosto, em todas as igrejas da Diocese se reze depois da Bênção doS.S.,emvozalta,comopovo,aseguinte

OraçãopeloCongressoEucarístico

Boníssimo Jesus, que no excesso misericordiosíssimo do vosso amor quisestes ficar em nossos tabernáculos, verdadeira, real e substancialmente presente, como melhor companheiro de nosso exílio, e renovais continuamente no sacrifício da missa os grandes mistérios da cruz, e ainda Vos dais inteiramente às nossas almas na santa comunhão, dignai-Vos abençoar o Primeiro Congresso Eucarístico Nacional. Inspirai os nossos trabalhos, tornai sábias e firmes as nossas resoluções e facilitai os meios para o melhor êxito dos nossos esforços. Inflamai os corações dos sacerdotes e fiéis, a fim de que seja mais conhecido, mais praticado e mais amado este infável mistério da Eucaristia. Dai que as homenagens que vos queremos preparar sejam dignas de Vós e proporcionadas ao amor que Vos devemos. Fazei enfim, que o resultado melhor do nosso Congresso seja a consolidação duradoura e perene do reinado social de vosso Coração Eucarístico, em toda a pátria brasileira, por tantos motivos particularmente vossa. Assim seja.

Coração Euc. de Jesus, tende piedade de nós.

N. Sra. do Santíssimo Sacramento, rogai por nós.

S. Pascoal Bailão, patrono dos Congressos Eucarísticos, rogai por nós.

S. José, protetor da S. Igreja Católica, rogai por nós.

Esperamos que os nossos Cooperadores e Filhos empreguem o melhor de seus esforços no cumprimento destas determinações, a fim de que a nossa diocese participe condignamente das grandes homenagens que vãoserprestadasaJesusSacramentado. PousoAlegre,28deJunhode1933.

OCTÁVIO, Bispo diocesano.

Corações, à Bahia

O Congresso Eucarístico da Bahia é, atualmente, o ponto de convergência de todo o catolicismobrasileiro.

Estamos num momento cruciante de nossa vida nacional e a base de onde há de partiranossasalvaçãoéaEucaristia.

Sem ela, será vão todo o esforço empreendido para reconstruir a nação esfaceladapelasdivisõespolíticasesociais.

Com Ela tudo será fácil, a despeito de todas asdificuldades.

Há um trabalho imenso a fazer para o qual nãobastaaciênciadoshomens.

Só a Graça Divina pode dar vida a todas as boas vontades, reparar todas as ruínas e revigorar as almas que tão facilmente se deixamaquivencerpelodesânimo.

Aformaçãoespiritualé,pois,nãoapenas o primeiro degrau na escada que devemos subir,masoseuprópriofundamento.

É inútil querer reformar o mundo ou reconstruirumanação,senãocomeçamospela reforma de nós mesmos, pela reconstrução de nossavidainterior.

Essa é a tarefa mais urgente. A mais indispensável.Aprimeira.

EcomonaEucaristiaestáocentrodetodaa Vida, só n'Ela podemos beber a água pura que poderenovaranossaalma.

ComecemosporEla,portanto.

E a realização neste momento, na Roma brasileira, na cidade das igrejas, do Primeiro Congresso Eucarístico Nacional é a advertência

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
61

sobrenatural que nos chega na hora marcada pelaProvidência.

TodososcoraçõesàBahia,pois.

Tristão de Ataíde.

Agostode1933.

Primeiro Congresso Eucarístico Nacional

A data de amanhã, 3 de Setembro, vai marcar um notável acontecimento. Será com grande júbilo que a assinalaremos, doravante, na história de nossa Pátria e na história da IgrejanoBrasil.

O dia de amanhã vai iniciar a semana em que se realizará o 1o. Congresso Eucarístico Nacional.

Será uma semana gloriosa, em que o Catolicismo brasileiro, representado nas suas figuras mais eminentes e venerandas, vai dar mais uma prova de sua vitalidade, de seu esplendor,desuapujança.

Ninguém, que olhe os fatos sem preconceitos religiosos, ninguém há de negar ao Congresso uma grande utilidade: a de concorrer admiravelmente para a pacificação nacional, para a unificação dos ideais brasileiros na mesma concórdia de sentimentos, na mesma uniformidade de aspirações.

A unidade da pátria há de basear-se na religião, no trabalho, na cultura ou educação. A Eucaristia que santifica, o trabalho que enobrece, a palavra que ensina - eis o que consolidará a unidade brasileira, eis o que fará oBrasilunidoeforte.

Um Congresso Eucarístico é a reunião de católicos, sacerdotes e bispos, presididos pela autoridade eclesiástica, tendo por fim o estudo de assuntos referentes à Sagrada Eucaristia, o mistério central do Catolicismo. Não é só. Visa também a realização de atos solenes e públicos emhonradeJesus-Eucaristia.

Ora,irmanadosnosmesmossentimentosde piedade, os congressistas trocam ideias e revelam planos para uma difusão mais extensa dosideaiscatólicosemtodosossetoresda

ação católica. Com a cooperação ativa de bispos, sacerdotes, magistrados, cientistas, professores, poetas, escritores, um Congressoalém de ser um formoso conjunto de numerosos crentes - estimula, incentiva, aconselhaotrabalhoconjugadodetodosparaa pacificação do Brasil, para a concentração de esforços dos filhos de todos os estados, para a unificação dos anseios de todo o povo brasileiro.

Do sacramento da Eucaristia, a prova máximadoamordivino,éque,naexpressãodo Santo Padre Pio XI, brotará espontaneamente o amor das coisas eternas. Da mesa eucarística é que sairá o verdadeiro amor fraterno, a verdadeiracaridadequehádetornarpatriotas, crentesefelizestodososbrasileiros.

Comosevê,pois,grandeéautilidadedeum Congresso Eucarístico Nacional, como o que terá início amanhã, na Bahia. Nessa mesma Bahia, onde, pela primeira vez, se celebrou a SantaMissaeseadorouaSantaEucaristia.

Compreendam bem todos oscatólicos aalta significação do Congresso Eucarístico Nacional e, durante esta próxima semana, façam fervorosasoraçõesa Deus pedindo o bom êxito do Congresso, para que, no culto da S. Eucaristia, à sombra da Cruz e sob as bençãos doCéu,prospereetriunfeaPátriabrasileira.

AtosdoGovernodoEstado

São Salvador, 25 (A.B.) - O Executivo baiano abriu o crédito especial de 50 contos para socorrer ao pagamento de despesas a serem efetuadas com a realização do Congresso EucarísticoNacional.

Por motivo da realização do 1º. Congresso Eucarístico Nacional, o governo baiano baixou umdecretodeclarandoferiadooperíodode3a 10 de Setembro, em que estará reunido o referido Congresso, para todos os serviços escolaresprimáriosenormaisdacapital.

Cruzada
pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
62

Hino Oficial do Primeiro Congresso Eucarístico Nacional

SobreosmaresazuisdaBahia, Foiqueoutroraraioutodaemluz

AHóstiaSanta,qualSolquealumia OalmoberçodaTerradaCruz.

Ó Jesus! Ó Divino Cordeiro!

Hóstia e Sol! Sol de vida e de amor! Ilumina o Brasil todo inteiro, Do oceano aos sertões sempre em flor!

2. Passamséculos,ehoje,denovo, Nestescéus,comoumvivofanal, Ergue-seaHóstia,easeuspéstodoumpovo, Cantaumhinodafénacional!

3. Emticremos,Senhor,firmemente, Emti,Hóstiadeuniãoedepaz, Quenumsócoraçãopuroequente, OsteusfiéisdoBrasilunirás!

4. Abençoaanaçãoqueanteosbrilhos Doteutronoaquivemseprostrar; Dá-lhebonsemagnânimosfilhos Dá-lhesantosministrosdoaltar!

5. Ouveaprecedopovoqueimplora, PelaVirgem,queéMãetãogentil, Esorriunestaspraias,outrora, SeuprimeirosorrisoaoBrasil!

D. Francisco de Aquino Corrêa

ArcebispodeCuiabá

O Programa do 1º. Congresso Eucarístico Nacional

Domingo, 3 de Setembro - Abertura solenePrimeiro discurso - A Trilogia Eucarística da Igreja,PátriaeFamília.

Segundo discurso - Significação, Orientação e Resultados de um Congresso Eucarístico.

Social de Nosso Senhor Jesus Cristo

2ª. feira, 4 de Setembro - 1ª. Sessão soleneA Eucaristia e a Pátria. Primeira Tese: A Igreja figurada e profetizada no Antigo Testamento.PródomosdasuavidaEucarística.

Segunda Tese: A Igreja fundada e organizada no novo testamento: Instituição da EucaristianaIgrejaeparaaIgreja.

3ª. feira, 5 de Setembro - 2ª. Sessão soleneA Eucaristia e a Pátria - Primeira Tese: O Santíssimo Sacramento na Vida Colonial da TerradaSantaCruz.

Segunda Tese: O Santíssimo Sacramento depoisdaIndependênciadoBrasil.

TerceiraTese: OSantíssimoSacramentono futurodanossaPátria.

4ª. feira, 6 de Setembro - 3ª. Sessão soleneA Eucaristia e a Família - Primeira Tese: Influência da Eucaristia na Constituição, na evoluçãoenafelicidadedaFamília.

Segunda Tese: Influência pedagógica da Eucaristia na formação e na Educação dos Filhos.

Terceira Tese: Influência histórica da Eucaristia na Família Cristã e em particular na FamíliaBrasileira.

5ª. feira, 7 de Setembro - Interrupção das sessõessolenes-RecitaldeGala.

6ª. feira, 8 de Setembro - 4ª. Sessão soleneOs Congressos Eucarísticos - Primeira Tese: Vantagens dogmáticas dos Congressos Eucarísticos.

Segunda Tese: Vantagens ascéticas dos CongressosEucarísticos.

Terceira Tese: Vantagens morais e sociais dosCongressosEucarísticos.

Sábado, 9 de Setembro - 5ª. Sessão soleneAs obras eucarísticas - Primeira Tese: O ApostoladodaOraçãoeseustrêsgraus.

Segunda Tese: Hora Santa, Laus perene e Adorações.

Terceira Tese: A Eucaristia na vida litúrgica.

Domingo, 10 de Setembro -Conclusão-

Cruzada pelo
Reinado
63

Síntese do Congresso. Primeira Alocução: A EucaristiaeastrêssessõesdoCongresso.

Segunda Alocução: Esperanças e Resoluçõespara a vida eucarística da Igreja, do EstadoedoLarnaPátriaBrasileira.

TerceiraAlocução: SolemniaVerba.

Dois Cenáculos

À Bahiacoubeaglóriadecongregaremseu seio, aos pés de Jesus Sacramentado, os representantesdocatolicismobrasileiro.

Esse Primeiro Congresso Eucarístico Nacional, reunido no berço fecundo de nossa história, tem para o coração católico uma significaçãobastantecomovedora.

As matas baianas ofereceram a Cabral a primeira árvore que se arvorou em Cruz, no seiodanaturezavirgemdenossaPátria.

Bahia assistiu genuflexa, com a alma ingênua de seus índios, ao primeiro Sacrifício incruento, celebrado sob a cúpula azul de nosso céu, à sinfonia melodiosa do mar e das aves. Era o primeiro triunfo eucarístico no Brasil.

Bahia, berço do catolicismo brasileiro, recebe agora a sagração histórica e memorável de nosso Primeiro Congresso Eucarístico Nacional. Bahia é neste momento o cenáculo brasileiro.

O medo reunira no Cenáculo de Jerusalém os discípulos do Crucificado; o amor congrega, no cenáculo da Bahia os discípulos de Jesus Hóstia.

O primeiro congresso do cristianismo nascentecontavaapenasopequenonúmerode cento e vinte cristãos - pusillas grex! Ao Primeiro Congresso Eucarístico brasileiro se associaaalmainteiradonossocatolicismo.

Em Jerusalém a oração era a alma do congresso - erant perseverantes unanimiter in oratione; na Bahia, é ainda a oração que operaráprodígios.Oramoscongressistas,orao Brasil inteiro neste momento histórico da nossanacionalidade.

catolicismo,éumsócoraçãoeumasóalma.

Mas o amor que congrega os católicos brasileiros não está também isento de temor, porque não se acabou de todo a raça odiosa dos Judeus. Jesus, vivo e glorioso na Eucaristia, éaindaobjetodeódioinfernal.

Nada podendo contra o Mestre Divino, os corifeus modernos da impiedade, como os judeus antigos, maquinam a perdição dos discípulos.

Os horizontes do catolicismo brasileiro são turvos, prenhes de tempestades. Os inimigos não dormem; satanás tem sequazes fiéis e corajosos.Ahoraédelutaedeincerteza.

A maçonaria, sob o disfarce diabólico e astuto de filantropia, espreita os passos do catolicismo brasileiro. O protestantismo ergue o estandarte da antiga rebelião. O espiritismo recruta, sorrateiramente, nas trevas, os seus obscuros soldados. O comunismo, sob a capa de socialismo e quejandos, lança no seio da classeoperáriaassementesdadiscórdia.

Outrora os inimigos do catolicismo se apresentavam a descoberto e lançavam mão de todos os meios humanos para afogar a divina semente. Mas os cristãos morriam mártires abraçados à Cruz obscura, e de seu sangue glorioso surgiam falanges inquebrantáveis de outros cristãos - sanguis martyrum, semen christianorum!

Satanáspreviuquedessemodonãopoderia vencer e mudou de tática. Mascarando-se sob as aparências de caridade, de amor, tomando o nome de Cristo, procura nas trevas, cautelosa e astutamente, arrancar dos corações a semente divinadoCristianismo.

A serpente infernal tem muitas cabeças. Esmagada uma, outra surge: circuit quaerens quem devoret Como no cenáculo de Jerusalém, os discípulos de Jesus agora se reúnem no cenáculo da Bahia, não só com o móvel do amor, mas também do temor: propter metum iudaeorum.

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
EJesusquevemvencendotodososseus
64
OBrasilcatólico,comonosprimórdiosdo

inumeráveis inimigos, através dos séculos, também vencerá agora pela Eucaristia as falangescolossaisdaimpiedade!

Deus não morre! - exclamou o grande Garcia Moreno, quando tombava vítima da maçonaria. Deus não morre! - é o brado repetido em todos os séculos pela Igreja oprimida,espezinhada!

Não. Não morre, porque está vivo, real e eterno no seio de sua Igreja. Não morre, apesar dos seus aparentes insucessos; apesar da divina e amorosa obscuridade em que se escondenaEucaristia.

Que da Bahia, que foi o berço de nosso catolicismo, parta também o movimento de renovação espiritual do catolicismo brasileiro, sobaégidedivinadaEucaristia.

Ela é a força do cristão; é o centro da piedade católica. Bem o compreendeu a maçonaria, procurando incrementar as comunhões sacrílegas, a fim de cauterizar as consciências, porque sabe que a força do catolicismoestánaEucaristia.

AEucaristiaéaunião,éaforça.Assimcomo os grãos de trigos esparsos se unem na unidade de um pão, que alimenta e fortalece, assim também os fiéis se unem entre si na unidade do Corpo de Cristo, que lhes alimenta a vida de piedade e lhes aumenta a força espiritual.

Se,pois,oúnicofrutodesseCongressofosse incrementar as comunhões bem feitas, teríamos já compensados todos os esforços e todososgastosparaasuarealização.

Teríamos o supremo anelo da alma católica: o triunfo de Jesus Eucarístico no seio da sociedadebrasileira.

Cônego Aristeu Lopes

A Sessão de Encerramento e a grandiosa Procissão Eucarística

Impossibilitados de dar uma notícia completa do Congresso Eucarístico Nacional, pela sua grande extensão, vamos transcrever dosjornaisdiáriosapenasostelegramasquese

referem à sessão de encerramento e à grandiosaprocissãoeucarística:

SALVADOR, 10 - A sessão solene do Congresso Eucarístico, consagrada a São Paulo, apresentava um aspecto imponente dada a grande multidão que à ela compareceu. Foi uma das mais concorridas sessões do Congresso.

Abrindo a sessão, o Padre João Baptista de Carvalho, após ler, entre ruidosos aplausos, o telegrama em que o interventor federal em São Paulo dava a sua adesão ao Congresso, pronunciou um vibrante discurso que arrebatouanumerosaassistência.

Em seguida, usaram da palavra o Sr. Magalhães Netto, diretor da Saúde Pública da Bahia,oBispodeAssis,oDr.VicenteMelilloeo Sr. Arcebispo de São Paulo, D. Duarte Leopoldo eSilva,todosmuitoaplaudidos.

Após os discursos, o Arcebispo da Bahia leu as conclusões do Congresso, cujas principais são: acriaçãodaAçãoNacionalCatólica,sob a presidência do Cardeal D. Sebastião Leme e a escolha de Belo Horizonte para a sede do 2º. Congresso Eucarístico, a realizar-se em1937.

O nome do Arcebispo Primaz da Bahia foi aclamado durante longos minutos constituindo uma verdadeira consagração. Em homenagem ao ilustre prelado, a assistência conservou-se depédurantetodootempodamanifestação.

Falou em último lugar o Cardeal D. Sebastião Leme, que arrebatou a grande assistência. Foram estas as suas últimas palavras:

"Está encerrado o Congresso Eucarístico Nacional, cujos resultados podem ser assim resumidos: - Há mais hóstia para as almas, mais almas para Deus e mais Deus para o Brasil!"

A Grande Procissão

SALVADOR, 11 - A procissão de encerramentodoCongressoEucarísticosaiuda Igreja da Graça às 16 horas e 40 min. e chegou adaConceiçãoàs19horas40minutos.

Cruzada
pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
65

Foi grande a afluência de fiéis. A Bahia nunca assistiu a uma procissão maior e mais solene em que tomasse parte um cardeal, um núncioapostólicoemaisdecinquentabispos.

Umamultidãoemquesepodiaconsiderara metadedapopulaçãodacidadeenchiatodasas ruas por onde devia passar a procissão que transitou entre alas abertas na colossal assistência.

As janelas estavam enfeitadas e repletas e delas, a cada momento, partiam vivas a Jesus Reiecânticosreligiosos.

No cortejo figuravam milhares de membros das associações religiosas, irmandades, colégios e Seminário, numerosos membros do Clero, além de bandas de músicas militares e civis.

O interventor Juracy Magalhães e o prefeito da capital, além de outras autoridades, seguravam o pálio, sob o qual o Cardeal Leme, ricamenteparamentado,conduziaoSantíssimo Sacramento.

No jardim da praça da Piedade foi armado umelegantepavilhãonoqualhaviaumaltarde ondeoCardealabençoouamultidão.

ChegandoaprocissãoàIgrejadaConceição, o Cardeal subiu a um altar armado no alto da escadaria e proferiu palavras de exaltação a Jesus, aos sentimentos católicos da Bahia, que chamou de coração do Brasil, e pediu a Deus diversas graças para o país, inclusive que a lei brasileira seja cristã, porque do contrárionãoserábrasileira.

EmseguidaexpôsoSantíssimoSacramento, ao mesmo tempo que ia ditando à multidão ajoelhada aa seguintes promessas que a assistência repetia: "Jesus não sairá jamais do nosso coração; o Brasil não será nunca um pedaço da Rússia; o Brasil será a terra mais cristãdomundo".

Tomaram parte na procissão milhares de senhoras que fizeram todo o trajeto a pé. Vieram também as bandas de música de diversascidadesdointerior.

Às11horaschoveutorrencialmente

obrigando a ser celebrada no Mosteiro de São Bentoa missa pontifical quedeveriaserrezada noestádiodaGraça.

O povo mostrou-se temeroso de que o mau tempo impedisse a saída da procissão, porém o temporal durou somente uma hora. Os prelados,mesmoosmaisvelhos,fizeramapéo trajetoentreasduasigrejas.

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
66

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo

“É hora de sacudir a letargia funesta, é hora de ação de todos os que desejam um mundo melhor e mais puro.

Ação de exemplo, ação de profundidade. Não é hora mais, nem mesmo de discussões estéreis ou de pesquisas de doutrinas. É hora de cada um tomar a sua vida e fazê-la um exemplo de cristianismo no lar e na sociedade, sem alarido, mas firme e resolutamente".

HORADEAÇÃO

Novamente está a humanidade em vésperas de graves acontecimentos. A situação internacional, convulsa e indecisa, revela aos observadores atilados uma tensão desusada, de par com tramas sinistras em vias de execução. Este clima maléfico já se faz sentir em nossa Pátria.

Se os católicos de todo o mundo sempre deram importância às proclamações papais, não podem esquivar-se de lhes obedecer filialmente nesta hora cruciante e prenhe de perigos. A todos os nossos ouvidos não podem deixar de impressionar os termos do solene brado pontifício de fevereiro deste ano.

Das alturas das colinas milenares da Cidade Eterna, vê o Papa, sem laivos de ressentimentos ou vestígios de temor, mas com nitidez e maior senso e objetividade, com fé intrépida e confiança total na Providência divina, a terrível ameaça comunistizante forcejando agrilhoar o mundo. Nos seus tentáculos de polvo indomável e descomunal, de ímpeto avassalador e ambição descomedida, pugna o bolchevismo para destruir, por processos demoníacos de toda a espécie, servindo-se dos chamarizes democráticos falsamente desviados ao seu talante, o Cristianismo e varrê-lo da superfície deste atormentado planeta.

Escutaram os fiéis de Roma os acentos ponderados da palavra autorizada e paternal de Pio XII. Solicita ele com veemência ao seu povo uma cruzada de regeneração e atualização do cristianismo em toda a gente, em toda a parte.

Só o verdadeiro cristianismo, crido e praticado, afastará o mundo do vórtice da nova conflagração e do domínio escravocrata de Moscou(1). Não há meio termo. A catástrofe, cujos sanguíneos prenúncios já se desenham nos horizontes da terra, é de consequências imprevisíveis. Os próprios chefes militares e os dirigentes dos povos mostram-se apreensivos e aterrados com o fantasma que avança.

Não é nada fictício, ilusório ou objeto de oratória barata. Não! É a admoestação serena dum pai que, divisando a poucos um báratro hiante, previne caridosamente os seus pupilos para que o evitem, conjurando em tempo a conflagração, clamando-lhes, quase em voz súplice, que se congreguem para debelar

o mal iminente.

Pôr em exercício o programa cristão-social, impregnar a massa, tão solicitada pelos conluios e arengas da esquerda, mostrar ao mundo castigado e desiludido o caminho da paz e da felicidade – eis a missão dos cristãos novos desta época revolucionária e sem norte.

O “miserior super turbam” – tenho pena deste povo –parece de novo partir dos lábios de Jesus, através da expressão do seu Vigário na terra. A conclamação patética(2) de fevereiro repercutiu como nunca no coração dos romanos. O tom dramático de que se revestiu se assemelhava àqueles clamores altissonantes dos quase legendários tempos das legiões libertadoras dos Lugares Santos.

Diversas vezes, frisa um comentarista católico, o Papa repetiu: “É hora de sacudir a letargia funesta, é hora de ação de todos os que desejam um mundo melhor e mais puro.

Ação de exemplo, ação de profundidade. Não é hora mais, nem mesmo de discussões estéreis ou de pesquisas de doutrinas. É hora de cada um tomar a sua vida e fazê-la um exemplo de cristianismo no lar e na sociedade, sem alarido, mas firme e resolutamente.

E pensar dentro de uma linha mestra para a qual o que é direito é direito e o que é torto é torto”.

É do conhecimento geral o período de perturbações e de crises de toda a sorte que o Brasil atravessa.

Não fiquemos de braços cruzados! Para longe de nós a inércia criminosa, enquanto os maus e os liberticidas se estreitam as mãos para um assalto sem precedentes as instituições mais sagradas e básicas da Pátria.

Da Europa a América, de Roma ao Rio de Janeiro, da maior metrópole ao menor centro civilizado perpassa uma aragem pestilencial e mortífera. É o demônio em ação por meio dos seus prepostos.

Que os cristãos se unam! E que o verbo inflamado do Papa suscite mais generosidade para o próximo, mais amor ao bem e à verdade, mais cristianismo, em suma.

Só isso nos poderá salvar.

(1) Passados mais de 70 anos desde que o Revmo. Padre João Batista escreveu este artigo, o perigo comunista não mais se acha concentrado em Moscou, mas espalhado por todo o mundo.

(2)Que ou o que tem capacidade de provocar comoção emocional, produzindo um sentimento de piedade, compassiva ou sobranceira, tristeza, terror ou tragédia.

Pe. José Batista. Manhumirim, Minas, 17 de abril de 1952.
67

CardealManning

O Catolicismo Social

“Se hoje se fala de catolicismo ou de cristianismo social, não é que o não tenham sido sempre, nem que se possa conceber que o não sejam por um instante, sem que imediatamente deixem de ser catolicismo ou mesmo cristianismo.”

Brunetière.

A Igreja, o Operário e o Corporativismo, Mons. Fino Beja, 1940, Livraria Popular de Francisco Franco.

Nihil Obstat. Olissipone, 1 junii 1940.

C. Martins Pontes

IMPRIMATUR. Olissipone, 3 junii 1940.

E. Arch. Mitylenensis

Os termos - Catolicismo social e cristianismo social - são indubitavelmente expressões modernas; não traduzem porém novas modalidades na doutrina e na vida da Igreja ou correntes particularistas de escola, antes manifestam a salutar reação contra o liberalismo e o socialismo, atitude profundamente reformadora e realista do Catolicismo que não é conservador de abusosnempromotordeutopias.

É certo que a Igreja pregou sempre e sobretudo a salvação dos homens mas a sua missão não se limitou nunca a inculcar a prática das virtudes individuais; à maneira que a vida cristã, adentrava e florescia na alma dos indivíduos, procurava que atingisse também e penetrasse no âmago de todas as instituições sociais, de que os homens fazem parte, para que estas não fossem obstáculo ao unum necessarium doEvangelho.

O catolicismo é pois, por essência social; "a sociedade cristã, por princípio, escreveu Freppel, é uma sociedade de irmãos, como a sociedade pagã, por princípio, é uma sociedade deescravos."

Quem estuda o Evangelho e lê as obras do doutores da Igreja, quem acompanha, desde as origens, as transformações que esta operou no indivíduoenafamília,nascondiçõesdacriança e da mulher, no direito, no poder e nos costumes,nasinstituiçõespúblicasenomundo do trabalho, reconhece que a sua história de doismilanoséahistóriadoCatolicismosocial.

O século XIII, por exemplo, considera-se, apesar das suas manchas, negras de injustiça ou vermelhas de sangue, como o século cristão por excelência, porque nele, de alto a baixo na sociedade, todas as manifestações da vida foram mais ou menos informadas do espírito doCatolicismo.

Então como hoje, era sobre a massa dos humildes e pequenos - o povo - que caía o peso dasinjustiças.

Os princípios e os costumes eram cristãos mas os fatos, por vezes, contradiziam-nos e desmentiam-nos.

Nem todos os barões eram justos, magnânimos equitativos; nem sempre o poder se mostrava desinteressado e fiel à sua missão de regulador e de protetor; os pobres servos eram forçados geralmente a seguir os suseranos em todas as querelas e lutas, mesmo asquefossemviolentaseinjustas.

Apereceu porém um homem - grande santo e grande gênio - que compreendendo que a doutrina da Igreja contêm os princípios que salvam os homens e salvam os povos, aplica-a, simplesmente mas corajosamente, a todas as circunstânciasdavidasocial.

Este Orfeu cristão, como alguém lhe chamou, civilizador e educador social, repete às multidões que o cercavam: sede cristãos para santificar a sociedade, mas dai também a esra sociedade leis cristãs, a fim de que, por uma inevitável reciprocidade, a sociedade nos ajudeasersantos.

Falandoaseusdiscípuloseaopovodizia-é a fé que salva, fazei uma sociedade crente: é a oração que abre as portas do céu, fazei uma sociedadequeore;acaridadepodetudosobre

Cruzada pelo Reinado
Cristo
Social de Nosso Senhor Jesus
"Pretender destruir o socialismo, conservando e mantendo os abusos de que ele nasceu, é tentar destruir o efeito, deixando a causa intacta."
68

ocoraçãodeDeus,fazeiumasociedadequedê; a humildade é a terra fecunda omde crescem árvores formosas com frutos saborosos. E acrescenta: a nossa sociedade está doente e morre porque é injusta, trazei a justiça à sociedade;ecomotendesnecessidadedepaz,a paz virá para nós, dando à justiça o ósculo de suaboca.

Ao calor da propaganda desta doutrina, o antagonismo entre as classes perde a sua acuidade e diminui sensivelmente; a lepra da inveja que corroía o coração dos pobres, desaparece.

Combatendo, sem mercê, a paixão das riquezas nas suas variadíssimas formas, atenuou o egoísmo de muitos ricos, levou outros a abandonar os seus privilégios injustificados e desarmou vários senhores beligerantes.

A ordem social modificou-se, em proveito dospequenosedoshumildes,aguerraprivada, as desordens e as injustiças, a despeito das grandes resistências, diminuíram, certos abusos desapareceram, "a prática da igualdade e da fraternidade evangélica, (Enc. Humanum Genus) regenera a sociedade e as massas populares veem brilhar uma aurora de paz, de justiçaedeliberdade."

Esta transformação social, realiza-a um homem desprovido de bens materiais, o Pobrezinho de Assis, pregando o catolicismo social.

O próprio Renan reconhece "que depois do Cristianismo, o movimento franciscano é a maior obra popular de que a história se recorda."

ComonotempodeSãoFranciscodeAssis,o mundo moderno sofre de injustiça; há hoje opressões por ventura mais bárbaras, ainda que sob nomes diferentes; ao feudalismo sucedeu o capitalismo menos brutal na aparência,masnarealidademaisdesumano.

O progresso das ciências e da indústria alterou as condições da vida social, e, quanto a muitos, para pior; o bem estar e as facilidades davidacresceramdebaixodasformasmais

Este fenômeno admirável, afirma a soberania do homem [em relação às outras criaturas,naturalmente],emtodososdomínios danatureza.

Mas este progresso, além de ser quase exclusivamente material, prejudicial, às vezes, ao progresso moral, deixou à margem dos seus benefíciosevantagens,asmassaspopulares.

Nos grandes centros, sobretudo, verifica-se um espetáculo angustioso: a riqueza extrema e a última miséria, um luxo insolente ao lado de farrapos e de andrajos, homens que dissipam consideravelmente somas consideráveis e homens, sem um centavo, sem habitação, estendendo a mão à caridade privada ou à beneficênciaoficial.

Longe do meu espírito, a condenação, mesmo indireta, das conquistas tão assombrosas que a ciência e o progresso têm realizado.

Dominar os ares e voar de continente a continente, galgando o oceano infindo; suprimir as distâncias e aproximar os povos dando à palavra a velocidade da luz; subir ao firmamento e estudar as leis da gravitação, decompor a natureza dos astros; descer ao interior da terra e estudar, aí, a sua história e seguir as peripécias misteriosas da sua evolução; lançar pontes engenhosas sobre os rios e navios-cidades, sobre os mares; trazer em oito dias para a Europa o trigo da América; folhear o corpo humano, decompor os tecidos delicadosdoorganismo,torná-loinsensívelaos golpes do bisturi e explorar-lhe as causas de doenças graves; fazer a anatomia da alma, classificar as suas faculdades e examinar as maravilhas da sua íntima constituição; tudo istoéadmirável.

Mas, apesar de todos estes e de muitos outros prodígios da ciência, da indústria e do progresso, há no mundo milhões de homens, semtrabalhoesempão.

O progresso desenvolveu o maquinismo, fomentou novas invenções e novas indústrias, grandesempresas,grandesfábricas,mas

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
variadas.
69

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo

conduziu, ao trabalho, as crianças em idade escolar, atirou a mulherpara fora do larecriou o desemprego, com a fome e a natural revolta dos sem trabalho; em vez de proteger e de melhorar, no seu exercício, o primeiro de todos os direitos - o direito à vida - desprezou-o em milhares e milhares de homens e originou um regime de injustiças em que o predomínio das leis da oferta e da procura e da livre concorrência elimina os mais fracos, em proveitodosmaisfortes.

Muitos homens de Estado do segundo quarteldoséculopassado-CavoureGambetta, entre outros - cerraram os olhos e recusaramse a admitir a existência e a gravidade deste problema a que se convencionou chamar a questãosocial.

Thiers chegou mesmo a escrever: "que a sociedade atual assentando sobre bases as maisjustas,nãocareciadesermelhorada." (1)

Os homens da Igreja mais realistas e conhecedores das exigências dos tempos e do mal estar social, não se mostraram insensíveis, aos abusos, injustiças e misérias, geradas pela economialiberal.

Também não se limitaram a palavras platônicas de protesto ou a levar aos pobres o socorro material da esmola, inspirado pela caridade cristã. Se não amotinaram, como os socialistas, contra uma classe privilegiada, as turbas desprezadas, assinalaram com firmeza as tendências ruinosas e os desvios lamentáveis do capitalismo e da economia e inspirando-se na doutrina do Evangelho e nas lições da história da Igreja, estudaram os planos de uma reforma e de uma legislação social,demodoqueohomem-todoohomempossa viver uma vida material, intelectual e moralmentehumana.

Estatarefa,nascidadaobservaçãodoserros dos sistemas sociais em voga e dos vícios dos homens, esboçada, a princípio, na meditação do Evangelho e na oração do templo, manifestada depois, no jornal, na revista e na conferência, nas assembleias legislativas e no poder - costuma designar-se com o nome de Catolicismosocial.

O verdadeiro iniciador deste movimento foi Keteller,párocodeHolsteinem1846,deputado à Dieta de Francfort em 1848 e bispo de Meguncia em 1850. (2) Circunstâncias váriasos seus estudos, as suas relações sociais e as populações operárias no meio das quais exercia o seu ministério sacerdotalprepararam-noparaestamissão.

Conhecedorprofundoda Summa Theologica procurou aplicar os ensinamentos do grande Doutor Medieval às necessidades sociais do séc.XIX.

Num sermão notável, pregado na catedral, combateu com igual vigor as doutrinas liberais e as doutrinas comunistas acerca da propriedade.

(1) Rapport sur l'assistance publique,1850.

(2) Existe uma rica e vasta bibliografia sobre o movimento social católico, em que se destaca o volume de Leon Gregoire: Le Pape, Les Catholiques et la question sociale.

Em Janeiro de 1888, os membros da União deFriburgoentregavamaopapa[LeãoXIII]um memorandum em que diziam: "A fonte dos erros fundamentais do regime econômico modernoéafalsaconcepçãodohomem,dasua origem, da sua natureza e do seu fim. O individualismo absoluto que não tem em nenhuma conta os deveres para com Deus e para com o próximo está na base da vida social atual e o egoísmo é considerado, como motor únicodetodaaatividadeeconômica.

Daqui duas consequências paralelas: os homens não têm a noção da justiça que devia regular as suas mútuas relações; o estado normal das relações econômicas é a luta pela vida em que o direito do mais forte é, muitas vezes, o único árbitro. Estas consequências fazemsentir-senostrêsramosdaeconomia:

1º. A lei do trabalho é completamente desconhecida. A economia racionalista, fazendo completa abstração da dignidade do homem, só tem em vista a noção das riquezas. Por isso recusa-se ao trabalhador, mesmo o direitodeadquirirpeloseutrabalho,salário

70

com que possa cobrir o mínimo das suas necessidades.

2º. O direito de propriedade é considerado como domínio substancial e não como domínio de uso, ordenado ao bem geral. Tornou-se jus utendi et abutendi, em lugar de ser, segundo o ensino de São Tomás jus procurandi et dispensandi, subordinado ao plano providencial, que quer que cada um possa ganharasuavidapeloseutrabalho…

3º.Ocomércionãoservesomenteparaligar o consumo e a produção… Muitas vezes, não passade uminstrumentode agiotagemparaos especuladores, ávidos de riquezas. A União de Friburgo, procurando, à luz dos ensinos da Igreja, os meios de corrigir o estado atual de coisas,julgadeseudeverocupar-se:

I-Doregimedotrabalho.

II-Doregimedapropriedade.

III-Daorganizaçãodasociedade.

De propósito arquivamos aqui uma larga transcrição deste memorável documento, para que se possa fazer uma ideia exata das preocupações e do programa social de Friburgo.

Enquanto os liberais reduziam a função do Estado a simples guarda da ordem pública, incapacitando-o de empreender, ordenar ou promover reformas, que, a seus olhos, seriam iniciativas perigosas e quiméricas, numa sessão de estudos da União, Lemkuhl erguendo-se contra esta concepção, conseguia que se votasse a tese seguinte: "Em toda a parte onde o contrato livre entre o operário e o patrão produz opressão ou perigo de opressão pelo primeiro, os poderes públicos podem ou mesmo devem, segundo as circunstâncias, exercer a sua ação, a fim de que os trabalhadores recebam, pelo menos, a subsistência, necessária para eles e suas famílias de sorte a remediar a miséria. As ordens dos poderes públicos, dadas com este fim,obrigam in conscientia et in stricta justitia."

Por outro lado, fatos de ressonância mundialanunciavamaaçãopenetrante

deste movimento de ideias, designado com o rótulodeCatolicismosocial.

Na América, os que para glorificar a nobreza do trabalho se intitulavam Knights of Labour, Cavaleiros do trabalho, pretendiam, por meio de uma grande federação, combater os monopólios que asfixiavam a vida dos EstadosUnidos.

Não ocultavam de que se tratava de uma verdadeira declaração de guerra. "Esta guerra, afirma o presidente Powderly, deve determinar quem deve mandar: o monopólio ou o povo americano,oouroouohomem."

Entre as suas reivindicações, figuravam já o dia de 8 horas de trabalho, o princípio de a trabalho igual, igual salário, a fixação de uma taxalegalsobreasterrasnãocultivadas,etc.

Os Cavaleiros do trabalho impunham a seus membros, certas práticas, como o juramento, que poderiam confundi-los com as sociedades secretas, condenadas pela Igreja. Podiam os operários católicos fazer parte desta associação? O Episcopado dos Estados Unidos e do Canadá dividiu-se e a questão foi levada a Roma.PorintervençãodoArcebispodeQuebec os operários refletiram e suprimiram dos estatutos, a obrigação do juramento e assim se resolveu um incidente que apaixonara a opiniãopúblicadonovoedovelhomundo.Mas o Cardeal Gibbons, o homem de maior influência e respeitabilidade na América, em um memorial, sobre a questão, enviado ao Prefeito da Propaganda em Roma, defendia os operários suspeitos, nestes termos: "Os abusos que apontam são a própria evidência. O seu direito de resistência é indiscutível. A necessidadedoremédioimpõe-se".

Outro fato… Em Londres 200.000 operários das docas, há três meses que se tinham declarado em greve. Milhares de homens sem trabalho e milhares de mulheres e crianças, sem pão; a vida econômica do país embaraçada, centenas de navios ancorados no Tâmisa, com flancos repletos de mercadoria queapodreciam.

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
Semelhanteespetáculodemisériaede
71

ruína emocionou o velho Cardeal Manning. Apesar de bom inglês e patriota, não eram tantos os danos econômicos que a greve inflingia à sua pátria que o angustiavam, mas as vidas dos operários que devem ser humanas efamiliares.

Manning decidiu-se a intervir. Dirigiu-se pessoalmente ao Diretor das docas, mas nada conseguiu; dirigiu-se ao lord da cidade e foi também em vão; dirigiu-se ao bispo anglicano deWestminsterenada.

Bem se importavam esses ilustres personagens que os operários das docas lutassem com a fome e a miséria, há cerca de trêsmeses.

Que as reivindicações dos grevistas fossem justas era difícil negá-lo, à face dos acontecimentos e dos números apresentados peloCardeal.

Mas os agitadores, entre outros o famoso John Burns, tinham-se imiscuído no movimentoeexcitavamaspaixões-cederseria covardiaetraiçãoàcausasocial-dizia-se.

Ao que o octogenário cardeal respondiaque não ceder seria fornecer mais combustível ao incêndio deódiosequeoúnicofundamento daordemsocialéapráticadajustiça.

Mas isso é socialismo, retorquiam, e o cardeal: eu não sei se isso para vós é socialismo,paramimépurocatolicismo.

Eovelhoconservantismoinglêsraciocinava comodamente: essas cóleras cegas do povo são fruto de propagandas criminosas, o grande dever, o único dever de gente honrada é combatê-las.

O cardeal replicava: Propagandas criminosas que se devem combater, sim. Mas cóleras cegas, cóleras perspicazes, fundadas sobre sofrimentos reais que os meneurs aproveitam, invocam e ampliam mas que eles não criam. É porque muitas vezes se nega justiça ao operário que ele se entrega a sonhos deinjustiça. Pretenderdestruirosocialismo, conservando e mantendo os abusos de que ele nasceu, é tentar destruir o efeito, deixandoacausaintacta.

O diálogo durou semanas. Mas o diretor das docasacabouporserenderàjustiçaeà

tenacidade do velho cardeal que tinha passado onzediasemconversacomosgrevistas.

Cem mil operários quiseram depois arrebatá-lo em triunfo; o reconhecimento público chamou a este fim de greve, a paz do cardeal.

No ano seguinte (1890) o imperador Guilherme, dando corpo a uma iniciativa do grande católico suíco Decurtins, quis convocar em Berlim, uma conferência internacional, tendo por fim melhorar a sorte dos trabalhadores; o Kaiser solicitava do augusto Pontífice, o seu benfazejo apoio a esta obra humanitária.

Leão XIII aquiescendo de todo o coração respondia:"…nãoescapouaV.Majestadequea feliz resolução de uma questão tão grave, requeria, além da sábia intervenção da autoridade civil, o poderoso concurso da religiãoeasalutaraçãodaIgreja.Osentimento religioso é o único capaz de assegurar às leis toda a sua eficácia; e o Evangelho, o único código, onde se encontram consignados os princípiosdaverdadeirajustiça,asmáximasda caridade mútua que devem unir todos os homens, como filhos do mesmo Pai e membros damesmafamília."

E como a missão da Igreja - pregar e espalhar estes princípios e estas máximas, exercendo uma larga e profunda influência na solução do problema social - se afirmava de novo, nitidamente, em todo o mundo, o Catolicismo social encontrou na notável encíclica de Leão XIII a Rerum Novarum, a sua maisluminosa,soleneeoficialconsagração.

Cruzada pelo Reinado
Senhor Jesus Cristo
Social de Nosso
72

CRÍTICA SUMÁRIA DOS SISTEMAS BOLCHEVISTA, NAZISTA E FASCISTA

Pe. Lacroix S.C.J., O Problema Sexual e sua solução. Revisto e prefaciado pelo Pe. Antonio d’Almeida Morais Junior, do Instituto de Direito Social de São Paulo, pp. 477-479. Reverificado pelo Dr. Cyro Nogueira, Prof. Catedrático da Faculdade de Medicina de São Paulo, Editora S.C.J. 1948.

REIMPRIMI POTEST. Taubaté, die 13 Junii 1947. Pe. Gerardus Claassen, S.C.J., Praep. Prov. Bras. Merid.

NIHIL OBSTAT. Taubaté, die 29 Junii 1947. Sac. Ioannes Baptista de Siqueira, Censor.

REIMPRIMATUR. Taubaté, die 29 Junii 1947, D. Francisco Borja do Amaral, Bispo Diocesano

Os três sistemas são condenáveis, por serem totalitários, absolutos e independentes, abrangendo e se arrogando todos os poderes e direitos, e exercendo estes poderes discricionáriaedespoticamente.

Quemassimosexerce,éditador,déspotaou tirano. A condenação se estende a qualquer partido ou sistema que assim procede. O sistema mais abominável neste sentido, é o bolchevismo russo, que praticou todos os horrores e reduziu o povo russo à maior miséria eàmaiscompletaescravidão,calcando aos pés todos os direitos humanos e estrangulando toda a liberdade humana e toda iniciativaindividual.

TOTALITARISMO CAPITALISTA.

Existem no mundo 3 esferas, ou ordens de valores solidariamente interdependentes: valores da ordem religiosa e moral, da ordem política e cultural e da ordem social e material. Os respetivos problemas devem ser resolvidos em sentido totalitário, observando-se a hierarquia e dependência das coisas. Não as levando em conta, transtorna-se a ordem e o transtorno da harmonia totalitária é totalitarismo. O transtorno e o totalitarismo tornam-se péssimos, quando se absolutizam os fatores materiais da esfera inferior; quando se procura organizar tudo embasematerial,econômica,adespeito

dos valores superiores espirituais, tal como fazem as democracias capitalistas e a bolchevistas. Exploram a massa popular dos seus países, reduzindo-a e mantendo-a numa escravidão implacável. O capitalismo internacional explora os povos mais fracos até aniquilá-los. Opera tudo isto sob a máscara de democracia, humanidade e liberdade! Concentrou o seu poder em Nova York, sob a chefia da maçonaria, cujo fito é a ereção de uma ditadura mundial, econômica, materialista, sobre o proletariado, negando-lhe os bens e valores espirituais. Intenta, em particular, a desmoralização da mocidade e da mulher pela dissolução da vida de família. Com esses meios pretendem firmar o reino de Satanás no mundo, ou precipitar este numa revolução universal. E esta rebentará, quando os maçons superiores deixarem cair a sua “máscara democrática”. — Qual a salvação deste perigo mundial, a salvação do operariado e de cada povo? O S. Padre Pio XI, a assinalou naencíclica“Quadragésimo Anno”.

Cruzada pelo
Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
73

MIT BRENNENDER SORGE

Papa PIO XI, Encíclica “Mit Brennender Sorge”, de 14 de março de 1937. Tradução de Frei Frederico Vier, O.F.M.

Fonte: Coleção Documentos Pontifícios – 133, Petrópolis: Vozes, 1961, 30p.

CartaencíclicadoPapaPioXI 10demarçode1937.

A todos os nossos Veneráveis Irmãos, os Patriarcas, Primazes, Arcebispos e Bispos do Orbe Católico, em graça e comunhão com a Sé Apostólica: A situação da Igreja Católica no ReichGermânico.

VeneráveisIrmãos:

SaudaçãoeBençãoApostólica.

I.Introdução

1. Com viva ânsia e admiração sempre crescente vimos observando, desde muito tempo, a via dolorosa da Igreja e o progressivo acirramento da opressão dos fiéis que lhe ficaram devotados em espírito e obra; e tudo istoemumpaíseemmeiodopovoaquemSão Bonifácio levou, um dia, a luminosa e alegre mensagemdeCristoedoreinodeDeus.

2. Esta Nossa ânsia não foi aliviada pelas relações que os Reverendíssimos Representantes do Episcopado, como é de seu dever, Nos fizeram conforme a verdade, visitando-Nos durante a Nossa enfermidade. A par de muitas notícias — que Nos foram um consolo e conforto — sobre a luta sustentada por seus fiéis por motivo da religião, não puderam, não obstante o amor a seu povo e pátria e o cuidado de externar um juízo bem ponderado, passar em silêncio inumeráveis outros acontecimentos tristes e reprováveis. Quando ouvíamos suas relações com profunda gratidão a Deus pudemos exclamar com o Apóstolo do amor: Não conheço satisfação maior do que esta, de ouvir que meus filhos andam no caminho da verdade (3 Jo 4). Mas a franqueza que corresponde à grave responsabilidadedeNossoministério

Apostólico, e a decisão de apresentar-vos a Vós e ao mundo cristão inteiro a realidade em toda sua crueza, exigem também que acrescentemos: Não temos maior ânsia nem aflição pastoral mais cruel do que quando ouvimos: muitos abandonam o caminho da verdade(cf.2Ped2,2).

II.Aconcordata

3. Quando Nós, Veneráveis Irmãos, no verão de 1933, a pedido do governo do Reich, aceitamos reencetar a negociação de uma Concordata, à base de um projeto elaborado há vários anos, e chegamos assim a um solene acordo que vos trouxe satisfação a todos Vós, fomos movidos da solicitude impendiosa de salvaguardar a liberdade da missão salvadora da Igreja na Alemanha e de assegurar a salvaçãodasalmasaelaconfiadas,e,aomesmo tempo,dosincerodesejodeprestarumserviço de interesse capital ao pacífico desenvolvimentoebem-estardopovoalemão.

4. Apesar de muitas e graves preocupações, chegamos então, não sem esforço, à determinação de não negar o Nosso consentimento. Queríamos poupar aos Nossos fiéis, aos Nossos filhos e Nossas filhas da Alemanha,segundoaspossibilidadeshumanas, astensõesetribulaçõesque,emcasocontrário, certamente deviam ter esperado, dadas as condições dos tempos. E queríamos demonstrar pelo fato a todos que Nós, procurando só a Cristo e o que pertence a Cristo, não negamos a ninguém — caso ele mesmo não a despreze — a mão pacífica da MadreIgreja.

5. Se a árvore da paz, que plantamos em terras da Alemanha com intenção pura, não produziu os frutos por Nós almejados no interesse do vosso povo, não haverá no mundo inteiro homem que, tendo olhos para ver e ouvidos para ouvir, possa atribuir ainda hoje a culpa à Igreja e ao seu Supremo Chefe. A experiência dos anos passados põe em claro as responsabilidades, e revela as maquinações que já desde o começo nada intentavam senão umalutaatéaoaniquilamento.

Cruzada pelo Reinado
Senhor
Cristo
Social de Nosso
Jesus
74

6. Nos sulcos, em que Nos esforçamos por lançar a semente da verdadeira paz, outros espargiram — como o inimicus homo da Sagrada Escritura (Mt 13,25) — a erva má da desconfiança, da discórdia, do ódio, da difamação, de uma aversão profunda, oculta e aberta, contra Cristo e sua Igreja, desencadeando uma luta que se alimentou de mil fontes diversas e se serviu de todos os meios. Sobre eles e unicamente sobre eles e seus fautores, ocultos ou abertos, recai a responsabilidade,senohorizontedaAlemanha aparecem, não o arco-íris da paz, mas as nuvens ameaçadoras de dissolventes lutas religiosas.

7. Veneráveis Irmãos, não Nos cansamos de apresentar aos governantes, responsáveis pela sorte da vossa nação, as consequências que necessariamente derivariam da tolerância ou, pior ainda, da fomentação daquelas correntes. Fizemos tudo para defender a santidade da palavra solenemente dada, a inviolabilidade das obrigações livremente contraídas, contra teorias e práticas que, oficialmente admitidas, deveriam sufocar toda confiança e desvalorizar intrinsecamente toda palavra dada, também para o futuro. Se vier o momento de expor aos olhos do mundo estes Nossos esforços, todos os bem intencionados saberão onde procurar os tutores da paz e onde seus perturbadores. Quem quer que tenha conservado na sua alma um resquício de amor da verdade e no seu coração uma sombra de senso de justiça, deverá admitir que nos anos difíceis e cheios de casos notáveis que seguiram à Concordata, cada uma das Nossas palavras e ações teve por norma a fidelidade aos acordos sancionados. Mas deverá também reconhecer, com estupor e íntima repulsa, como doutro lado tornou-se regra ordinária dar aos pactos outro sentido, iludi-los, desvirtuá-los e finalmente violá-los maisoumenosabertamente.

8. A moderação que não obstante tudo isto Nós até agora demonstramos não foi inspirada por cálculos de interesses terrenos, nem tão pouco por fraqueza, mas simplesmente pela vontadedenãoarrancar,comaervamá,

também boas plantas; pela decisão de não pronunciar publicamente um juízo antes que os ânimos estivessem maduros para reconhecer a inelutabilidade; pela determinação de não negar definitivamente a fidelidadedeoutrosàpalavradada,antesquea duralinguagemdarealidadetivesserasgadoos véus, com que se soube e ainda se procura mascarar, conforme um plano preestabelecido, o ataque à Igreja. Ainda hoje, quando a luta aberta contra as escolas confessionais, protegidas pela Concordata, e o aniquilamento da liberdade de voto daqueles que têm direito à educação católica, manifestam, num campo particularmente vital da Igreja, a trágica seriedade da situação e uma pressão espiritual jamais vista dos fiéis, a solicitude paternal pelo bem das almas nos aconselha a não perder de vista as perspectivas porquanto fracas que ainda possam existir de uma volta à fidelidade aospactoseaumacordojustificável.

9. Acedendo aos pedidos dos Reverendíssimos Membros do Episcopado, não Nos cansaremos, também no futuro, de defender o direito violado, junto ao governo de vosso povo — sem cuidado do sucesso ou fracasso do momento presente — obedecendo unicamente à Nossa consciência e Nosso Ministério Pastoral, e não cessaremos de Nos opor a uma mentalidade que procura, com aberta ou oculta violência, sufocar o direito, garantidopordocumentos.

10. No entanto, o fim desta carta é outro, Veneráveis Irmãos. Como Vós Nos tendes visitado amavelmente em Nossa doença, assim voltamos Nós hoje a Vós e, por Vosso intermédio, aos fiéis católicos da Alemanha, que, como todos os filhos atribulados e perseguidos, estão muito perto do coração do Pai comum. Nesta hora, em que sua fé é provada, como ouro genuíno, no fogo da tribulação e perseguição, insidiosa ou aberta; em que eles são rodeados de mil formas de organizada opressão da liberdade religiosa; em que a impossibilidade de obter informações conformes à verdade e de defender-se com meiosnormaismuitoosabate,elestêmum

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
75

duplo direito a uma palavra de verdade e encorajamento moral por parte daquele a cujo primeiro predecessor o Salvador dirigiu esta compendiosa palavra: Rezei por ti, para que tua fé não vacile, e tu, por tua vez, fortifica os teusirmãos(Lc22,32).

III.GenuínaféemDeus

11.Antesdetudo,VeneráveisIrmãos,cuidai que a fé em Deus, primeiro e insubstituível fundamento de toda a religião, continue a ser pura e inteira nas regiões da Alemanha. Não pode considerar-se crente emDeuso queusao nomedeDeusretoricamente,massóquemune a esta veneranda palavra a genuína e digna noçãodeDeus.

12. Quem com imprecisão panteística identifica Deus com o universo, materializando Deus no mundo e divinizando o mundo em Deus,nãopertenceaosverdadeirosfiéis.

13. Nem é tal quem, de acordo com uma pretensa concepção pré-cristã do antigo germanismo, coloca em lugar do Deus pessoal o fado sinistro e impessoal, negando a sabedoriadivinaesuaprovidência,aqual“com força e suavidade domina duma extremidade da terra à outra” (Sab 8,1), e tudo dirige a um bom fim. Um tal homem não pode pretender serenumeradoentreosverdadeiroscrentes.

14.Searaçaeopovo,seoEstadoeumasua determinada forma, se os representantes do poder estatal ou outros elementos fundamentais da sociedade humana possuem, na ordem natural, um posto essencial e digno de respeito — quem, no entanto, os destaca desta escala de valores terrenos, elevando-os à suprema norma de tudo, também dos valores religiosos, e divinizando-os com culto idólatra, inverteefalsificaaordem,criadaeimpostapor Deus, está longe da verdadeira fé em Deus e de umaconcepçãodevidaconformeaela.

15. Volvei, Veneráveis Irmãos, a atenção ao vezo crescente, que se manifesta em palavras e escritos,deabusardotrêsvezessantonomede Deus qual rótulo sem sentido para um produto mais ou menos arbitrário de pesquisas e aspiraçõeshumanas.Esforçai-vosquetais

aberrações encontrem, entre vossos fiéis, merecida e pronta repulsa. Nosso Deus é o Deus pessoal, transcendente, todo-poderoso, infinitamente perfeito, um na trindade das pessoas e trino na unidade da essência divina, criador do universo, senhor, rei e último fim da história do mundo, o qual não admite, nem podeadmitiroutrasdivindadesaseulado.

16. Este Deus tem dado seus mandamentos de maneira soberana, mandamentos independentes do tempo e do espaço, de país ou raça. Como o sol de Deus resplende indistintamente sobre todo o gênero humano, assim a sua lei não conhece privilégios nem exceções. Governantes e governados, coroados e não-coroados, grandes e pequenos, ricos e pobres dependem igualmente de sua palavra. Da totalidade de seus direitos de Criador promanaessencialmenteasua exigênciaauma obediência absoluta da parte dos indivíduos e de quaisquer sociedades. E esta exigência de obediência absoluta se estende a todas as esferas da vida, nas quais as questões morais exigem o acordo com a lei divina e, com isto mesmo, a harmonização das mutáveis leis humanas com o complexo das imutáveis ordensdivinas.

17. Somente espíritos superficiais podem cair no erro de falar de um Deus nacional, de uma religião nacional, e empreender a tola tentativa de captar nos limites de um só povo, na estreiteza de uma só raça, Deus, Criador do mundo, rei e legislador dos povos, diante de cuja grandeza as nações são pequenas como gotasdeáguaquecaemdumbalde(Is40,15).

18. Os bispos da Igreja de Cristo, “constituídos a favor dos homens naquelas coisasquesereferemaDeus”(Heb5,1),devem vigiar que não se espalhem entre os fiéis tão perniciosos erros a que costumam seguir práticas ainda mais perniciosas. Pertence ao seusagradoministériodefazertodoopossível, a fim de que os mandamentos de Deus sejam considerados e praticados quais obrigações inconcussas de uma vida moral e ordenada, seja particular ou seja pública; que os direitos daMajestadedivina,onomeeapalavrade

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
76

Deus não sejam profanados (Tito 2,5); que as blasfêmias contra Deus, em palavras, escritos ou figuras, numerosas, quiçá, como a areia do mar, sejam reduzidas a silêncio; que diante do espírito revoltoso e arrogante dos que negam, ultrajam e odeiam a Deus não enlanguesça a prece expiatória dos fiéis, que sobe, qual incenso, a toda hora ao trono do Altíssimo, retendoasuamãovingadora.

19. Agradecemos, Veneráveis Irmãos, a vós, a vossos sacerdotes e a todos os fiéis que, na defesa dos direitos da divina Majestade contra um provocante neo-paganismo, apoiado infelizmente por personagens influentes, tendes cumprido e cumpris o vosso dever de cristãos. Este agradecimento é particularmente íntimo e unido a uma admiração reconhecida por aqueles que, no cumprimento deste seu dever, foram julgados dignos de suportar por amordeDeussacrifíciosesofrimentos.

IV.GenuínaféemJesusCristo

20. A fé em Deus não se manterá por muito tempo pura e incontaminada, se não se apoia na fé em Jesus Cristo. “Ninguém conhece o Filho senão o Pai, nem alguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar”(Mt11,27).Avidaeternaéesta:quete conheçam a ti como um só Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a quem enviaste (Jo 17,3). Ninguém, pois, pode dizer: Creio em Deus, e isto basta para minha religião. A palavra do Redentor não nos permite subterfúgios deste quilate.“TodoaquelequenegaoFilho,também não reconhece o Pai; aquele que confessa o Filho,reconheceoPai”(1Jo2,23).

21. Em Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem, apareceu a plenitude da revelação divina. “Deus, tendo falado outrora muitas vezes e de muitos modos a nossos pais pelos profetas, ultimamente, nestes dias, falou-nos por meio de seu Filho” (Heb 1,1 ss.). Os livros sagrados do antigo testamento são todos palavra de Deus, parte orgânica de sua revelação. De acordo com o desenvolvimento gradual da revelação sobre eles pousa o crepúsculo do tempo que devia preparar o plenomeio-diadarevelação.Emumaspartes

fala-se da imperfeição dos homens, da sua fraqueza e do pecado, como não podia ser diversamente em se tratando de livros de história e legislação. Ao lado das coisas belas e nobres, falam da tendência superficial e material que diversas vezes invadiu o povo do antigo testamento, depositário da revelação e das promessas de Deus. Mas a toda a vista, não cegada pelos preconceitos e paixões, não pode senão raiar mais luminosa, não obstante a fraqueza humana de que trata a história bíblica, a luz divina do caminho da salvação, que, finalmente, triunfa de todas as fraquezas e pecados.

22. E justamente neste fundo, muitas vezes escuro, a pedagogia divina da salvação se alarga em perspectivas, que, ao mesmo tempo, dirigem, admoestam, sacodem, elevam e tornam felizes. Unicamente a cegueira e soberba pode fechar os olhos diante dos tesouros de salutares ensinamentos, contidos no antigo testamento. Quem pois quer ver banida da Igreja e da escola a história bíblica e os sábios ensinamentos do antigo testamento, blasfema a palavra de Deus, blasfema o plano de salvação do Todo-poderoso e arvora em juiz dos planos divinos um angusto e estreito pensar humano. Ele nega a fé em Jesus Cristo, aparecido na realidade de sua carne, que tomou a natureza humana de um povo que devia depois pregá-lo na cruz. Nada compreende do drama mundial do Filho de Deus, que ao crime de seus algozes opôs, qual sumo sacerdote, a ação divina da morte salvadora e fez assim encontrar o antigo testamento o seu cumprimento, o seu fim e a suasublimaçãoemonovotestamento.

23. A revelação que culminou no evangelho de Jesus Cristo é definitiva e obrigatória para sempre, não admite apêndices de origem humana e, menos ainda, sucedâneos ou substituições e “revelações” arbitrárias que alguns palradores modernos quiseram derivar do assim chamado mito do sangue e da raça. Desde que Cristo, o Ungido do Senhor, cumpriu a obra da redenção, quebrando o domínio do pecadoemerecendo-nosagraçadenos

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
77

tornarmos filhos de Deus, já nenhum outro nomefoidadoaoshomens,sobocéu,peloqual nós devemos ser salvos, senão o nome de Jesus (At 4,12). Ainda que um homem possua todo saber, todo poder e todo o domínio material da terra, não pode pôr outro fundamento, senão o que foi posto por Cristo (1 Cor 3,11). E quem, com sacrílego desconhecimento da diversidade essencial entre Deus e a criatura, entre o Homem-Deus e o simples homem, ousasse pôr ao lado de Cristo ou, o que é pior ainda, acima deleecontraele,umsimplesmortal,fosseeleo mais perfeito de todos os tempos, saiba que é um profeta de quimeras, a quem pavorosamente assentam as palavras da Escritura: “Aquele que habita no céu zombará deles”(Ps24).

V.GenuínafénaIgreja

24. A fé em Jesus Cristo não se conservará pura e incontaminada se não for sustentada e defendida pela fé na Igreja, coluna e fundamento da verdade (1 Tim 3,15). Cristo próprio, Deus bendito eternamente, levantou esta coluna da fé; o seu mandamento de escutar a Igreja (Mt 18,17) e de ouvir, através as palavras e os mandamentos da Igreja, as suas próprias palavras e mandamentos (Lc 10,16), vale para os homens de todos os tempos e de todos os países. A Igreja, fundada pelo Salvador, é a única para todos os povos e todasasnações.

25. Sob sua cúpula, que levanta seus arcos como o firmamento sobre o universo inteiro, encontram lugar e asilo todos os povos e todas as línguas, e podem desenvolver-se todas as propriedades, qualidades, missões e funções que foram assinadas por Deus Criador e Salvador aos indivíduos e à sociedade humana. O amor maternal da Igreja é bastante largo para ver no desenvolvimento, conforme à vontade de Deus, destas particularidades e funções peculiares, antes a riqueza da variedade que o perigo de cisão; alegra-se pelo elevado nível espiritual dos indivíduos e povos. Vê, com alegria e ufania maternais, nas suas genuínas atuações, frutos de edificação e progresso,queabençoaepromovetodasas

vezes que o pode de boa consciência. Mas sabe também que a esta liberdade foram assinalados limites pela lei da divina Majestade, que quis e fundou esta Igreja como unidade inseparável nassuaspartesessenciais. Quem atentar contra esta unidade inseparável, arrebata à Esposa de Cristo um dos diademas com que o próprio Deus a coroou. Submete o edifício divino, que pousa sobre fundamentos eternos, ao exame e transformação de arquitetos a que o Pai celeste não concedeu poderesparatanto.

26. A divina missão, que a Igreja cumpre entre os homens, e deve cumprir por meio de homens, pode ser dolorosamente obscurecida pelo elemento humano, quiçá humano demais, que, em certos tempos, viceja como erva má entreotrigodoreinodeDeus.Quemconhecea palavra do Redentor sobre o escândalo e os que o dão, sabe como a Igreja e todo indivíduo deve julgar o que foi e o que é pecado. Mas quem, fundando-se sobre estes lamentáveis contrastes entre fé e vida, entre palavras e ação,entreatitudeexterioreinteriordealguns — e fossem eles muitos — esquece, ou conscientementepassaemsilêncioesteimenso cabedal de genuíno esforço pela virtude, o espírito de sacrifício, o amor fraterno, o heroísmo de santidade de tantos membros da Igreja, manifesta uma cegueira injusta e reprovável. E quando depois se vê que esta rígida norma com que ele julga a Igreja odiada, épostadeladosesetratadeoutrassociedades que lhe são mais acessíveis por interesse ou sentimento, manifesta-se então que, aparentando-se ofendido no seu pretenso senso de purismo, se assemelha com os que, conformeapalavraincisivadoSalvador,veema palha no olho do irmão, mas não percebem a trave no próprio. Ainda que não seja pura a intenção dos que fazem da ocupação com o humano na Igreja sua vocação ou até um baixo negócio,eaindaqueopoderdosportadoresda dignidade eclesiástica que se funda em Deus não dependa de sua elevação humana e moral, não há época, nem indivíduo, nem sociedade que não devia seriamente examinar a consciência,purificar-seinexoravelmente,

Cruzada
pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
78

renovar profundamente seu sentir e proceder. EmNossaEncíclicasobreosacerdócioeaAção Católica temos, com suplicante insistência, atraído a atenção de quantos pertencem à Igreja, e sobretudo dos eclesiásticos, religiosos e leigos que colaboram no apostolado, sobre o sagrado dever de estabelecer entre fé e conduta a harmonia exigida pela lei de Deus e pedidacomincansávelsolicitudepelaIgreja.

27. Também hoje repetimos com funda gravidade: não é suficiente pertencer à Igreja de Cristo. É necessário ser em espírito e verdade membro vivo desta Igreja. E tais são somente os que estão na graça do Senhor e continuamente andam em sua presença, seja na inocência ou seja na penitência sincera e operosa. Se o apóstolo das gentes, “o vaso de eleição”, castigava o seu corpo, para que não sucedesse que, tendo pregado aos outros, ele mesmo viesse a ser réprobo, pode então haver para os outros, em cujas mãos é colocada a guarda e dilatação do reino de Deus, caminho diverso do da íntima união do apostolado e da santificação própria? Só assim se demonstrará aos homens de hoje e, em primeiro lugar, aos inimigos da Igreja, que o sal da terra e o fermento do cristianismo não se tornou ineficaz, mas é poderoso e capaz de trazer renovamentoerejuvenescimentoaosqueestão na dúvida e no erro, na indiferença e perplexidade espiritual, no relaxamento da fé e afastamento de Deus, de que eles — admitam ouoneguem—precisammaisquenunca.Uma cristandade, em que todos os membros vigiem sobre si mesmos, que repila toda tendência puramente exterior e mundana, que se atenha seriamente aos mandamentos de Deus e na ativa caridade do próximo, poderá e deverá ser exemplo e guia do mundo profundamente enfermoqueprocuraesteioedireção,sesenão quer que sobrevenha um desastre indizível e umacatástrofeinimaginável.

28. Toda reforma genuína e duradoura teve propriamente origem no santuário, de homens inflamados e movidos de amor de Deus e do próximo. Eles, por sua grande generosidade de corresponderatodososapelosdeDeuse

pô-los em prática antes de tudo em si próprios, cresceram em humildade e, com a segurança de quem é chamado por Deus, iluminaram e renovaram seu tempo. Onde o zelo da reforma não brota do puro manancial da integridade pessoal, mas foi efeito da explosão de impulsos apaixonados, em vez de iluminar ofuscou, em vez de construir destruiu, e foi bastas vezes pontodepartidadeerrosmaisfunestosdoque o mal a que queriam ou pretendiam remediar. Certamente, o Espírito de Deus sopra onde quer (Jo 3,3), ele pode suscitar das pedras os executores de seus desígnios (Mt 3,9; Lc 3,8), e escolhe os instrumentos de sua vontade de acordo com os seus planos, e não os dos homens. No entanto, ele, que fundou a Igreja e a chamou à vida no dia de Pentecostes, não destrói a estrutura fundamental da salutar instituição, por ele próprio querida. Quem é movido do espírito de Deus por isto mesmo possui uma atitude exterior e interior respeitosa para com a Igreja, nobre fruto da árvore da cruz, dom do Espírito do Pentecostes aomundotãonecessitadodeguia.

29. Em vossas regiões, Veneráveis Irmãos, se elevam, em coro, vozes sempre mais fortes que incitam a separar-se da Igreja. E entre os seus pioneiros encontram-se homens que, por sua posição oficial, procuram produzir a impressão de que esta debandada da Igreja e, por conseguinte, infidelidade a Cristo-Rei, seja uma prova particularmente evidente e meritóriadesuafidelidadeaoregimepresente. Com pressões, ocultas ou abertas, intimidações, perspectivas de desvantagens econômicas, profissionais, civis ou de outra espécie, o apego à fé dos católicos e, especialmente, de algumas classes de funcionários públicos, é submetido a uma violentação tanto ilegal quanto desumana. Toda Nossa compaixão de pai e mais profundo pesar, aos que tão caro pagaram o seu apego a Cristo e à Igreja. Mas aqui já se chegou ao ponto onde está em jogo o fim último e mais alto, a salvação ou perdição, e logo o único caminho de salvação que resta aos crentes é o caminhodeumgenerosoheroísmo.

Cruzada
pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
79

Quando o tentador ou opressor se lhe aproxima com as insinuações traidoras de sair da Igreja, então não poderá senão contraporlhe, ainda que ao preço dos mais graves sacrifícios terrenos, a palavra do Salvador: “Vai-te, Satanás, porque está escrito: O Senhor teu Deus adorarás, e a ele só servirás” (Mt 4,8; Lc 4,8). À Igreja, ao invés, dirá: Tu, que és minha Mãe desde os dias de minha primeira infância, meu conforto na vida, minha advogada na morte, apegue-se-me a língua às fauces, se eu, cedendo a lisonjas ou ameaças, traísse as promessas do batismo. Aos que opinam poder conciliar com o externo abandono da Igreja a fidelidade interna a ela, seja lembrada a palavra do Salvador: “Quem me nega diante dos homens, eu o renegarei diantedemeuPaiqueestánocéu”(Lc12,9).

VI.Genuínafénoprimado

30. A fé na Igreja não se manterá pura e incontaminada se não se apoiar na fé no Primado do Bispo de Roma. No mesmo momento, em que Pedro, prevenindo os outros apóstolos e discípulos, professou a sua fé em Cristo, Filho de Deus vivo, o anúncio da fundação de sua Igreja, da única Igreja, sobre Pedro, a rocha (Mt 16,18), foi a resposta de Cristo, recompensa de sua fé e profissão. A fé emCristo,naIgrejaenoPrimadoestãoporisto em sagrado liame de interdependência. Uma autoridade legítima e legal é sobretudo um vínculo de unidade e fonte de forças, defesa contra o esfacelamento e a desagregação, garantia do porvir. E isto se verifica, no sentido mais alto e mais nobre, onde, como no caso da Igreja, a esta autoridade é prometida a assistência sobrenatural do Espírito Santo e o seu apoio invencível. Se homens, que nem são unidos na sua fé em Cristo, vos seduzem e lisonjeiam com o fantasma duma “Igreja nacional alemã”, sabei que isto não é outra coisa senão renegar a única Igreja de Cristo, numa apostasia manifesta do mandado de Cristodeevangelizartodooorbe,oquesóuma igreja universal pode realizar. O desenvolvimento histórico de outras igrejas nacionais, a sua petrificação espiritual, a sua sufocaçãoeescravizaçãopelospoderesleigos

mostram a desolante esterilidade que, com inelutável certeza, atinge o ramo separado da videira vital da Igreja. Quem opõe a estes errôneos desenvolvimentos, desde o começo, seu pronto e inexorável não, rende serviço, não só à pureza de sua fé, mas também à saúde e forçavitaldeseupovo.

VII.Nãoadulterarnoçõesetermossagrados

31. Veneráveis Irmãos, tende um ouvido particularmente atento, quando noções religiosas são desvirtuadas de seu sentido genuínoeaplicadasasignificaçõesprofanas.

A.Revelação

32. Revelação, em sentido cristão, significa a palavra de Deus aos homens. Usar este mesmo termo para sugestões provenientes do sangue e da raça, para irradiações da história de um povo, é, em todo caso, causar desorientação. Estas falsas moedas não merecem passar do tesouro linguístico do fiel cristão.

B.Fé

33. A fé consiste em ter por verdade o que Deus revelou e impõe a crer por intermédio da Igreja. É “uma demonstração das coisas que não se veem” [Heb 9,1]. A confiança alegre e ufanosa no porvir do próprio povo, cara a todos, significa bem outra coisa que a fé em sentido religioso. Usar uma pela outra e pretender com isso ser reconhecido como “crente”porumcristãoconvicto,éumvãojogo de palavras, uma consciente confusão de termos,oupiorainda.

C.Imortalidade

34. A imortalidade, em sentido cristão, é a sobrevivência do homem depois da morte terrena, como ser individual, para a eterna recompensa ou o eterno castigo. Quem com a palavra imortalidade não quer indicar senão uma sobrevivência coletiva na continuidade do próprio povo, para um porvir de indeterminada duração neste mundo, perverte e falsifica uma das verdades fundamentais da fé cristã e abala os fundamentos de qualquer concepção religiosa que exija uma ordem moraluniversal.Quemnãoquiser

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
80

ser cristão, renuncie ao menos a querer enriquecer o vocabulário de sua incredulidade comopatrimôniolinguísticocristão.

D.PecadoOriginal

35. O pecado original é a culpa hereditária, própria, se bem que não pessoal, de cada um dos filhos de Adão, que nele pecaram (Rom 5,12), é a perda da graça e, por conseguinte, da vida eterna, acompanhada da concupiscência que cada qual deve sufocar e domar por meio da graça, da penitência, da luta e do esforço moral. A paixão e morte do Filho de Deus remiu o mundo do maldito apanágio da morte e do pecado. A fé nesta verdade, feita hoje objeto de baixo ludíbrio dos inimigos de Cristo em vossa pátria, pertence ao depósito inalienáveldareligiãocristã.

E.ACruzdeCristo

36. A cruz de Cristo, também se seu só nome se tornou para muitos loucura e escândalo, é para o cristão o sinal sagrado da redenção, a bandeira da grandeza e força moral.Nasuasombravivemos.Noseuamplexo morremos. Sobre a nossa campa estará a anunciar a nossa fé, testemunho de nossa esperançaqueestánavidaeterna.

F.Humildade

37. A humildade no espírito do evangelho e a imploração do auxílio de Deus harmonizam bem com a própria dignidade, com a confiança em si mesmo e o heroísmo. A Igreja de Cristo, que, emtodosostempos,aténosquenosestão mais próximos, conta mais confessores e mártires heróis que qualquer outra sociedade moral, não tem necessidade de receber, nesta matéria, ensinamentos sobre o sentimento e ação heroicas. Ao apresentar tolamente a humildade cristã como aviltamento e mesquinhez, a repugnante soberba destes inovadoressetornaridículaasiprópria.

G.Graça

38. Graça, em sentido lato, pode chamar-se tudo que a criatura recebe do Criador. Graça, no sentido cristão da palavra, compreende as provassobrenaturaisdodivinoamor,as

mercês e obras de Deus pelas quais eleva o homem a esta íntima comunhão de sua vida, que o novo testamento chama de filiação divina. “Considerai que amor nos mostrou o Pai: que sejamos chamados filhos de Deus e que o sejamos na realidade” (1 Jo 3,1). O repúdio desta elevação sobrenatural à graça, pormotivodeumapretensaparticularidadedo caráter germânico, é uma aberta declaração de guerra a uma verdade fundamental do cristianismo. Equiparar a graça sobrenatural aos dons naturais é violentar a linguagem criada e santificada pela religião. Os pastores e guardasdopovodeDeusfarãobememopor-se a este furto sacrílego e a este trabalho de desnorteamentodosespíritos.

VIII.Doutrinaeordemmoral

39. Sobre a fé em Deus, genuína e pura, se alicerça a moralidade do gênero humano. Todas as tentativas de separar a doutrina da ordem moral da base granítica da fé, para reconstruí-la sobre a areia movediça de normas humanas, levam, cedo ou tarde, indivíduos e nações à decadência moral. O insensato que diz no seu coração: “Não há Deus” (Ps 13, 1 ss.) resvalará na corrupção moral. E estes insensatos, que presumem separar a moral da religião, são hoje legião. Não enxergam ou não querem enxergar que, banindo o ensino confessional clara e determinadamente cristão da escola e educação, impedindo-o de contribuir à formação da sociedade e vida pública, se aventuramporcaminhosdeempobrecimentoe decadência moral. Nenhum poder corretivo do estado, nenhum ideal puramente terreno, porquanto alto e nobre, poderá substituir, por muito tempo, os mais profundos e decisivos estímulos que provêm da fé em Deus e Jesus Cristo. Se ao que é chamado às mais altas renúncias, ao sacrifício de seu pequeno eu em bem da comunidade, se toma o apoio que lhe vem do eterno e divino, da fé elevante e consoladoranaquelequepremeiatodoobeme castiga todo o mal, então o resultado final para inumeráveis homens não será fidelidade ao dever,masmuitasvezesdeserção.

Cruzada pelo
Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
81

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo

A observância fiel dos dez mandamentos de Deus e dos preceitos da Igreja, não sendo os últimos senão regulamentos derivados das normas do Evangelho, é para todo o indivíduo uma incomparável escola de disciplina orgânica, de revigoramento moral e formação do caráter. É uma escola que muito exige; mas não acima das forças. Deus misericordioso, quandocomolegisladorordena:“Tu deves”,dá, com sua graça, a possibilidade de executar sua ordem. Deixar, pois, inutilizadas energias morais de tão poderosa eficácia, ou obstruirlhes conscientemente o caminho no campo da instrução pública, é obra de irresponsáveis, que tende a produzir a deficiência religiosa no povo.Confundiradoutrinamoralcomopiniões humanas, subjetivas e mutáveis no tempo, em vez de ancorá-la na santa vontade de Deus e seus mandamentos, iguala a escancarar as portas às forças dissolventes. Portanto, promover o abandono das eternas diretivas de uma doutrina moral para a formação das consciências, para o nobilitamento de todas as esferas da vida e todos os regulamentos, é atentado pecaminoso contra o porvir do povo, cujos tristes frutos amargurarão as gerações futuras.

IX.Reconhecimentododireitonatural

40. É um característico nefasto do tempo presente querer separar não só a doutrina moral, mas ainda os fundamentos do direito e de sua administração, da verdadeira fé em Deus e das normas da revelação divina. Nosso pensamentosevolveaqui aoquesesóichamar odireitonatural,queodedodomesmoCriador gravou nas tábuas do coração humano (Rom 2,14 ss), e que a razão humana, sã e não obscurecida por pecados e por paixões, pode nelas decifrar. À luz das normas deste direito natural, todo direito positivo, seja qual for seu legislador, pode ser aquilatado no seu conteúdo ético e, por conseguinte, na sua força ordenativa e obrigatoriedade de cumprimento. Estas leis humanas, que contrastam insoluvelmente com o direito natural, são afetadas de erro original, não sanável nem por constrangimento nem por desdobramento de forçaexterna.Segundoestecritério,julgue-seo

princípio: “Direito é aquilo que é útil à nação”. Certamente, a este princípio pode dar-se um sentido justo, se se entende que aquilo que é moralmente ilícito jamais será realmente vantajoso ao povo. Entretanto, já o antigo paganismo compreendeu que, para ser justa, esta frase deve ser invertida e soar: “Jamais alguma coisa é vantajosa, se ao mesmo tempo não é moralmente boa, e não por ser vantajosa é moralmente boa, mas por ser moralmente boa é vantajosa” (Cícero, De officiis 3,33). Este princípio,destacadodaleiética,significaria,no que concerne à vida internacional, um eterno estado de guerra entre as nações. Na vida nacional desconhece, confundindo interesse e direito, o fato fundamental que o homem, enquanto pessoa, está de posse de direitos, concedidos por Deus, que devem ser defendidos contra toda investida da comunidade que os queira negar, abolir e interceptar-lhes o exercício. Desprezando esta verdade, perde-se de vista que o verdadeiro bem comum, em última análise, é determinado e conhecido mediante a natureza do homem, com seu harmonioso equilíbrio entre o direito pessoal e o liame social, como também do fim da sociedade determinado pela mesma natureza humana. A sociedade é estimada pelo Criador como meio para o pleno desenvolvimento das faculdades individuais e sociais, das quais o homem há de se valer, ora dando ora recebendo para seu bem e o do próximo. Também os valores mais universais e mais altos que só podem ser realizados não pelo indivíduo, mas pela sociedade, têm, por vontade de Deus, como último fim, o desenvolvimento e perfeição do homem natural e sobrenatural. Quem se afasta desta ordem, abala as pilastras sobre que repousa a sociedade, e põe em perigo sua tranquilidade, segurançaeexistência.

41. O crente possui um direito inalienável deprofessarsuaféedepraticá-lanaformaque a ela convém. As leis que suprimem ou tornam difícil a profissão e prática desta fé estão em oposiçãocomodireitonatural.

42. Os pais conscienciosos e conscientes de suamissãoeducativatêm,antesdequalquer

82

outro, o direito essencial à educação dos filhos que Deus lhes deu, segundo o espírito da verdadeiraféedeacordocomseusprincípiose prescrições. Leis ou outras semelhantes disposições que, na questão escolar, não respeitam a vontade dos pais ou a tornam ineficaz pelas ameaças ou violências, estão em contradição com o direito natural e em sua íntimaessênciasãoimorais.

43. A Igreja, cuja missão é vigiar e interpretar o direito natural, não pode fazer outra coisa senão declarar serem efeito de violência e, portanto, privadas de todo o valor jurídico, as inscrições escolásticas feitas recentemente, em uma atmosfera de notório tolhimentodeliberdade.

X.Àjuventude

44. Representante daquele que no evangelho disse a um jovem: Se queres entrar na vida eterna observa os mandamentos (Mt 19,17), dirigimos uma palavra particularmente paternaàjuventude.

45. De mil bocas hoje se repete aos vossos ouvidos um evangelho que não foi revelado pelo Pai do céu. Milhares de penas escrevem a serviço de um pseudo-cristianismo que não é o cristianismo de Cristo. Imprensa e rádio inundam-vos diariamente com produções de conteúdo inimigo da fé e de Deus, e, sem consideração e respeito, atacam tudo o que vos ésagradoesanto.

46. Sabemos que muitíssimos dentre vós, por seu apego à fé e à Igreja e por pertencerem a uma associação religiosa, garantidos pela Concordata, deveram e devem atravessar períodos trevosos de falta de compreensão, de suspeitas, de invetivas, de acusação de antipatriotismo, de múltiplas desvantagens profissionais e sociais. E bem sabemos como muitos desconhecidos soldados de Cristo se acham em vossas fileiras, que com o coração confrangidomasafronteelevadasuportamsua sorte e acham conforto no só pensamento de que sofrem afrontas pelo nome de Jesus (At 5,41).

47.Ehoje,queameaçamnovosperigose

novas compressões, dizemos a esta juventude: Se alguémvosquisesseanunciarumevangelho diverso daquele que haveis recebido, sobre os joelhos de uma piedosa mãe, dos lábios de um pai crente, na doutrina de um educador fiel a DeuseàsuaIgreja,sejaeleanátema(Gál1,9).

48. Se o Estado organiza a juventude em associação nacional obrigatória para todos, então, resguardados sempre os direitos das associações religiosas, os jovens têm o direito óbvio e inalienável, e com eles os pais responsáveis por eles diante de Deus, de exigir que ela seja purgada de toda tendência hostil à fé cristã e à Igreja, tendência que até recentíssimo passado, e ainda presentemente, acorrenta os pais crentes em insolúvel conflito de consciência, pois que não podem dar ao Estado o que deles é exigido em nome do Estado, sem tomar a Deus o que pertence a Deus.

49. Ninguém cogita em pôr à juventude da Alemanha pedras de tropeço no caminho que a deverá conduzir à atuação de uma verdadeira unidade nacional e fomentar um nobre amor pela liberdade e um inabalável devotamento à pátria. Ao que Nos opomos e Nos devemos opor é ao contraste querido e sistematicamente atiçado, mediante o qual se separam estas finalidades educativas das religiosas. Por isto, dizemos a esta juventude: Cantai os vossos hinos de liberdade, mas não vos esqueçais que a verdadeira liberdade é a liberdade dos filhos de Deus. Não permitais que a nobreza desta insubstituível liberdade se emaranhe nos laços servis do pecado e da concupiscência. Ao que canta o hino de fidelidade à pátria terrestre não é lícito tornarse desertor e traidor pela infidelidade a seu Deus,àsuaIgrejaesuapátriaeterna.Muitovos falam de uma grandeza heroica, contrapondo-a voluntária e falsamente à humildade e paciência evangélica, mas por que vos ocultam que há também um heroísmo na luta moral? e que a conservação da pureza batismal representa uma ação heroica que deveria ser apreciada devidamente no campo religioso e natural?Falam-vosdasfragilidadesnahistória

Cruzada pelo
Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
83

pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo

da Igreja, mas por que vos ocultam os grandes feitos que a acompanham através dos séculos, os santosque produziu, a vantagem que adveio à cultura ocidental da união vital entre esta Igreja e vosso povo? Falam-vos muito de exercícios desportivos, que, usados numa bem entendida medida, dão vigor físico, o que é um benefício para a juventude. Mas a eles é assinalada, muitas vezes, hoje, uma extensão que não tem em conta nem a formação integral e harmoniosa do corpo e espírito, a conveniente cultura da vida familiar, nem o mandamento de santificar o dia do Senhor. Com uma indiferença que toca às raias do desprezo tira-se ao dia do Senhor seu caráter sagrado e recolhido, que tanto corresponde às melhores tradições alemãs. Esperamos confiadamente dos jovens alemães católicos que eles, no difícil ambiente das organizações obrigatórias do Estado, reivindiquem explicitamente o dia do Senhor, que o cuidado de robustecer o corpo não osfaça esquecersua alma imortal, que não se deixem vencer pelo mal, mas procurem vencer o mal com o bem (Rom 12,21), que considerem como sua altíssima meta a de conquistar a coroa da vitória no estádio da vida eterna (1 Cor 9,24, s.).

XI.Aossacerdotesereligiosos

50. Uma palavra de particular reconhecimento, de exortação, dirigimos aos sacerdotes da Alemanha, aos quais, em submissão aos seus bispos, compete a missão de, em tempos difíceis e circunstâncias duras, mostrar à grei de Cristo os caminhos retos, em doutrina e exemplo, e dedicação e paciência apostólica. Não vos canseis, filhos diletos e participantes dosdivinosmistérios, de seguiro eterno sumo sacerdote Jesus Cristo no amor e ofício de bom samaritano. Andai sempre em conduta imaculada diante de Deus, disciplinando e aperfeiçoando-vos, em amor misericordioso para com todos que vos são confiados, especialmente os que perigam, fraquejamevacilam.Sedeguiasdosfiéis,apoio dos atribulados, mestres dos que estão em dúvida, consoladores dos aflitos, desinteressadosassistenteseconselheirosde

todos. As provas e sofrimentos, por que passou o povo no período após-guerra, não passaram sem deixar traços em sua alma. Deixaram tensões e amarguras que só lentamente se cicatrizarão e serão superadas pelo espírito de amor desinteressado e operoso. Este amor, arma indispensável ao apóstolo, especialmente no mundo presente, agitado e revolto, Nós o desejamos e imploramos para vós de Deus em medida copiosa. O amor apostólico, se não vos fazesquecer,vosfaráaomenosperdoarmuitas imerecidas amarguras, que no vosso caminho de sacerdotes e pastores de almas são mais numerosas que em qualquer outro tempo. Este amor inteligente e misericordioso aos errantes e aos mesmos maldizentes não significa, no entanto, nem de modo algum pode significar, renúncia de proclamar, de fazer valer e defender a verdade e de aplicá-la livremente à realidade que vos rodeia. O primeiro e mais óbvio dom de amor do sacerdote ao mundo é de servir à verdade, a verdade toda inteira, desmascarareconfutaroerro,sejaqualforsua forma, disfarce e arrebique. A renúncia a isto não seria somente uma traição a Deus e vossa santa vocação, mas delito contra o verdadeiro bem-estar de vosso povo e vossa pátria. A todos os que mantiveram a seus bispos a fidelidade prometida na ordenação, aos que nos cumprimento de seu ofício pastoral deveram e devem suportar dores e perseguições—algunsatéseremencarcerados eenviadosaoscamposdeconcentração—vale o agradecimento e elogio do Pai da cristandade.

51. E o nosso agradecimento paterno se estende igualmente aos religiosos de ambos os sexos: um agradecimento unido a uma participação íntima pelo fato que, em consequência de medidas contra Ordens e Congregações religiosas, muitos foram arrancados do campo de sua atividade bendita, que lhes era tão cara. Se alguns falhavam e se mostravam indignos de sua vocação, as suas falhas, condenadas também pela Igreja, não diminuem os méritos da esmagadora maioria dosquepordesinteresseevoluntáriapobreza

Cruzada
84

seesforçaramporservircomplenadedicaçãoa seu Deus e seu povo. O zelo, a fidelidade, o esforço de perfeição, a operosa caridade do próximo e a prontidão de socorrer destes religiosos, cuja atividade se desenvolve na cura pastoral, nos hospitais e escolas, são e continuam a ser uma gloriosa contribuição ao bem-estar particular e público. A eles um tempo futuro mais tranquilo renderá justiça melhor que o presente turbulento. Confiamos que aos superiores das comunidades as provações e dificuldades sejam ensejo de, por zelo redobrado, uma vida espiritual aprofundada, santa fidelidade à vocação e genuína disciplina regular, implorar do Altíssimo novas bênçãos e nova fertilidade paraodurocampodeseutrabalho.

XII.Aosfiéisleigos

52. Diante de Nossos olhos está a turba magna de Nossos diletos filhos e filhas, a que os sofrimentos da Igreja na Alemanha e os próprios nada tiraram de sua dedicação à causa de Deus, nada de seu terno afeto ao Pai da cristandade, nada de sua obediência aos bispos e sacerdotes, nada de sua alegre prontidão de continuar, também no futuro, venha o que vier, fiéis ao que hão crido e recebido como preciosa herança de seus avós. Com coração comovido enviamos-lhes a Nossa saudaçãodepai.

53. Em primeiro lugar aos membros das associações católicas que extremamente e a preço de sacrifícios muitas vezes dolorosos se mantiveram fiéis a Cristo, e jamais estiveram dispostos de largar os direitos que uma solene ConvençãohaviagarantidoàIgrejaeaeles.

54. Uma saudaçãoparticularmenteafetuosa aospaiscatólicos.Osseusdireitosedeveresna educação dos filhos que Deus lhes deu estão, na hora presente, no ponto central de uma luta como mais grave e fatal não pode ser imaginada. A Igreja de Cristo não pode começar a gemer e chorar só quando os altares são espoliados e mãos sacrílegas ateiam as chamas aos santuários. Quando se procura profanar o tabernáculo da alma da criança, santificadapelobatismo,comumaeducação

anticristã, quando é arrancada deste templo vivo de Deus a lâmpada da fé e é substituída pelo fogo fátuo de um sucedâneo de fé que nada tem de comum com a fé da cruz — então a profanação espiritual está próxima e é dever de todo o crente separar claramente a sua responsabilidade daquela da parte adversa e conservar sua consciência livre de toda colaboração pecaminosa nesta nefasta destruição. E quanto mais os inimigos se esforçam por negar ou disfarçar seus negros desígnios, tanto mais necessária se torna uma desconfiança vigilante e uma vigilância desconfiada, estimulada por amargas experiências. A conservação formalista de uma instrução religiosa, inspecionada e manietada por gente incompetente, no ambiente de uma escola que em outros ramos da instrução trabalha sistemática e ostensivamente contra a mesma religião, já não pode apresentaro título justificativo ao fiel cristão, a fim de que aprove uma tal escola, deletéria para a religião. Sabemos, diletos pais católicos, que não é de falar, em vista de vós, de tal consentimento e sabemos que uma livre votação secreta entre vós equivaleria a um esmagador plebiscito em favor da escola confessional. E por isto, não cansaremos, nem no futuro, de francamente lançaremrostodasautoridadesresponsáveisa ilegalidade das medidas violentas tomadas até agora e de reclamar o dever de permitir a livre manifestação da vontade. Entretanto, não vos esqueçais: nenhum poder da terra pode libertar-vos de vínculo de responsabilidade querido por Deus, que vos une com vossos filhos. Nenhum dos que hoje oprimem o vosso direito à educação e pretendem substituir-se a vós nos vossos deveres de educadores, poderá responder por vós ao Juiz eterno quando vos fizer a pergunta: Onde estão os que vos dei? Oxalá todos estejais na possibilidade de responder: Não perdi nenhum dos que me destes(Jo18,19).

XIII.Conclusão

55. Veneráveis Irmãos! Estamos certos que as palavras que dirigimos a vós, e por vosso meio aos católicos do Reich germânico, nesta horadecisivaencontrarãonocoraçãoe

Cruzada pelo Reinado
Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
69

Cruzada pelo Reinado

ação de Nossos filhos fiéis um eco que corresponda à solicitude amorosa do Pai comum. Se há coisa que imploramos ao Senhor com particular fervor é que Nossas palavras cheguem ao ouvido e coração dos que já começaram a deixar-se prender pelas lisonjas e ameaças dos inimigos de Cristo e seu santo Evangelho, e os façamrefletir.

56. Temos pesado cada palavra desta Encíclica na balança da verdade e do amor. Não queríamos com silêncio inoportuno tornar-Nos culpado de não ter esclarecido a situação, nem com rigor excessivo de haver endurecido os corações dos que, estando submetidos à Nossa responsabilidadedePastor,nãosãomenosobjeto de Nosso amor, por caminharem nas veredas do erro e estarem afastados da Igreja. Ainda que muitos destes, conformados com os hábitos do ambiente, não tenham senão palavras de infidelidade, ingratidão e até de injúria, pela casa paterna abandonada e pelo próprio pai, ainda que se esqueçam quão precioso é o que alijaram — virá o dia em que o horror que sentirão do afastamento de Deus e de sua indigência espiritual pesará sobre estes filhos hoje desgarrados, e a saudade os reconduzirá ao Deus “que alegrou sua juventude”, e à Igreja, cuja mão materna lhes mostrou o caminho ao Pai do céu. Apressar esta hora é o objeto de Nossas incessantespreces.

57. Como outras épocas da Igreja, também esta será o anúncio de novos progressos e purificação interna, quando a fortaleza na profissão da fé e a prontidão em suportar os sacrifícios da parte de Cristo serão bastante grandes para contrapor à força material dos opressores da Igreja a adesão incondicionada à fé, a esperança inconcussa, ancorada no eterno, a força vencedora da operosa caridade. O sagrado tempo da quaresma e Páscoa, que prega recolhimentoepenitênciaefazvoltarosolhosdo cristão mais que nunca sobre a cruz, mas também sobre os esplendores da ressurreição, seja para todos e para cada um de vós uma ocasião que saudareis com alegria e de que vos prevalecereis com ardor para encher a alma toda com o espírito heroico, paciente e vitorioso que irradiadacruzdeCristo.

Social de Nosso Senhor Jesus Cristo

Então os inimigos da Igreja — estamos seguros disto — que acreditam ter chegado a sua última hora, reconhecerão que cedo demais rejubilaram e muito cedo a quiseram sepultar. Então virá o dia em que em vez de prematuros hinos de triunfo dos inimigos de Cristo, se elevará ao céu dos corações e lábios dos fiéis o Te Deum da libertação: um Te Deum de ação de graças ao Altíssimo, um Te Deum de júbilo, porque o povo alemão, também em seus membros errantes, terá reencontrado o caminho de volta à religião; com uma fé purificada pelos sofrimentos, dobrará de novo o joelho diante do Rei dos tempos e da eternidade, Jesus Cristo, e se cingirá para a luta contra os negadores e destruidores do ocidente cristão, em união com os homens bem intencionados das outras nações, a cumprir a missãoquelhesassinalaramosplanosdoEterno.

58. Ele, que perscruta coração e rins (Sl 7,10), Nos é testemunha que não temos aspiração mais íntima que a do restabelecimento da verdadeira paz entre a Igreja e o Estado na Alemanha. Mas se sem culpa Nossa a paz não vier, a Igreja de Deus defenderá os seus direitos e liberdade, em nomedoTodo-poderoso,cujobraçotambémhoje não foi abreviado. Cheios de confiança nele “não cessamos de orar e pedir” (Col 1,19) por vós, filhos da Igreja, a fim de que os dias das tribulações sejam abreviados e vós sejais encontrados fiéis no dia da provação; e também aos opressores e perseguidores o Pai de toda luz e toda misericórdia conceda a hora de Damasco, para si e os muitos que com eles têm errado e erram.

59. Com esta súplica no coração e lábios, Nós vos damos, como penhor do divino auxílio, como apoio nas vossas decisões difíceis e cheias de responsabilidade, como robustecimento nas lutas, como conforto nos sofrimentos, a Vós bispos, pastores de vosso povo fiel, aos sacerdotes, aos religiosos, aos apóstolos leigos da Ação Católica e todos os vossos diocesanos, e não emúltimolugar,aosdoenteseencarcerados,com paternalamorabênçãoapostólica.

Dado no Vaticano, no domingo da Paixão, 14 demarçode1937.

PIO XI, PAPA.
86

"Se queremos novamente erguer o edifício da nossa vida étnica e nacional, meditemos sobre os ensinamentos do passado recentíssimo! Não se pretendia construir a casa sem a cooperação de Deus, Nosso Senhor? E não se converteu ela afinal numa torre de Babel? Não se queria construir, dispensando aquela única pedra angular, que Deus mesmo colocou, Jesus Cristo, Aquele só que faz os muros eficazmente duradouros e coesos? Deve ser isto o primeiro na reconstrução, a saber, que a Deus se dê na vida do indivíduo e na da sociedade o lugar, que lhe é devido como supremo Senhor, lugar que fora atribuído a valores secundários: estado, raça, nação."

Carta Pastoral Coletiva do Episcopado Alemão.

No dia 23 de Agosto de 1945, o Venerando Episcopado Alemão, reunido em Fulda, publicou a seguinte Carta Pastoral Coletiva, a primeira após a derrota do nazismo. Seguimos a tradução divulgada pelo "Legionário" e feita segundo o texto alemão publicado pela "Libreriadell'Apostolato"deRoma.

Os Bispos da Alemanha, reunidos junto ao túmulo de São Bonifácio, enviam ao Clero e aos fiéis de suas respectivas dioceses saudação e bênçãodoSenhor.

Caríssimosdiocesanos:

Durante dois anos não nos foi possível, por causa das fúrias da guerra, reunir-nos para deliberações coletivas. Nesta primeira reunião, depoisdeterminadaaguerra,sentimosimenso a ausência do Presidente perpétuo das nossas conferências, o Cardeal Bertram, Arcebispo de Breslávia, que, no castelo de Johannesberg, em 6 de Julho deste ano, adormeceu no Senhor, depois de ter dirigido durante 25 anos as Nossas conferências, governado por 31 anos a diocese de Breslávia e empunhado durante 40 anos o báculo pastoral. Se forem um dia publicados os escritos e representações sobre todas as questões pendentes, que ele, somente nestes últimos 12 anos, enviou às autoridades governamentais,omundoadmirar-se-áda

previdência e prudência, com que o venerando Cardeal se manteve em vigília e defendeu os direitos de Deus e de sua Igreja, em benefício de todos os necessitados e oprimidos. Nós lhe transmitimos uma saudação de íntimo agradecimento e dele nos lembraremos em nossasorações.

Apesar de todas as vicissitudes por que passamos,estamoselenovoreunidosnoantigo lugar sagrado, junto ao túmulo de São Bonifácio, Apóstolo dos alemães. Estamos também reunidos na mesma fé, que ele pregou aosnossosantepassados;namesmafidelidade ao Papa de Roma, com o qual ele firmissimamente vinculou a Igreja alemã. Nesta fé e nesta união temos a firme convicção de estarmos numa rocha contra a qual podem as ondas arremeter sem jamais lograr miná-la nemfazê-laruir.

I. Seja Nossa primeira palavra a de íntima gratidão ao Nosso Clero e aos Nossos diocesanos, pela inabalável fidelidade que mantiveramàIgrejaemtemposgraves.

Sabemos, que para muitos dentre vós não era sem perigo que sempre de novo escutáveis as Nossas palavras pastorais, as quais se opunham aos erros e crimes do nosso tempo. Com interesse profundo e íntima participação, milhões e milhões seguiram Nossas explanações, quando defendíamos os direitos da pessoa humana; quando rejeitávamos as intromissões do Estado na vida eclesiástica; quando falávamos das inauditas opressões, que pelo Estado e pelo partido foram exercidas em todos os setores da vida intelectual e religiosa; quando erguíamos Nossa voz contra o orgulhoracistaeoódiodospovos.

Bem sabemos que havia por toda parte delatores, que vos queriam impedir o progresso e a ascensão, podendo provar quehavíeisescutadotaissermões.

Do âmago do coração agradecemos a vós, pais cristãos, que defendestes corajosamente as escolas católicas apesar de todas as intimações e ameaças, embora se frustrasse porfimavossalutapelosvossosdireitos

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
87

paternais. Com orgulho santo lembramo-Nos, como em tantas regiões foi a Cruz recolocada nos antigos lugares, nas salas escolares, donde por mãos sacrílegas fora tirada. E não tínheis vós nenhum poder terreno, somente a vossa convicçãoeabravuradevossafé.

Também a vós, querida juventude, a Nossa particular gratidão. Até ao sangue sustentastes os vossos ideais, e vossa conduta era para Nós conforto e apoio nesta luta, humanamente sem esperança.

Agradecemos a todos os sacerdotes e leigos, que tão numerosos e tão intrépidos defenderam a lei de Deus e a doutrina de Cristo. Encarcerados e maltratados, muitos se tornaram verdadeiros confessores, e não poucossacrificaramavidaàsuaconvicção.

Como nos afervora o coração a recordação de que sempre e sempre católicos de todas as condições e idades se dispuseram a proteger compatriotas dum povo estranho, defendendoos e prestando-lhes caridade cristã. Muitos pereceram em campos de concentração por tais atos de caridade. Receberam estes "a recompensa abundante", e nós a certeza consoladora de que nosso povo praticava o cristianismo a despeito de toda a opressão e perseguição.

Comovidos lembramo-Nos de todos os que repartiam seu parco pão cotidiano com outro não-ariano, inocentemente perseguido, embora, dia por dia, aguardassem a terrível sorte que lhes estava preparada para si e seu protegido.

Povo católico, alegramo-Nos de haver testemunhado, como, em tão larga escala, te recusasteàidolatriadaforçabrutal.Enche-Nos de contentamento o fato de que tantos da nossa fé nunca jamais dobraram o joelho perante Baal. Folgamos por saber que estas doutrinas ateístas e desumanas foram também rejeitadas além do mundo dos nossos irmãos dafécatólica.

lI. Não obstante, coisas horrorosas aconteceram já antes da guerra na Alemanha e foramduranteaguerraperpetradaspor

alemães nos países ocupados. Lamentamo-lo profundamente. Muitos alemães, também das nossas fileiras, deixaram-se seduzir pelas falsas doutrinas do nacionalsocialismo, quedaram-se indiferentes perante os crimes contra a liberdade e dignidade humanas; muitos, por sua conduta, contribuíram para tais crimes e muitos se tornaram criminosos. Grave responsabilidade pesa sobre os que, devido à sua posição, podiam saber o que se estava fazendo entre nós e que, por sua influência, podiamterevitadotaiscrimes,enãosónão os impediram, senão ainda os favoreceram, solidarizando-se destarte com os criminosos.

Sabemos, todavia, que entre os que exerciam cargos subalternos, especialmente entre os funcionários e professores, a filiação ao partido não significava muitas vezes a adesão interior aos atos criminosos do regime. Houve com frequência quem se alistasse no partido, desconhecendo a atividade e os fins deste, muitos forçados e outros com a boa intenção de evitar o mal. É uma exigência da justiça, que sempre e em todos os lugares se examineaculpa,decasoemcaso,paraquenão sofram os inocentes com os culpados. Nisto insistimos Nós, bispos, desde o começo e nisto insistiremostambémnofuturo.

Tudo faremos, outrossim, por que em nosso povo, de modo especial na juventude, criem novamente raízes firmes as noções da lei de Deus e dos direitos do homem, da dignidade humana e da liberdade de consciência, a fimde que se estabeleça de dentro para fora a precaução contra a volta de tais estados e de umanovaguerra.

IlI. Nós queremos reconstruir e somos gratosaqualquerauxilio,queseNospresteem Nossa missão religiosa. Esperamos, que seja novamente facultado aos pais católicos enviarem seus filhos para as escolas católicas. Não há garantia melhor para o saneamento da situação espiritual do que uma verdadeira educação religiosa, baseada na escolaconfessional. Porestarazão

Cruzada pelo Reinado
Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
88

exigimos a escola católica para as crianças católicas, em unanimidade e conformidade com as instruções de Pio XI em sua sua magníficaencíclicasobreaEducação.Ondenão há a possibilidade duma escola católica pública, deve-se conceder à Igreja a liberdade de fundar escolas particulares católicas para o povo. Da mesma forma exigimos escolas particulares católicas de ensino secundário, especialmente escolas religiosas (Ordensschulen), que tão beneméritas eram antes de 1933. Apoiamos a Nossa exigência no Nosso direito, garantido por lei e pela concordata. Esperamos de todos os fiéis que apoiem vigorosamente os nossos esforços pela verdadeiraeducaçãocatólicadascrianças.

Caríssimos diocesanos: Se recomeçamos agora, depois da tremenda derrota, se queremos novamente erguer o edifício da nossa vida étnica e nacional, meditemos sobre os ensinamentos do passado recentíssimo! Não se pretendia construir a casa sem a cooperação de Deus, Nosso Senhor? E não se converteu ela afinal numa torre de Babel? Não se queria construir, dispensando aquela única pedra angular, que Deus mesmo colocou, Jesus Cristo, Aquele só que faz os muros eficazmente duradouros e coesos? Deve ser isto o primeiro na reconstrução, a saber, que a Deus se dê na vida do indivíduo e na da sociedade o lugar, que lhe é devido como supremo Senhor, lugar que fora atribuído a valores secundários: estado, raça, nação. Nosso povo, e mais ainda, a humanidade toda se vê hoje novamente colocada diante daquela alternativa, a que pela primeira vez se referiu o velhoSimeão,notemplodeJerusalém:"Eisque este é posto para a ruína e para a ressurreição demuitos."(Lc2,34.)

A decisão para nós é hoje: ou com Cristo novamenteparaoalto,noencontrodumfuturo mais belo; ou sem Cristo, e, mais ainda, contra Cristo para o abismo, para o completo extermínio.

IV. Devemos retornar à fé viva em Deus, a fimdemerecermosoquetodaavidasocial

pressupõe e que é o respeito. Só o respeito pode tornar passível e suportável neste mundo a vida social. Respeito a Deus, Criador e Senhor: respeito à sua santa vontade, como ela se nos manifesta no Decálogo sagrado! E respeito também ao nosso semelhante. Não foi, porventura, justamente a falta de respeito no tempo passado a fonte de todos os males e a raizdetodosospecados,queagorachoramose sob os quais temos sofrido tanto? Somente quando fundada no respeito é que se pode formar uma verdadeira vida de familia, e unicamente o respeito pode harmonizar e santificararelaçãodossexos.

Respeito à vida, que só Deus dá e só ele pode tirar. Nem o próprio homem pode dispor de sua vida, porquanto, é esta uma concessão deDeus.

O suicídio, ainda que se lhe chame ingenuamente de morte livre (Freitod) ou que se denomine como for, é sempre uma grave violação dos direitos da majestade divina, um dos mais terríveis e funestos pecados, quando perpetradocomplenaelúcidaconsciência.

A vida não deve tampouco ser consciente e propositadamente aniquilada, ainda quando se tenha originado por fraude ou violência. Humanamente falando são tais casos os mais trágicos que podem ocorrer a uma mulher e é necessário uma grande força moral para suportar semelhante sofrimento. Todos os que se venham a encontrar com tais casos, sejam parentes, talvez o próprio esposo ou noivo, pai ou mãe, sejam médicos ou sacerdotes, funcionários sociais, membros das associações femininas, seja enfim quem for, procurem sempre todos com a máxima compaixão socorrer e mitigar a sorte dessas infelizes. Com ajuda pública fundar-se-ão, se for necessário, institutos, ou adaptar-se-ão os já existentes, para serem ali recebidas tais crianças e educadas com caridade cristã. Nunca, porém, pode ser permitido e ninguém pode dar o direito de violar os direitos da majestade divina e matar o nascituro! Todo médico, que conhece o juramento de Hipócrates, julgaráofensaàsuahonrademédico

Cruzada
pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
89

quando solicitado para tais atos. Cumpre se esforcem as mães, mesmo com muito custo, por atentar menos na injustiça sofrida, do que na vida inocente que está nascendo. Deus, perante o qual são inocentes, lhes dará a virtude de suportar a sua sorte com fortalezacristã.

Deverá também reinar de novo o respeito à pessoa do próximo! Todos nós ainda o temos vivamente diante os nossos olhos, o que vem a ser do homem, quando privado de seus direitos, maltratado e despojado de sua dignidade humana! Nenhuma verdadeira sociedade poderá desdobrar suas benéficas atividadesentreoshomens,quandonãosetem nenhum respeito aos demais, ao seu direito de propriedadeedebomnome.

V. De fato, só numa fé viva em Deus é possível formar uma verdadeira vida de povo e estado. Ela é o único fundamento resistente. Reconstruamos, portanto, neste fundamento no espírito do amor, daquele amor, que nosso Senhor e Salvador nos ensinou e estabeleceu como sinal de reconhecimento de seus discípulos: "Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns para comosoutros."(Jo13,35.)

Ainda ressoa em nossos ouvidos, como foi insultado este amor e proscrito por desprezível, substituindo-lhe o poder e a força. Estamos hoje sofrendo as terríveis consequências deste apelo à força. O amor comprovou-se em todos os tempos como a argamassa mais firme na construção de toda a sociedade humana. Justamente hoje necessitamos deste amor forte e alegre que se sacrifica nesta miséria sem limites em que caímos. Aguarda-nos um rigoroso inverno. Não setornariamaisleve,secruzássemososbraços ou nos deixássemos, por uma espécie de desespero, arrastar por correntes radicais. Não! Confiantes na fé divina, queremos corajosamente começar, trabalhar incessante e fielmente, socorrer-nos uns aos outros com amor desinteressado e, intimamente unidos, cerrar fileiras. Ajudai-vos mutuamente permutandoroupasevestidos,assimcomoos

objetos de casa. Auxiliai-vos reciprocamente na reconstrução de vossas habitações destruídas! Oferecei carinhosamente àqueles que ficaram sem lar, uma morada hospitaleira e compartilhai com eles a vossa mesa. Aos camponeses pedimos encarecidamente vendam os gêneros a preços justos, cumpram conscienciosamente o seu dever de entrega e não retenham seus produtos só para si ou para as pequenas cidades circunvizinhas. Ainda que seja tão grande a calamidade que nos sobreveio, cumpre que sejamos mais fortes na fé e na caridade, do que todo o sofrimento terreno e toda a maldade do pecado. Sem dúvida, acharão os homens competentes no exercício de seus cargos os meios e caminhos para distribuir a todos equitativamente os meios para obviar aos gigantescos danos causados pelaguerra.

VI. Caríssimos diocesanos: Findou-se um tempo de puro materialismo, deixando-nos um enormecampoderuínas.Removamosestasruí nas, antes de tudo, pela penitência e pelo retorno ao Senhor, nosso Deus. Ponhamos mãos à obra e reconstruamos sobre o firme fundamento da fé no Deus Trino e Uno, com submissão à vontade santa de Deus. Trilhemos o nosso árduo caminho de trabalho, miséria e preocupações, levantando o nosso olhar para os bens eternos, que Deus nos promete como prêmio do nosso fiel serviço aqui neste mundo. "Pois não temos aqui cidade permanente, mas vamosbuscandoafutura."(Heb13,14.)

Como consola este pensamento justamente a nós cristãos no meio de todo o sofrimento: esta vida tão séria, tão cheia de responsabilidades,ésóumprelúdio,umtempo de provação. Somente quando tiver passado este tempo de provação, começa a vida propriamente dita, a vida eterna. Então Deus, todo justiça, todo sabedoria, todo bondade, retribuirá a cada um conforme as suas obras, e nem um gole de água fria, que se tiver dado ao próximo por amor a Cristo, será esquecido. Seremos então julgados conforme a medida, pela qual tivermos cumprido o grande mandamentodacaridade,mandamento,

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
90

que acertadamente nestes tempos de miséria faz jusàsuaposiçãorégiasobretodososdemais.

VII. O olhar para as moradas eternas, que Deus em sua bondade paterna preparou a seus filhos, é também o mais suave consolo para nós cristãos, quando nos lembramos de todos aqueles, que a horrorosa guerra nos roubou, seja os que acharam a sua sepultura alhures no vasto mundo, seja os que o mar devorou, seja os que foram sepultados sob as ruínas, na pátria. A todos se lhes franqueou a entrada na glória de Deus, suposto hajam morrido na paz de Cristo, obtendo talvez ainda no derradeiro momento a graça da reconciliação com Deus. E mesmo os seus corpos Deus, Nosso Senhor, os encontrará e os ressuscitará no último dia, incólumes, rejuvenescidos e transfigurados, em eterna belezajuvenil.

VIII. Nossa saudação, nossa admoestação e nossos rogos dirigem-se especialmente a vós, queridos homens, que voltastes da guerra e estais agora - quantos! - enfrentando um nada. Estivestes preparados para morrer pelo vosso povo, estai agora prontos para viver pelo vosso povo. Firmai-vos na confiança em Deus, que se não desmoronou no grande cataclisma! Com vossa esposa, a que vos vinculastes pelo matrimônio, ou com a donzela, que desposareis perante o altar do Senhor e cujo dote é zelo, amor, simplicidade e união com Deus, erguereis um lar cristão. Sentir-vos-eis honrados de auxiliar, com sincera camaradagem, a vossos menos felizes companheiros, que voltaram incólumes e que ajudareis, antes de tudo, na aprendizagemduma novaprofissão,afimdeque, quanto antes, possam ganhar por si mesmos seu pão, lembrados em tudo da palavra do apóstolo: "Carregai os fardos uns dos outros, e deste modo cumprireisaleideCristo.''(Gal6,2.)

Nosso "memento" também se estende a nossos irmãos prisioneiros de guerra e desaparecidos e cuja próxima volta esperamos. Para vós todos imploramos a plenitude da consolaçãoeforçadivinas.

Abençoe-vos Deus onipotente: Pai e Filho e EspíritoSanto.Amém.

DadaemFulda,aos23deAgostode1945.

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
Os Bispos alemães, reunidos junto
túmulo de São Bonifácio. 91
ao

DESUASANTIDADE PAPAPIOXI

AOS VENERÁVEIS IRMÃOS, PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS, BISPOS E DEMAIS ORDINÁRIOS EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA

SOBREOCOMUNISMOATEU

INTRODUÇÃO

1.ApromessadumRedentordivinoilumina aprimeirapáginadahistóriadahumanidade;e assimafirmíssimaesperançademelhoresdias, assim como suavizou a dor causada pela perda do paraíso de delícias, assim foi acompanhando os homens através do seu caminho de amarguras e inquietações, até que enfim, quando chegou a plenitude do tempo, o nosso Salvador, vindo à terra, cumulou as ânsias dessa tão longa expectação da humanidade e inaugurou para todos os povos uma nova civilização cristã, que vence e quase imensamente supera a que algumas nações mais privilegiadas atingiram, à custa dos maioresesforçosetrabalhos.

2. Depois da miserável queda de Adão, como consequência dessa mácula hereditária, começouatravar-seodurocombatedavirtude contra os estímulos dos vícios; e jamais cessou aquele antigo e astuto tentador de enganar a sociedade com promessas falazes. É por isso que, pelos séculos afora, as perturbações se têm sucedido umas às outras até à revolução dos nossos dias, a qual ou já surge furiosa ou pavorosamente ameaçada atear-se em todo o universo e parece ultrapassar em violência e amplitude todas as perseguições que a Igreja tem padecido; a tal ponto que povos inteiros correm perigo de recair em barbárie, muito mais horrorosa do que aquela em que jazia a maiorpartedomundoantesdavindadodivino Redentor.

3. Vós, sem dúvida, Veneráveis Irmãos, já percebestes de que perigo ameaçador falamos: édocomunismo,denominadobolchevistae

ateu, que se propõe como fim peculiar revolucionar radicalmente a ordem social e subverter os próprios fundamentos da civilizaçãocristã.

I-ATITUDEDAIGREJAPERANTEO COMUNISMO

CONDENAÇÕESANTERIORES

4. Mas diante destas ameaçadoras tentativas, não podia calar-se nem de fato se calou a Igreja Católica. Não se calou esta Sé Apostólica, que muito bem conhece que tem por missão peculiar defender a verdade, a justiça e todos os bens imortais, que o comunismo despreza e impugna. Já desde os tempos em que certas classes de eruditos pretenderam libertar a civilização e cultura humanísticadoslaçosdareligiãoedamoral,os Nossos Predecessores julgaram que era seu dever chamar a atenção do mundo, em termos bem explícitos, para as consequências da descristianização da sociedade humana. E pelo que diz respeito aos erros dos comunistas, já em 1846, o Nosso Predecessor de feliz memória, Pio IX, os condenou solenemente, e confirmou depois essa condenação no Syllabus. São estas as palavras que emprega na Encíclica Qui pluribus: “Para aqui (tende) essa doutrina nefanda do chamado comunismo, sumamente contrária ao próprio direito natural, a qual, uma vez admitida, levaria à subversão radical dos direitos, das coisas, das propriedades de todos e da própria sociedade humana” (Encíclica Qui pluribus, 9 de novembro de 1846: Acta Pii IX, vol. I, pág. 13. Cf. Sílabo, IV: A.A.S., vol. III, pág. 170). Mais tarde, outro Predecessor Nosso de imortal memória, Leão XIII, na sua Encíclica Quod Apostolici muneris (28 de dezembro de 1878: Acta Leonis XIII, vol. I, pág. 40), assim descreveu distinta e expressamente esses mesmos erros: “Peste mortífera, que invade a medula da sociedade humana e a conduz a um perigo extremo”; e com a clarividência do seu espírito luminoso demonstrou que o movimento precipitado das multidões para a impiedade do ateísmo, numa épocaemquetantoseexaltavamosprogressos datécnica,tiveraorigemnosdesvarios

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
CARTAENCÍCLICA DIVINISREDEMPTORIS
92

duma filosofia que de há muito porfia por separaraciênciaeavidadafédaIgreja.

ATOSDOPRESENTEPONTIFICADO

5. Nós também no decurso do Nosso Pontificado, com insistente solicitude fomos várias vezes denunciando as correntes desta impiedade que víamos crescendo e rugindo cada vez mais ameaçadoras. Efetivamente, quando em 1924 voltava da Rússia a Nossa missão de socorro, numa alocução especial dirigida ao universo católico (18 de dezembro de 1924: A.A.S., vol. XVI (1924), págs. 494495), condenamos os erros e processos dos comunistas. E pelas Encíclicas Miserentissimus Redemptor (8 de maio de 1928: A.A.S., vol. XX (1928), págs. 165-178), Quadragesimo anno (15 de maio de 1931: A.A.S., vol. XXIII (1931), págs. 177-228), Caritate Christi (3 de maio de 1932: A.A.S., vol. XXIV (1932), págs. 177-194), Acerba animi (29 de setembro de 1932: A.A.S., vol. XXIV (1932), págs. 321-332), Dilectissima Nobis (3 de junho de 1933: A.A.S., vol. XXV (1933), págs. 261-274), levantamos a voz em solenes protestos contra as perseguições desencadeadas contra o nome cristão, tanto na Rússia, como no México, como finalmente na Espanha. E estão ainda bem frescas na memória as alocuções por Nós pronunciadas, o ano passado, quer por ocasião da inauguração da Exposição mundial da Imprensa Católica, quer na audiência concedida aos refugiados espanhóis, quer também em Nossa Mensagem radiofônica pela festa do santo Natal. Até os mais encarniçados inimigos da Igreja, que desde Moscou, sua capital, dirigem esta luta contra a civilização cristã, até eles mesmos, com seus ataques ininterruptos, dão testemunho, não tanto por palavras como por atos, que o Sumo Pontificado, ainda em nossos tempos, não só não cessou de tutelar com toda a fidelidade o santuário da religião cristã, mas tem dado voz de alarme contra o enorme perigocomunista,commaisfrequênciaemaior força persuasiva que nenhum outro poder públicodestemundo.

6. Não obstante, posto que temos renovado tão repetidamente estas paternais advertências, que vós, Veneráveis Irmãos, em tantas cartas pastorais, algumas delas coletivas, diligentemente comentastes e transmitistes aos fiéis, ainda assim este perigo, com o impulso de hábeis agitadores, mais e mais se vai agravando de dia para dia. É por isso que julgamos dever Nosso levantar de novo a voz; e fá-lo-emos por meio deste documento de maior solenidade, como é costume desta Sé Apostólica, mestra da verdade; e com tanto maior satisfação o faremos, quando é certo que assim correspondemos aos desejos de todo o universo católico. Confiamos até que o eco da nossa voz será acolhido de bom grado por todos aqueles que, de espírito liberto de preconceitos, desejem sinceramente o bem da humanidade. Esta nossa confiança vem em certo modo aumentá-la o fato de vermos estas Nossas admoestações confirmadas pelos péssimos frutos, que Nós prevíramos e anunciáramos haviam de brotar das idéias subversivas, e que de fato se vão pavorosamente multiplicando nas regiões já dominadas pelo comunismo, ou ameaçam invadir rapidamente os outros países do mundo.

7. Queremos, pois, mais uma vez expor, como em breve síntese, os sofismas teóricos e práticos do comunismo, como eles se manifestam principalmente nos princípios e métodos da ação do bolchevismo: a esses sofismas, todos falsidade e ilusão, contrapor a luminosa doutrina da Igreja; e de novo exortar a todos insistentemente a lançar mãos dos meios, com que é possível não somente livrar e salvaguardar deste horrendo flagelo a civilizaçãocristã,aúnicaemquepodesubsistir uma sociedade verdadeiramente humana, mas ainda fazê-la avançar, a passo cada dia mais acelerado, para o genuíno progresso da humanidade.

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
SOLENE 93
NECESSIDADEDEUMNOVODOCUMENTO
II-DOUTRINAEFRUTOSDOCOMUNISMO DOUTRINA Falsoideal

8.Adoutrinacomunistaqueemnossosdias seapregoa,demodomuitomaisacentuadoque outros sistemas semelhantes do passado, apresenta-se sob a máscara de redenção dos humildes. E um pseudo-ideal de justiça, de igualdade e de fraternidade universal no trabalho de tal modo impregna toda a sua doutrinaetodaasuaatividadedummisticismo hipócrita, que as multidões seduzidas por promessas falazes e como que estimuladas por um contágio violentíssimo lhes comunica um ardor e entusiasmo irreprimível, o que é muito mais fácil em nossos dias, em que a pouco eqüitativa repartição dos bens deste mundo dá como conseqüência a miséria anormal de muitos. Proclamam com orgulho e exaltam até esse pseudo-ideal, como se dele se tivesse originado o progresso econômico, o qual, quando em alguma parte é real, tem explicação em causas muito diversas, como, por exemplo, a intensificação da produção industrial, introduzida em regiões que antes nada disso possuíam, a valorização de enormes riquezas naturais, exploradas com imensos lucros, sem o menor respeito dos direitos humanos, o emprego enfim da coação brutal que dura e cruelmente força os operários a pesadíssimos trabalhoscomumsaláriodemiséria.

MaterialismoevolucionistadeMarx

9. Ora, a doutrina que os comunistas em nossos dias espalham, proposta muitas vezes sob aparências capciosas e sedutoras, funda-se de fato nos princípios do materialismo chamado dialético e histórico, ensinado por Karl Marx, de que os teóricos do bolchevismo se gloriam de possuir a única interpretação genuína. Essa doutrina proclama que não há maisqueumasórealidadeuniversal,amatéria, formada por forças cegas e ocultas, que, através da sua evolução natural, se vai transformando em planta, em animal, em homem.Domesmomodo,asociedadehumana, dizem, não é outra coisa mais do que uma aparência ou forma da matéria, que vai evolucionando, como fica dito, e por uma necessidade inelutável e um perpétuo conflito deforças,vaipendendoparaasíntesefinal:

uma sociedade sem classes. É, pois, evidente que neste sistema não há lugar sequer para a ideia de Deus; é evidente que entre espírito e matéria, entre alma e corpo não há diferença alguma; que a alma não sobrevive depois da morte, nem há outra vida depois desta. Além disso, os comunistas, insistindo no método dialético do seu materialismo, pretendem que o conflito, a que acima Nos referimos, o qual levará a natureza à síntese final, pode ser acelerado pelos homens. É por isso que se esforçam por tornarem mais agudos os antagonismos que surgem entre as várias classes, da sociedade, porfiando porque a luta de classes, tão cheia, infelizmente, de ódios e de ruínas, tome o aspecto de uma guerra santa em prol do progresso da humanidade; e até mesmo, porque todas as barreiras que se opõem a essas sistemáticas violências, sejam completamente destruídas, como inimigas do gênerohumano.

Aquesereduzemohomemeafamília

10. Além disso, o comunismo despoja o homem da sua liberdade na qual consiste a norma da sua vida espiritual; e ao mesmo tempo priva a pessoa humana da sua dignidade, e de todo o freio na ordem moral, com que possa resistir aos assaltos do instinto cego. E, como a pessoa humana, segundo os devaneios comunistas, não é mais do que, para assim dizermos, uma roda de toda a engrenagem, segue-se que os direitos naturais, que dela procedem, são negados ao homem indivíduo, para serem atribuídos à coletividade. Quanto às relações entre os cidadãos, uma vez que sustentam o princípio da igualdade absoluta, rejeitam toda a hierarquia e autoridade, que proceda de Deus, até mesmo a dos pais; porquanto, como asseveram, tudo quanto existe de autoridade e subordinação, tudo isso, como de primeira e única fonte, deriva da sociedade. Nem aos indivíduos se concede direito algum de propriedade sobre bens naturais ou sobre meios de produção; porquanto, dando como dão origem a outros bens, a sua posse introduz necessariamenteodomíniodeumsobreos

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
94

outros. E é precisamente por esse motivo que afirmam que qualquer direito de propriedade privada, por ser a fonte principal da escravidão econômica, tem que ser radicalmente destruído.

11. Além disto, como esta doutrina rejeita e repudia todo o caráter sagrado da vida humana, segue-se por natural consequência que para ela o matrimônio e a família é apenas uma instituição civil e artificial, fruto de um determinado sistema econômico: por conseguinte, assim como repudia os contratos matrimoniais formados por vínculos de natureza jurídico-moral, que não dependam da vontade dos indivíduos ou da coletividade, assim rejeita a sua indissolúvel perpetuidade. Em particular, para o comunismo não existe laçoalgumdamulhercomafamíliaecomolar. De fato, proclamando o princípio da emancipação completa da mulher, de tal modo a retira da vida doméstica e do cuidado dos filhos que a atira para a agitação da vida pública e da produção coletiva, na mesma medida que o homem. Mais ainda: os cuidados do lar e dos filhos devolve-os à coletividade. Rouba-se enfim aos pais o direito que lhes compete de educar os filhos, o qual se considera como direito exclusivo da comunidade, e por conseguinte só em nome e pordelegaçãodelasepodeexercer.

Emqueseconverteriaasociedade

12. Que viria a ser, então, a sociedade humana, baseada em tais fundamentos materialistas? Viria a ser uma coletividade, sem outra hierarquia mais do que a derivada do sistema econômico. Teria por missão única a produção de riqueza por meio do trabalho coletivo, e único fim o gozo dos bens da terra num paraíso ameníssimo de delícias onde cada qual “produziria conforme as suas forças e receberia conforme as suas necessidades”. É também de notar que o comunismo reconhece igualmente à coletividade o direito, ou antes a arbitrariedade quase ilimitada, de sujeitar os indivíduos ao jugo do trabalho coletivo, sem a menor consideração do seu bem-estar pessoal; maisainda,odireitodeosforçarcontraasua

vontade e até pela violência. E nesta sociedade comunista proclamam que tanto a moral como a ordem jurídica não brotam de outra fonte mais do que do sistema econômico do tempo o que, por conseguinte, de sua natureza são valores terrestres transitórios e mudáveis. Em suma, para resumirmos tudo em poucas palavras, pretendem introduzir uma nova ordem de coisas e inaugurar uma era nova de mais alta civilização, produto unicamente duma cega evolução da natureza: “uma humanidade que tenha expulsado a Deus da terra”.

13. E, quando as qualidades e disposições de espírito, que se requerem para realizar semelhante sociedade, tiverem sido alcançadas por todos em tal grau, que por fim tenha surgido aquele ideal utópico de sociedade, que eles sonham, sem distinção de classes então o Estado político, que ao presente unicamente se organiza como instrumento de domínio dos capitalistas sobre os proletários, perderá totalmente a razão de ser e, por necessidade natural, se dissolverá! Todavia, enquanto se não tiver chegado a essa idade de ouro, os comunistas empregam o governo e o poder público como o mais eficaz e universal instrumento,paraatingiremoseufim.

14. Aqui tendes, Veneráveis Irmãos, diante dos olhos do espírito, a doutrina que os comunistas bolchevistas e ateus pregam à humanidade como novo evangelho, e mensagem salvadora de redenção! Sistema cheio de erros e sofismas, igualmente oposto à revelação divina e à razão humana; sistema que,pordestruirosfundamentosdasociedade, subverte a ordem social, que não reconhece a verdadeira origem, natureza e fim do Estado; que rejeita enfim e nega os direitos, a dignidadeealiberdadedapessoahumana.

DIFUSÃO

Promessasfascinadoras

15. Mas donde vem que tal sistema, que a ciência já há muito ultrapassou e a realidade dos fatos vai cada dia refutando, possa difundir-setãorapidamenteportodasas

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
95

partes do mundo? Facilmente poderemos compreender esse fenômeno, se refletirmos que são muito poucas as pessoas que têm penetrado a fundo a verdadeira natureza e fim do comunismo; aopassoquesãomuitíssimososque cedem facilmente à tentação, habilmente apresentada sob as promessas mais deslumbrantes. É que os propagandistas deste sistema afivelam esta máscara de verdade, a saber: que não querem outra coisa mais que melhorar a sorte das classes trabalhadoras; que pretendem não somente dar remédio oportuno aos abusos provocados pela economia liberal, mas também conseguir uma distribuição mais equitativa dos bens terrenos: objetivos estes que certamente ninguém nega se possam atingir por meios legítimos. Contudo os comunistas, por esses processos, explorando sobretudo a crise econômica, que em toda a parte se sente, conseguematrairaoseu partidoaquelesmesmos que, em virtude da doutrina que professam, abominam os princípios do materialismo e os monstruosos crimes que não raro se perpetram. E, como em qualquer erro há sempre qualquer centelha de verdade, como acima vimos que sucedia até mesmo nesta questão, este aspecto de verdade põem-no em relevo com requintada habilidade, com o fim de dissimularem e ocultarem, quanto convém, aquela odiosa e desumana brutalidade dos princípios e dos métodos de comunismo; e desse modo conseguem seduzir até espíritos nada vulgares, os quais muitas vezes a tal ponto se deixam entusiasmar que eles próprios se tornam uma espécie de apóstolos, que vão extraviar com esses erros sobretudo os jovens, facilmente expostos a se deixarem enredar por esses sofismas.Alémdisso,osarautosdocomunismo não ignoram que podem tirar partido, tanto dosantagonismosderaçacomodasdissensões e lutas em que se entrechocam as diferentes facções políticas, como enfim daquela desorientação que lavra no campo da ciência, onde a própria idéia de Deus emudece, para se infiltrarem nas Universidades e corroborarem os princípios da sua doutrina com argumentos pseudocientíficos.

O liberalismo preparou o caminho ao comunismo

16. Mas, para mais facilmente se compreender como é que puderam conseguir que tantos operários tenham abraçado, sem o menor exame, os seus sofismas, será conveniente recordar que os mesmos operários, em virtude dos princípios do liberalismo econômico, tinham sido lamentavelmente reduzidos ao abandono da religião e da moral cristã. Muitas vezes o trabalho por turnos impediu até que eles observassem os mais graves deveres religiosos dos dias festivos; não houve o cuidado de construir igrejas nas proximidades das fábricas, nem de facilitar a missão do sacerdote; antes pelo contrário, em vez de se lhes pôr embargo, cada dia mais e mais se foram favorecendo as manobras do chamado laicismo. Aí estão, agora, os frutos amargosíssimos dos erros que os Nossos Predecessores e Nós mesmo mais de uma vez temos prenunciado. E assim, por que nos havemos de admirar, ao vermos que tantos povos,largamentedescristianizados,vãosendo já pavorosamente inundados e quase submergidospelavagacomunista?

Propagandaastutaevastíssima

17. Além disso, a difusão tão rápida das ideias comunistas que se vão sorrateiramente infiltrando por países grandes ou pequenos, cultos ou menos civilizados, e até nas partes mais remotas do globo, tem sem dúvida por causa esse fanatismo de propaganda encarniçada, como talvez nunca se viu no mundo. E essa propaganda, emanada duma fonte única, adapta-se astutamente às condições particulares dos povos; dispõe de grandes meios financeiros, de inúmeras organizações, de congressos internacionais concorridíssimos, de forças compactas e bem disciplinadas; propaganda quer por jornais, revistas e folhas volantes, pelo cinema, pelo teatro, pela radiofonia, pelas escolas enfim e pelas Universidades, pouco a pouco vai invadindo todos os meios ainda os melhores, sem darem talvez pelo veneno, que cada vez mais vai infeccionando os espíritos e os corações.

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
96

Conspiraçãodosilêncionaimprensa

18. Outro auxiliar poderoso, que contribui paraaavançadadocomunismo,ésemdúvidaa conspiração do silêncio na maior parte da imprensa mundial, que não se conforma com os princípios católicos. Conspiração dizemos: porque aliás, não se explica facilmente como é que uma imprensa, tão ávida de esquadrinhar e publicar até os mínimos incidentes da vida cotidiana, sobre os horrores perpetrados na Rússia, no México e numa grande parte de Espanha pode guardar, há tanto tempo, absoluto silêncio; e da seita comunista, que domina em Moscou e tão largamente se estende pelo universo em poderosas organizações, fala tão pouco. Mas todos sabem que esse silêncio é em grande parte devido a exigências duma política, que não segue inteiramente os ditames da prudência civil; e é aconselhável e favorecido por diversas forças ocultas que já há muito porfiam por destruir a ordemsocialcristã.

DEPLORÁVEISCONSEQUÊNCIAS RússiaeMéxico

19. Entretanto, aí estão à vista os deploráveis frutos dessa propaganda fanática. Porque, onde quer que os comunistas conseguiram radicar-se e dominar, - e aqui pensamos com particular afeto paterno nos povos da Rússia e do México, - aí, como eles próprios abertamente o proclamam, por todos os meios se esforçaram por destruir radicalmente os fundamentos da religião e da civilizaçãocristãs, eextinguircompletamentea sua memória no coração dos homens, especialmente da juventude. Bispos e sacerdotes foram desterrados, condenados a trabalhos forçados, fuzilados, ou trucidados de modo desumano; simples leigos, tornados suspeitosporteremdefendidoareligião,foram vexados, tratados como inimigos, e arrastados aostribunaiseàsprisões.

HorroresdocomunismoemEspanha

20. Até em países, onde - como sucede na Nossa amadíssima Espanha - não conseguiu aindaapesteeoflagelocomunistaproduzir

todas as calamidades dos seus erros, desencadeou contudo, infelizmente, uma violência furibunda e irrompeu em funestíssimos atentados. Não é esta ou aquela igreja destruída, este ou aquele convento arruinado; mas, onde quer que lhes foi possível, todos os templos, todos os claustros religiosos, e ainda quaisquer vestígios da religião cristã, posto que fossem monumentos insignes de arte e deciência,tudofoi destruído até os fundamentos! E não se limitou o furor comunista a trucidar bispos e muitos milhares de sacerdotes, religiosos e religiosas, alvejando dum modo particular aqueles e aquelas que se ocupavam dos operários e dos pobres; mas fez um número muito maior de vítimas em leigos de todas as classes, que ainda agora vão sendo imolados em carnificinas coletivas, unicamente por professarem a fé cristã, ou ao menos por serem contrários ao ateísmo comunista. E esta horripilante mortandade é perpetrada com tal ódio e tais requintes de crueldade e selvajaria, que não se julgariam possíveis em nosso século.

Ninguém de são critério, quer seja simples particular, quer homem de Estado, cônscio da sua responsabilidade, ninguém absolutamente, repetimos, pode deixar de estremecer de sumo horror, se refletir que tudo quanto hoje está sucedendo na Espanha, pode amanhã repetirsetambémemoutrasnaçõescivilizadas.

Frutosnaturaisdosistema

21.Nemsepodeasseverarquesemelhantes atrocidades são consequências fatais de todas as grandes revoluções, como excessos esporádicos de exasperação, comuns a qualquer guerra: não, são frutos naturais do sistema, cuja estrutura não obedece a freio algum interno. Um freio é necessário ao homem, tanto individualmente como socialmente considerado; e é por isso que até os povos bárbaros reconheceram o vínculo da lei natural, esculpida por Deus na alma de cada homem. E, quando a observância dessa lei foi tida por todos como um dever sagrado, viramse nações antigas atingir um tal esplendor de grandeza,queespanta,aindamaisatédo

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
97

que é razão, aqueles que só superficialmente compunham os documentos da história humana. Mas quando se arranca das mentes dos cidadãos a própria idéia de Deus, necessariamente os veremos precipitar-se na crueldade mais selvagem, e na ferocidade dos costumes.

Luta contra tudo o que é divino. Luta contratudooquesechamaDeus.

22. É este o espetáculo que atualmente com suma dor contemplamos: pela primeira vez na história estamos assistindo a uma insurreição, cuidadosamente preparada e calculadamente dirigida contra “tudo o que se chama Deus” (cfr. 2 Tess 1, 4). Efetivamente, o comunismo por sua natureza opõe-se a qualquer religião, e a razão por que a considera como o “ópio do povo”, é porque os seus dogmas e preceitos, pregando a vida eterna depois desta vida mortal, apartam os homens da realização daquele futuro paraíso, que são obrigados a conseguirnaterra.

Oterrorismo

23. Mas não é impunemente que se despreza a lei natural e o seu autor, Deus; a consequência é que os esforços dos comunistas, assim como nem sequer no campo econômico puderam até hoje realizar o seu desígnio, assim também no futuro jamais o poderão conseguir. Não negamos que esses esforços na Rússia contribuíram não pouco para sacudir os homens e as suas instituições, daquela longa e secular inércia em que jaziam, e que puderam, empregando todos os meios e processos; ainda mesmo ilegitimamente, fazer alguma coisa para promover o progresso material; mas sabemos por testemunhos absolutamente insuspeitos, e alguns bem recentes ainda, que de fato nem sequer neste pontoseconseguiuoquetantoseprometera.E não se esqueça, que aquela ditadura, toda terrorismo e crueldade, impôs a inumeráveis cidadãos o jugo da escravidão. Porque é de notar que também no terreno econômico é imprescindível alguma norma de probidade a que se conforme, por dever de consciência, quemexercealgumcargo;oraissoé

indiscutível que o não podem dar os princípios comunistas, nascidos dos sofismas do materialismo. Por conseguinte, nada mais resta do que aquele pavoroso terrorismo que se está vendonaRússia,ondeosantigoscamaradasde conspiraçãoedelutasevãodandoamorteuns aos outros; mas esse terrorismo criminoso, longe de conseguir pôr um dique à corrupção dos costumes, nem sequer pode evitar a dissolução da estrutura social. Um pensamento paternalparaospovosoprimidosdaRússia

UMPENSAMENTOPATERNALAOSPOVOS OPRIMIDOS,NARÚSSIA

24. Com isto, porém, não é nossa intenção condenar em massa os povos da União Soviética, aos quais, pelo contrário, consagramos o mais vivo afeto paterno. É que, de fato, sabemos que muitos deles gemem sob o jugo da mais iníqua escravidão, que lhes foi imposta por homens, pela maior parte estranhos aos verdadeiros interesses daquele povo; e que muitos outros foram enganados por promessas e esperanças falazes. O que Nós condenamos é o sistema e seus autores e fautores que consideraram aquela nação como o terreno mais apto para lançarem a semente do seu sistema, há muito tempo preparada, e de lá a disseminarem por todas as regiões do globo.

III-LUMINOSADOUTRINADAIGREJA, OPOSTAAOCOMUNISMO

25. Depois de termos focado os erros e os processos sedutores e violentos do comunismo bolchevista e ateu, é já tempo, Veneráveis Irmãos, de opor-lhe sumariamente a verdadeiranoçãoda“Cidadehumana”,queétal como perfeitamente sabeis, qual no-la ensinam a razão humana e a revelação Divina, por intermédiodaIgreja,Mestradospovos.

SUPREMAREALIDADE:DEUS!

26. E antes de mais nada importa observar queacimadetodasasdemaisrealidades,estáo sumo, único e supremo Espírito, Deus, Criador onipotente de todo o universo, Juiz sapientíssimoejustíssimodetodososhomens. EsteSersupremo,queéDeus,éarefutação

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
98

e condenação mais absoluta das impudentes e mentirosas falsidades do comunismo. E na verdade, não é porque os homens crêem em Deus, que Deus existe; mas porque Deus existe realmente, porisso crêemnelee lhe dirigemas suas súplicas todos quantos não cerram pertinazmente os olhos do espírito à luz da verdade.

QUESÃOOHOMEMEAFAMÍLIA,SEGUNDO ARAZÃOEAFÉ

27.Quantoaohomem,oqueafécatólicaea nossa razão ensinam, já Nós, ao explanarmos os pontos fundamentais desta doutrina, o propusemos na Encíclica sobre a educação cristã da juventude (Encíclica Divini illius Magistri, 31 de dezembro de 1929: A.A.S., vol. XXII (1930), págs. 49-86). O homem tem uma alma espiritual e imortal; e, assim como é uma pessoa, dotada pelo supremo Criador de admiráveis dons de corpo e de espírito assim se pode chamar, como diziam os antigos, um verdadeiro “microcosmo”, isto é, um pequeno mundo,porissoquedemuitolongetranscende e supera a imensidade dos seres do mundo inanimado. Não somente nesta vida mortal, mas também na que há de permanecer eternamente, o seu fim supremo é unicamente Deus; e, tendo sido elevado pela graça santificante à dignidade de filho de Deus, é incorporado no Reino de Deus, no corpo místico de Jesus Cristo. Consequentemente, dotou-o Deus de múltiplas e variadas prerrogativas, tais como: direito à vida, à integridade do corpo, aos meios necessários à existência; direito de tender ao seu último fim, pelo caminho traçado por Deus; direito enfim de associação, de propriedade particular, e de usardessapropriedade.

28. Além disso, assim como o matrimônio e o direito ao seu uso natural são de origem divina, assim também a constituição e as prerrogativas fundamentais da família derivam, não do arbítrio humano, nem de fatores econômicos, senão do próprio Criador supremo de todas as coisas. Este assunto tratamo-lo já com suficiente desenvolvimento naEncíclicasobreasantidadedomatrimônio

(Encíclica Casti Connubii, 31 de dezembro de 1930: A.A.S., vol. XXII (1930), págs. 539-582), e naEncíclicaacimacitadasobreaeducação.

QUEÉASOCIEDADE

Mútuos direitos e deveres entre o homemeasociedade

29. Mas Deus destinou igualmente o homem para a sociedade civil, que a sua mesma natureza reclama. É que, no plano do Criador, a sociedade é um meio natural, de que todo o cidadão pode e deve servir-se para a consecução do fim que lhe é proposto, pois a sociedade civil existe para o homem e não o homem para a sociedade. Isto, porém, não se deve entender no sentido do liberalismo individualista, que subordina a sociedade à utilidade egoísta do indivíduo, mas sim no sentido que, mediante a união orgânica com a sociedade, todos possam, pela mútua colaboração, alcançar a verdadeira felicidade terrestre; e que, por meio da sociedade, floresçam e prosperem todas as aptidões individuais e sociais, dadas ao homem pela natureza, aptidões que transcendem o imediato interesse do momento, e refletem na sociedade a perfeição divina: o que no homem isoladodemodonenhumsepodeverificar.Mas até este último objetivo da sociedade é, em última análise, ordenado ao homem, para que reconheça este reflexo da perfeição divina, e o desenvolva assim em louvor e adoração ao Criador. É que só o homem, e não qualquer sociedade humana por si, é dotado de razão e devontademoralmentelivre.

30. Portanto, assim como o homem não pode furtar-se aos deveres que por vontade de Deus o ligam à sociedade civil, e é por isso que os representantes da autoridade têm direito de o forçar ao cumprimento do próprio dever, caso ele se recusasse ilegitimamente; assim também não pode a sociedade privaro cidadão dos direitos pessoais que o Criador lhe concedeu (os mais importantes apontamo-los acima sumariamente) nem tornar-lhe impossível o seu uso. É, pois, conforme à razão e às suas exigências naturais, que todas as coisasterrenassejamparaserviçoe

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
99

utilidade do homem, e assim, por meio dele, voltemaoCriador.Aquiseaplicaperfeitamente o que o Apóstolo das Gentes escreve aos coríntios sobre a economia da salvação cristã: “Tudo... é vosso, mas vóssoisdeCristo,e Cristo é de Deus” (1 Cor 3, 23). E assim, enquanto a doutrina comunista de tal maneira diminui a pessoa humana, que inverte os termos das relações entre o homem e a sociedade, a razão, pelocontrário,earevelaçãodivinaelevam-naa tãosublimesalturas.

Aordemeconômico-social

31.Sobreaordemeconômico-socialesobre a questão operária já o Nosso Predecessor, de feliz memória, Leão XIII, na Encíclica Rerum Novarum (15demaiode1891: Acta Leonis XIII, vol. XI, págs. 97-144) deu normas eficazes: normas que Nós adotamos às condições e exigências dos tempos presentes pela nossa Encíclica sobre a restauração cristã da ordem social (Encíclica Quadragesimo anno, 15 de maio de 1931: A.A.S., vol. XXIII (1931), págs. 177-228). Nessa Encíclica, insistindo de novo com toda a força na secular doutrina da Igreja acerca da natureza peculiar da propriedade privada no seu aspecto individual e social, assinalamos com toda a clareza e precisão os direitos e a dignidade do trabalho humano, as relações do mútuo apoio e auxílio que devem existir entre o capital e o trabalho, e o salário, indispensável ao operário e a sua família, que porjustiçalheédevido.

32. Nessa mesma Encíclica mostramos também que a sociedade humana só então, poderá ser salva da funestíssima ruína, a que é arrastada pelos princípios do liberalismo, alheios a toda a moralidade, quando os preceitos da justiça social e da caridade cristã impregnarem e penetrarem a ordem econômica e a organização civil; o que indubitavelmente não podem conseguir nem a luta de classes, nem os atentados do terror, nem o abuso ilimitado e tirânico do poder do Estado. Advertimos outrossim, que a verdadeira prosperidade do povo se deve procurar segundo os princípios dum são corporativismo,quereconheçaerespeiteos

vários graus da hierarquia social; e que é igualmente necessário que todas as corporações operárias se organizem em harmônica unidade para poderem tender ao bem comum da sociedade; e que, por conseguinte, a função genuína e peculiar do poder público consiste em promover, quanto lhe seja possível, esta harmonia e coordenação detodasasforçassociais.

Hierarquia social e prerrogativas do Estado

33. Para assegurar esta tranquila harmonia pela colaboração orgânica de todos, a doutrina católica confere aos governantes tanta dignidade e autoridade, quanta é necessária para que eles com vigilante e previdente solicitude salvaguardem os direitos divinos e humanos, que as Sagradas Escrituras e os Padres da Igreja tanto inculcam. E neste passo é necessário observar que erram vergonhosamente os que sem consideração atribuem a todos os homens direitos iguais na sociedade civil e asseveram que não existe legítima hierarquia. Sobre este ponto basteNos recordar as Encíclicas do Nosso Predecessor Leão XIII, acima mencionadas, especialmente a que trata do poder do Estado (Encíclica Diuturnum illud, 29 de junho de 1881: Acta Leonis XIII, vol. II, págs. 269-287) e aoutraqueversasobreaconstituiçãocristãdo Estado (Encíclica Immortale Dei, 1 de novembro de 1885: Acta Leonis XIII, vol. V, págs. 118-150). Nelas encontram os católicos luminosamenteexpostososprincípiosdarazão e da fé, que os tornarão aptos para as premunirem contra os erros e perigos da concepção comunista acerca do Estado. A espoliação dos direitos e a escravização do homem, a negação da origem primária e transcendente do Estado e do poder do Estado, o abuso horrível do poder público ao serviço do terrorismo coletivista, são precisamente o contrário do que é conforme à ética natural e à vontade do Criador. Tanto o homem como a sociedade civil têm origem no Criador, e foram por Ele mutuamente ordenados um para a outra;porissonenhumdosdoispode

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
100

furtar-se a cumprir os deveres correlativos, nem recusar ou reduzir os direitos. O próprio Criador regulou esta mútua relação nas suas linhas fundamentais, e é injusta a usurpação, queocomunismosearroga,deimpor,emlugar da lei divina baseada nos imutáveis princípios da verdade e da caridade, um programa político de partido, que promana do capricho humanoeressumaódio.

BELEZADESTADOUTRINADAIGREJA

34. A Igreja ao ensinar esta luminosa doutrina,nãotemoutrofimmaisquerealizaro venturoso anúncio cantado pelos Anjos sobre a gruta de Belém, no nascimento Redentor: “Glória a Deus e... paz aos homens” (Lc 2, 14): paz verdadeira e verdadeira felicidade, até mesmo na terra, quanto é possível, encaminhada a preparar a felicidade eterna, maspazreservadaaoshomensdeboavontade. Esta doutrina é igualmente distante de todos os extremos do erro como de todas as exagerações dos partidos ou sistemas que a eles aderem, conserva sempre o equilíbrio da verdade e da justiça; reivindica-o na teoria, aplica-o e promove-o na prática, conciliando os direitos e os deveres de um com os dos outros, como a autoridade com a liberdade, a dignidade do indivíduo com a do Estado, a personalidade humana no súdito com a representação divina no superior, e, por conseguinte, a sujeição devida e o amor ordenado de si mesmo, da família e da pátria, com o amor das outras famílias e dos outros povos, fundado no amor de Deus, pai de todos, primeiro princípio e último fim. Nem separa a justa preocupação dos bens temporais a palavra de seu divino Fundador: “Buscai primeiro o reino de Deus e a sua justiça, e tudo omaisvosserádadoporacréscimo”(Mt6,33), está longe de se desinteressar das coisas humanas, de prejudicar os progressos da sociedade e de impedir os adiantamentos materiais, que pelo contrário sustenta e promove da maneira mais razoável e eficaz. E assim, até mesmo no campo econômico-social, a Igreja, muito embora não tenha jamais apresentadocomoseuumdeterminado

sistema técnico, por não ser essa a sua missão, fixou contudo claramente princípios e diretivas que, prestando-se a diversas aplicações concretas segundo as várias condições dos tempos, dos lugares e dos povos, assinalam o caminho seguro para obter o feliz progresso da sociedade.

35. A sabedoria e suma utilidade desta doutrina é admitida por quantos verdadeiramente a conhecem. Com justificada razão puderam afirmar eminentes Estadistas que, depois de terem estudado os diversos sistemas sociais, nada haviam encontrado mais sábio que os princípios expostos nas Encíclicas Rerum Novarum e Quadragesimo anno. Até em países não católicos, e nem sequer cristãos, se reconhece quão vantajosas são para a sociedade humana as doutrinas sociais da Igreja; e assim, há apenas um mês, um eminente homem político, não cristão, do Extremo Oriente, não duvidou proclamar que a Igrejacomasuadoutrinadepazefraternidade cristã traz uma altíssima contribuição para o estabelecimento e conservação da paz construtiva entre as nações. Mas ainda: até os próprios comunistas, como sabemos por autênticas relações que afluem de toda a parte a este Centro de Cristandade, se não estão ainda de todo corrompidos, quando se lhes expõeadoutrinasocialdaIgreja,reconhecema sua superioridade sobre as doutrinas dos seus caudilhos e mestres. Somente os obcecados pela paixão e pelo ódio fecham os olhos à luz daverdadeeacombatemobstinadamente.

SERÁVERDADEQUEAIGREJANÃO PROCEDEUSEGUNDOASUADOUTRINA?

36.MasosinimigosdaIgreja,constrangidos embora a reconhecer a sabedoria da sua doutrina, assacam-lhe o não ter sabido conformar os seusatoscomaquelesprincípios, e afirmam por isso a necessidade de provocar outros caminhos. Quão falsa e injusta seja esta acusação, demonstra-o toda a história do cristianismo. Para não Nos referirmos senão a um ou outro ponto característico, foi o cristianismo o primeiro a propagar, por uma formaecomumaamplitudeeconvicção

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
101

desconhecidas nos séculos precedentes, a verdadeiraeuniversalfraternidadedetodosos homens de qualquer condição ou raça, contribuindo assim poderosamente para a abolição da escravatura, não com revoltas sangrentas, senão pela força interna da sua doutrina,queàorgulhosapatríciaromanafazia ver na sua escrava uma irmã em Cristo. Foi o cristianismo, que adora o Filho de Deus feito homem por amor dos homens e convertido em “Filho do carpinteiro”, mais ainda, “carpinteiro” ele próprio (cfr. Mt 13, 55; Mc 6, 3), foi o cristianismo que sublimou à sua verdadeira dignidade o trabalho manual: aquele trabalho manual, antes tão desprezado que até o discreto Marco Túlio Cícero, resumindo a opinião geral do seu tempo, não receou escrever estas palavras, de que hoje se envergonharia qualquer sociólogo: “Todos os operários se ocupam em misteres desprezíveis, pois a oficina nada pode ter de nobre” (M.T. Cícero, De officiis,L.I,c.42).

37. Fiel a estes princípios, a Igreja regenerou a sociedade humana; sob a sua influência surgiram admiráveis obras de caridade, poderosas corporações de artistas e trabalhadores de todas as categorias. O liberalismo do século passado zombou delas, é certo, como de velharias da Idade Média; elas, porém, impõem-se hoje à admiração dos nossos contemporâneos que em muitos países procuram fazer reviver de algum modo a sua idéia fundamental. E quando outras correntes entravavam a obra e punham obstáculos ao influxo salutar da Igreja, esta até nossos dias nãocessoununcadeadmoestarosextraviados. Basta recordar com que firmeza, energia e constância o Nosso Predecessor Leão XIII reivindicou para o operário o direito de associação, que o liberalismo dominante nos Estados mais poderosos se obstinava em negar-lhe. E esta influência da doutrina da Igreja ainda atualmente é maior do que parece, porque é grande e certo, posto que invisível e difícil de medir, o predomínio das idéias sobre osfatos.

38.Podebemdizer-secomtodaaverdade

que a Igreja à semelhança de Cristo, passa através dos séculos, fazendo bem a todos. Não haveria nem socialismo nem comunismo, se os que governam os povos não tivessem desprezado os ensinamentos e as maternais advertências da Igreja; eles, porém, quiseram, sobre as bases do liberalismo e do laicismo, levantar outros edifícios sociais que à primeira vista pareciam poderosas e magníficas construções, mas bem depressa se viu que careciam de sólidos fundamentos, e se vão miseravelmente desmoronando, um após outro, como tem que desmoronar-se tudo quanto não se apoia sobre a única pedra angular,queéJesusCristo.

IV-REMÉDIOSEMEIOS

NECESSIDADEDERECORRERAMEIOSDE DEFESA

39. Tal é, Veneráveis Irmãos, a doutrina da Igreja, a única que, como em qualquer outro campo, assim também no campo social, pode projetar verdadeira luz, a única doutrina de salvação emface da ideologia comunista. Masé necessário que esta doutrina se realize cada vez mais na prática da vida, conforme o aviso do Apóstolo São Tiago: “Sede... cumpridores da palavra e não simples ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1, 22), porquanto, o que na hora atual há de mais urgente é aplicar com energia os remédios oportunos, para opor-se eficazmenteàrevoluçãoameaçadoraquesevai preparando. Alimentamos a firme confiança de que ao menos a paixão com que dia e noite trabalham os filhos das trevas na sua propaganda materialista e ateia, logre estimularsantamenteosfilhosdaluzaumzelo igual, se não maior, da honra da Majestade divina. 40. Que é, pois, necessário fazer, que remédios empregar, para defender a Cristo e a civilização cristã contra aquele pernicioso inimigo? Como um pai no seio da família, Nós quiséramos conversar, quase na intimidade, sobre os deveres que a grande luta de nossos diasimpõeatodososfilhosdaIgreja,dirigindo também a Nossa paternal advertência aos filhosquedelaseafastaram.

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
102

RENOVAÇÃODAVIDACRISTÃ

RemédioFundamental

41. Como em todos os períodos mais tormentosos da história da Igreja, assim hoje também o remédio fundamental é uma sincera renovação da vida privada e pública, segundo os princípios do Evangelho em todos aqueles que se gloriam de pertencer ao Rebanho de Cristo,afimdeseremverdadeiramenteosalda terra, que preserve a sociedade humana de tal corrupção.

42. Com sentimentos de profunda gratidão para com o Pai das luzes, de quem desce “toda adádivaexcelenteetodoodomperfeito”(Tg1, 17), vemos por toda a parte sinais consoladores dessa renovação espiritual, não só em tantas almas singularmente escolhidas, que nestes últimos anos se têm elevado ao cume da mais sublime santidade, e em tantas outras, cada vez mais numerosa, que generosamente caminham para a mesma luminosa meta, mas também no reflorescimento de uma piedade sentida e vivida, em todas as classes da sociedade, até nas mais cultas, como pusemos em relevo no Nosso recente Motu proprio In multis solaciis, de 28 do passado outubro, por ocasião da reorganização da Pontifícia Academia das Ciências (A.A.S., vol. XXVIII (1936), págs. 421424).

43.Nãopodemos,contudo,negarquemuito resta ainda por fazer neste caminho da renovação espiritual. Até mesmo em países católicos, demasiados são os que são católicos quase só de nome; demasiados, aqueles que, seguindo embora mais ou menos fielmente as práticas mais essenciais da religião que se ufanam de professar, não se preocupam de melhor a conhecer, nem de adquirir convicções, mais íntimas e profundas, e menos ainda de fazer que ao verniz exterior corresponda o interno esplendor de uma consciência reta e pura, que sente e cumpre todos os seus deveres sob o olhar de Deus. Sabemos quanto o Divino Salvador aborrece esta vã e falaz exterioridade, Ele que queria quetodosadorassemoPai“emespíritoe

verdade” (Jo 4, 23). Quem não vive verdadeira e sinceramente segundo a fé que professa, não poderá hoje, que tão violento sopra o vento da lutaedaperseguição,resistirpormuitotempo, mas será miseravelmente submergido por este novo dilúvio que ameaça o mundo; e assim, enquanto se prepara por si mesmo a própria ruína, exporá também ao ludibrio o nome cristão.

Desapegodosbensterrenos

44. E neste passo queremos, Veneráveis Irmãos, insistir mais particularmente sobre dois ensinamentos do Senhor, que têm especial conexão com as atuais condições do gênero humano: o desapego dos bens terrenos e o preceito da caridade. “Bem-aventurados os pobresdeespírito”foramasprimeiraspalavras que saíram dos lábios do Divino Mestre no sermão da Montanha (Mt 5, 3). E esta lição é mais que nunca necessária, nestes tempos de materialismo sedento de bens e prazeres da terra.Todososcristãos,ricosoupobres,devem ter sempre fixo o olhar no céu, recordando que “não temos aqui cidade permanente, mas vamos buscando a futura” (Hb 13, 14). Os ricos não devem pôr nas coisas da terra a sua felicidade, nem dirigir à conquista desses bens os seus melhores esforços; mas, considerandose apenas como administradores que sabem terão de dar contas ao supremo Senhor, sirvam-se deles como de meios preciosos que Deus lhes concede para fazerem bem; e não deixem de distribuir aos pobres o supérfluo, segundo o preceito evangélico (cfr. Lc 11, 41). Doutra forma verificar-se-á neles e em suas riquezas a severa sentença de São Tiago Apóstolo:“Eia,pois,óricos,chorai,soltaigritos por causa das misérias que virão sobre vós. As vossas riquezas apodreceram, e os vossos vestidos foram comidos pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem dará testemunho contra vós, e devorará as vossas carnes como um fogo. Juntastes para vós um tesouro de ira para os últimosdias...”(Tg5,1-3).

45.Masospobres,porsuavez,esforçando-

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
103

se muito embora, segundo as leis da caridade e da justiça, por se proverem do necessário e até mesmo por melhorarem de condição, devem também permanecer sempre “pobres de espírito” (Mt 5, 3), estimando mais os bens espirituais que os bens e gozos terrenos. Recordem-se, além disso, que jamais se logrará fazer desaparecer do mundo as misérias, as dores,astribulações,aqueestãosujeitosainda aqueles que exteriormente parecem mais felizes. E assim, a todos é necessária a paciência, aquela paciência cristã que eleva o coração às divinas promessas de uma felicidade eterna. “Sede, pois, pacientes, irmãos”, vos diremos ainda com São Tiago, “até à vinda do Senhor. Vede como o lavrador espera o precioso fruto da terra, tendo paciência, até que receba o (fruto) temporão e o serôdio. Sede, pois, pacientes também vós, e fortalecei os vossos corações; porque a vinda do Senhor está próxima” (Tg 5, 7-8). Só assim se cumprirá a consoladora promessa do Senhor: “Bem-aventurados os pobres”. E não é esta uma consolação e promessa vã, como são as promessas dos comunistas; mas são palavras de vida, que encerram uma realidade suprema, palavras que se verificam plenamente aqui na terra e depois na eternidade. E na verdade, quantos pobres, nestas palavras e na esperança do reino dos céus,proclamandojápropriedadesua:“porque vosso é o reino de Deus” (Lc 6, 20), encontram umafelicidade, quetantosricosnãologramem suas riquezas, sempre inquietos e sempre torturados como andam pela sede de possuir aindamais.

Caridadecristã

46. Muito mais importante ainda, como remédio do mal de que tratamos, ou pelo menos mais diretamente ordenado a curá-lo, é o preceito da caridade. Queremos referir-Nos àquela caridade cristã “paciente e benigna” (1 Cor 13, 4), que evita todos os ares de proteção humilhante e qualquer aparência de ostentação; aquela caridade, que desde os inícios do cristianismo ganhou para Cristo os mais pobres dentre os pobres, os escravos; e testemunhamosoNossoreconhecimentoa

todosquantosnasobrasdebeneficência,desde as conferências de São Vicente de Paulo até às grandes organizações recentes de assistência social, têm exercido e exercem as obras de misericórdiacorporal eespiritual.Quantomais experimentarem em si mesmos os operários e os pobres o que o espírito de amor, animado pela virtude de Cristo, faz por eles, tanto mais se despojarão do preconceito de que o cristianismo perdeu a sua eficácia e a Igreja está da parte daqueles que exploram o seu trabalho.

47. Mas, quando vemos dum lado uma multidão de indigentes que, por várias causas alheias à sua vontade, estão verdadeiramente oprimidos pela miséria, e do outro lado, junto deles, tantos que se divertem inconsideradamente e esbanjam enormes somas em futilidades, não podemos deixar de reconhecer com dor que não é bem observada a justiça, mas que nem sempre se aprofundou suficientemente o preceito da caridade cristã nem se vive conforme a ele na prática cotidiana. Desejamos, portanto, Veneráveis Irmãos, que seja mais e mais explicado por palavra e por escrito este divino preceito, precioso distintivo deixado por Cristo a seus verdadeiros discípulos, este preceito, que nos ensina a ver nos que sofrem a Jesus em pessoa e nos impõe o dever de amar os nossos irmãos, como o divino Salvador nos amou a nós, isto é, até ao sacrifício de nós mesmos e, se necessário for, até da própria vida. Meditem, pois, todos e muitas vezes aquelas palavras consoladoras, por um lado, mas temerosas por outro, da sentença final que pronunciará o Juiz supremo no último dia: “Vinde benditos de meu Pai...; porque tive fome, e me destes de comer, tive sede e me destes de beber... Em verdade vos digo que todas as vezes que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25, 34-40). E pelo contrário: “Apartai-vos de mim, malditos,paraofogoeterno...porquetivefome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber... Na verdade vos digo: todasas vezes que o não fizestes a um destes mais pequeninos,foiamimqueonãofizestes”

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
104

48. Para assegurar, pois, a vida eterna, e poder eficazmente socorrer os necessitados, é necessário voltar a uma vida mais modesta; renunciar aos prazeres, muitas vezes até pecaminosos,queomundohojeemdiaoferece em tanta abundância; esquecer-se a si mesmo por amor do próximo. Virtude divina de regeneração se encontra neste “mandamento novo” (como lhe chamava Jesus) da caridade cristã (Jo 13, 34), cuja fiel observância infundirá nos corações uma paz interna desconhecida do mundo, e remediará eficazmente os males que afligem a humanidade.

Deveresdeestritajustiça

49. Mas a caridade jamais será verdadeira caridade, se não tiver sempre em conta a justiça. O Apóstolo ensina que “quem ama o próximo cumpre a lei”; e dá a razão: “por quanto não cometerás adultério, não matarás, não furtarás... e qualquer outro preceito se resume nesta fórmula: Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Rom 13, 8-9). Se, pois, segundo o Apóstolo, todos os deveres se reduzem ao único preceito da verdadeira caridade, ainda aqueles que são de estrita justiça, como não matar, não roubar; uma caridade que prive o operário do salário a que tem estrito direito, não é caridade mas um nomevãoeumavãaparênciadecaridade.Nem o operário precisa de receber como esmola o que lhe pertence por justiça; nem pode ninguém pretender eximir-se dos grandes deveres impostos pela justiça com pequeninas dádivas de misericórdia. A caridade e a justiça impõem deveres, muitas vezes acerca do mesmo objeto, mas sob aspectos diversos; e os operários, a estes deveres que lhes dizem respeito, são juntamente muito sensíveis, em razãodasuaprópriadignidade.

50. É por isso que de modo especial Nos dirigimos a vós, patrões e industriais cristãos, cuja missão é muitas vezes tão difícil, por carregardes com a herança dos erros de um regime econômico iníquo que exerceu a sua ruinosainfluênciadurantemuitasgerações.

Lembrai-vos da vossa responsabilidade. Triste é dizê-lo, mas é muito verdade que o modo de proceder de certos meios católicos contribui para abalar a confiança dos trabalhadores na religião de Jesus Cristo. Não queriam eles compreender que a caridade cristã exige o reconhecimento de certos direitos devidos ao operário, e que Igreja explicitamente lhe reconheceu. Como julgar do proceder de patrões católicos, que em algumas partes conseguiram impedir a leitura da Nossa Encíclica Quadragesimo anno em suas igrejas patronais? ou daqueles industriais católicos que até hoje se têm mostrado adversários dum movimento que o direito de propriedade, reconhecido pela Igreja, tenha sido por vezes empregado para defraudar o operário do seu justosalárioedosseusdireitossociais?

JustiçaSocial

51. Efetivamente, além da justiça comutativa, há a justiça social que impõe, também, deveres a que nem patrões nem operários se podem furtar. E é precisamente próprio da justiça social exigir dos indivíduos quanto é necessário ao bem comum. Mas, assim como no organismo vivo não se provê ao todo, se não se dá a cada parte e a cada membro tudo quanto necessitam para exercerem as suas funções; assim também se não pode prover ao organismo social e ao bem detodaasociedade,senãosedáacadapartee a cada membro, isto é, aos homens dotados da dignidade de pessoa, tudo quanto necessitam para desempenharem as suas funções sociais. O cumprimento dos deveres da justiça social terá como fruto uma intensa atividade de toda a vida econômica, desenvolvida na tranquilidade e na ordem, e se mostrará assim a saúde do corpo social, do mesmo modo que a saúde do corpo humano se reconhece pela atividade inalterada, e ao mesmo tempo plena efrutuosa,detodooorganismo.

52. Não se pode, porém, dizer que se satisfezàjustiçasocial,seosoperáriosnãotêm assegurada a sua própria sustentação e a de suas famílias com um salário proporcionado a estefim;senãoselhesfacilitaoensejode

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo (Mt25,41-45).
105

adquirir uma modesta fortuna, prevenindo assim a praga do pauperismo universal; se não se tomam providências a seu favor, com seguros públicos e privados, para o tempo da velhice, da doença ou do desemprego. Numa palavra, para repetirmos o que dissemos na Nossa Encíclica Quadragesimo anno: “A economiasocialestarásolidamenteconstituída e obterá seus fins, só quando a todos e a cada um forem subministrados todos os bens que se podem conseguir com as forças e subsídios naturais, com a técnica, com a organização social do fator econômico. Esses bens devem ser em tanta quantidade, quanta é necessária, assim para satisfazer às necessidades e honestas comodidades, como para elevar os homens àquela condição de vida mais feliz, que, obtida e gozada de modo regrado e prudente, não só não é de obstáculo à virtude, mas até a favorece poderosamente” (Encíclica Quadragesimo anno, 15 de maio de 1931: A.A.S.,vol.XXIII(1931),pág.202).

53. Se, pois, como sucede cada vez mais frequentemente no salariado, a justiça não pode ser observada pelos particulares, a não ser que todos concordem em praticá-la conjuntamente, mediante instituições que unam entre si os patrões, para evitar entre eles uma concorrência incompatível com a justiça devida aos trabalhadores, o dever dos empresários e patrões é sustentar e promover essas instituições necessárias, que se tornam o meio normal para se poderem cumprir os deveres de justiça. Mas lembrem-se também os trabalhadores dos seus deveres de caridade e justiça para com os patrões e estejam persuadidos que assim salvaguardarão melhor atéosprópriosinteresses.54.Assim,pois,sese considera o conjunto da vida econômica,como já notamos na Nossa Encíclica Quadragesimo anno - não se conseguirá que nas relações econômico-sociais reine a mútua colaboração da justiça e da caridade, senão por meio dum corpo de instituições profissionais e interprofissionais sobre bases solidamente cristãs,coligadasentresiequeconstituam,sob formas diversas e adaptadas aos lugares e circunstâncias,oquesechamavaaCorporação.

ESTUDOEDIFUSÃODADOUTRINASOCIAL

55. Para dar a esta ação social mais eficácia, é muito necessário promover o estudo dos problemas sociais à luz da doutrina da Igreja e difundir os seus ensinamentos sob a égide da autoridade de Deus, constituída na mesma Igreja. Se o modo de proceder de alguns católicos deixou a desejar no campo econômico-social, isso aconteceu muitas vezes por não conhecerem suficientemente nem meditarem o ensino dos Sumos Pontífices sobre o assunto. Por isso, é sumamente necessário que em todas as classes da sociedade se promova mais intensa formação social, correspondente ao diverso grau de cultura intelectual, e se procure com toda a solicitude e empenho amaisampladifusãodos ensinamentos da Igreja também entre a classe operária. Iluminem-se as mentes com a luz segura da doutrina católica e inclinem-se as vontades a segui-la e a aplicá-la como norma reta de vida, pelo cumprimento consciencioso dos múltiplos deveres sociais. Combata-se desse modo aquela incoerência e descontinuidade na vida cristã, por Nós várias vezes deplorada, pela qual alguns, enquanto aparentemente são fiéis no cumprimento dos seus deveres religiosos, no campo do trabalho ou da indústria ou da profissão, ou no comércio, ou no emprego, por um deplorável desdobramento de consciência, levam uma vida muito em desarmonia com as normas tão claras da justiça e da caridade cristã, dando assim grave escândalo aos fracos e oferecendo aos maus fácil pretexto para desacreditarem a própriaIgreja.

56. Grandemente pode contribuir para esta renovação a imprensa católica, que pode e deve, de modo variado e atraente, procurar dar a conhecer cada vez melhor a doutrina social, informar com exatidão, mas também com a devida amplidão, acerca da atividade dos inimigos, referir os meios de combate que se mostraram os mais eficazes em diversas regiões, propor ideias úteis e gritar alerta contra as astúcias e enganos com que os comunistas procuram, e com resultado, atrairasiatéhomensdeboa-fé.

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
106

PREMUNIR-SECONTRAASCILADASDO COMUNISMO

57. Sobre este ponto insistimos na Nossa Alocução, de 12 de maio do ano passado, mas julgamos necessário, Veneráveis Irmãos, chamar de novo sobre ele, de modo particular, a vossa atenção. Ao princípio, o comunismo mostrou-se tal qual era em toda a sua perversidade; mas bem depressa se capacitou de que desse modo afastava de si os povos; e por isso mudou de tática e procura atrair as multidões com vários enganos, ocultando os seus desígnios sob a máscara de ideais, em si bons e atraentes. Assim, vendo o desejo geral de paz, os chefes do comunismo fingem ser os mais zelosos fautores e propagandistas do movimento a favor da paz mundial; mas ao mesmo tempo excitam a uma luta de classes que faz correr rios de sangue, e, sentindo que não têm garantias internas de paz, recorrem a armamentos ilimitados. Assim, sob vários nomes que nem por sombras aludem ao comunismo, fundam associações e periódicos que servem depois unicamente para fazerem penetrar as suas ideias em meios, que doutra forma lhe não seriam facilmente acessíveis, procuram até com perfídia infiltrar-se em associações católicas e religiosas. Assim, em outras partes, sem renunciarem um ponto a seus perversos princípios, convidam os católicos a colaborar com eles no campo chamado humanitário e caritativo, propondo às vezes, até coisas completamente conformes ao espírito cristão e à doutrina da Igreja. Em outras partes levam a hipocrisia até fazer crer que o comunismo, em países de maior fé e de maior cultura, tomará outro aspecto mais brando, não impedirá o culto religioso e respeitará a liberdade das consciências. Há até quem, reportando-se a certas alterações recentemente introduzidas na legislação soviética, deduz que o comunismo está em vésperas de abandonar o seu programa de luta contraDeus.

58.Procurai,VeneráveisIrmãos,queosfiéis não se deixem enganar! O comunismo é intrinsecamente perverso e não se pode admitiremcamponenhumacolaboraçãocom

ele, da parte de quem quer que deseje salvar a civilização cristã. E, se alguns, induzidos em erro, cooperassem para a vitória do comunismo no seu país, seriam os primeiros a caircomovítimasdoseuerro;equantomaisse distinguem pela antiguidade e grandeza da sua civilização cristã as regiões aonde o comunismo consegue penetrar, tanto mais devastador lá se manifesta o ódio dos “semDeus”.

ORAÇÃOEPENITÊNCIA

59. Mas, “se o Senhor não guarda a caridade, em vão vigiam aqueles que a guardam” (Sl 126, 1). Por isso, como último e poderosíssimo remédio vos recomendamos, Veneráveis Irmãos, que em vossas dioceses promovais e intensifiqueis, do modo mais eficaz, o espírito de oração unido à penitência cristã. Quando os Apóstolos perguntaram ao Salvador por que é que não tinham podido libertar do espírito maligno a um endemoninhado, respondeu o Senhor: “Demônios desta raça não se expulsam senão com a oração e com o jejum” (Mt 17, 20). Também o mal que hoje atormenta a humanidade não poderá ser vencido senão com uma santa cruzada universal de oração e penitência: e recomendamos singularmente às Ordens contemplativas, masculinas e femininas, que redobrem as suas súplicas e sacrifícios, para impetrarem do céu para a Igreja um válido socorro nas lutas presentes, com a poderosa intercessão da Virgem Imaculada,aqual,assimcomoumdiaesmagou a cabeça da antiga serpente, assim também é hoje e sempre segura defesa e invencível “AuxíliodosCristãos”.

V-MINISTROSEAUXILIARESDESTAOBRA SOCIALDAIGREJA

OSSACERDOTES

60. Para a obra mundial de salvação que temos vindo traçando, e para a aplicação dos remédios que ficam brevemente apontados, ministros e obreiros evangélicos designados pelo divino Rei Jesus Cristo são em primeira linha os sacerdotes. A eles, por vocação especial,sobaguiadossagradosPastores

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
107

e em união de filial obediência com o Vigário de Cristo na terra, foi confiada a missão de conservar aceso no mundo o facho da fé e de infundir nos fiéis aquela sobrenatural confiança com que a Igreja, em nome de Cristo, tem combatido e vencido tantas outras batalhas:“Estaéavitóriaquevenceomundo,a nossafé”(1Jo5,4).

61. De modo particular recordamos aos sacerdotes a exortação de Nosso Predecessor, Leão XIII, tantas vezes repetida, de ir ao operário; exortação que Nós fazemos Nossa e completamos: “Ide ao operário, especialmente ao operário pobre, e em geral, ide aos pobres”, seguindo nisto osensinamentos de Jesus Cristo e da sua Igreja. Os pobres, efetivamente são os que se acham mais expostos às ciladas dos agitadores, que exploram a sua mísera condição, para lhes atear no peito a inveja contra os ricos e excitá-los a tomarem pela força o que lhes parece que a fortuna lhes negou injustamente; e, se o Sacerdote não vai aos operários, aos pobres, para os prevenir ou desenganar dos preconceitos e das falsas teorias, chegarão a ser fácil presa dos apóstolos,docomunismo.

62. Não podemos negar que muito se tem feitojánestesentido,especialmentedepoisdas Encíclicas Rerum Novarum e Quadragesimo anno; e com paterna complacência saudamos o industrioso zelo pastoral de tantos bispos e sacerdotes, que vão excogitando e ensaiando, embora com a devida prudência e cautela, novos métodos de apostolado que melhor correspondam às exigências modernas. Mas tudo isto é ainda muito pouco para as presentes necessidades. Assim como, quando a pátria está em perigo, tudo quanto não é estritamente necessário ou não é diretamente ordenado à urgente necessidade da defesa comum, passa a segunda linha; assim também em nosso caso, qualquer outra obra, por mais bela e boa que seja, deve ceder o passo à vital necessidade de salvar as próprias bases da fé e da civilização cristã. E assim, nas paróquias os sacerdotes, dando embora materialmente o que é necessário à cura ordinária dos fiéis, reservemomaiseomelhordassuasforçase

da sua atividade à reconquista das massas trabalhadoras para Cristo e para a Igreja e a fazer penetrar o espírito cristão nos meios que lhe são mais refratários. Nasmassas populares, encontrarão uma correspondência e uma abundância de frutos inesperada, que os compensará do duro trabalho do primeiro arroteamento; como temos visto e vemos em Roma e em muitas outras metrópoles, onde, à sombradasnovasigrejas,quevãosurgindonos bairros periféricos, se vão organizando fervorosas comunidades paroquiais e se operam verdadeiros milagres de conversão entre populações que eram hostis à religião, só porqueanãoconheciam.

63. Mas o meio mais eficaz de apostolado entreasmultidõesdospobresedoshumildesé o exemplo do sacerdote, o exemplo de todas as virtudes sacerdotais quais as descrevemos em Nossa Encíclica Ad Catholici Sacerdotii (20 de dezembro de 1935: A.A.S., vol. XXVIII (1936), págs. 5-53); no presente caso, porém, de modo especial, é necessário um luminoso exemplo de vida humilde, pobre, desinteressada, cópia fiel do Divino Mestre que podia proclamar com divina franqueza: “As raposas têm os seus covis e as aves do céu os seus ninhos; mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8, 20). Um sacerdote verdadeira e evangelicamente pobre e desinteressado faz milagres de bem no meio do povo, como um São Vicente de Paulo, um Cura d’Ars, um Cottolengo, um Dom Bosco e tantos outros; ao passo que um sacerdote avaro e interesseiro, como recordamos na citada Encíclica, ainda quando se não precipite, como judas, no abismo da traição, será pelo menos um oco “bronze a ressoar” e um inútil “címbalo a retinir” (1 Cor 13, 1), e muitas vezes antes obstáculo que instrumento de graça no meio do povo. E, se o sacerdote secular ou regular, por dever de ofício, tem que administrar bens temporais, lembre-se que não somente terá obrigação de observar escrupulosamente tudo quanto prescrevem a caridade e a justiça, senão que de modo particularmente deve mostrar-severdadeiropaidospobres.

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
108

AAÇÃOCATÓLICA

64. Depois do clero dirigimos o Nosso paternal convite aos nossos queridíssimos filhos leigos, que militam nas fileiras da Ação Católica, que nos é tão cara e que, como já declaramos em outra ocasião (13 de maio de 1936, A.A.S., vol. XXIX (1937), págs. 139-144), é um “auxílio particularmente providencial”, para a obra da Igreja nestas circunstâncias tão difíceis. De fato, a Ação Católica é também apostolado social, enquanto tende a difundir o Reinado de Jesus Cristo não só nos indivíduos mastambémnafamíliaenasociedade.Porisso deve, antes de tudo, atender a formar com especial cuidado os seus membros e a preparálos, para as santas batalhas do Senhor. A este trabalho formativo, mais que nunca urgente e necessário, que deve preceder a ação direta e efetiva, servirão certamente os círculos de estudos, as semanas sociais, os cursos orgânicos de conferências e todas as demais iniciativas aptas para dar a conhecer a solução dosproblemassociaisemsentidocristão.

65. Soldados da Ação Católica tão bem preparados e adestrados serão os primeiros e imediatos apóstolos dos seus companheiros de trabalho e tornar-se-ão os preciosos auxiliares do Sacerdote, para levarem a luz da verdade e aliviarem as graves misérias materiais e espirituais, em inumeráveis zonas refratárias à ação do ministro de Deus, ou por inveterados preconceitos contra o clero ou por deplorável apatiareligiosa.Cooperar-se-ádessemodo,sob a direção de Sacerdotes particularmente experimentados, naquela assistência religiosa às classes trabalhadoras, que temos tanto a peito, por ser o meio mais apto para preservar aqueles Nossos amados filhos da cilada comunista.

66. Além deste apostolado individual, muitas vezes oculto, mas sobremaneira útil e eficaz, é função da Ação Católica disseminar amplamente, por meio da propaganda oral e escrita, os princípios fundamentais que hão de servir para a construção de uma ordem social cristã, como se depreendem dos documentos pontifícios.

ORGANIZAÇÕESAUXILIARES

67. Em torno da Ação Católica cerram fileiras as organizações que Nós saudamos já como auxiliares da mesma. Com paternal afeto exortamos também estas organizações tão prestimosas a consagrarem-se à grande missão de que tratamos, que atualmente supera a todasasoutraspelasuavitalimportância.

ORGANIZAÇÕESDECLASSE

68. Pensamos também nas organizações de classe: de operários, de agricultores, de engenheiros, de médicos, de patrões, de homens de estudo e outras semelhantes; homens e mulheres, que vivem nas mesmas condições culturais e quase naturalmente se reuniram em agrupamentos homogêneos. São precisamente estes grupos e estas organizações que estão destinadas a introduzir na sociedade aquela ordem, que tínhamos na mente na Nossa Encíclica Quadragesimo anno, eadifundirassimoreconhecimentodarealeza de Cristo nos diversos campos da cultura e do trabalho.

69. E se, pela transformação das condições da vida econômica e social, o Estado julgou dever intervir até o ponto de assistir e regular diretamente tais instituições com particulares disposiçõeslegislativas,salvoorespeitodevido à liberdade e às iniciativas particulares; tambémnãopodenessascircunstânciasaAção Católica manter-se estranha à realidade, antes deve com prudência prestar a sua contribuição de pensamento, com o estudo dos novos problemas à luz da doutrina católica, e da atividade, com a participação leal e voluntária dos seus membros nas novas formas e instituições, levando-lhes o espírito cristão, que é sempre princípio de ordem e de mútua e fraternacolaboração.

APELOAOSOPERÁRIOSCATÓLICOS

70. Uma palavra particularmente paterna quiséramos dirigir aos Nossos queridos operários católicos, jovens e adultos, os quais, talvez em prêmio da sua fidelidade por vezes heroica nestes tempos tão difíceis, receberam missãomuitonobreeárdua.Sobadireção

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
109

dos seus Bispos e Sacerdotes, é a eles que cumpre reconduzir à Igreja e a Deus aquelas imensas multidões de irmãos seus de trabalho, os quais, exacerbados por não haverem sido compreendidos nem tratados com a dignidade a que tinham direito, se afastaram de Deus. Demonstrem os operários católicos com seu exemplo, com suas palavras, a esses seus irmãos transviados que a Igreja é Mãe cheia de ternura para todos os que trabalham e sofrem, e que jamais faltou nem faltará a seu sagrado dever materno de defender seus filhos. Se esta missão,queelesdevemcumprirnasminas,nas fábricas, nos estaleiros, onde quer que se trabalha, reclama porvezesgrandes sacrifícios, lembrem-se que o Salvador do mundo deu não só exemplo do trabalho, senão também o do sacrifício.

NECESSIDADEDECONCÓRDIAENTREOS CATÓLICOS

71. Assim pois, a todos os Nossos filhos, de todas as classes sociais, de todas as nações, de todos os grupos religiosos e leigos da Igreja, quiséramos dirigir um novo e mais urgente apelo à concórdia. Muitas vezes Nosso coração paterno se tem afligido com as divisões, fúteis muitas vezes em suas causas, mas sempre trágicas em suas consequências, que põem em luta os filhosduma mesma Mãe, a Igreja. Assim se vê que os agentes da desordem, que não são tão numerosos, aproveitando-se destas discórdias, lhes exasperam o azedume, e acabam por lançar os mesmos católicos uns contra os outros. Depois dos acontecimentos destes últimos meses, deveria parecer supérfluo o Nosso aviso. Repetimo-lo, porém, uma vez mais para aqueles que o não compreenderam, ou talvez não o querem compreender. Os que trabalham por aumentar as distensões entre católicos, tomam sobre si uma tremenda responsabilidade diante de DeusedaIgreja.

APELOATODOSOSQUECRÊEMEMDEUS

72. Mas a esta luta, empenhada pelo poder dastrevascontraprópriaidéiadaDivindade,éNos grato esperar que, além de todos aqueles quesegloriamdonomedeCristo,seoponham

também denodadamente todos quantos crêem em Deus e o adoram, que são ainda a imensa maioria da humanidade. Renovamos, por isso, o apelo que já, há cinco anos, lançamos em Nossa Encíclica Caritate Christi, para que também eles leal e cordialmente concorram de sua parte “para afastar da humanidade o grande perigo que a todos ameaça”. Porquanto, - como então dizíamos -, se “a crença em Deus é o fundamento inabalável de toda a ordem social e de toda a responsabilidade na terra, todos os que não querem a anarquia e o terror devem trabalhar energicamente para que os inimigos da religião não alcancem o fim que tão abertamente proclamam” (Encíclica Caritate Christi, 3 de maio de 1932: A.A.S., vol. XXIX(1932),pág.184).

DEVERESDOESTADOCRISTÃO

AjudaraIgreja

73. Temos exposto, Veneráveis Irmãos, a função positiva, de ordem, a um tempo, doutrinal e prática, que a Igreja assume em virtude da mesma missão, que Jesus Cristo lhe confiou, de edificar a sociedade cristã e, em nossos tempos, de combater e desbaratar os esforços do comunismo; e fizemos apelo a todas e a cada uma das classes da sociedade. Para esta mesma empresa espiritual da Igreja deve também concorrer positivamente o Estado cristão, ajudando em seu empenho a Igreja com os meios que lhes são próprios, os quais, embora externos, dizem também respeito,emprimeirolugar,aobemdasalmas.

74. Por isso os Estados porão todo o cuidado em impedir que a propaganda ateia, que destrói todos os fundamentos da ordem, faça estragos em seus territórios, porque não poderá haver autoridade na terra, se não se reconhece a autoridade da Majestade divina, nem será firme o juramento, que não se faça emnome doDeusvivo. Repetimosoquetantas vezes e com tanta insistência temos dito, nomeadamente na Nossa Encíclica Caritate Christi: “Como pode sustentar-se um contrato qualquer, e que valor pode ter um tratado, ondefaltetodaagarantiadeconsciência?

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
110

E como pode falar-se de garantia de consciência, onde falte toda a fé em Deus, todo o temor de Deus? Destruída esta base, desmorona-se com ela toda a lei moral, e não haverá já remédio nenhum que possa impedir a gradual, mas inevitável ruína dos povos, da família, do Estado, da própria civilização humana” (Encíclica Caritate Christi, 3 de maio de1932:A.A.S.,vol.XXIV(1932),pág.190).

Providênciasdobemcomum

75. Além disso, deve o Estado pôr todo o cuidado em criar aquelas condições materiais de vida, sem as quais não pode subsistir uma sociedade ordenada, e em procurar trabalho especialmente aos pais de família e à juventude. Para esse fim induzam-se as classes ricas a que, pela urgente necessidade do bem comum, tomem sobre si aqueles encargos, sem os quais a sociedade humana não pode salvarse, nem elas próprias poderiam encontrar salvação. Mas as providências, que o Estado toma para esse fim, devem ser tais que atinjam efetivamente os que de fato têm nas mãos os maiores capitais e continuamente os vão aumentandocomgraveprejuízodosoutros.

Prudenteesóbriaadministração

76. O próprio Estado, lembrando-se de suas responsabilidades diante de Deus e da sociedade, sirva de exemplo a todos os demais com uma prudente e sóbria administração. Hoje mais que nunca a gravíssima crise mundial exige que aqueles que dispõem de fundos enormes, fruto do trabalho edo suorde milhões de cidadãos, tenham sempre diante dos olhos unicamente o bem comum e procurem promovê-lo o mais possível. Os funcionários do Estado e todos os empregados cumpram também, por dever de consciência os seus deveres com fidelidade e desinteresse, seguindo os luminosos exemplos antigos e recentes de homens insignes, que num trabalho sem descanso sacrificaram toda a sua vida pelo bem da pátria. E no comércio dos povos entre si, procure-se solicitamente remover aqueles obstáculos artificiais da vida econômica, que brotam do sentimento da desconfiançaedoódio,recordandoquetodos

os povos da terra formam uma única família de Deus.

DeixarliberdadeàIgreja

77. Mas, ao mesmo tempo, deve o Estado deixar à Igreja plena liberdade de cumprir a sua missão divina e espiritual, para contribuir assim poderosamente para salvar os povos da terrível tormenta da hora presente. Por toda a parte se faz hoje um angustioso apelo às forças morais e espirituais; e com toda a razão, porque o mal que se deve combater é antes de tudo, considerado em sua primeira origem, um mal de natureza espiritual, e desta fonte é que brotam, por uma lógica diabólica, todas as monstruosidades do comunismo. Ora, entre as forças morais e religiosas, sobressai incontestavelmente a Igreja Católica; e por isso o mesmo bem da humanidade exige que não se ponhamobstáculosàsuaatividade.

78. Proceder de outro modo e pretender ao mesmo tempo alcançar o fim com meios puramente econômicos e políticos, é ficar à mercê de um erro perigoso. E quando se exclui a religião da escola, da educação, da vida pública, e se expõem ao ludíbrio os representantes do Cristianismo e seus sagrados ritos, não se promove porventura aquele materialismo, donde germina o comunismo? Nem a força, ainda a mais bem organizada, nem os ideais terrenos, por mais grandiosos e nobres que sejam, podem dominar um movimento, que tem suas raízes precisamentenademasiadaestimadosbensda terra.

79. Confiamos que aqueles que dirigem os destinos das nações, por pouco que sintam o perigo extremo que ameaça hoje os povos, compreenderão cada vez melhor o supremo dever de não impedir à Igreja o cumprimento da sua missão; tanto mais que, ao cumpri-la, enquanto procura a felicidade eterna do homem trabalha também inseparavelmente pelaverdadeirafelicidadetemporal.

APELOPATERNOAOSTRANSVIADOS

80. Mas não podemos pôr termo a esta CartaEncíclica,semdirigirumapalavra

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
111

àqueles mesmos filhos Nossos que estão já contagiados ou tocados do mal comunista. Exortamo-los vivamente a que ouçam a voz do Pai que os ama; e rogamos ao Senhor que os ilumine, para que deixem o caminho que os despenha a todos numa imensa e catastrófica ruína, e reconheçam também eles que o único Salvador é Jesus Cristo Senhor Nosso: “porque não há sob o céu nenhum outro nome dado aos homens, pelo qual possamos esperar ser salvos” (At 4, 12).

CONCLUSÃO

SÃO JOSÉ, MODELO E PATRONO

81. E, para apressar a “Paz de Cristo no Reino de Cristo” (Encíclica Ubi Arcano, 23 de dezembro de 1922: A.A.S., vol. XIV (1922), pág. 619), por todos tão desejada, pomos a grande ação da Igreja Católica contra o comunismo ateu mundial sob a égide do poderoso Protetor da Igreja, São José. Ele pertence à classe operária e experimentou o peso da pobreza, em si e na Sagrada Família, de que era chefe vigilante e afetuoso; a ele foi confiado o Deus Menino, quando Herodes mandou contra ele os seus sicários. Com uma vida de fidelíssimo cumprimento do dever cotidiano, deixou um exemplo de vida a todos os que têm de ganhar o pão com o trabalho de suas mãos e mereceu ser chamado o Justo, exemplo vivo daquela justiça cristã, que deve reinar na vida social.

82. Com os olhos no alto, a nossa fé vê os novos céus e a nova terra; de que fala o Nosso primeiro Antecessor, São Pedro (2 Pdr 3, 13; cf. Is 66, 22; Apc 21, 1). Enquanto as promessas dos falsos profetas da terra se desvanecem em sangue e lágrimas, brilha com celeste beleza a grande profecia apocalíptica do Redentor do mundo: “Eis que Eu renovo todas as coisas” (Apoc 21, 5).

Não Nos resta, Veneráveis Irmãos, senão elevar as mãos paternas e fazer descer sobre Vós, sobre o vosso Clero e povo, sobre toda a grande Família Católica, a Bênção Apostólica.

Dada em Roma, junto de São Pedro, na festa de São José, Padroeiro da Igreja Universal, no dia 19 de março de 1937, ano XVI do Nosso Pontificado.

Recordamos que “a Suprema Sagrada Congregação do Santo Ofício, por mandato e com a autoridade do Sumo Pontífice Pio XII, promulgou um decreto no dia 1º. de julho de 1949, no qual proscreve categoricamente o comunismoetodacolaboraçãocomele.

A.A.S., Vol. XLI, pág. 334. Obs.: Colocamos cada resposta logo em seguida à respectiva pergunta para maior facilidade de compreensão.

I. É lícito aos católicos dar seu nome e prestarsuaajudaaospartidoscomunistas?

Resposta: Não é lícito, o comunismo é materialista e anticristão; com efeito, os chefes comunistas, inclusive quando dizem por palavras que não combatem a religião, na realidade, contudo, tanto pela doutrina como pela ação, mostram-se inimigos de Deus, da verdadeiraReligiãoedaIgrejadeCristo,

II. É lícito editar, difundir ou ler livros, revistas, jornais e folhetos que defendem a doutrina ou atividades comunistas, ou neles escrever?

Resposta: Não é lícito; está proibido ipso jure (cânon 1399 do Código de Direito Canônico).

III. Os fiéis que, consciente e livremente, tenham incorrido nos atos de que tratam os números I e II, podem ser admitidos aos Sacramentos?

Resposta: Não podem ser admitidos, em conformidade com o princípio geral de que se deve negar os Sacramentos àqueles que não estãonasdevidasdisposiçõespararecebê-los.

lV. Os fiéis que professam a doutrina materialista e anticristã dos comunistas e principalmente aqueles que a defendem e divulgam, incorrem, ipso facto, na excomunhão reservada de modo especial à Sé Apostólica, comoapóstatasdaFécatólica?

Resposta: Sim,incorrem.

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
PIO XI PP. 112

“Na Encíclica "Graves de communi re", o Papa condenou a opinião segundo a qual "a chamada questão social é apenas uma questão econômica"; e acrescentou: "A verdade está exatamente no contrário: a questão social é principalmente uma questão moral e religiosa."

"Se a sociedade humana tem de ser saneada, só poderá consegui-lo um retorno à vida e às instituições cristãs."

Por que não Estimula Roma o Interconfessionalismo Socio-religioso?

Pelo Pe. PauI. Hanly Furfey, Professor da Universidade Católica da América, Washington, D.C.

Em continuação ao artigo do mesmo Autor, publicado pela R.E.B. de Dez. de 1944, estampamos a seguir a tradução do trabalho intitulado: "Why does Nome discourage socio-religious intercredalism?"(Amer.Eccl.Review, Maio 1945, págs. 364-374.)

O Autor estudou, em artigo recente, os textos pontifícios concernentes à cooperação de católicos e de não-católicos na reconstrução da sociedade.(1) Desses documentos inferia-se claramente que, conquanto fossem geralmente favoráveis a tal cooperação, os Papas, todavia, descoroçoaram(a) categoricamente algumas de suas modalidades. O objeto do presente artigo é examinar de novo aqueles textos para determinar, se possível, os princípios que serviram aos Papas de justificativa para se oporem a algumas formas de interconfessionalismo em atividades sociais. Este exame torna-se oportuno pela publicação, em Março de 1945, do artigo em que o Padre Murray (A) dá outra interpretação a algumas declaraçõespontificais.(2)

Para começar, recordaremos os principais documentos de Roma sobre o assunto desde o tempodeLeãoXIIIatéosnossosdias.Agrande tarefa de Leão XIII foi estabelecer princípios gerais. Ele tornou perfeitamente claro que a reforma da sociedade não é apenas uma questão secular, mas também uma questão religiosa.

(a) Descoroçoar. v.:Desencorajar.

(A) Pe. John Courtney Murray, S.J. (19041967). Autor do decreto do Vaticano II Dignitatis Humanae. Em 1954, foi silenciado peloCard.AlfredoOttavianiquandoesteestava à frente do Santo Ofício. Conforme: https://jesuit.ie/who-are-the-jesuits/inspirati onal-jesuits/john-courtney-murray/. Acesso em: 04/08/2023; e https://www.americamagazine.org/artsculture/2022/06/28/cbc-column-johncourtney-murray-243251. Acesso em: 07/08/2023.

(1) Pe. PauI H. Furfey: "lntercredal Cooperation: Its Limitations", The American Ecclesiastical Review, CXI, 3 (Sept. 1944), 16175. Publicado, em tradução, na Revista Eclesiástica Brasileira, Vol. 4, fasc. 4, Dezembro de 1944, págs. 789-804, sob o título: "Cooperaçãolnterconfessional:Seuslimites".

(2) John Courtney Murray, S. J., "On the Problem of Cooperation: Some Clarifications", A.E.R,CXII,3(March,1945),194-214.

Em 1888 o Papa estabeleceu como fundamental a doutrina de que a fé "é o princípio, não só para regular a vida dos indivíduos, como também para ajuizar dessas coisas cuja interação prejudica a tranquilidade e a segurança dos Estados." (3) Na Encíclica Rerum Novarum, ele repetiu o mesmo pensamento em palavras que Pio XI, quarenta anosmaistarde,haveriadecitar:

"Se a sociedade humana tem de ser saneada, só poderá consegui-lo um retorno à vida e às instituições cristãs."(4) Posteriormente, referindo-se a esta Encíclica, caracterizou-acomo umaexposiçãodaquestão social "de conformidade com os princípios do Evangelho e da razão natural." (5) Na Encíclica Graves de communi re, o Papa condenou a opiniãosegundoaqual"achamadaquestão social é apenas uma questão econômica"; e acrescentou:"Averdadeestáexatamenteno contrário: a questão social é principalmente uma questão moral e religiosa." (6) Por fim, tratando dos males que derivamdalutadeclasses,ensinouque"esses

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
113

são males para os quais será inútil procurar remédio na vigilância das leis, na ameaça de castigos, ou nos conselhos da prudência humana", e passou a propor "a Sagrada Eucaristiacomosoluçãobásica." (7)

Há ainda uma declaração de Leão XIII que merece especial menção. Foi feita em referência a associações de operários. Seria natural entender que tais associações se organizassem para tratar exclusivamente, ou, ao menos, principalmente, de interesses meramente terrenos, como salários, horários, e condições de trabalho. O Papa, no entanto, consciente da predominância do sobrenatural emtodaaçãosocialcatólica,entendeudemodo diverso.

se insinua, por vezes, no seio de associações declaradamente católicas, quando o seu esforço parece concentrar-se no objectivo de aliciar o máximo número possível de consócios oferecendo-lhes à aceitação o mínimo número possível de requisitos sobrenaturais." (9) É evidente que tal procedimento acarretaria sério perigo. Se o verdadeiro caráter sobrenatural da acção social católica houvesse de ser atenuado pela intromissão de um falso interconfessionalismo, é indubitávelqueasuaeficáciahaveriadeser prejudicada, e esquecida a confiança no sobrenatural que o Papa Leão XIII lhes haviafortementeinculcado.

(b) Colimação. s.f. Atingimento, consecução, obtenção.

(3) Leão XIII, Exeunte jam anno, 25 de Dez., 1888.

(4) Leão XIII, Rerum Novarum, 15 de Maio, 1891.

(5) Leão XIII, Praeclara Gratulationis, 20 de Junho,1894.

(6) Leão XIII, Graves de communi re, 18 de Jan.,1901.

(7) Leão XIII, Mirae caritatis, 28 de Maio, 1902.

(8) Rerum Novarum

Pio X seguiu reta e logicamente, neste assunto,aorientaçãodoseugrandeantecessor. Leão XIII assentara o princípio segundo o qual uma verdadeira reforma social tinha de ser alicerçada no sobrenatural; Pio X trabalhou para que todas as associações católicas se conformassem com esse princípio. Um falso interconfessionalismo estava em vias de se formar. Em carta escrita por intermédio do seu Secretário de Estado, ao Bispo Bougoüin, definiu com precisão em que consistia esse perigo: "a espéciedementalidadereligiosaque

Já no começo do seu reinado, em 1904, Pio X mostrava-se preocupado com a sedução que certa espécie de mentalidade religiosa exercia sobre alguns católicos. Ao conde Medolago Albani elogiou porque a associação que organizara, preservava os seus membros, não só das sociedades francamente más, como também das que eram apenas neutras. (10) Mais tarde, por meio do seu Secretário de Estado, Pio X louvou ao Sr. Durand porque na associação que formara, os recursos sobrenaturais, em particular os "retiros" eram utilizados, e porque sua direção "rompeu decididamente com o pernicioso costume da neutralidade religiosa e tomou um caráter de fiel e exato catolicismo." (11) De igual modo congratulou-se com a Baronesa de Montenach pelo carácter abertamente confessional - il carattere di aperta confessionalità - da sociedade de proteção às moças,queelapresidia. (12)

(9) Cardeal Merry del Val, carta ao Bispo Bougoüin,29Julho,1912.

(10) Pio X, Breve ao Conde Medolago Albani, 19deMarço,1904.

(11) C. Merry del Val, carta ao Sr. Durand, 17 deAbril,1910.

(12) C. Merry del Val, carta à Baronesa de Montenach,20deMaio,1912.

Conquanto diversas e desconexas, essas declaraçõestraduziramdemodoinequívocoo

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
"É claro - disse ele - que a perfeição moral e religiosa devia ser considerada seu fim principal e que a colimação (b) desse fim devia ser o principal motivo de se organizarememsociedade." (8)
114

pensamento de Pio X; mas foi especialmente pelo seu procedimento para com o Sillon e as chamadas "Christliche Gewerkschaften" da Alemanha que mostrou, na prática, a aplicação da sua doutrina. O Sillon era uma associação fundada na França, em 1890, por um grupo de ardentesjovens,entreosquaissobressaíaMarc Sangnier. A princípio a sua orientação foi estritamente católica e, como tal, mereceu os louvores da Santa Sé. Por volta de 1905, contudo, essa orientação modificou-se. "Infiltrações liberais e protestantes" começaram a manifestar-se. (13) O rigoroso catolicismo do Sillon degenerou em interconfessionalismo socio-religioso. Aqui havia um curioso paradoxo. A reconstrução daordemsocialeraafinalidadedoSillon.

A Santa Sé ensinara com clareza que, para atingir tal fim de modo eficaz, era indispensável a verdade católica. Entretanto, era recorrendo ao interconfessionalismo que o Sillon pretendia realizar essa tarefa religiosa! Consoante escreveu então o Papa: "Deparamos aí com uma associação interconfessional, fundada por católicos, para trabalhar pela reforma da civilização, - o que é uma tarefa preeminentemente religiosa, pois não há verdadeira civilização sem civilização moral, e não há verdadeira civilização moral sem verdadeirareligião." (14)

Se as atividades do Sillon houvessem visado apenas algum alvo restrito e legítimo de ordem meramente secular, ninguém teria estranhado a inclusão, na sociedade, de membros de diferentes crenças religiosas. Ninguém estranha, por exemplo, que católicos e protestantes se associem em uma organização, como a Liga Urbana, destinada a estimular, na América, as relações entre homens de raças diversas. Quando, porém, o escopo da associação é "precipuamente religioso", e a sua constituição é interconfessional, o católico fica em posição esquerda, porque não tem meios para exigir que a associação cumpra um programa inteiramente católico; a doutrina social da Igreja, somente em parte pode ser aceitapelosseusconsócios;eelesesente

tentadoamanter-seinsinceramentecalado.Foi o que se verificou no Sillon e provocou esta pungente interrogação do Papa: "Que se há de pensar do católico que, ao entrar no recinto da sua sociedade, deixa o seu catolicismo na porta, para não escandalizar seus confrades?" (15)

Os erros do Sillon foram muitos, o principal deles, porém, foi o seu interconfessionalismo, que deu entrada aos outros. Enquanto os sócios e os princípios da associação foram católicos, ela se conservou acima de toda crítica. Logo, porém, que nela foi introduzido "o pernicioso princípio da neutralidade religiosa", começou a sua decadência. É que, em seguimento deste, muitos outros erros tiveram de ser admitidos. O Padre Murray enumera e repudia estes todos, um por um. Mas não repudia o primeiro, raiz de todos os demais. Ele compartilha da falaz esperança de que uma associação interconfessional possa realizar essa tarefa - "precipuamente religiosa" - de reformar a civilização. Propósito esse, no entanto,quePioXridicularizou!

(13) PioX, Notre Charge,25deAgosto,1910.

(14) lbid.

(15) lbid.

A história das "Christliche Gewerkschaften" da Alemanha se originou em 1894 quando Augusto Brust, mineiro, organizou com seus confrades um Sindicato interconfessional, em Dortmund. O seu exemplo foi imitado pelos operários de outras profissões. A isto seguiu-se a formação de Sindicatos, de âmbito nacional, para cada profissão, sendo a dos mineiros organizada em 1897. Por fim, os Sindicatos nacionais se ligaram, em 1901, em uma federação, a Gesamtverband der Christlichen Gewerkschaften Deutschlands. Não foram, contudo, todos os Sindicatos que se incluíram na Gesamtverband; esta possuía, em 1907, 284.649 associados, enquanto que o total dos sócios dos "Sindicatos Cristãos Trabalhistas" era de 365.000. (16) Tampouco, não foram todos os católicos que aceitaram a ideia desses Sindicatos interconfessionais. Em torno de Berlimformaram-seUniõesexclusivamente

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
115

católicas. E em breve surgiu uma controvérsia entre os propugnadores das duas espécies diferentesdeunionismo.

Pio X dirimiu autoritariamente a contenda em 24 de Setembro de 1912. Louvou como exemplares as Uniões exclusivamente católicas. Aconselhou que, onde fosse necessária a cooperação de católicos com não-católicos, para o bem comum, fosse preferida a fórmula do Cartel (c), isto é, a de aliança (foedus) entre associações distintas de católicos e de nãocatólicos. Todavia, em consideração das circunstâncias do momento, resolveu tolerar a existência das uniões mistas. Foram estas as suas palavras: "Como neste caso, Veneráveis Irmãos, não poucos de Vós Nos suplicam a permissão de tolerar os denominados Sindicatos Cristãos, tais como estão agora constituídos em Vossas Dioceses, alegando que eles abrangem maior número de operários do que as associações exclusivamente católicas, e que sérios inconvenientes resultariam da negativa dessa permissão, julgamos conveniente deferir essa petição, à vista da peculiar situação da Igreja na Alemanha, e declaramosqueelespodemsertoleradoseque aos católicos é permitido ingressar nessas corporações mistas também existentes em Vossas Dioceses, enquanto novas circunstâncias não tornarem inoportuna ou injustaessatolerância." (17)

Além disso, como antídoto contra o perigo do interconfessionalismo, que explicitamente reconhecia, o Papa prescrevia que os católicos pertencentes às Uniões interconfessionais fizessem parte, ao mesmo tempo, de uma associação exclusivamente católica (Arbeitsverein) e recomendava aos Bispos que estivessem cuidadosamente atentos aos acontecimentos.

(16) Talvez o melhor estudo sobre os Sindicatos cristãos seja o de Theodor Böhme, Die Christlich-Nationale Gewerkschaft, Stuttgart, Kohlhammer, 1930. - Le Syndicalisme Chrétien en Allemagne,deMauriceKellershohn, Paris, Bloud, 1912, é uma fogosa defesa, difícil deconciliarcoma Singulari quadam,que

apareceu no mesmo ano. Bom estudo sobre o sindicalismo alemão em geral é o de Robert Goetz, Les Syndicats Ouvriers AIlemands Après laGuerre,Paris,Domat-Montchrestien,1934.

(c) Cartel.Apalavracartel,nopresentetexto, não tem o sentido daquela associação de empresas cuja formação é proibida pela Lei n. 8.884/94 (Lei Antitruste).Significatãosomente aliança.

(17) PioX,Singulariquadam,24Set.,1912.

O Padre Murray persuadiu-se que a Singulari quadam constituiu, de algum modo, uma vitória para as Uniões mistas. Os alemães não partilharam dessa opinião. A impressão geral foi assim resumida por Erdmann: "A Encíclica não trazia uma proibição contra os Sindicatos cristãos trabalhistas, mas coisa muito pior: os Sindicatos cristãos eram estigmatizados com o sinete de inferioridade religiosaemoral." (18)

O Padre Murray acha que o Papa concedeulhes alguma coisa mais do que a simples tolerância, isto é - "tolerância e permissão". Para isso ele traduz como segue a parte principal da citação supra: "Declaramos que a participação dos católicos pode ser tolerada e permitida também nessas associações mistas existentes em Vossas Dioceses." (19) Infelizmente, essa tradução violenta a pontuação, a construção, e o contexto do original. (20) Seassubtilezasdagramáticalatina não parecerem convincentes ao leitor, bastelhe reparar na cláusula imediata na qual o Santo Padre, mesmo, decide por completo a matéria qualificando o seu ato de "tolerância" ("tolerantia"). Esta única palavra parece que destrói totalmente a interpretação do Padre Murray. Ele supera habilidosamente a dificuldade omitindo na sua tradução a embaraçosa palavra. (21) O Padre Murray qualifica o ato de Pio X, ora de "tolerância e permissão", ora de "permissão", e uma vez de "aprovação cuidadosamente expressa". (22) Evidentemente poder-se-á tirar de um documento o significado que se quiser, com uma exegese da espécie desta que consegue metamorfosear uma "tolerância" em uma "aprovaçãocuidadosamenteexpressa"!

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
116

(18) Die Christlichen Gewerkschaften, p. 161; videBöhme,op.cit.,p.66.

(19) John Courtney Murray, S. J., "lntercredal Co-operation: lts Theory and lts Organization", TheologicalStudies,IV(1943),257-86,p.268.

(20) O texto latino diz: "Putamus concedendum, declaramusque tolerari posse, et permitti catholicis, ut eas quoque societates mistas... participent." É a ordem indireta, pela direta: "tolerari, et permittitur catholicis ut …" Isto é claro 1) pela pontuação: a vírgula depois deposse,nãopoderiaternenhumasignificação na tradução do Padre Murray; 2) pela construção: a cláusula ut, está na dependência de permitti, unicamente. "Permitti calholicis, ut ... ", é boa construção; mas "tolerari. . . catholicis, ut ... ", seria inadmissível; 3) pelo contexto: os Bispos pedem permissão para tolerar as Uniões; responde-se-lhes que "elas podem ser toleradas", e o Papa prossegue qualificandosuaatitudecomo"tolerância".

(21) Texto latino: "Quoad ex novis rerum adjunctis non desinat hujusmodi tolerantia aut opportuna esse aut justa." Tradução do Padre Murray : "So long as this does not cease to be advantageous and lawful" (em vez de "this toleration").Cfr.nota19.

(22) John Courtney Murray, S. J., "On The Problem of Cooperation: Some Clarifications", A.E.R.,CXII,3(March,1945),200.

No reinado de Bento XV foi promulgado o novo Código de Direito Canônico. Nele se encontra uma regra que convém salientar. Na terceira seção do Cânon 1325, lê-se o seguinte: "Caveant catholici ne disputationes vel collationes, publicas praesertim, cum acatholicis habeant, sine venia Sanctae Sedis aut, si casus urgeat, loci Ordinarii." Aproibiçãoincide"tanto sobre discussões e debates, quanto sobre reuniões e conferências amistosas que visam estabelecer ajustes e acordos." (23) Reuniões públicas são claramente proibidas (publicas praesertim); não concordam inteiramente os canonistas, porém, sobre a aplicação do artigo aos encontros e discussões particulares. Uma discussão é pública "quando ultrapassa os limitesdocírculoprivadooufamiliar." (24)

Do contexto parece claro que a proibição só se aplica às disputas e conferências que dizemrespeitoàfé. Nãoprecisamoscatólicos de licença especial para discutir em público, com protestantes, problemas de matemática, por exemplo. Também podem discutir os aspectos meramente seculares da questão social, como uma lei de seguros, ou a ampliação de medidas coercivas. Todavia, se se propõem discutir a importância da verdade religiosa na solução da questão social, como, por exemplo, para encontrar um terreno comum dentro do qual tanto os católicos como os não-católicos se achem à vontade para atacar os problemas sociais, a licença mencionada teria certamente de ser obtida. Em 1902 Roma declarou que "desde que os postulados do Socialismo, tomados em suatotalidade,encerramverdadeirasheresias", aos católicos era proibido tomar parte nas discussões que sobre eles se travassem em público, a menos que para isso obtivessem permissão de acordo com a legislação então existente. (25)

(23) T. Lincoln Bouscaren, "Co-operation with Non-Catholics Canonical Legislation", Theological Studies, IlI (1942), 475-512, p. 504.

(24) lbid.,p.505.

(25) Sagrada Congregação dos Negócios Eclesiásticos Extraordinários, Instrução sobre a Ação Democrático-Cristã na Itália, 27 de Janeiro, 1902, citada por Bouscaren, op. cit., p. 510. Esse documento não se aplica aos Estados Unidos. É citado aqui unicamente para provar que, no espírito de Roma, "os postulados do Socialismo,tomadosemsuatotalidade",devem se considerar como concernindo assuntos de fé,afimdeseinterpretaroCânon1325.

O Papa Pio XI fez sobressair, em vários documentos, a necessidade de utilizar-se a verdaderevelada na solução dos problemas sociais. Não é preciso citar aqui esses textos, pois não constituem senão repetição do que já havia sido dito muitas vezes, pelos Pontífices anteriores. Dois documentos, contudo, serão mencionados,porteremrelaçãodireta

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
117

com o presente estudo. Uma instrução de 1929 determinou com clareza que o sistema de Cartel [aliança] deveria ser usado somente quando se procurassem conseguir objetos específicos através de alianças temporais. (26) Em consequência o sistema de Cartel, recomendado na Singulari quadam, não podia servir de escusa para a junção permanente de Uniões Católicas e Não-Católicas em uma federação interconfessional. Na Encíclica Quadragesimo Anno, Pio XI concedeu aos Bispos licença para aprovarem - aqui já não se tratava mais de tolerância - a admissão de católicos em sindicatos neutros (syndicatus neutri). (27)

(26) Sagrada Congregação do Concílio, ad. R. P. D. Achilleum Liénart, Episcopum Insulensem, 05deJunho,1929.

(27) Pio XI, Quadragesimo Anno, 15 de Maio, 1931.

Examinando os documentos acabados de referir,importanotarqueaSantaSéestabelece uma série, cuidadosamente graduada, de atitudes a tomarem relação às associações que oferecem aos seus membros, em proporções diversas, o perigo do interconfessionalismo socio-religioso:

1) Associações estritamente católicas destinadas a promover a reconstrução social, são enaltecidas sem a menor reserva. Seria fácil indicar, além dos citados, muitos outros documentos neste sentido. É compreensível a posição da Santa Sé: a sociedade só pode ser plenamente reformada sobre uma base religiosa; só a Igreja Católica possui a verdadeira fé; portanto só uma organização católica está em condições de aplicar à sociedade o remédio eficaz de que ela precisa.

2) Nos lugares onde as circunstâncias reclamam a cooperação dos católicos com os não-católicos, a Santa Sé recomenda o sistema de Cartel, desde, porém, que seja empregado apenas temporariamente e só paraespecíficosobjetivos.

3)ÉpermitidoaosBispos

sindicatos neutros (syndicatus neutri) quando necessitadospelascircunstâncias.

4) A Santa Sé tolera o interconfessionalismo das "Christliche Gewerkschaften" (societates mistae) da Alemanha.

5) A Santa Sé condena o interconfessionalismodo Sillon

A fim de compreender a atitude de Roma para com o interconfessionalismo socioreligioso, precisamos de indagar, que princípios justificam essa escala de posições, tãocuidadosamentegraduada.

Qual é o elemento, cuja presença torna o Cartel apenas recomendável; o sindicato neutro dependente de aprovação; as "Christliche Gewerkschaften" meramente toleráveis; e o Sillon merecedor de explícita condenação?

Esse elemento, que vicia tudo emqueentra, não pode ser, evidentemente, a simples realização de boas obras, por católicos e nãocatólicos, em conjunto. Se um católico é louvável porque luta pela elevação dos salários a um nível que assegure a vida de um operário normal, é claro que o seu esforço não se torna mau só porque, ao lado dele, um não-católico trabalha para o mesmo fim. Nos textos pontifícios não se encontra o menor indício de condenação geral da cooperação de católicos com os que o não sejam para execução de reformas sociais. Ao contrário, como o Padre Parsons claramente mostrou, a Santa Sé elogia essa espécie de colaboração. (28) E quem escreve este artigo, desde muitos anos tem tomado parte ativa, posto que muito modesta, em várias sociedades não-confessionais destinadas a socorrer a pobreza, melhorar as relações raciais, promover a paz internacional, e executar diversas outras tarefas, igualmente boas.

É indubitável, portanto, que os Papas não descoroçoam em geral a cooperação dos católicos com os não-católicos; não menos certoé,porém,quedescoroçoam

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
aprovarem 118

explicitamente algumas modalidades especiais de tal colaboração. Qual o princípio diretor desse procedimento? Evidentemente, a preservação da fé, que está em perigo sempre que católicos convivem e mantêm relaçõesestreitascomhereges.PioXreferiuse expressamente a esse perigo, existente no caso dos católicos afiliados às associações mistas, na Alemanha, quando escreveu: "A menos que eles sejam imediatamente prevenidos e acautelados, existe, sem dúvida, o perigo de que gradativamente e quase sem o perceber eles adaptem essa forma de cristianismo, vago e impreciso, que é geralmente conhecido como interconfessional." (29)

(28) WiIfrid Parsons, "lntercredal Cooperation in the Papal Documents", Theological Studies,IV(1943),159-82.

(29) Singulari quadam.

É compreensível a situação e o perigo dela decorrente. Pouco mais é do que puramente nominal a distinção entre os atos de um homem como indivíduo e os seus atos como membro de uma associação. Quase todos os nossos atos são, de algum modo, sociais. Mesmo os nossos mais recônditos pensamentos são capazes de influir, cedo ou tarde, sobre as nossas atitudes sociais. Assim, um código de princípios regulando as ações do homem na sociedade, relaciona-se intimamente com o código que regula sua vida individual. Um código de princípios sociais, em parte morais e em parte religiosos, organizado em conjunto por católicos e não-católicos, pode-se dizer que é a condensação de uma filosofia da vida. Se o interconfessionalismo socio-religioso for definido como sendo um programa de reforma social baseado em tal código comum ético-religioso, destinado a ser aplicado por uma organização interconfessional, então pode-se dizer que o interconfessionalismo socio-religioso é o perigo que determina as diferentes atitudes pontifícias em relação às diversas modalidades de associação interconfessional para reformas sociais.Assim,quandoéaassociações

estritamente católicas, que os católicos pertencem, o perigo de interconfessionalismo não existe, e a Santa Sé as elogia com toda a franqueza. Alianças temporárias entre grupos católicos e não-católicos, sob a forma de Cartéis, apresentam aquele perigo de modo extremamente remoto; por isso são aconselhadas quando necessárias. Sindicatos neutros,taiscomoexistemnosEstadosUnidos, não dão grande importância à ideologia: a experiência mostrou que os católicos a eles pertencentes não costumam a receber do seu convívio uma nova filosofia da vida; por isto, quando as circunstâncias o requerem, podem ser aprovados. As "Uniões Trabalhistas" mistas da Alemanha apresentam reais perigos, conforme Pio X explicitamente indicou; todavia, como as existentes, então, não eram muito dadas ao doutrinamento teórico (30), e contavam com cerca de 85% de sócios católicos, o Papa decidiu tolerar sua existência, pois que eram quase inócuas na prática, posto que perigosas em princípio. No caso do Sillon, porém, o interconfessionalismo socio-religioso se tornara em mais do que perigo e ameaça; era um fato consumado e já produzira outros erros: não tinha Roma outro recurso senão condená-lo.

(30) Conforme declaração de um importante funcionário, "os "Sindicatos Trabalhistas Cristãos", pelos seus estatutos (statutengemass), limitam suas atividades à resolução de questões práticas de caráter econômico." Citado por Joseph Mausbach, Die Katholische Moral und ihre Gegner, Köln, Bachem,1913,p.394.

O Padre Murray facilita grandemente a discussão formulando esta pergunta: Que se deve pensar de declarações conjuntas, assinadas por católicos e representantes de outras crenças, a respeito de qualquer problema social, como, por exemplo, da paz entre as nações? Três casos podem ocorrer. 1) Somente os aspectos seculares do problema são considerados; de sorte que não há dificuldade de ordem religiosa a resolver. 2) Os aspectosreligiososdoproblemasão

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
119

explicitamenteconsiderados.Nestecaso,desde que a declaração conjunta foi, provavelmente, precedida de reuniões e discussões, os preceitos do Cânon 1325 tiveram de ser aplicados a estas, dependendo a permissão de Roma, ou, em caso de necessidade, do Ordinário do lugar. Se auspiciosos resultados poderiam ser esperados da iniciativa e apenas certos e determinados assuntos se apresentavam ao debate, é provável que a licença fosse concedida. Aliás, não constituirá nenhum encorajamento ao interconfessionalismo a publicação do fato de estarem de acordo Católicos, Protestantes e Judeus acerca do modo de se resolver determinadoproblemasocial.Alémdisso,seria difícil de achar dois sistemas de filosofia social que discordassem um do outro em todos os pontos. 3) A declaração conjunta abrange um largo campo de doutrina social e é proposta como fundamento de uma associação permanente na qual homens de diferentes religiões trabalhem em completa harmonia para a realização desse programa éticoreligioso de reforma social baseado sobre princípios comuns, aceitos por todos. Neste caso, os preceitos do Cânon 1325 teriam ainda de ser observados, e é de crer que Roma negasse a permissão solicitada, pois, como mostra o exame que fizemos dos documentos pontificais, a Santa Sé tem uniformemente descoroçoado esta modalidade de interconfessionalismo.

Lendo os artigos do Padre Murray, sente-se viva simpatia por seu generoso idealismo e por seu entusiasmo em promover a reconstrução da sociedade; entretanto, não se pode evitar a convicção de que, para atingir o seu alvo, ele escolheu exatamente a única forma de cooperação interconfessional que a Santa Sé tem uniformemente descoroçoado. O que a caracteriza, é o seguinte: 1) ser "uma unidade orgânica conjuntamente espiritual e interconfessional" (32) , "uma unidade religiosocial" (33) ; 2) ser baseada em uma série de princípios, em parte religiosos, em parte morais, "que sirvam de terreno comum sobre o qualacooperaçãointerconfessionalse

organize" (34), e constituir "um acordo interconfessional sobre determinados e necessários fundamentos morais e religiosos de uma justa ordem social" (35); 3) e ser, pois que interconfessional, independente de qualquer "relação orgânica com a autoridade pastoral[daIgreja]." (36)

Não é isso precisamente o que Roma constantemente tem descoroçoado? Não importa isso em introduzir na ação social "o pernicioso princípio da neutralidade religiosa"? Não consiste isso "nessa forma de neutralidade confessional" cujo escopo é "reunir o maior número possível de consócios mediante a redução ao mínimo possível das condições sobrenaturais"? Não visa isso procurar estabelecer uma associação interconfessional para o fim especial de "trabalhar para a reforma da civilização, que é tarefaprimacialmentereligiosa"?

Se o Padre Murray acha ainda que Roma acoroçoa a peculiar modalidade de cooperação interconfessional que ele preconiza, pedimoslhe que, então, cite ao menos um documento pontifício que não apenas tolere, mas encoraje as formas ele organização interconfessional que apresentem as três marcas específicas acima indicadas. Sobretudo, que exiba um documento no qual se estimulem os católicos a estabelecer com hereges uma série de princípios parcialmente religiosos, comuns a todos, que sirvam de norma à sua ação conjunta. Quando o Padre Murray tiver encontrado esse documento pontifical, o Autor do presente artigo terá o prazer de reatar a discussão. Enquanto isso não acontece, porém, omelhoréquetenhaestaporencerrada.

(31) Yves de la Brière, "L'Encyclique Singulari quadam sur les Syndicats Confessionales et Interconfessionales", Études, CXXXIII (1912), 700712,p.701.

(32) John Courtney Murray, S. J., "lntercredal Cooperation: Its Theory and lts Organization", TheologicalStudies,IV(1943),260.

(33) lbid.,p.274.

(34) lbid.,p.272.

(35) lbid.,p.272.

(36) lbid.,p.261.

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
120

"Restaurar a realeza de Cristo, na sociedade e nos indivíduos, é a missão que se impõe o sucessor do Príncipe dos Apóstolos. Mas, como concebe ele seu plano de campanha, o exercício do apostolado na nova situação? Quem vai, praticamente, ter a incumbência desta conquista? Por certo a Hierarquia eclesiástica instituída por Cristo, mas a Hierarquia tendo, como prolongamento, o laicado investido da missão do apostolado."

AAçãoCatólica,prolongamentodo apostoladodaIgreja

"Ação Católica é a participação dos leigos organizados no apostolado hierárquico da Igreja, fora e acima dos partidos políticos, para estabelecer o reinado universal de Cristo."

No Congresso Provincial de Ação Católica que se realizou em Belo Horizonte em agosto de 1943, D. Gastão Liberal Pinto, Bispo de São Carlos, proferiu notável discurso que transcrevemos na íntegra. R.E.B. Vol. 3; Fasc. 4, Dezembro de 1943.

1. Missão da Igreja. Leão XIII, glorioso Pontífice que iluminou com clarões de fúlgida inteligência o último quartel do século passado e os primeiros anos deste século XX, assim começou uma das célebres encíclicas : "O Filho Unigênito do Eterno Pai, aparecido no mundo para trazer ao gênero humano a salvação e a luz da divina sabedoria, grande e admirável benefício preparou para a humanidade, ao volver de novo aos céus, ordenando aos Apóstolos fossem e ensinassem a todos os povos, e. fundando e deixando-nos a Igreja, mestrauniversalesupremadospovos."

Estabelecida, pois, como grande foco de luz divina, autoridade encarregada de a conservar, e fonte da maternidade santa que gera os eleitos, a Igreja reúne, em grande organismo social, as almas remidas, impedindo-lhes a dispersão e o seu isolamento no espaço. Na Igreja do céu não serão recebidos senão os que houverempertencidoàIgrejadaterra.

Está escrito: quem não crer e não for batizadonãosesalvará.Pedia,pois,ajustiçade Deus que a sociedade, depositária autêntica da doutrina divina, não só brilhasse entre os homens com os resplendores duma luz inconfundívelmas,também,atingissede

pronto todo homem de boa vontade. E Deus não faltou à sua justiça. Por isso iluminou o berço da Igreja com a auréola dos milagres e lhe cingiu a fronte com o diadema visível da verdade, e fê-la, apenas nascida, já apta para o eficaz ensinamento popular das verdades mais sublimes que, durante séculos, não pôde inventarasabedoriapagã.

E ela, de fato, cristianizou e reformou o mundo. Disse ao homem: Até agora foste escravo da ambição, do orgulho e da volúpia; submete-te, doravante, à pobreza, humildade e castidade.

A Igreja católica transformou o mundo. Sob a influência de sua doutrina, instituições e coisas tomaram novo aspecto. Ela modificou a ordem doméstica, consolidando o casamento na unidade dum vínculo perpétuo; a ordem social, tornando o poder um serviço e a obediência uma honra. O direito, a ciência e a arte, nada escapou àtransfiguração geral. Além da alteração do antigo estado de coisas, criou um mundo novo, repleto de heroicas falanges da penitência, da virgindade, do apostolado, do martírio.

Assim como ensinou a refrear as paixões do homem e da sociedade, ela venceu o espaço. Qualquer sociedade, em se desenvolvendo, esbarra em três grandes obstáculos que lhe entravam os movimentos. Avançando, ganhando terreno, o horizonte parece que vai fugindo mas, ao depois, ergue-se barreira intransponível - uma cadeia de montanhas, ou a vastidão dos mares. Vencida a dificuldade do território, outra surge - a separação das nacionalidades. É um cerco de ferro, donde só se logra sair sacudindo o jugo de ideias, crenças, costumes, tudo o que constitui as tradições dum povo. E ainda há um terceiro obstáculo que detém a expansão duma sociedade e, este, maior que os outros dois - o limite das raças. Nada há na superfície da terra que mais profundamente aparte os homens que essa espécie de trincheira, erguida pela diferençadelínguasesangue.

A fimdeobedeceraodivinomandamento,a EsposadeCristoenfrentouotríplice

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
121

obstáculo do território, das nacionalidades e das raças. "Basta um meridiano para mudar, por completo, a jurisprudência", disse um grande pensador; mas a Igreja Católica só conhece um meridiano, aquele que passa pelo Presépio e pelo Calvário, envolvendo o Universo num círculo de amor. A geografia humana fala de tribos, povos e raças. Na Igreja Católica, raças, povos e tribos confundem-se, misturam-se; para ela não há latinos, semitas, arianos, eslavos, só existem irmãos, filhos todoscriadoseremidospelosanguedumDeus. No seu ensinamento o patriotismo não exclui a fraternidadequeunetodosospovos.

II. Seus métodos de evangelização.Quando, do alto do Calvário o Filho de Deus estendeuseusbraçosparaospovosdetodasas raças e de todas as regiões, todo o mundo era pagão e a obra do apostolado foi empreendida por um grupo de pescadores da Galileia, que apenas contavam com a sua fraqueza. Nesta empresa dum grupo de homens contra todos, não havia ciência, nem riqueza, nem armas a seu favor, e tinham, contra si, todos os poderes da terra, a palavra dos filósofos, a pena dos sofistas e a espada dos Césares. Mas, porque obedeciam ao mandato divino: Euntes, docete omnes gentes, eles conseguiram implantar, por toda parte, a cruz radiosa, o estandarte de Cristo.

Destruído o império romano, raças novas surgiram no cenário da história. Estas raças estavam mergulhadas nas trevas da barbárie. Nem luz, nem fé, nem moral. Nada aparecera, antes, para amansar as rebeldias de caráteres violentos e domar a ferocidade dos costumes bárbaros. Sacrifícios humanos ensanguentavam as florestas velhas como o mundo. Soou, então, a hora do despertar para aquelastribosque,haviatantosséculos,viviam nas"trevasenasombradamorte".

São Dionísio vai fazer a grande obra de apostolado entre os druidas da Gália. Enviado pelo Papa Celestino I, São Patrício inicia as maravilhas que tornarão a Irlanda a ilha dos santos. Agostinho de Cantuária leva a boa nova àInglaterra,SãoBonifáciovoaparaa

Alemanha e planta o estandarte da Cruz no centro daquela vasta região. Cirilo e Metódio são os apóstolos dos eslavos. Aqueles missionários da Igreja católica cumpriram seu dever, em meio de hordas estranhas: sua presença espanta-as, sua ascendência conquista, a palavra subjuga. Com a nova pregação apostólica surge a luz para a inteligência, os corações abrandam-se, caráteres transformam-se, os costumes se elevam, um conjunto de progresso moral que distingueacivilizaçãocristã.

A missão da Igreja não era somente espalhar a luz da verdade, impunha-se consolidar a obra iniciada, o verdadeiro apostolado que ela devia exercer no mundo exigia uma ação aturada, constante como o sol de cada dia. As reservas inesgotáveis de energia e de ação, depositadas em seu seio, fizeram brotar na vida da Igreja as Ordens religiosas. Nessas obras primas da graça, de formas tão diversas, as belezas e riquezas sobrenaturais encontram seu complemento; formam uma coroa de honra e glória pelo brilho duma virtude que o sacrifício eleva até a perfeição. Fora da vida religiosa, de suas energias e elevações, nem a pureza do coração encontraria todo o seu encanto, nem a oração toda a sua força, nem a contemplação suas luzes, nem a dedicação toda a intensidade e grandeza. A Igreja, no exercício do apostolado, quis suscitar energia, valores morais em meio dos povos bárbaros, que muitos séculos de imobilidade retiveram na letargia da inteligência e do coração. Foi semeando por toda parte os mosteiros, as abadias, os conventos que agrupavam monges, novos obreirosdoapostoladodivino.

A partir do século décimo, importantes tarefas de apostolado começaram a ser desempenhadas pelos monges. Foram os beneditinos, com seus mosteiros, os primeiros centros de atividade: as jornadas de São Bernardo e de São Norberto deram, então, impulso decisivo à conversão das nações. As ordens mistas fundadas, Dominicanas e Franciscanas, trouxeram ao apostolado novos recursosesistemas.Ésabidoque,desde

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
122

então, as mais variadas e regulares congregações e associações de homens e mulheres constituíram, sem cessar, outros tantos grupos militantes do apostolado católico.

Luz e força irradiaram daqueles centros de vida; foi-se renovando a face daquela terra informe e tenebrosa; germinou a flor da castidade do meio de lama impura; frutos de justiça maduraram nos galhos secos; a natureza desolada e sombria reapareceu alegre, rejuvenescida, transfigurada; e na germinação intensa de todas as virtudes, no brilhante florejar de santidade, a humanidade pôdesaudarumoutrotriunfodoapostoladoda Igreja.

O ambiente transforma-se radicalmente, as raças bárbaras aprendem e praticam o que desconheciam: a inviolabilidade da vida humana, o esquecimento das ofensas, o perdão das injúrias, o sentimento da equidade, o respeito da fraqueza e da desgraça, a lei do sacrifício e da dedicação, todas as grandes ideias donde resulta a civilização cristã. Vai-se constituindo, paralelamente, o núcleo social bem organizado, de aspecto homogêneo, no qual predomina a vida das famílias reunidas, quer durante o tempo das ocupações, quer nos momentos de descanso. A Igreja organiza, então, a vida paroquial e o apostolado se faz em torno do campanário da aldeia ou da cidade. Ali, ouvindo a voz do cura, de suas mãos recebendo a vida sacramental, sua figura veneranda sempre presente nas festas de família e nas solenidades locais, se desenvolve o apostoladoquebempretende,nãosómanter, mas dilatar o reino de Cristo nas almas e corações.

Ainda influenciadas pelo espírito de estabilidade, em ambiente homogêneo que a tradição de família e origem comum alimentam, as pessoas não se alheiam umas das outras, não se opera a fragmentação da sociedadeemgrupos;sediversasasatividades, não há ainda a subdivisão indefinida de especialidades, subsistem, quando muito, as grandesdivisõessociaisconstituídasdesde

épocas remotas mas que, ainda assim, se congregam com frequência. É um modo de viver sereno e, desta maneira, a vida religiosa mantém-se perfeitamente e progride com relativafacilidadenoscentrosparoquiais.

Ao depois a organização da sociedade assume aspecto muito mais complexo. A indústria vem realizando progressos extraordinários, cada vez mais o homem domina as forças materiais com o desenvolvimento das ciências. Mas ao lado de tantas vantagens que facilitam a vida da humanidade, o deslocar das populações, os golpes profundos vibrados contra a saúde física e moral, a distribuição e a dispersão em inúmeros ofícios, refazem a feição da sociedade, perde ela a homogeneidade primitiva e surgem, aqui e ali, elementos heterogêneos apenas ligados por vínculos artificiais que se retraem ou se distendem conforme os interesses. O êxodo rural, instigado por ambições impensadas, um excesso de urbanismo, resultante das facilidades cada vez maiores dos meios de locomoção e dos engodos oferecidos pelos grandes centros e, como consequência dessas causas, um cosmopolitismo estonteante, todo este conjunto complexo de fatores transforma, aqui, o aspecto do meio social já existente, ou faz surgir além, repentinamente, novos centros quepodemtertodosospredicados,excetooda estabilidade; lugares, outrora prósperos, por falta de população e braços, entram em vertiginosadecadência.

E como se não bastasse tão grande mudança de aspectos e de lugares, vão aparecendo, ainda, outras circunstâncias prejudiciais. Nas ruas estreitas das grandes cidades, nas oficinas sombrias, no meio da fumaça das usinas, do rumor incessante da multidão, do dinamismo febril dos negócios, em toda parte só se descobre o elemento material - Deus fica oculto. Passa-se a um gênerodevidamuidiferentedaqueleoutrodas montanhas e campos, onde o homem vive em comunicação perpétua com a natureza, e da naturezarecebeumensinoquefalasempre

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
123

de Deus, presente na sua onipotência e bondade.

Dentro do Estado formam-se grandes empresas comerciais, industriais, com proporções de pequenos estados, com organizações que avassalam o indivíduo, com influênciaonímodasobretodosqueestãoaseu serviço.Tendocomopreocupaçãoúnicaolucro material, ali, muita vez, o regime é uma aberração do direito social e do bem espiritual de seus membros, e como geralmente se constituem em centros estanques, há completa impossibilidade de, naqueles meios, fazer ressoarosecosdapalavrareligiosa.

O perpassar dos tempos, o evoluir das gentes transformou o campo de ação onde a Igreja, pela instituição do paroquiato, pregava sua doutrina para iluminar as inteligências e guiar as vontades. O campo era único, mas, pelas contínuas subdivisões e deslocamentos, multiplicou-se o número e, frequentemente, a posição soerguida em muitos meios criou dificuldades à plena observância do mandato depregaratodasasalmas.

Estas dificuldades foram acrescidas com novos encargos. A Igreja é divina, sua doutrina é completa e ela possui ensinamentos para todas as situações, atinge o indivíduo na vida pessoal, e como membro de qualquer instituição. Evoluindo a sociedade, novas situações se apresentando, a voz da Igreja, que é um magistério vivo, ao se fazer ouvir não repete, apenas, o ensino contido na tradição para o inculcar às novas gerações e evitar que se deforme: assistida pelo Espírito Santo que deve, segundo a promessa de Cristo, "ensinarlhe todas as coisas", tira de tempos a tempos, do seu tesouro, afirmações novas - sempre desenvolvendo verdades antigas - que correspondem, no decurso dos séculos, às necessidades novas dos indivíduos e das sociedades. Na tradição não há somente constância, há também progresso, ou melhor, desenvolvimento da doutrina na própria linha da Revelação de Cristo. Problemas novos, instituições novas na sociedade, paralelamente nomagistériodaIgreja,afirmaçõesdoutrinais

mais explícitas, deduções dos princípios eternos,eternasnormasparahomensepovos.

É urgente, enfrentando o que se apresenta, pregar, divulgar a doutrina viva para ser ela o arcabouço dos institutos novos exigidos pelos problemasatuais.

A cada nova situação que se lhe depara a Igreja, no depósito inesgotável de recursos que lhe confiou o Divino Fundador, para o cumprimento da missão apostólica, sempre encontra atitude adequada. No princípio fêz ouvir a voz dos apóstolos, enviou missionários a todos os recantos do universo, erigiu mosteiros nas regiões conquistadas pelos arautos da fé, criou aquele outro grau de hierarquia que é o paroquiato, para dar plena eficiência ao apostolado em meio dos cristãos já estabilizados. Na sociedade hodierna, em virtudedascausasquelhevêmminandotodoo organismo, surgiram males de ordem moral e econômica, com tendências a tornar cada vez maisagudaacrisegeraldequeselamentamos povos. E pela voz do Papa Pio XI, então, na encíclica programa Ubi Arcano Dei, a Igreja, com mais outro recurso, reforça a eficiência do apostolado, inaugura época nova - a época da Ação Católica. Pio XI no-la apresenta, nos sucessivos documentos publicados, já perfeita, noconjuntodosditamesqueaconstituem.

III. O estado da sociedade hodierna. - Ele mesmo, o glorioso Pontífice da Ação Católica, para a cristandade apreender prontamente a sua significação e o papel que ia desempenhar na vida da Igreja a Ação Católica, pinta ao vivo o estado doentio da sociedade, apontando logo o remédio único e ensinando o seu uso e regime a seguir. É o diagnóstico, e é a prescriçãoeficiente!

"Convém, dizia Pio XI, examinar com cuidado a extensão e gravidade da crise, indagar das causas e origens, se houver intenção de recorrer ao remédio mais eficaz."

A paz era a principal preocupação do Pontífice: Os profetas, dizia ainda Pio XI, têm expressõesquecondizemadmiravelmente

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
124

com a nossa situação: "Aguardávamos a paz e nada conseguimos". Os ódios antigos ainda continuam a manifestar-se, ou capciosamente nas intrigas da política, ou no terreno descoberto da imprensa periódica; invadiram regiões que sempre foram alheias a conflitos violentos, como a arte e a literatura… E o resultado é que inimizades e ataques recíprocos entre os povos não lhes dão segurança. Destas tristes consequências da última guerra todos se ressentem e, tardando o remédio, a crise vai tornando-se intolerável. Com receio sempre crescente de novos conflitos, todos os povos sentem necessidade de maiores armamentos, situação que não só depaupera o tesouro público, mas ocasiona o enfraquecimento físico da raça e perturba a culturaintelectual,avidareligiosaemoral...

Alémdasinimizadesexterioresentrepovos, surge um flagelo ainda mais triste, as lutas intestinas que derribam os regimes políticos e desorganizam a sociedade. E principalmente a luta de classes que, como úlcera mortal, se vai desenvolvendo no seio das nações, paralisando todasasatividades,empecilhodaprosperidade pública e particular… Nos domínios da política as facções, em mútua emulação e na diversidade de opiniões, têm como programa não procurar sinceramente o bem comum, mas somente os próprios interesses com prejuízo de outros. Surgem, então, as conspirações: ameaças,terror,revoltaseoutrosexcessos…

O mal, infiltrando-se até as raízes profundas da sociedade, atingiu a célula da família; ela, há tempos, lamentavelmente já se vinha desagregando, e o cataclisma da guerraapressousuaruína.

Enfim, por toda parte, as almas inquietas, irritadas, perplexas! Ao invés de confiança e segurança, somente preocupações, temores e expectativas negrejantes; a tranquilidade da ordem, garantia da paz, cedeu lugar à conturbação, ao caos universal. Assim se explicaodeclíniogeraldosnobresmovimentos e a tristíssima consequência que ora presenciamos: desaparecimento da vida cristãdemuitosmeios,apontodesetera

impressão de que a humanidade, ao invés de avançar indefinidamente na senda do progresso,retrocedeparaabarbárie…

A raiz do mal, Pio XI a vê na exclusão de Deus e de Jesus Cristo: Deus e Jesus Cristo excluídos da legislação e dos negócios públicos … Deus e Jesus Cristo excluídos da constituição da família... Deus e Jesus Cristo excluídos da educação da mocidade. Deus e Jesus Cristo excluídosdaorganizaçãodapaz...

Restaurar a realeza de Cristo, na sociedade e nos indivíduos, é a missão que se impõe o sucessor do Príncipe dos Apóstolos. Mas, como concebeeleseuplanodecampanha,oexercício do apostolado na nova situação? Quem vai, praticamente, ter a incumbência desta conquista?

Por certo a Hierarquia eclesiástica instituída por Cristo, mas a Hierarquia tendo, como prolongamento, o laicado investido da missãodoapostolado.

IV.Oremédio,para os males presentes,é a Ação Católica. - A encíclica Ubi Arcano, denominada a carta magna do pontificado de Pio XI, explica a natureza desse novo modo de apostolado.

"A doutrina de Cristo, diz o Papa, os preceitos referentes à dignidade da pessoa humana, a pureza de costumes, o dever da obediência, a organização da sociedade, o sacramento do matrimônio e a santidade da família cristã, o conjunto de verdades trazidas do céu à terra, Cristo confiou exclusivamente à sua Igreja, com a promessa formal de sua assistência, confiou-lhe a missão de ensinar com magistério infalível, a todas as nações até ofimdosséculos."

Sendo a única estabelecida por Deus como intérprete e guarda destas verdades e destes preceitos, a Igreja também é a única revestida do poder eficaz de extirpar da vida pública, da família e da sociedade, o cancro do materialismo, causa de tantos danos; de instilar os princípios cristãos, de muito superiores a qualquer filosofia, sobre a naturezaespiritualeaimortalidadeda

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
125

alma; de aproximar todas as classes de cidadãos, e de unir o povo com sentimentos de profunda benevolência e fraternidade; de proteger a dignidade humana elevando-a até Deus; de corrigir e solevar os costumes públicos e privados, de modo a tudo ficar na dependência de Deus, para que o sentimento sagrado do dever seja a lei de todos, governadosegovernantes.

"A Igreja, que recebeu a verdade e o poder de Cristo, tem a missão exclusiva de dar às almas a formação devida; só ela está habilitada a restabelecer a verdadeira paz deCristo,consolidá-laparaafastarameaças iminentes de novos cataclismas. Somente ela, a Igreja, em virtude de missão e mandato divino, impõe aos homens o dever de conformar com a lei eterna de Deus qualquer atividade, pública ou privada, quer como indivíduos, quer como membros dacoletividade…"

Pio XI insiste em destacar a função única e exclusiva da Igreja: "Cristo confiou o depósito sagrado só à Igreja . . . só a Igreja goza desse poder, exerce essa função... " De modo claro e preciso é assinalada a divina missão da Igreja; fá-lo assim, para colocar no seu verdadeiro lugar,parasituarexatamenteaAçãoCatólica.

A Igreja, que tem a graça e o poder de exercer o apostolado que lhe foi confiado pelo divinoFundador,compõe-sedepastoresefiéis. Por muito tempo foi crença que os fiéis só tinham uma função passiva de mera obediência, e aos pastores estava reservada a de militar e conquistar. A concepção era que o grande exército de Cristo Rei só deveria enviar à luta os seus chefes; os soldados - os fiéiseram condenados ao repouso, não obstante constituirem parte integrante da Igreja, juntamente com a Hierarquia. Os sacramentos do batismo e da confirmação, tornando-os cristãos e perfeitos cristãos, armaram-nos cavaleiros para as lutas do apostolado, revestidos da dignidade dum sacerdócio em sentido largo; subordinados à Hierarquia, como o soldado a seu capitão, têm, todavia, um verdadeiroministérioquedevemexercer

pessoalmente.

"O adveniat regnum tuum - diz egregiamente na encíclica Summi Pontificatus o SantoPadrePioXII-nãoésóovotoardentede suas orações (dos leigos da Ação Católica) mas, também, a diretriz da sua atividade. Em todas as classes, em todas as categorias, em todos os grupos, esta colaboração do laicado com o sacerdócio manifesta preciosas energias a que se confia uma missão que corações nobres e fiéis não poderiam desejar, nem mais alta, nem mais consoladora. Este labor apostólico realizado no espírito da Igreja, consagra, por assim dizer, o leigo e faz dele um ministro de Cristo, no sentido que Santo Agostinho explica assim: Quando ouvis, meus irmãos, Cristo dizer: lá onde eu estou, aí estará, também, o meu ministro, guardai-vos de pensar somente nos Bispos e no clero. Também vós, à vossa maneira, sois ministros de Cristo, vivendo dignamente, dando esmolas, pregando o seu nome e a sua doutrina àqueles que puderdes, para que neste mesmo nome todos os pais de família reconheçam dever, aos seus, afetos paternais. Seja por Cristo e pela vida eterna que os repreendam, os ensinem, os exortem, os corrijam, sejam benévolos ou exerçam sobre elesasuaautoridade;porqueassimcumprirão, na sua casa, o ofício de pai e, até de certa maneira, de Bispo, sendo ministros de Cristo aqui na terra para o serem, eternamente, com Ele."

Este é o conceito essencial da Ação Católica, que exige tenham os leigos consciência de sua eminente dignidade e de seu papel ativo na Igreja. É a doutrina expendida por Pio XI, na sua encíclica: Chamai a atenção dos fiéis que, dizia ele aos Bispos, trabalhando nas obras de apostolado sob vossa direção e de vosso clero, para desenvolverem o conhecimento de Jesus Cristo e fazerem reinar seu amor, terão direito ao título magnífico de raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo remido; unindo-se intimamente a Nós e a Cristo para dilatar e robustecer com zelo o império do direito, trabalharão para implantar eficientemente a paz geral em meio dos homens. As transformaçõessociais,continuao

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
126

S. Padre, aumentaram a necessidade de recorrer ao concurso dos leigos nas obras doapostolado.

Ainda na encíclica Quas primas Pio XI fazia as seguintes considerações: No dia em que a totalidade dos fiéis compreender ser necessário combater galhardamente e sem cessar, sob as bandeiras de Cristo Rei, o fogo do apostolado inflamará os corações, todos trabalharão para reconciliar as almas com Deus, as almas que O desconhecem ou O abandonaram, todos porfiarão para a mantençainvioláveldosdireitosdivinos.

Na vida da Igreja, vinte vezes secular, imensa tem sido a literatura canônica, mas nunca uma qualquer das suas instituições foi recomendadatãoinsistentemente,emprazode tempo reduzido, como vem sendo a Ação Católica em inúmeros documentos. Furlong cita, a respeito, onze encíclicas, 34 epístolas ao episcopadodediversospaíses,24autógrafos,4 alocuções consistoriais, 210 discursos a várias entidades, 10 rescritos das congregações romanas, 52 cartas escritas pelo Cardeal Secretário de Estado, 5 Concordatas, 870 audiênciasarepresentantesdaAçãoCatólica.

V. Conceito da Ação Católica. - Desses inúmeros documentos pontifícios, das alocuções feitas em ocasiões solenes pelas autoridades romanas, podem-se coligir elementos para definir a Ação Católica como sendo "a participação dos leigos organizados no apostolado hierárquico da Igreja, fora e acima dos partidos políticos, para estabelecer o reinado universal de Cristo."

A Ação Católica não é um simples apostolado de leigos, confundindo-se com as instituições beneficentes ou associações de fiéis que têm existido sempre na Igreja, com o seu conhecimento e aprovação. Não é, também, o apostolado hierárquico que tem uma estrutura exclusiva e incomunicável. É uma entidade nova, resultante do apostolado dos leigos e do mandato hierárquico ou, como a definiu o Santo Padre: "a participação dos leigosnoapostoladohierárquico".

Como entender esta participação dos leigos no apostolado hierárquico? Concordam os autores que a Ação Católica, não participando da autoridade da hierarquia, participa, contudo, do apostolado desta mesma hierarquia. O modo pelo qual a Ação Católica participa desse apostolado os autores muito discutem, um dirá mandato implícito, outro chamará: mandato remoto, ou mandato indireto. Podemos conciliar todas essas opiniões, afirmando tratar-se sempre de uma participação relativa, como esclarecem algumas expressões pontifícias. Em "Com singular complacência", lê-se: Apostolato gerarchico viene partecipato in qualche modo dai laici. No nosso caso a Hierarquia confere um verdadeiro mandato apostólico ao laicado da Ação Católica, mas proporcionadoàsuacapacidade.

A Ação Católica distingue-se, especificamente, de qualquer outra forma ou gênero de apostolado leigo. É um apostolado oficialmente organizado, universal e mandatário da Hierarquia. Nela os leigos entram por vocação, por apelo da Hierarquia, da qual recebem o mandato oficial de realizar determinadas atividades apostólicas, em seu nome e com a sua autoridade. Este mandato produz diferença específica entre a Ação Católica e qualquer obra de apostolado. Em ambas há colaboração com a Hierarquia, mas, enquanto a Hierarquia nesta se limita a aceitar, aprovar e abençoar, naquela chama o leigo, e confere-lhe o mandato oficial de participar ou colaborarnoapostoladoHierárquico.

A Ação Católica existe por vontade da Hierarquia; esta por vontade de Deus. A Ação Católica tem fronteiras marcadas pela Hierarquia; esta tem poderes absolutamente conferidos por Deus. A Hierarquia é o agente principal, a Ação Católica,instrumental.

NãoédehojeaAçãoCatólica;aomenosnos seus delineamentos, já existia na mais remota época de evangelização. Pio XI observou-o em muitas circunstâncias. Basta, disse o Papa, um conhecimentosuperficialdaantigaliteratura

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
127

cristã, das páginas da história da Igreja primitiva, para ver que foi assim que começou a Igreja: os apóstolos utilizam-se do laicato, até então pagão... A difusão do cristianismo, em Roma, foi feitacomaAção Católica.Eteriasido possível de outra maneira? Que haveria acontecido aos doze, perdidos na imensidade do mundo, se não tivessem agregado, a si, colaboradores para poderem dizer-lhes: "Somos portadores do tesouro do céu, ajudainosadisseminá-lo."

S. Paulo cita os nomes de seus coadjutores leigos: Phoebe, que "auxiliou no ministério da Igreja"; Prisca e Áquila, o casal que o Apóstolo saúda ; Maria, que "muito trabalhou entre os romanos"; Tryphena, Tryphosa, Persis, "que muitolabutampeloSenhor".Sãoconhecidosos nomes de Sebastião, Inês, Tibúrcio, Cecília, Nereu e Aquileu, João e Paulo. Orígenes ainda nãoerapadre,quandoseuBispoocolocacomo professornaDidascaleia.

NodecursodahistóriavemosCarlosMagno fazendo Ação Católica, quando funda escolas; São Luís, quando põe nas instituições cívicas o espírito cristão, os cruzados e os cavaleiros, quando defendem e mantêm a ordem social cristã.

O alistamento dos leigos na luta contra a heresia, o aparecimento das ordens terceiras para susterem a evangelização da idade média, são exemplos da participação oficial no apostolado da Hierarquia. Santa Catarina de Sena desempenha papel notável ao lado do Papado. São damas da corte e piedosas aldeãs que São Vicente de Paulo arregimenta para as empresasdeconfortoespiritualecorporal".

Há mais dum século brilharam os nomes de Montalembert, de Ozanam, na fundação das conferênciasdeSãoVicentedePaulo.

Nos dias de hoje, quem não aplaude os esforçosgigantesdosmissionários?Maselessó passam pelas povoações que evangelizam, não têm a pretensão de penetrar em todas as tribos, em todas as tendas dos territórios das missões. Mas vão deixando, após si, gente leiga escolhida,quedelesrecebeummandatopara

manter os cristãos no fervor, para catequizar e parabatizar.

Deseja-se saber o que é a Ação Católica? É uma transposição da instituição dos catequistasdoterritóriodasmissões.

Confiar uma função na Igreja, a leigos, nãoé,pois,novidade.Éummétodoclássico. Nadademodernismonaorganizaçãoparaa qual o Papa nos convida, pelo contrário, é um agir em conformidade com a pura tradiçãocatólica.

O que há de novo é que a colaboração, praticadaemtodosostempos,agoraficasendo generalizada, oficial, declarada atitude obrigatória e essencial na vida da Igreja. O que era usança de modo disperso e benévolo deve ser, hoje, organizado, combinado, hierarquizado. Quem se entrega à Ação Católica não está fazendo inovação, trabalha numainstituiçãoquesempreexistiunaIgrejae que ora se apresenta com contornos mais precisos. Dum grupo de voluntários, o Papa fez um exército regular para maior método e mais eficiente ação de conjunto. Assim os fiéis viverão, realmente, a doutrina do Corpo Místico e da Comunhão dos Santos, que deseja nenhum cristão se desinteresse da salvação dosoutros.

Exposta a doutrina de Pio XI sobre as associações de Ação Católica, ninguém ousará classificá-las como associações laicas. Estas diferenciam-se das eclesiásticas por não estarem sujeitas a uma especial jurisdição da autoridade eclesiástica mas, somente, à vigilância comum "in rebus fidei et morum" a que estão sujeitos todos os fiéis (c. 336, § 2 e c. 684).

Para as Associações Eclesiásticas o c. 690 determina o seguinte: Omnes associationes, etiam ab Apostolica Sede erectae, nisi speciale obstet privilegium, subsunt vigilantiae Ordinarii loci. Na interpretação comum dos juristas, estas palavras não significam apenas a jurisdição e vigilância "fidei et morum", mas de toda a organização e atividade. Esta dependênciadasorganizaçõesdaAção

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
128

Católicadahierarquia,é-lhesessencial,diretae imediata. Consideradas sob este aspecto, as obras da Ação Católica são associações eclesiásticas, mas têm um lugar inteiramente à parte. O c. 700 distingue três espécies de associações eclesiásticas - Confrarias, Ordens Terceiras e Pias Uniões. É forçoso reconhecer às Associações de Ação Católica uma configuraçãojurídicainteiramenteprópria.

Hoje todos os autores reconhecem que a AçãoCatólicaéaorganizaçãopública,oficialdo apostolado dos leigos, por mandato explícito da hierarquia. Neste conceito indicam-se as propriedades características e específicas da Ação Católica diante das outras associações religiosas, e marca-se uma relação particular, uma posição singular perante a Autoridade Eclesiástica; pode-se dizer que este é o elemento específico da Ação Católica, a sua novidade, que lhe provém do mandato. Não é um órgão da hierarquia determinado por Jesus Cristo, mas uma instituição pública no sentido de que a Igreja tem o fim da Ação Católica como próprio, considerando de seu interesse a suaatividade.

Em toda a Cristandade é, hoje, a Ação Católica chamada a ser o elemento realizador do pensamento e vontade dos Bispos e, com Eles, do mesmo Pontífice, postos pelo Espírito Santo paradirigiremaIgrejadeDeus.

Aquelas obras auxiliares, embora fizessem muito e bem, não eram suficientes, a Igreja tinha necessidade de uma organização que, dependendo imediatamente da Hierarquia e recebendo dela toda a sua força vital, pudesse realizar-se de um modo centralizado, ágil, vasto e multiforme, o programa de apostolado religioso necessário, dentro de cada diocese e de cada nação. Este organismo é a Ação Católica.

Disse o Cardeal Pizzardo que a Ação Católica é trabalho do mundo leigo, o que se entende, indubitavelmente, em união com a Hierarquia que a inspira e orienta. De fato o apostolado completo exige, não só a ação do episcopado e do sacerdócio, mas juntamente a ação dos fiéis que são os braços da Hierarquia, principalmente numa época em que muitos centros são impenetráveis à influência sacerdotal.

A subordinação dos leigos à Hierarquia não lhes tira, entretanto, nem a atividade, nem a iniciativa. Apenas exige deles que sejam orientados pelas diretrizes dos superiores hierárquicos, dentro do espírito daquela conhecida sentença do Cardeal Gasparri: "A Ação Católica não é diretiva na ordem teórica, mas executora na ordem prática."

A Ação Católica tem seus órgãos próprios, e a direção desses órgãos depende direta e imediatamente dos leigos. De um lado compete à Autoridade Eclesiástica determinar os fins, o programa da Ação Católica, assim como os meios mas aptos e segurospara os atingir, para os realizar; de outro lado, compete aos órgãos diretores da Ação Católica promover e orientar a execução do programa traçado pela Autoridade Eclesiástica. Poderão, pois, esses órgãos, para a perfeita realização do pensamento da Hierarquia, adotar medidas quelhespareceremmaisconvenientes,e

O mandato especial da hierarquia confere à Ação Católica uma distinção específica perante todas as obras existentes na diocese. Seu aparecimento,assim,éumainovaçãonocampo do direito canônico, mas que não impede, não perturba e nem destrói qualquer iniciativa cristã, qualquer forma do bem; muito pelo contrário, suscita, estimula, dirige (Quamvis Nostra), considera todas aquelas obras como preciosas auxiliares não só por se dedicarem a empresas abençoadas de piedade ou de caridade ou também de apostolado, não só porque saberão dar à Ação Católica os elementos aptos de que pode necessitar a Igreja, para melhor desenvolver a sua ação religiosa nesta terrível época da História, como também, porque, em harmônica união de energias, e sem alterar a específica finalidade que a Igreja reconheceu às associações religiosas, e aprovou, poderão servir melhor a sua augusta causa, aceitando ordenar o esforço comum debaixo da direção da Ação Católica. 129

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo

só no caso de evidente oposição entre as medidas e a orientação da Hierarquia é que se tornam sem efeito e não podem ser seguidas pelasassociaçõessubordinadas.

Como se vê, a Ação Católica, submetendo-se à Hierarquia, não deixa de ser um verdadeiro apostolado e apostolado de leigos. A direção dessas associações compete, portanto, diretamente, aos leigos. E daí é que advém ao sacerdote, a quem está confiada, o título de assistente eclesiástico. Ele não é propriamente diretor, desde que a Ação Católica, em consequência mesmo da organização criada pela Hierarquia Eclesiástica, é dirigida por leigos, postos à frente dos órgãos de coordenaçãoedeorientaçãodomovimento.

Não há, nessa feição particular das associações da Ação Católica, nenhuma diminuição da autoridade do sacerdote que delas se encarrega. Elas têm uma obrigação essencial de respeito, de acatamento, de submissãoàAutoridadeEclesiástica,deque dependem, e o assistente eclesiástico é o legítimorepresentantedessaAutoridade.

Previamente Pio XI (14.02.1934) resolve qualquer dúvida que possa surgir nas relações entre os assistentes e os dirigentes da Ação Católica, assinalando a função de cada um: "Os assistentes eclesiásticos, diz o Papa, deverão ser a alma das associações, as fontes de energia, os animadores do apostolado, os representantes da autoridade dos Bispos e, deixando embora aos leigos a direção e a responsabilidade das próprias associações, deverão garantir a constante e fiel aplicação dos princípios e diretivas estabelecidos pela HierarquiadaIgreja."

Na Ação Católica os leigos estão investidos duma missão de apostolado autêntico, que não deve ter outro fim senão a implantação do reino universal de Jesus Cristo. A Ação Católica visasomenteaesferareligiosa.Elaestáacimae fora dos partidos, disse-o repetidas vezes o Papa Pio XI. A política da Ação Católica exercese no terreno dos fatos, respeita os poderes constituídos e colabora com sua influência paraamelhoriageral.

No terreno social seu campo de ação é vastíssimo, estendendo-se a tudo que tem relação com o interesse moral e religioso. Pio XI declarou-o formalmente (19.04.1931) à Ação Católica de Roma: Este apostolado deve ser exercido por toda parte, quando se tratar da glória de Deus, do bem das almas, da lei de Deus. Não conhece limites nem de tempo, nem de lugar. Não sendo questão puramente material ou econômica, mas qualquer questão humana, principalmente no terreno moral, a Igreja, a Santa Sé, a Hierarquia, o apostolado e, observadas as devidas proporções, a Ação Católicanãopodemnegar-se,nemseisentarde tomá-la em consideração, em virtude do mandato divino. Sobre os magnos problemas que assoberbam a Igreja nos tempos de hoje, o Santo Padre Pio XI não só auscultou as causas, paraodevidodiagnóstico,nãosecontentouem dar o remédio adequado, com sua autoridade de médico espiritual, mas, também, quis prescrever o regime a seguir-se. Não bastam as boas intenções e ciência do que se tem que fazer. Necessário é garantir o exercício do apostoladoleigo,apráticadaAçãoCatólica.

VI.Método usado pela Ação Católica.- Há muito zelo intempestivo. Preocupou-se, pois, Pio XI, também com a tática, com o plano de conquista, elaborou uma doutrina de apostolado que, espalhando-se por toda a Igreja, mereceu as mais significativas sanções, e vem sendo denominada "movimento especializado".

Já na célebre encíclica Quadragesimo Anno veem-se os primeiros debuxos do grande plano: Como noutras épocas da história da Igreja, escreve Pio XI, enfrentamos uma situação na qual o mundo vai recaindo no paganismo. Para reconduzir a Cristo as várias classes de homens que o renegaram, é necessário, primeiramente, eleger e formar, nos diversos meios, auxiliares da Igreja que compreendam a mentalidade e a aspiração dos seus companheiros, que saibam falar a seus corações num espírito de fraternal caridade. Os primeiros apóstolos,osapóstolosimediatosdos

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
130

operários serão os operários, os apóstolos do mundo industrial e comercial serão industriaisecomerciantes.

Para as novas formações da Ação Católica, quando da peregrinação da juventude católica francesa (06.04.1934), Pio XI insistia nas mesmas ideias: "Atividade especial, qualificada, particular, que tenha a maior analogia com o método que apontamos para os missionários: padres indígenas, para os indígenas. Cada situação deve ter o apóstolo correspondente: operários, apóstolos de operários; lavradores, apóstolos de lavradores; marinheiros, apóstolos de marinheiros; estudantes, apóstolosdeestudantes."

O Santo Padre outra coisa não prega senão aquelesistemaparaoqualjáestáconsagradaa fórmula:"oapostoladodomeiopelomeio".

O padre pode esforçar-se para a evangelização do meio onde exerce sua atividade; podem ser muito cordiais e assíduas as relações com seus paroquianos. Por ser padre, ele sempre será alguém não inteiramente identificado com todos os meios da sociedade. Este alheamento natural impõese, dadas as exigências de seu estado e vocação. Nem todos veriam, com bons olhos, o padre tratando de coisas materiais, nas quais, no entanto, há muita relação com grandes interesses espirituais. Instintivamente está no desejo de todos que o homem de Deus paire acima das contingências práticas onde, não obstante, entra em combate a verdade evangélica.

Quem fará a aplicação dos princípios religiosos às circunstâncias da vida de cada dia? Quem fará penetrar a lei de Cristo nos costumes duma localidade ou dum oficio? Quem corrigirá o que aí estiver errado? Quem defenderá o ideal cristão e a liberdade das almas na sociedade e no meio das instituições cívicas? Quem, debaixo dos tetos das famílias, velará pela observância das normas morais apregoadas no alto do púlpito? Tão somente os leigos devidamente preparados, vivendo em organização e tornando-se, por toda parte, agentesapaixonados,postoquediscretose

prudentes,doreinodeCristo.

Convém notar que o trabalho de difusão do cristianismo não se impõe aos leigos somente nas regiões mais ou menos paganizadas, onde não se tolera a presença do padre. Mesmo não havendo país a conquistar ou a reconquistar para Cristo, no sentido da extensão, há sempre algoquefazernosentidodeprofundeza.

Ouve-se falar que a obra da Ação Católica é um esforço de penetração. E esta tarefa consiste, não só em espalhar o Evangelho exteriormente; importa também, e muito, implantar a palavra divina internamente, em meio dos que creem e praticam, mas que nem sempre vivem no lar, no ofício, nas relações sociais, conforme os princípios de Cristo e da Igreja.

Que golpe profundo na causa católica, se se reconhecer serem os elementos representativos do cristianismo menos entusiastas dos grandes ideais da justiça e da caridade que os próceres de outras correntes? Pesa sobre a sociedade cristã a grande responsabilidade de realizar, em seu viver, as mais sutis exigências da moral de Cristo. Quem poderá instilar no íntimo das existências, e nos gestos aparentemente profanos, o sopro de Deus para que os cristãos notórios se tornem fotografias autênticas e exatas da divina fisionomia do Salvador? Naturalmente, aqueles que estão na convivência dos pais, dos concidadãos, dos companheiros de trabalho e, por isso, podem reerguer ou orientar o mínimo movimento das atividadesquotidianas.

As diretrizes dadas pelo Santo Padre produziram admirável exuberância, em todos os ramos da Ação Católica. Uma dessas organizações, a J.O.C., mereceu de Pio XI o grande elogio de ser o tipo perfeito, apresentando uma fórmula genial do movimento especializado, indispensável para conseguir a verdadeira recristianização. O então Cardeal Pacelli assim escreveu em nome de Pio XI: "O que visa a J.O.C., submetendo-se filialmente à Hierarquia, é a conquista espiritualdamocidadeoperária.

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
131

A organização e os métodos prestam-se admiravelmente a seus desígnios que, para conquistar mais facilmente as almas dos operários para Nosso Senhor Jesus Cristo, tratamdecristianizarosmeiosdotrabalho.

Ela mostra, assim, ter bem compreendido a fórmula expressa por S.S. Pio XI, na encíclica Quadragesimo Anno: os primeiros apóstolos dosoperáriosserãoosoperários…"

Assim o apostolado, perplexo no primeiro instante por causa das transformações sociais, resultantes das condições modernas de vida, logrou,agora,adaptaçãodefinidaedefinitiva.

Estes os grandes princípios que devem regeroconjuntodasforçasdobem,dosvalores espirituais na mobilização geral, decretada por Pio XI ao ressuscitara Ação Católica - que étão antigacomoaIgreja.

VII. A Igreja é a salvação do mundo. - A garantia da salvação do gênero humano é a Igreja, esparzindo luzes e bênçãos. Sem ela não domina a verdade, desaparece a paz; se ela reinar, dilatando seu domínio sobre povos, instituiçõese pessoas, a concórdia, o progresso tornam-se consequência natural, um fato necessário.Quepodehaverdemaisconsolador e feliz para o ser humano, em meio do fluxo e refluxo de opiniões e paixões, que se entrechocam e se destroem mutuamente, que se refugiar nesta fortaleza da verdade, construída por Deus no alto da montanha santa? Ao passo que, em torno dela, mil tendências, subtraídas à sua benéfica ação, assemelham-se a esses cometas que, desviados em trajetórias diversas, vão errando ao acaso pelo espaço afora, astros solitários e sem satélites, o princípio divino, incarnado na Igreja, trabalha sem cessar, na perpétua variação de indivíduos e séculos, para dar ao gênero humano o tesouro de todos os valores espirituais. Como navio ancorado em mar revolto, tempestuoso, ela vê ao longe elamenta o naufrágio de embarcações que dela se afastaram; tranquila e certa de seu destino, tendo a fé por bússola e Cristo por piloto, desafia as ondas ameaçadoras e zomba das tempestades..

Trabalhar na Ação Católica e abrigar a si e ao gênero humano àquela fortaleza bendita, é banhar-se na luz das supremas claridades, é acolher-seàquelanauimperecível.

Bênçãos e louvores aos que assim procedem, porque fazem ressoar perenemente o mandato divino: Euntes, docete…

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
132

Frei Orlando Álvares da Silva, O.F.M.

PatronodoServiçodeAssistênciaReligiosado ExércitoBrasileiro.

Nasceu em um pequeno povoado do interior de Minas Gerais, à margem direita do rio São Francisco, chamado Morada Nova, em 13 de fevereiro de 1913. Batizado, ganhou o nome de Antônio Álvares da Silva. Órfão com apenas um ano de idade, foi criado por família que prezava a religião católica. Depois da primeira comunhão, em 1920, passou a frequentar assiduamente o catecismo. Nele revelou-se nitidamente o pendor para a vida clerical, o apreço pelas coisas da Igreja, a compaixão pelos humildes. Foi assim que, tendo iniciado seus estudos em Divinópolis (MG), seguiu para a Holanda, de onde retornou para sua ordenação como sacerdote. Não era maisAntônio,mas,sim,ofreiOrlando.

Ordenado padre, frei Orlando foi para São João del Rei, ondelecionou no ColégiodeSanto Antônio, um estabelecimento de ensino dirigido pela Ordem dos Franciscanos Menores. Tinha 24 anos de idade. Caridoso, o jovempadreinstituiua"SopadosPobres",uma obradeassistênciasocialquechegou areceber o apoio voluntário de muitos integrantes do 11º Regimento de Infantaria (11º RI). Nessa época, deparou com os preparativos da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para a II Guerra Mundial, vendo a cidade em polvorosa com a chegada dos muitos convocados para integraroscontingentesdaFEB.

Viu o 11º RI partir e não se conformou em permanecerimpassivelmentena cidade.Assim, quando o então comandante do regimento, coronelDelmiroPereiradeAndrade,solicitoua indicação de um religioso para capelão militar ao Comissariado dos Franciscanos em São João del Rei, frei Orlando viu a oportunidade de concretizar um de seus mais acalentados sonhos: o de ser missionário sem fronteiras, ir a qualquer parte do mundo para multiplicar os discípulos de Deus. Integrou-se, então, à FEB, e seguiuparaaEuropa.Seuprimeirotrabalhofoi celebrar uma missa na catedral de Pisa para os pracinhasbrasileiros.

Tempos depois, às vésperas da Tomada de Monte Castelo, durante uma visita à linha de frente, frei Orlando morreu vitimado por um tiro acidental de um partisan (membro da Resistência italiana ao nazifascismo). Contava com 32 anos de idade. O boletim n° 52, do 11º RI, de 22 de fevereiro de 1945, impresso em Docce, na Itália, registrou o passamento do capelão:

"Foi recebida, com dolorosa surpresa, a notícia do falecimento do capelão capitão Antônio Alvares da Silva (frei Orlando), vítima de um tiro, quando se dirigia de Docce para Bombiana, a fim de levar sua assistência espiritual aos homens em posição, no dia 20, quandodoataqueaoMonteCastelo.

O sacerdote, que desapareceu da face da Terra após ter servido com a sua pureza de sentimento à religião e à Pátria, deixa imensa saudade no seio da organização católica a que pertencia.(...)No11ºRegimentodeInfantaria, como chefe da Capelania, conquistou a todos pelas qualidades apostolares. (...) No teatro de operações, nos dias de maiores atividades bélicas, jamais deixou de levar o seu conforto espiritual ou o santo sacrifício da missa em qualquer circunstância, mostrando-se, além de religioso, um forte, um bravo, um verdadeirosoldadodaCruzdeCristo."

Finda a guerra, o governo brasileiro instituiufreiOrlandocomopatronodoServiço deAssistênciaReligiosadoExército,criado,

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
133

em caráterpermanente, pordecreto-lei, no ano de1946.

Disponívelem:

https://www.eb.mil.br/patronos/-/asset_publi sher/e1fxWhhfx3Ut/content/frei-orlando

Acesso:10.08.2023.

A morte de Frei Orlando e a Batalha de Monte Castelo

Frei Orlando - O capelão que não voltou, Gentil Palhares, 2ª ed., Biblioteca do Exército, 2013.

Monte Castelo começa a ser abordado e o escalão de ataque toma pé, incontinente, nas alturas 977. Súbito, um foguete luminoso corta os ares, sendo assinalado pelos postos de observação. E três estrelas verdes, que no código de sinais significavam objetivo conquistado, são vistas por sobre o compartimento de ataque. Eram os primeiros elementos que atingiam a crista e apontavam,pela utilizaçãodesse artifício,a direção aos companheiros do escalão de apoio, por isso que, rapidamente, a escuridão faria sentir seus efeitostãotemerososnessascircunstâncias.

Os alemães, duramente batidos pelos fogos de artilharia de apoio e pelo vigor da manobra executada pelos atacantes, ainda conseguem evacuar a região, apoiando-se na resistência de La Torraccia jáentestadapelosamericanos.

Companhias de fuzileiros coroam, finalmente, o objetivo, porém, mais um esforço ainda deveria ser despendido. Todos, do capitão ao volteador, organizam um terreno e cavam seus fox-holes, pois só assim estariam em condições de assegurar a posse das alturas conquistadas e fazer face a um contra-ataquealemão,sempreesperado”.

Aqui,agora,pedimosvêniaaocoronelCampelo (que tornou ostensiva, alhures, esta perfeita descrição do ataque a Castelo, constituindo um valioso subsídio para os futuros historiadores) para que nos permita “fazer alto” na sua magnífica página. É que vamos dizer o que se passava nas linhas do 11º RI, antes da queda definitiva de Monte Castelo. E vamos caminhar comFreiOrlando,rumoà lamentáveltragédia.

Conforme nos foi dado ver, linhas acima, ia encarniçando o ataque ao referido Monte. As notícias que nos chegavam diziam da impetuosidadedosnossoscompanheirosgalgando

resolutamenteasposiçõesaserematingidas.

Mas, por outro lado, afirmavam, as perdas são sensíveis.

Muitosferidos,muitosangue,dores,gemidos.

Frei Orlando, vendo o que se passava, ficou preso de profunda emoção e a todos externava que iria mais para frente, onde nossos soldados misturavamseusanguecomaneveemdegelo.

Ao longe, na garupa do Castelo, divisava ele os aviões brasileiros e americanos despejando toneladas e mais toneladas de bombas, enquanto a fumaça subia em rolos densos. Crepitava a metralha, espocavam os morteiros e rugiam armas detodaespécie.

O 1º RI apoiado, como vimos, pelo nosso Regimento (11º. RI) ataca furiosamente. Os alemães, que menosprezavam as nossas possibilidades, agora estavam ali naquela agonia, sob o impacto tremendo de nossos bombardeios e de nosso ataque, sentindo o peso de nossa força, a pressão de nosso avanço e, sobretudo, de nossa coragem. Deviam perceber que, tendo em vista o nosso ataque, sua derrota seria iminente, incontrolável,dependendoapenasdetempo.

Nosso capelão ajustou seu equipamento, apanhou o estojo de hóstias e saiu morro acima, galgando as estradas. Antes, porém, houve quem tentasse demovê-lo do intento, mostrando-lhe o perigo a que se expunha. Teimoso como sempre, saiu vingando as elevações no sopé do Castelo. Subindo aqui, descendo ali, ocultando-se, ora às vistas inimigas, ora dos tiros de artilharia, marchava resoluto, a fim de levar consolo e conforto espirituais aos que morriam na operação doataquedesfechado.

A meio caminho, tenta galgar as posições da 6ª Companhia rumo a Docce, itinerário recomendado pelo seu comandante de Batalhão, major Orlando Gomes Ramagem. Quando se encontrava a 300m, aproximadamente, de Bombiana, passa por ele um jipe.

Inteirado da direção da viatura, nela tomou lugar, tendo por companheiros o capitão Francisco Ruas Santos, o cabo Gilberto Torres, motorista, uma praça do II Batalhão do nosso Regimento e um sargento italiano, dos postos à disposição da tropa brasileira, para os serviços de transporte em montanhas.

OcoronelRuas,escritor-militar,

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
134

assim descreve, em documento valioso que nos enviou, a continuação da viagem, até o desfecho trágicoeimprevisto:

“(...) Frei Orlando, em caminho, depois de dizer o que fizera pela manhã, e o que ainda pretendia fazer, falava de uma irradiação feita pelos holandeses livres, para a parte ocupada do seu País. A uma observação qualquer, ainda soltou uma desuascostumeirasgargalhadas.

O jipe marchava lentamente, subindo e descendo as elevações, quando, de repente, estaca imobilizado por uma pedra. Prendia esta o eixo dianteiro. Os passageiros conseguem retirar a viatura que é posta a alguns metros além da pedra fatídica.”

E continua o coronel Francisco Ruas Santos: “Tomo a manícula do jipe e me esforço para removê-la.

O sargento italiano, no intuito de ajudar-me, recurva-se junto à pedra e também tenta retirá-la a violentas coronhadasde sua carabina. Esta dispara, e Frei Orlando, que se achava parado a uns 3m, é atingido pelo projétil. Solta um grito, leva a mão ao peito, dá alguns passos à frente, tirando ao mesmo tempo do bolso do casaco o seu terço e balbuciando, às pressas, uma Ave-Maria. Corro para ele e o faço deitar-se à margem do caminho. A oração, apenas começada, é abafada pelo ofegar da agonia. Tudo isso, desde o fatal disparo, dura dez segundos.

Retorno rapidamente à Docce, em busca desocorro médico e trago o capitão João Batista Pereira Bicudo, facultativo do Batalhão. Este pode apenas verificar achar-se morto o capelão, desde o momento, talvez, que acabara de ser deitado à margem do caminho. O italiano, abraçado ao corpo do capelão, chorava e lamentava-se. Um pastor das nasuanaturalindiferença,contemplavaestacena.

O médico descobre-se, persigna-se e reza pela alma de Frei Orlando, no que é seguido por mim e pelocabo.”

Só Deus, em sua alta sabedoria, pode explicar o porquê daquela imensa tragédia, tão brutal quanto imprevista, tão chocante quanto dolorosamente lamentada.

Eram, aproximadamente, 14 horas do dia 20 de fevereirode1945!

No Monte Castelo, as bombas estouravam, porqueacidadelanazistaaindanãohaviacaído!

Uma alma pura, quiçá a mais pura que se encontrava em nosso meio, subia ao Céu, para os braçosdaVirgemMãe,aquemeletantoamou.

A notícia ecoou, célere, pelas linhas de combate do nosso Regimento, desde os escalões mais avançadosaosmaisrecuados!

Os telefones de campanha não paravam de funcionar:

“MorreuFreiOrlando!MorreuFreiOrlando!”

“Um tiro matou Frei Orlando! Morreu na linha defrente!”

“MataramFreiOrlando!MorreuFreiOrlando!”

Apoderou-sedetodospânico–pânicoedor!

Nosso amigo, conquanto inacreditável, estava verdadeiramente morto, irremediavelmente morto se encontrava, para sempre, nosso estremecido capelão!

“Fiat VoluntasDei!”

Guerras!Paraqueguerras?!

Levou-nos aquela de que participávamos, o seresteiro da nossa Expedição Militar, o amigo de todas as horas, alegres ou tristes, mas sempre presente.

O corpo de Frei Orlando, já frio sobre a relva, velado pelos amigos presentes à cena e pelo pastor, é transportado para uma capelinha próxima e que temonomedeSantoAntônio.

Havia em tudo, como afirmamos desde o início de nossotrabalho, uma extraordinária coincidência entreessesdoisirmãosdeOrdem.

Na referida capelinha reuniram-se oficiais, sargentos, cabos e soldados do nosso Regimento, para último adeus. Não fora grande o número, porque se achavam todos ainda empenhados na “limpeza”deMonteCastelo.

Alguém já escreveu alhures, de forma terna e mística,estaspalavrassublimes:

“Desce a noite sobre a luz de seus olhos e apaga-se o lume daquele cérebro que dissipou tantas trevas! Não descem, porém, as sombras do crepúsculo sobre a luz do seu espírito, porque foi fulgirerefulgirnaGlória!”

No modesto templo dos Apeninos, em plena Itália, e quando já o Castelo era qual tigre ferido, nós, soldados do Brasil, alçamos ao Céu as nossas preces, derradeiras e sentidas, à alma de um homembomedeumjusto.

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
135

"Assim como há certa ginástica e desporto, que com a sua austeridade contribuem para refrear os instintos, assim também existem outras formas de desporto, que os despertam, quer pela violência do esforço, quer pelas seduções da sensualidade. [...]"

"Há além disso no desporto e na ginástica, no ritmo e na dança, certo nudismo, que não é nem necessário, nem conveniente [...]"

"Perante tal maneira de praticar a ginástica e o desporto, o sentimento moral e religioso opõe o seu veto."

Pio XII. Sobre o desporto e a atividade Física. Documentos Pontifícios n. 91, 1953. Ed. Vozes de Petrópolis.

IMPRIMATUR. Por comissão especial do Exmo. e Revmo. Sr. Dom Manuel Pedro da Cunha Cintra, Bispo de Petrópolis.

Frei Lauro Ostermann, O.F.M., Petrópolis, 25.04.1953.

Oitocentos Professores de Educação Física e Médicos Desportivos, reunidos no Congresso Cientifico Italiano de Desporto e Educação Física, foram recebidos por Pio XII no dia 8 de Novembro de 1952, que, então, em importante discurso, situou o desporto e a ginástica perante a consciência religiosa e moral. Oferecemos a versão feita pela seção de língua portuguesa da Rádio Vaticano.

PioXII

Sobre o desporto e a atividade Física. Introdução.

1. É de todo o coração que vos damos as boas vindas, ilustres Senhores, reunidos na Cidade eterna pelo mesmo nobre ideal, e hoje vindos à Nossa presença guiados por idêntico sentimento filial, a fim de Nos prestar a vossa homenagem e ao mesmo tempo dar-Nos mais uma vez o grande prazer que sempre sentimos quando Nos encontramos no meio de grupos escolhidos de especialistas em todos os ramos dosaberquetêmporobjeto"ohomem".

2. O vosso Congresso científico nacional, consagrado às atividades ginásticodesportivas, corresponde sem dúvida a uma necessidade de nosso tempo, oportunamente salientada pela sensibilidade da vossa consciência,quebemsabeoqueodesportoea

ginástica significam especialmente para um povo moderno; quanto a sua prática está difundida em todas as classes, quão vivo é o interessequedespertamportodaaparte,quão importantes e variadas as repercussões que delesderivamquerparaaspessoasquerparaa sociedade. Basta indicar as formas variadíssimas, que o exercício do desporto abrange na sua vasta extensão: ginástica de quarto, ginástica escolar, exercícios livres; exercícios com aparelhos, corrida, salto, escalada, ginástica rítmica, marcha, equitação, esqui e outros desportos invernais, natação, remo, esgrima, luta, pugilato, e muitos outros ainda, entre as quais as tão populares do futebol e do ciclismo. O interesse com que é fomentada atividade atividade tão intensa é demonstrado pela imprensa. Já não há, pode dizer-se, jornal algum que não tenha a sua página desportiva, não sendo por outro lado poucos os jornais destinados exclusivamente a este assunto, sem falar das frequentes transmissões radiofônicas, que informam o público sobre os acontecimentos desportivos. Além disso o desporto e a ginástica não são praticadas só individualmente; há também associaçõespróprias,desafiosefestas,algumas locais, outras de caráter nacional ou internacional, e finalmente os ressuscitados Jogos Olímpicos, cujas vicissitudes são aguardadascomvivaânsiapelomundointeiro.

3. Que fim têm os homens com tão ampla e difundida atividade? O uso, o desenvolvimento e o domínio - por meio do homem e ao serviço do homem - das energias encerradas no corpo; a alegria que deste poder e desta ação deriva, não diversa daquela que experimenta o artista, quandousa,dominando-o,oseuinstrumento.

4. Que quis o vosso Congresso? Investigar e pôr em evidência as leis, com que o desporto e a ginástica devem conformar-se, para que atinjam o seu fim; leis que se deduzem da anatomia,dafisiologiaedapsicologia,segundo as conquistas mais recentes da biologia, da medicina e da psicologia, como o vosso programademonstraamplamente.

5. MasvósquisestesqueNós

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
136

acrescentássemos uma palavra sobre os problemas religiosos e morais que nascem da atividade ginástico-desportiva, e indicássemos as normas aptas para regular tão importante matéria.

ObservaçãoPreliminar.

6. Aqui, como noutros casos, para chegar a claras e seguras deduções, deve pôr-se como base o seguinte princípio: tudo o que serve para a consecução dum fim determinado, deve tirar do mesmo fim a regra e a medida. Ora, o desporto e a ginástica têm, como fim próximo, educar, desenvolver e fortificar o corpo, sob ponto de vista estático e dinâmico; como fim mais remoto, a utilização, por parte da alma, do corpo assim preparado para o desenvolvimento da vida interior ou exterior da pessoa; como fim ainda mais profundo, contribuir para a sua perfeição; por último, como fim supremo do homem em geral, e comum a todas as formas de atividade humana, aproximarohomemdeDeus.

7. Estabelecidas assim a finalidade do desporto e da ginástica, segue-se que se deve aprovar neles tudo o que é útil à consecução dos fins indicados, naturalmente dentro do limite que lhes compete; deve pelo contrário rejeitar-se tudo o que não conduz àqueles fins ou deles distrai ou sai do limite que lhes é determinado.

8. Querendo agora descer às aplicações concretas dos princípios enunciados, julgamos oportuno considerar separadamente os principais fatores que intervêm nas atividades ginástico-desportivas, e que se podem comparar, como já indicamos, e apesar das numerosas diferenças, àqueles que concorrem no exercício da arte. Neste deve distinguir-se o instrumento, o artista e o uso do instrumento. Na ginástica e no desporto, o instrumento é o corpo vivo; o artista é a alma, que forma com o corpo uma unidade de natureza; a ação é o exercício da ginástica e do desporto. Consideremo-los portanto sob o aspecto religioso e moral, e vejamos quais os ensinamentosquedelessepodemtirarparao

corpo, para a alma e para a sua atividade no campoginástico-desportivo. OCorpo.

9. O que é o corpo humano, a sua estrutura e a sua forma, os seus membros e as suas funções, os seus instintos e as suas energias, ensinam-no claramente as ciências mais diversas: a anatomia, a fisiologia, a psicologia e a estética para não mencionar senão as mais importantes. Estas ciências presenteiam-nos cada dia com novos conhecimentos, e levamnos de maravilha em maravilha, mostrando a esplêndida estrutura do corpo e a harmonia de suas partes, mesmo as mais pequenas, a imanente teleologia, que exprime ao mesmo tempo a rigidez das tendências e a capacidade extensíssima de adaptação; descobrindo-nos centros de energia estática ao lado do impulso dinâmico de movimento e de ímpeto para a ação; revelando-nos mecanismos, se assim podedizer-se,detalfinezaesensibilidade,mas também de tal potencialidade e resistência, que não se encontram em nenhum dos aparelhos mais modernos de precisão. No que diz respeito à estética, os gênios artísticos de todos os tempos, na pintura e na escultura, embora tenham conseguido aproximar-se magnificamente do modelo, reconheceram eles mesmos a inexprimível fascinação de beleza e vitalidade que a natureza deu generosamente aocorpohumano.

10. O pensamento religioso e moral reconhece e aceita tudo isto. Mas vai muito mais além: ensinando a reportá-lo à sua primeira origem, atribui-lhe um caráter sagrado, de que as ciências naturais e a arte de per si não têm ideia alguma. O Rei do universo, como digna coroa da criação, formou duma maneira ou doutra, do limo da terra, a obra maravilhosa do corpo humano e inspirou-lhe na face um sopro de vida, que fez do corpo a morada e o instrumento da alma, isto é, elevou com ele a matéria ao serviço imediato do espírito, e com isso juntou e uniu numa síntese, dificilmente explorável pela nossa inteligência,omundoespiritual

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
137

ao material, não só com um vínculo puramente exterior, mas na unidade da naturezahumana.Elevadoassimàhonrade ser morada do espírito, o corpo humano está preparado para receber a mesma dignidade de templo de Deus, com aquelas prerrogativas, e até superiores, que competem a um edifício que Lhe é consagrado. Com efeito, segundo a palavra clara do Apóstolo, o corpo pertence a Deus, os corpos são "membros de Cristo". "Não sabeis, exclama ele, que os vossos membros são templos do Espírito, que está em vós e vos foi dado por Deus,e que não pertenceis a vós mesmos?.... Glorificai e trazei a Deus no vosso corpo"(1Cor6,13.15.19.20).

11. É verdade que a sua atual condição de corpo mortal o envolve no fluxo dos outros seres, que correm irrefreáveis para a destruição. Mas o regresso ao pó não é o destino definitivo do corpo humano, pois da boca de Deus sabemos que será chamado de novo à vida - desta vez imortal - logo que o desígnio sapiente e misterioso de Deus, que se desenrola de modo semelhante às variações dos campos, for realizado na terra. Semeia-se o corpo corruptível, erguer-se-á incorruptível. Semeia-se ignóbil, nascerá glorioso; semeia-se inerte, nascerá robusto; semeia-se um corpo carnal, surgirá um corpo espiritual" (1Cor 15, 42-43).

12. A revelação portanto ensina-nos, relativamente ao corpo do homem, verdades excelsas, que as ciências naturais e a arte são incapazes por si mesmas de descobrir, verdades que ao corpo dão novo valor e dignidade mais alta, e por conseguinte maior motivo para merecer respeito. Certamente o desporto e a ginástica não têm nada a temer destesprincípiosreligiososemoraisretamente aplicados; é preciso todavia excluir algumas formas que estão em contraste com o respeito mencionado.

13. A sã doutrina ensina a respeitar o corpo,masnãoaestimá-loalémdoqueéjusto. A máxima é esta: cuidado do corpo, robustecimentodocorpo,sim;cultodo

do corpo, divinização do corpo, não; como também não divinização da raça e do sangue e dos seus pressupostos somáticos ou elementos constitutivos. O corpo não ocupanohomemoprimeirolugar,nemocorpo terreno e mortal, como é hoje, nem o corpo glorificadoeespiritualizado,comoseráumdia. Não é ao corpo, formado do limo da terra que pertence o primado no composto humano, mas aoespírito,àalmaespiritual.

14. Não é menos importante outra norma fundamental contida noutro passo da Escritura. Com efeito, lê-se na Carta de S. Paulo aos Romanos: " Vejo nos meus membros outra lei, que se opõe à lei da minha mente, e me torna escravo da lei do pecado, que está nos meus membros" (Rom 7, 23). Não se poderia descrever mais vivamente o drama cotidiano de que é entrançada a vida do homem. Os instintos e as forças do corpo levantam-se, e sufocando a voz da razão, predominam sobre as energias da boa vontade desde o dia em que a sua completa subordinação ao espírito se perdeucomopecadooriginal.

15. No uso e exercício intensivo do corpo é preciso ter em conta este fato. Assim como há certa ginástica e desporto, que com a sua austeridade contribuem para refrear os instintos, assim também existem outras formas de desporto, que os despertam, quer pela violência do esforço, quer pelas seduções da sensualidade. Mesmo sob o ponto de vista estético, como prazerda beleza, com a admiração do ritmo na dança e na ginástica,oinstintopodeinsinuaroseuveneno nos ânimos. Há além disso no desporto e na ginástica, no ritmo e na dança, certo nudismo, que não é nem necessário, nem conveniente. Não sem razão, há alguns decênios, um observador completamente imparcial pôde dizer: "O que neste campo interessa às massas, não é a beleza do nu, mas o nu da beleza". Perante tal maneira de praticar a ginástica e o desporto, o sentimento moral e religioso opõe o seu veto.

16. Numapalavra,odesportoea

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
138

ginástica devem não mandar e dominar, mas servir e ajudar. É a sua função, e nisso encontramasuajustificação.

AAlma.

17. Na realidade, que utilidade teria o uso e o desenvolvimento do corpo, das suas energias e da sua beleza, se não fosse o serviço de algumacoisamaisnobreeduradoura,comoéa alma? O desporto, que não serve à alma, será apenas um vão agitar-se de membros, uma ostentação de esbelteza caduca e uma alegria efêmera. No grande discurso de Cafarnaum, querendo arrancar os ouvintes dos seus sentimentos baixos e materiais, e leva-los à uma visão mais espiritual, Jesus Cristo formulou um princípio geral: "É o espírito que vivifica, a carne para nada serve" (Jo 6, 64). Estas palavras divinas, que contêm uma máxima fundamental da vida cristã, valem também para o jogo e para o desporto. A alma éofatordeterminanteedefinitivodetodaa atividadeexterior,domesmomodoquenão é o violino que determina o desprender-se das melodias, mas o toque genial do artista, sem o qual o instrumento, mesmo o mais perfeito, ficaria mudo. Semelhantemente, dos movimentos harmônicos dos membros na ginástica, das deslocações ágeis e sagazes dos jogos, das fortes contrações dos músculos na luta, o fator principal e determinante não é o corpo, mas a alma; se ela o abandonasse, ele cairia como qualquer outra massa inerte. Isto é tantomaisverdadeiro, quanto émaisestreitoo ligame que os une: o homem é união de substância - por meio da qual ambos fazem uma só natureza - diversa da relação de associação, como entre o artista e o violino. No desporto e na ginástica portanto, como no tocar do artista, o elemento principal e dominante é o espírito, a alma; não o instrumento,ocorpo.

18. Fundada sobre tais princípios, a consciência religiosa e moral exige que na apreciação do desporto e da ginástica, no juízo sobre a pessoa dos atletas, no tributo de admiraçãoaosseuscometimentos,seja

tomada, como critério fundamental, a observância desta hierarquia dos valores, de modo que o maior mérito não seja atribuído àquele que possui os músculos ágeis, mas ao que também demonstra maior capacidade de sujeitá-losaoimpériodoespírito.

19. Uma segunda exigência de ordem religiosa e moral, fundada sobre a mesma escaladevalores, proíbe,emcasodeconflito, sacrificar em favor do corpo os bens intangíveis da alma. Verdade e probidade, amor, justiça e equidade, integridade moral e pudor natural, devido cuidado da vida e da saúde, da família e da profissão, do bom nomeedaverdadeirahonra,nãodevemser subordinados à atividade desportiva, às suas vitórias e às suas glórias. Assim como noutras artes e ofícios, assim também no desporto, é lei imutável que o bom êxito não é seguragarantiadasuaretidãomoral.

20. Uma terceira exigência diz respeito ao grau de importância que compete ao desporto no conjunto das atividades humanas. Não se trata já portanto de considerar e apreciar o corpo e a alma dentro dos limites do desporto e da ginástica, mas de pôr estes últimos no quadro muito mais vasto da vida, e de examinar então que valor convenha reconhecer-lhes. Sob a direção da sã razão natural, e muito mais, da consciência cristã, cadaqualpodechegaràseguranormadequeo revigoramento e o domínio do corpo exercido pelaalma,aalegriadaconsciênciadaforçaque se possui e dos cometimentos desportivos bem sucedidos, não são o elemento nem único nem principal sã atividade humana. São auxiliares e acessórios que é preciso certamente ter em conta; mas não valores indispensáveis da vida, nem absolutas necessidades morais. Elevar a ginástica, o desporto, e o ritmo com todos os seus complementos, a fim supremo da vida, seria na verdade pouco demais para o homem, cuja primária grandeza é formada por muito mais elevadas aspirações, tendênciasequalidades.

21. É por isso dever de todos os desportistasconservarestereto

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
139

conceito do desporto, não já para perturbar e diminuir a alegria que dele recebem, mas para preservá-los do perigo de desprezar deveres mais altos relativos à própria dignidade e ao respeito para com Deus e paraconsigomesmos.

22. Não queremos terminar esta consideração sem dirigir uma palavra a certa categoria particular de pessoas, cujo número infelizmenteaumentoudepoisdasduasimanes guerrasqueenlutaramomundo,istoé,àqueles que deficiências físicas ou psíquicas tornam inábeis para a ginástica e desporto, e que por isso tantas vezes, especialmente os mais jovens, sofrem amargamente. Fazendo votos por que a antiga sentença - "Mens sana in corpore sano" - se torne cada vez mais largamente a sorte da geração atual, é dever de todos fixar-se com especial e piedosa atenção naqueles casos em que o destino terreno é diverso. Todavia, a dignidade humana, o dever e o seu cumprimento não estão ligados àquela sentença. São numerosos os exemplos que apresenta a vida de cada dia; além dos espalhados no decurso da história, os quais demonstram como nada impede que um corpo enfermo ou defeituoso possa albergar uma alma sã, às vezes grande e até mesmo genial e heróica. Cada homem, embora doente, e por isso inábil para todo o desporto, é todavia um verdadeiro homem, que cumpre, mesmo nos seusdefeitosfísicos,umparticularemisterioso desígnio de Deus. Se ele abraçar de bom coração esta dolorosa missão, aceitando a vontade do Senhor e sendo por ela levado, poderá percorrer mais seguramente o caminho da vida, que para ele foi traçado sobre uma vereda pedregosa e emaranhada de espinhos, entre os quais não é o último a renúncia forçada às alegrias do desporto. Será seu título particular de nobreza e magnanimidade deixar sem inveja os outros gozarem da sua força física e dos seus membros, e até tomar generosamente parte na sua alegria; como também, por outro lado, em troca fraternal e cristã, as pessoas sãs e robustas devem ter e demonstrar para com o doente íntima compreensãoecoraçãobenigno.Oenfermo

"leva a carga" dos outros, e os outros, que na maior parte dos casos, se não em todos, têm não só os membros sãos, mas também - não tenhamos dúvida disso - a sua cruz, sintam prazer em pôr as suas energias ao serviço do irmão doente. "Levai a carga uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo" (Gál. 6, 2). "E seummembrosofre,sofremtodososmembros juntos, se um membro é glorificado, gozam todososmembrosjuntos"(1Cor12,26).

APráticadoDesporto.

23. Resta dizer uma palavra sobre a prática do desporto, isto é, sobre os seus meios concretos, para que a vossa atividade atinja os fins, conserve a estima e elimine os abusos que hápoucoindicamos.

24. Tudo o que diz respeito ao aspecto higiênico e técnico, às exigências que derivam da anatomia, da fisiologia, da psicologia e de outras ciências especiais biológicas ou médicas, fazem parte da vossa competência, e foramobjetodasvossasprofundasdiscussões.

25. Por sua vez tudo o que diz respeito ao aspecto religioso e moral, o princípio de finalidade, já exposto no princípio, dá-vos a chave para a solução dos problemas, que podem surgir no foro da vossa consciência. Mas na atividade ordinária basta lembrar-vos que toda a ação (ou omissão) humana cai sob as prescrições da lei natural, dos preceitos positivos de Deus e da autoridade humana competente; tríplice lei que na verdade é uma só, a vontade divina manifestada de diverso modo. Ao jovem rico do Evangelho o Senhor respondeu em poucas palavras: "Se queres chegar à vida, observa os mandamentos". E à nova pergunta: "Quais?" o Redentor apontoulheasbemconhecidasprescriçõesdoDecálogo (Mt 19, 17-20). Assim se pode também aqui dizer: queres agir retamente na ginástica e nodesporto?Observaiosmandamentos!

26. Prestai em primeiro lugar a Deus a honra que Lhe é devida, e sobretudo, santificai o dia do Senhor, pois que o desporto não dispensa dos deveres religiosos. "EusouoSenhorteuDeus",

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
140

dizia o Altíssimo no Decálogo; " não tenhas outroDeusforademim"(Ex.20,2-3),istoé, nem sequer o próprio corpo nos exercícios físicos e no desporto: seria quase um regresso ao paganismo. De igual modo, o quarto mandamento (ib. 12) expressão e tutela da harmonia que o Criador quis no seio da família, recorda a fidelidade às obrigações familiares, que se devem preferir às supostas exigências do desporto e das associaçõesdesportivas.

27. Pelos mandamentos divinos é também protegida a vida própria e a alheia, a saúde própria e a alheia, as quais não é lícito expor imprudentemente a sério perigo com aginásticaeodesporto (ib.13).

28. Deles recebem força também aquelas leis, já conhecidas dos atletas do paganismo, que os desportistas verdadeiros observam como leis invioláveis no jogo e nos desafios, e que são outros tantos pontos de honra: franqueza, lealdade, espírito cavalheiresco, pelas quais detestam, como mancha desonrosa, o emprego da astúcia e do engano; estimam e respeitam o bom nome e a honradoadversáriotantoquantoopróprio.

29. O exercício físico torna-se assim como que uma ascese de virtudes humanas e cristãs ou melhor, devem tornar-se e serem tal, por mais duro que seja o esforço exigido, para que o exercício do desporto se supere a si mesmo, atinja um dos seus objetivos morais, e seja preservado de desvios materialistas, que lhe diminuiriamovaloreanobreza.

30. Eis em poucas palavras o que significa a fórmula: Quereis agir retamente na ginástica, no jogo e no desporto? Observai os mandamentos - os mandamentos no seu sentidoobjetivo,simpleseclaro.

Conclusão.

31. Cremos ter-vos exposto o essencial daquilo que a religião e a moral têm a dizer sobre o tema geral do vosso Congresso: "Idade evolutiva e atividade física". Quando se respeita com cuidado o teor religioso e moraldodesporto,eledeveentrarnavida

do homem como elemento de equilíbrio, de harmonia e de perfeição, e como ajuda eficaz para o cumprimento dos outros deveres. Baseai portanto a vossa alegria na prática correta da ginástica e do desporto. Levai mesmo para o meio do povo a sua benéfica corrente para que prospere cada vez mais a saúde física e psíquica e se fortifiquem os corpos ao serviço do espírito; sobretudo, enfim, não esqueçais, no meio da agitada e inebriante atividade ginástico-desportiva, aquiloquenavidavalemaisquetodooresto:a alma, a consciência, e, no vértice supremo, Deus.

32. Fazendo votos por que a Providência com a sua graça proteja, enobreça e santifique o desporto e as suas atuações, concedemo-vos de todo o coração, em penhor da Nossa paternalbenevolência,aBênçãoApostólica.

Cruzada pelo Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo
141

"Comonavidadospovosasépocasdeirreligião coincidemcomasdedecadênciasocialemoral, assimnabiografiadosindivíduosnadamais frequentes—nãodigo,universal—doque encontraroceticismoelegante,superficiale zombeteiroacobrirumavidadedissipaçõese desordensinconfessáveis".

Pe. Leonel Franca, S.J., A Psicologia da Fé, 6ª. Edição, Editora AGIR, 1952, pp. 159-170.

PODE-SE IMPRIMIR. Pe. José da Frota Gentil, S.J. , Excommissione Emmi. Cardinalis Archiepiscopi Rio de Janeiro, 16 de Julho de 1952.

A SENSUALIDADE

Para assegurar infalivelmente a continuidade da corrente vital através das gerações, a natureza que, na finalidade de suas leis, é expressão da sabedoria divina, associou o prazer ao exercício das funções transmissorasdavida.

O homem na perversidade de sua malícia dissociou esta solidariedade providencial: eliminouafunçãoeconservouoprazer.

Eis a segunda desordem profunda(I) introduzida pelo egoísmo no equilíbrio da nossa atividade moral: a sensualidade ou a busca do prazer pelo prazer, sem respeito à finalidadedafunção.

Na sua acepção mais ampla, o prazer é “a consciência de uma harmonia vital”.(1) Uma harmonia vital, um bem do ser que vive e age: eis o seu elemento objetivo, biológico. A sua consciência mais ou menos vivamente sentida, eisasuafacesubjetiva,psicológica.

Sinal de uma atividade regularmente exercida, estímulo natural e espontâneo ao exercício das funções úteis ou indispensáveis à vida, tal é o papel importante do prazer na economia da natureza. A sua finalidade é a funçãoaqueseachanormalmenteassociado.A sua razão de ser é a harmonia vital de que desabrocha como o perfume da flor. O critério de seu valor moral, a legitimidade racional do atoqueoprovoca.

O organismo não se conserva sem a alimentação que lhe renova os tecidos e supre areservadenovasenergias.Umasatisfação

particular acompanha o exercício desta atividadenutritivaindispensávelàconservação individual. Procurai, porém, satisfazer o vosso paladar não com o alimento que reconstitui os órgãos, mas com o veneno que os intoxica e tendes a desordem, o desequilíbrio moral, o prazer separado de sua função, ilícito porque irracional. Pior; que o gastrônomo requinte os excessos de sua intemperança, como os romanos da decadência, a ponto de ingerir banquetes pantagruélicos e logo em seguida arrevessá-los pelo puro prazer de saborear novas iguarias: é a degeneração repugnante, ante a qual instintivamente se revolta quem não tenha de todo obliterado o senso moral. Aqui a malícia humana cindiu de todo o prazer da função, para conservar um e suprimir a outra.

Mesma desordem, — porém mais profunda porque entram em jogo interesses mais altos e universais — no exercício das funções conservadoras da espécie. Percorram-se todas as depravações da luxúria, do vício solitário às orgias dos lupanares, por toda a parte é a excitação sexual provocada em condições que frustram total ou parcialmente a sua finalidade imanente, a conservação da espécie, pela procriaçãoeeducaçãodaprole.

A sensualidade, que sob o seu jugo tirânico escraviza tantos filhos de Adão, é, como se vê, uma revolta contra a ordem racional das coisas, uma insurreição tumultuosa, violenta e cega na sua violência, da parte inferior do homem contra as exigências superiores da razão que devem constituir a norma de toda a atividade humana. É a expressão brutal do egoísmo a sacrificar à própria satisfação uma ordem objetiva de valores que, em nós e fora de nós, tutela a existência e conservação de bensmaisaltos.

(I) O primeiro é o orgulho, do qual fala o autornoCapítuloIdoLivroIII.

(1) Ver a explicação mais pormenorizada desta definição em EYMIEU, Le gouvernement de soi même,Primeirasérie,capítuloII,B.

Cruzada Mariana
142

Só por isto, só por esta escravização incondicionada ao que é inferior, só por esta renúncia deliberada à ordem racional das coisas, já poderíamos inferir a priori o antagonismo entranhado que opõe o homem sensual ao homem religioso. Nos seus ensinamentos objetivos, o cristianismo é ordem, razão, equilíbrio; na sua prática subjetiva, é esforço leal, sincero, incansável de realizar na beleza da vida a plenitude da harmonia divina. A sensualidade que, não combatida pelas reações de uma vontade enérgica e disciplinada, tende, pela tirania de seus hábitos, a transformar-se em segunda natureza, desgarra o homem do plano divino e atira-o por este despenhadeiro, em cujos abismos, de degradação em degradação, acaba perdendo as mais nobres prerrogativas da humanidade. O Cristianismo eleva, a sensualidade rebaixa; o cristianismo racionaliza, a sensualidade embrutece; um liberta, a outra escraviza. A antítese é profunda e irredutível. O homem, que definitiva e deliberadamente orienta a sua vida para o prazer, levanta, com esta desordem radical, uma barreira impermeável às influências reabilitadoras dareligião.

Será preciso confirmar com o veredictum da experiência a verdade destas inferências fáceis? Será mister provar com os fatos que, quase sempre, a aparição dos dois fenômenos, —incredulidadeeimoralidade—ésimultânea na história das almas? “Imoralidade, incredulidade e preguiça”, escreveu GRATRY, “fecham-se em círculo; pode começar-se por ondesequer”.(2) Algumasvezesaincredulidade assalta a inteligência e vai depois, por um choque em retorno, provocar o desmando dos costumes. Quase sempre, porém, é inversa a causalidade dos dois fatos. Corrompe-se o coração primeiro, extravia-se depois a inteligência. O que mais embaraça na religião é odecálogoenodecálogoo6.°mandamento;só mais tarde, por uma necessidade de coerência psicológica que exige uma unidade interior, se sacrifica o símbolo. É esta a história de 99 sobre 100 das chamadas crises de fé na juventude.

Ouvi o depoimento de J. Guirard: “uma experiência de onze anos de internato em liceu e mais quatro na Escola Normal me tem mostrado que na maioria dos casos cessa o jovem de ser católico menos por motivos de ordem intelectual do que por outros de ordem moral. Afasta-se de Deus porque já não tem o coração puro”. (3) Ouvi ainda a confissão humilde e sincera de F. Coppée: “Foi a crise da adolescência, di-lo-ei com franqueza, foi a vergonha de certas confissões que me levaram a renunciar aos meus hábitos de piedade. Muitos homens, nas mesmas condições, conviriam, se quisessem ser sinceros, que, antes de tudo, o que os afastou da religião foi a regra severa a todos imposta no uso dos sentidos; só depois foram pedir à razão e à ciência argumentos metafísicos para já se não incomodarem. Comigo,aomenos,foioquesedeu”. (4)

(2) "Immoralité, incrédulité et paresse font cercle. Le commencement est où l’on veut” . Gratry, Les sources Paris,Téqui,1920,p.70.

(3) J. Guirard, Por que é que sou católico (trad.deVilhenadeMorais).Rio,1930,p.34.

(4) F. Coppée, La bonne souffrance, Paris, 1898, Préface,pp.5-6.

Confissões como estas, para não citar senão grandes nomes, encontrareis em Bourget, Claudel,Bertrandeinumeráveisoutros.

Infelizmente as devastações do vício impuro, incompatíveis com a sinceridade coerente da fé, não se limitam à crise da puberdade. Os extravios dos verdes anos prolongam-se muitas vezes até a velhice desonrada. O que começara sob o impulso ardente das primeiras paixões mal disciplinadas, perpetua-se, pela vida adiante, com a tirania humilhante de hábitos inveterados. E as almas continuam ainda vergonhosamente sensuais quando os corpos, em decadência, já não podem responder ao apelo impotente dos desejos irrealizáveis. Na juventude, as paixões nascentes abalam muitas vezes a fé; na idade madura, o desregramentohabitualdoscostumes

Cruzada Mariana
143

aclima definitivamente as negações da incredulidade, cúmplices da vida. A lição da história registra também aqui o fato, doloroso, mas instrutivo, já posto em relevo alhures: “a maior parte dos negadores das cousas divinas não assentou a sua vida moral nestas eminências serenas e puras, onde se elevam os templosdasabedoria”.

Baunard, cujas palavras acabamos de citar, resumindo os resultados de uma experiência singularmente longa, assim depõe aos 80 anos: “Possoatestarquemuitasvezestiveocasião de descer, bem fundo, em mais de uma destas doutas inteligências corroídas e devastadas pela teofobia. Procurei nelas onde se alojava o micróbio do ateísmo. Não foi na cabeça, no cérebro, que o encontrei; foinaconsciência,nocoração,nossentidos; láestavaele”.(5)

Quereis individualizar casos? Vêde este século XVIII. Foi o século da incredulidade, dizem; antes, porém, foi o século da depravação dos costumes. Luís XIV com o prestígio do seu nome conseguiu ainda salvar as aparências do pudor e do respeito e com os esplendores de sua púrpura gloriosa dissimular a corrupção que lavrava, clandestina e avassaladora. Sob os seus sucessores a vasa impura transbordou livremente e um grande historiador dos nossos dias não hesita em afirmar que “nunca a civilização cristã havia assistido a espetáculo tão vergonhoso”.(6) O que foi este século XVIII em excessos revoltantes de torpezas não é possível resumir em poucas palavras, nem conveniente descrever em muitas. Pois foi "no Hôtel du Temple, no estado-maior do vício e da impiedade que então aí celebrava as suas reuniões, que vemos crescer o sinistro pontífice da irreligião moderna. Este íntimo dos libertinos das altas rodas foi-o também da famosa Ninon de Lenclos que lhe deixou, em testamento, dois mil francos para a compra de livros. Não nos deve desagradar que o maior inimigo da fé cristã tenha sido o protegido de uma cortesã. Para mim,” continua Kurth, “quandopensoqueafilosofiasaiudaalcovade

Ninon, experimento um sentimento análogo ao de Tertuliano que se congratulava de ser haver chamado Nero o primeiro perseguidor do cristianismo”.(7) Aos 20 anos já Voltaire estava completamente corrompido pelo meio doméstico e social que frequentara. O pai procurou reagir, mas era muito tarde. Sob o pretexto de estudose dediplomaciaenviou-oa Caen e daí à Holanda, donde voltou o moço, pouco depois, em consequência de aventuras poucoedificantes.Oqueelesefeznestaquadra decisiva,conservou-sepelavidaadiante”.(8)

(5) Baunard, Le vieillard,Paris,1916,p.83.

(6) G. Kurth, L'Église aux tournants de l'histoire, Bruxelles, Dewit, 1927, p. 161. Imediatamente antes: "La haute societé sembla vouloir transformer toute la France en un mauvais lieu” .

(7) G.Kurth, op. cit.,p.162.

(8) Sobre a corrupção desta sociedade frequentada pelo jovem Voltaire Cfr. A. Bellesort, Essai sur Voltaire, Paris, 1925, p. 14; H. Leclercq, Histoire de la Régence, 3 vols., Paris, 1922.

De Sainte-Beuve muitos só conhecem o crítico literário das Causeries du lundi. Foi tambémumímpioeumperseguidor:ohomem doslautosjantares,nassextas-feirassantas,em companhia de Flaubert e de E. About; o clerófobo intolerante que não via o momento em que a França se devia “purgar da lepra clerical”;oprimeirosenadorfrancêsquepediu enterro civil. Ímpio e cético, sim, mas também epicureu devasso e revoltante. E “o nome de epicureu não basta para dizer o que foi a desordem desta vida degradada e desenfreada.” É da vida de boêmio que faz alarde.Nodizerde Veuillot eleprofessa“oculto das musas impudicas!” “À juventude prega a união livre de que lhe dá exemplo. Suas atitudes ostentadas são as de um mestre na arte de seduzir, e com que fingimentos, com que máscaras hipócritas!” “Em outros tempos”, escrevia ele aos 63 anos, seis anos antes de morrer, “ocupei-me um pouco da mitologia cristã.ParamimeracomoocisnedeLeda

Cruzada Mariana
144

para chegar às beldades a fim de travar relaçõesmaisternas”.—“Porquenãosecasa?”

recriminava-lhe Júlio Janin. — “Sou muito feio” respondia ele. E, de fato, era. “Mas a pior fealdadenãoéadocorpo”. (9)

A. Gide oferece-nos em nossos dias o exemplo doloroso de uma alma que, na mais perfeita lucidez, posta na alternativa de escolherentreDeuseacarne,prefereacarnee renuncia a Deus. “Perdão, Senhor! sim, eu sei queminto.

A verdade é que esta carne que odeio, eu amo-a ainda mais que Vós. Morro por lhe não poder esgotar os atrativos. Peço-vos que me ajudeis, mas sem renúncia verdadeira…Infeliz! que pretendes casar em ti o céu e o inferno. A Deus não nos damos senão inteiramente”.(10) Mais tarde, noutra obra colhemos esta confissão instrutiva: “Certes, j'ai fait ce que j'ai pu pour empêcher l’usure atroce de mon âme; mais ce ne fut que par l'usure de mes sens qu je pus la distraire de son Dieu” . (11)

(9) Baunard, Le vieillard,Paris,1916,p.412.

(10) Numquid et tu, p.58.

(11) Nourritures terrestres, p. 200. "Certamente, fiz o que pude para evitar o desgaste excruciante de minha alma; mas foi apenas pelo desgaste dos meus sentidos que pudedistraí-ladeseuDeus".

Poupemo-nos à tarefa ingrata de continuar esta história do paralelismo entre a libertinagem do espírito e a do coração. Nada há mais certo. Como na vida dos povos as épocas de irreligião coincidem com as de decadência social e moral, assim na biografia dos indivíduos nada mais frequentes — não digo, universal — do que encontrar o ceticismo elegante, superficial e zombeteiro a cobrir uma vida de dissipaçõesedesordensinconfessáveis.

Eis o fato. Investiguemos-lhe as explicações mais profundas. Não se viola impunemente uma lei da natureza. O instinto sexual que existe para a espécie, desviado de sua finalidade, multiplica sobre os indivíduos prevaricadoresosmaisfunestosestragos.

A volúpia egoísta que deixou de ser mãe da vida passa a ser semeadora de morte. Sobre o organismo caem as primeiras vinganças da ordem natural violada. Não nos deteremos em descrever as ruínas fisiológicas amontoadas pela impureza. Quem se não lembra do quadro que nos traçou Lacordaire destes homens que, “na flor da idade, apenas honrados com os sinais da virilidade, já trazem os estigmas do tempo; que, degenerados antes de haver atingido o nascimento total do ser, a fronte sulcada de rugas precoces, os olhos vagos e encovados, os lábios incapazes de exprimir a bondade, arrastam sob um sol ainda novo uma existência caduca? Quem fez estes cadáveres? Quem tocou esta criança? Quem lhe tirou o viçodosanos?Quemlhegravounafaceséculos de vergonha? Não foi este sentido inimigo da vida dos homens? Vítima de sua depravação, o infelizviveusolitário,nãoaspirousenãoaestes abalos egoístas, a estas pulsações terríveis de que o homem e o céu desviam os olhos para não ver. E ei-lo; lá vai, embriagado do vinho da morte, com passos desprezados levar o corpo ao túmulo, onde, com ele, dormirão os seus vícios, que lhe hão de desonrar as cinzas até ao derradeiro dia”.(12) Eliminai a intemperança e a impureza e tereis suprimido 90% das enfermidadesqueafligemahumanidade.

Mas a incontinência, na sua conspiração contra a vida, leva mais longe a profundidade de suas devastações; vai mirrar as mais nobres das faculdades humanas: o coração e a inteligência.

O coração antes de tudo. A sensualidade atrofia, uns após outros, os mais belos e os mais nobres sentimentos, ao seu sopro impuro estiolam, crestadas, a bondade, a dedicação, o amor, o desinteresse e o sacrifício. “Nunca encontrei ternura de coração”, declara Lacordaire, “num jovem devasso; almas amantes só as encontrei entre as que ignoravam o mal ou lutavam contra ele”. (13) Por vezes, esta degeneração progressiva dos sentimentos mais delicados atinge extremos de crueldade e de cinismo inimagináveis.Umjovempedeàmãeas

Cruzada Mariana
145

suas últimas economias para queimá-las no vício.Comoapobremulherrecusasse,elevibra umgolpeassassinoevoltaàssuasdevassidões. No dia seguinte é preso; a polícia interroga os companheiros. Surpresa geral; nenhum deles suspeitara sequer o horror da tragédia; a orgia correra toda entre as manifestações da mais exaltada alegria. O coração insensível do depravado continuara o seu ritmo normal quando nas mãos do filho ainda palpitava quente o sangue materno. As vibrações da carne haviam, por completo, substituído as emoções do coração. O caso é raro, porque extremo, mas bem mostra em que sentido orientam a sua ação esterilizadora os excessos doprazer.Semraiarpelaferocidadedesumana, quantos pais e quantos filhos não sacrificam à violência de uma paixão tirânica os bens que representam o pão da casa, as lágrimas de uma esposaoudeumamãe,apazdeumlar,ahonra de um nome que é o património de uma família?

(12) Lacordaire, Conférences de Notre-Dame de Paris,Conf.XXIIe,t.II,Paris,1850,p.40.

(13) Op. cit.,p.41.

Fora de suas leis naturais, o instinto sexual é o mais egocêntrico e brutal dos instintos:éa antítesedoverdadeiroamor,a mortedocoração. Oamorvivedodomdesi,o prazer da satisfação de si; um, sacrifica-se pela felicidade da pessoa amada, outro, tudo sacrificaaoprópriogozo;ocoraçãoesquece-se, num pensamento perfumado de delicadas atenções, para multiplicar as alegrias alheias; o sentido depravado, pulsando para si, não vê nos outros senão o instrumento de suas concupiscências grosseiras. Quem a isto chamou de amor, não sabe o que é amar. O sensual ama, se quiserem, como ama o salteador a sua vítima, para despojá-la, transformando o bem de outrem em gozo próprio. Numa palavra, buscar sempre o próprio prazer é ao mesmo tempo o ideal supremo do voluptuoso e a fórmula-tipo do egoísta. Não é por esta via que se educa, se eleva,sepurificaeseenobreceoamor.(14)

desvirtua o amor e alimenta o egoísmo? Aí já temos uma das razões de sua incompatibilidade com a fé. A religião é essencialmente uma relação de pessoa a pessoa; é um obséquio, uma homenagem livre da criatura ao seu Criador; um movimento espontâneo do ser racional para o seu Fim derradeiro, que é também o seu primeiro Princípio. Ora, só um ato é capaz de orientar uma pessoa para outra, de religá-las (religio) comareciprocidadedeumadoaçãointeira:éo amor.

Na sua plenitude o amor implica o dom de si mesmo, completo, incondicionado, irrevogável a outrem que o merece, porque da suabondadeefidelidadesetemumaconvicção absoluta. A religião é, pois, o amor na sua expressão mais elevada e definitiva. À medida que nos desprendemos, de nós mesmos, da ganga vil do nosso egoísmo grosseiro, à medida que, num desapego sincero e num desinteresse generoso, nos elevamos na pureza da caridade, aproximamo-nos efetivamente de Deus e realizamos, com o amorpuro,aplenitudedavidareligiosa.

E aí está a raiz do antagonismo psicológico irredutível entre epicurismo e cristianismo. A sensualidade exalta o egocentrismo desequilibrado, diminui a capacidade de dedicação (devotio), estreita os horizontes da vida reduzidos à fugacidade de sensações violentas e estéreis. A fé orienta-nos para Deus numa doação de nós mesmos à sua Bondade infinita, doação ativa, eficaz, realizadora da vontade divina em todos os primores de sua perfeição. Vidareligiosaevidasensualestão entre si como as conchas de uma balança: umadescenarazãoemquesobeaoutra. Atrofia do coração: primeira decadência. Entorpecimento progressivo das faculdades intelectuais:outrotributohumilhantequea desordem dos sentidos impõe às suas vitimas. Oestudodasquestõesreligiosase,em geral, a vida da inteligência requerem uma atmosfera de recolhimento e de paz. Recolhimentoexterno:separaçãodestebulício

Cruzada Mariana
Asensualidademirraocoração, 146

dissipador dos homens e das coisas; e principalmente recolhimento interior, serenidade da alma que dominou as suas paixões.Avidadosensualéaanarquiainterior e a dissipação externa. Os sentidos vivem para fora e projetam para dentro a multiplicidade, a agitação, a instabilidade fugaz das suas emoções. Ninguém realiza menos o ambiente indispensável ao trabalho intelectual fecundo e elevadoqueohomemdeprazer.

Mas o mal é mais profundo. Baixa o nível da vida superior da alma não só pela ausência das circunstâncias extrínsecas favoráveis à atenção continuada que concentra e intensifica as energias do espírito, mas ainda pelo estiolamento da inteligência que aos poucos vai sendo atingida no âmago da sua vitalidade. Médicos, psicólogos e pedagogos atestam-no concordes. “Não é evidente”, escreve Payot, “que o prazer venéreo é funesto, e, pelo contrário, a continência dá ao organismo, à inteligência um vigor e uma plenitude de energias admiráveis?(15) A continência, repete Ch. Féré “realiza uma reserva de forças... e favorece... as diversas formas da atividade intelectual”.(16) "A ausência de qualquer elemento libertino, na conversa e na alma”, observa finamente Pe. Bourget, “é o sinal verdadeiro da grande intelectualidade”. (17) A linguagem popular, condensação de largas experiências, traz aqui a sua confirmação qualificada. Do prazer não se diz nunca que intelectualiza ou eleva; que animaliza e embrutece, sim, é o que ouvimos repetir a cada passo.

Estaaçãodissolventedaintemperançapode atingir o extremo de um aniquilamento total das faculdades superiores do conhecimento. A debilidade mental, o amolecimento cerebral, a demência paralítica são, inúmeras vezes, o desfecho trágico de uma vida de excessos. Não é mister insistir, em ponto tão evidente. Aí estão as estatísticas, aí estão os tratados de psiquiatria a responsabilizarem a devassidão e o alcoolismo por todas estas variadas formas de deliquescência intelectual que se amontoam noshospíciosenãolimitamaumageraçãoos

estragosdesuasintoxicaçõescorrosivas.

(15) J. Payot, L’Éducation de la Volonté, Paris, Alcan, 1894 p. 12. Todo este capítulo l.° do LivroIV,analisacomprecisãooestragodavida incontinentenainteligênciaenavontade.

(16) Ch. Féré, L'instinct sexuel, Paris, Alcan, 1902,p.315.

(17) P. Bourget, Outre-mer, Paris, Lemerre, 1895,II,p.191.

Continua na próxima edição.

Cruzada Mariana
147

"

Todas as nações estão em franca decadência, devido à imoralidade que invadiu também as camadas conservadoras. Faltam homens, caráteres, personalidades, chefes íntegros e puros, condutores fortes e superiores, indispensáveis pelo menos para os cargos mais importantes."

Pe. Lacroix S.C.J., O Problema Sexual e sua solução. Revisto e prefaciado pelo Pe. Antonio d’Almeida Morais Junior, do Instituto de Direito Social de São Paulo, pp. 477-479.

Reverificado pelo Dr. Cyro Nogueira, Prof. Catedrático da Faculdade de Medicina de São Paulo, Editora S.C.J. 1948.

REIMPRIMI POTEST. Taubaté, die 13 Junii 1947. Pe. Gerardus Claassen, S.C.J., Praep. Prov. Bras. Merid.

NIHIL OBSTAT. Taubaté, die 29 Junii 1947. Sac. Ioannes Baptista de Siqueira, Censor.

REIMPRIMATUR. Taubaté, die 29 Junii 1947, D. Francisco Borja do Amaral, Bispo Diocesano.

Ruínas do instinto sexual

As sanções que Deus juntou às leis da vida sexual, consistem em consequências nefastas para os transgressores, em castigos corporais e eternos, cada qual diferente, conforme a prevaricação. Para melhor avaliá-los pela particular importância de que se revestem, dividimo-los em três grupos: corporais,espirituais,familiaresesociais. (A)

Ruínasfamiliaresesociais.

Família. — O lar deveria ser um segundo paraíso, um recinto sagrado de felicidade para todos, pais e filhos. Por culpa do homem, porém, torna-se muitas vezes um antro de desgraças, de perversidades e crimes. Não raro, lega o marido à jovem esposa o que ganhou com as mulheres de má vida, isto é, doenças venéreas que se transmitem fatalmente aos filhos, envenenando fisicamente a própria geração. Quantas vezes a jovem esposa, bela e sadia como uma rosa primaveril, veio logo a murchar e definhar, senão a morrer da infecção, e quantas mais vezes nem há filhos, ou há filhos doentes do mesmo mal, dado que só 8 a 10% escapam da sífilis! E habituado à luxúria requintada, quantas vezes o homem exige da sua mulher indignidades que a rebaixam e aviltam; ou então, não satisfeito com ela, procura outras "amigas", abandonando os seus, mulher e filhos, ou mantêm um segundo lar, em prejuízo do seu! Quantas e quantas vezes marido é mulher, do mesmo estofo, combinam para evitar filhos, ou os matamquandosobrevêm,sóporquereremficar

livres e ter mais dinheiro para gastar, cada um do seu lado, em luxo e frivolidades! São essas as famílias modernas de hoje, e delashá inúmeraspor todaparte.

Sociedade.— Claroé que de laresem ruínassó podem nascer ruínas para a sociedade. Os vícios do indivíduo recaem sobre ela, multiplicando-se ao infinito, não menos que as virtudes por ele praticadas. Entre estas é a castidade, mais do que todas, o termômetro para medir a altura do nível social e nacional. Todas as nações estão em franca decadência, devido à imoralidade que invadiu também as camadas conservadoras”. Faltam homens, caráteres, personalidades, chefes íntegros e puros, condutores fortes e superiores, indispensáveis pelo menos para os cargos mais importantes. O povo, as famílias não os fornecem, porque não existe castidade, senão em escala mínima. Esta é a verdade e a razão íntima da nossa fraqueza, da nossa impotência! “A devassidão é a fogueira imensa onde se queimam os grandes valores intelectuais e morais, “ o pântano onde vemos submergir-se a poesia da família, a ingenuidade dos prazeres simples; onde vemos desaparecer o ideal da arte, os heroísmos do sacrifício, todas as bandeiras da honra, da pátria, da nobreza, da arte, da literatura. Até que, por último, essa lama, subindo mais, submerge até as torresdasigrejaserguidasaoDeusinvisível”.(1)

Conclusão. — Como conclusão desta parte, sobre as ruínas da luxúria, sirva a seguinte sentença aniquiladora do grande pagão Marcos Túlio Cícero: “Não existe peste pior nem crime a que não impila! Deste flagelo nascem evidentemente estupros e adultérios, mas até traições da Pátria e a ruína do Estado! — Nada mais prejudicial ao espírito humano: é contrária à temperança e à toda virtude! Tira-lhe a razão e até a possibilidade de reflexão! Quanto mais domina o homem, tanto mais lhe apaga a luz da razão! Nada mais detestável e pestífero! Nada mais ruinoso paraohomem!"(2)

(A) Por ora trataremos a respeito das ruínas familiares e sociais causadas pela luxúria. Noutra ocasião versaremos sobre as ruínas individuais do vício.

(1) Dr. Paulo Mantegazza, fisiologista italiano, em “ O amor”, trad. port., p. 179. — Cit. em “Pureza e Sensualismo”, de Trind. Salgueiro, p. 208.

(2) Em “Cato Maior” — De Senect., c. 12, 39/40.

Cruzada Mariana
148

"Há certas coisas tão necessárias para o bem da causa católica que não basta sejam acenadas, mas devem ser muitas vezes lembradas e recomendadas. Entre elas está principalmente o cuidado dos Seminários com cujas condições está intimamente ligada a sorte da Igreja".

"Esperamos, que todos os corações cristãos unam seus esforços e suas orações em uma santa cruzada para favorecer e cultivar as vocações eclesiásticas".

OraçãopeloClero

Deixai, Oh! Jesus, que em Vosso Coração Eucarístico, depositemos nossas mais ardentes precespelonossoClero.

Multiplicai as vocações sacerdotais na nossa Pátria: atraí ao Vosso altar os filhos do nosso Brasil;chamai-oscominstânciaaoVosso Ministério. Conservai, na perfeita fidelidade ao Vosso serviço, aqueles a quem já chamastes; afervorai-os, purificai-os, santificai-os, não permitindoqueseafastemdoespíritodaVossa Igreja.

Não consintais, Ó Jesus, nós Vos suplicamos que debaixo do céu brasileiro, sejam, por mãos indignas, profanados os vossos mistérios de amor.

Também vos pedimos com instância: deixai que a misericórdia de vosso Coração vença a Vossa justiça divina por aqueles que se recusaram a honra da vocação sacerdotal ou desertaram das fileiras sagradas. Atendei, Oh! Jesus, a esta nossa insistente oração, vo-lo pedimos por vossa Mãe, Maria Santíssima, Rainha dos Sacerdotes. Ó Maria, ao vosso Coração, confiamos nosso Clero; guiai-o, protegei-o,salvai-o.

Cardeal Leme

"Eis um argumento que depois de tratado em todas as ocasiões que se apresentaram, se torna hoje de premente necessidade: Vocações, recrutamento, cultivo e bom aproveitamento. Diletíssimos filhos, qualquer que seja vosso ofício, fazei um voto, não só atual, mas perpétuo de zelar com todas as vossas forças de talento e cultura, e sobretudo de santa vontade, daquela santa vontade que o Senhor vos dá, de zelar da Obra das Vocações. Obra de fundamental e essencial importância".

Actas do II Congresso Nacional das Vocações Sacerdotais, Realizado de 04 e 09 de Novembro de 1956, I Centenário do Seminário de São Paulo, p. 179-192.

Como fundar a Obra das Vocações

Trabalho apresentado pelo Revmo. Sr. Diretor da O.V.S. da Diocese de Sorocaba, Mons. José Vianna, Quinta-feira, dia 8, Quarta Sessão do Clero.

Fundar a Obra das Vocações é pôr em prática aquilo que dela se conhece. Conhecê-la, pois, é o primeiro passo para sua fundação. Quanto maior for o conceito que dela fizermos, maioresserãonossosesforçosporrealizá-la.

Tentaremos em primeiro lugar entrar nos pensamentos da Igreja em relação à Obra das Vocações. Devemos sentir com a Igreja. Sentindo com Ela daremos a mesma consideração que Ela dá à Obra das Vocações e procuraremos imediatamente e por todos os modos executar o que Ela deseja e de que estamosconvencidos.

Depoistentaremosdarresumidamenteuma noção de sua Origem, Natureza, Fim, Meios, Membros, Direção, Atribuições, Escrituração, Vantagens, Patronos, Insígnias, Almoxarifado, de tudo, enfim, que diz respeito à sua organização teorética como primeira medida parasuaorganizaçãoprática.

Finalmente estudaremos o método de fundá-la.

AObradasVocaçõesSacerdotaisno pensamentodaIgreja

A preocupação da Santa Igreja pelo recrutamento e santificação de seus sacerdotes sempre existiu, desde aquela ordem de Jesus: Rogate Dominum messis… (S. Mt. IX, 37 e 38) e daquela sua oração sacerdotal: Pater, venit hora… (Jo.XVII).

Desta solicitude encontramos vestígios desde a mais remota antiguidade. Santo Atanásio, quando jovem, foi entregue pelo Bispo de Alexandria, a alguns mestres idôneos para instruí-lo nas coisas eclesiásticas. O Papa Sirício, em 385, escreveu uma carta a Imera de Tarragona,aqualsupunhaousode

Cruzada pelas Vocações Sacerdotais
149

escolher meninos para serem sacerdotes. Da escola de Santo Agostinho saíram muitos ilustres sacerdotes. O Concílio de Toledo, de 663, já tinha um cânon muito parecido com o do Concílio Tridentino. Em 1552, Santo Inácio fundou o Colégio Germânico, o qual foi o argumento decisivo para o Concílio decretar a fundação de Seminários. Desde esse Concílio, a solicitude da Igreja foi melhor notada e correspondida, particularmente com o agravamentodasnecessidadesdasalmas.

Em relação ao Brasil, já o Santo Padre Leão XIII, em sua Carta ao Episcopado Brasileiro, "Paternae providaeque" de 18 de setembro de 1899, encarecia a importância e urgência do trabalho pelas vocações e a facilidade de solução, dada a generosidade de nosso povo, escrevendo assim: "Há certas coisas tão necessárias para o bem da causa católica que não basta sejam acenadas, mas devem ser muitas vezes lembradas e recomendadas. Entre elas está principalmente o cuidado dos Seminários com cujas condições está intimamente ligadaasortedaIgreja".

No fim do século passado e começo deste, surgiram muitas associações e obras, bem que com nomes diversos, com a finalidade de amparar espiritual e materialmente as vocações. De agosto de 1904, data a fundação da Obra das Vocações da Arquidiocese de São Paulo.

NasAtasdaSantaSéaprimeirareferênciaa umaassociaçãodestegênerodatade4dejulho de 1910. O Sr. Arcebispo Auitano, Dom Francisco Ricard consultava Roma a respeito da oportunidade e conveniência de uma associação de orações e de zelo em favor das vocações. O Emmo. Sr. Card. Merry Del Val, em nome do Santo Padre São Pio X, respondeu-lhe aprovando, animando e abençoando a ideia que, no dizer de Sua Eminência, vinha ao encontro com as cogitações da própria Santa Sé.

Em 1911, o Papa São Pio X escrevia ao Emmo. Sr. Card. Joaquim Arcoverde, exortando acuidardiligentementedossemináriosdo

Brasil. "Deveis, escrevia o Papa, fazer todo o empenho para que o número de sacerdotes de que é imensa a falta, corresponda ao número de habitantes, de tal modo que, instruídos na doutrina e ornados de virtude, possam desempenhar convenientementeosantíssimoministério".

A Sagrada Congregação do Santo Ofício, observando o aparecimento de numerosas associações destinadas a favorecer e amparar as vocações sacerdotais e para mais incentiválas, a 29 de maio de 1913, baixou o Decreto "Adest Profecto", concedendo sob determinadas condições preciosos favores espirituais. Estas mesmas faculdades, em 1916, foram estendidas às associações que cuidassem das vocaçõesreligiosas.

A prova máxima do interesse da Santa Igreja pelo recrutamento e santificação do clero é a fundação da Sagrada Congregação dos Seminários e Universidades, a 4 de novembro de 1915, pelo Santo Padre Bento XV. Essa Congregação tem enviado para o mundo todo centenas e milhares de cartas, decretos, instruções, recomendando a Obra das Vocações,tãoprovidencialenecessária.

O cuidado das vocações sacerdotais ficou consagrado de maneira solene e permanente no Cânon 1353 do Código de Direito Canônico, promulgadonaFestadePentecostesde1917.

Em 1921, o mesmo Santo Padre Bento XV fundava em Roma a Obra das Vocações. "Esperamos, escrevia ele, que todos os coraçõescristãosunamseusesforçosesuas orações em uma santa cruzada para favorecer e cultivar as vocações eclesiásticas".

Em novembro do mesmo ano, na Carta "Saepe Nobis" aos bispos da Checoslováquia recomendava calorosamente a Obra das Vocações.

Depois da morte do Santo Padre Bento XV, apenas elevado ao trono pontifício, o Papa Pio XI, na audiência de 22 de fevereiro de 1922, concedida aos párocos de Roma, recomendava: "Aproveitoestaoportunidadepara

Cruzada pelas Vocações Sacerdotais
150

vos recomendar especialmente a Obra das obras,aObradasvocações."

A 1º. de agosto do mesmo ano, escrevia a Carta Apostólica "Officiorum omnium" ao Emmo. Sr. Card. Bisleti, apelando "Não podemos deixar de apelar a todos quantos amam a Igreja que favoreçam e promovam por todos os meios a Obra das Vocações Eclesiásticas". É de se notar que este é o primeiro documento oficial que consagra o nomede"ObradasVocações".

Em carta ao Card. Vigário de Roma, a 7 de junho de 1923, preocupado com a falta de vocações em Roma e fora, o Santo Padre Pio XI recomenda a instituição do DIA DAS VOCAÇÕES, a ser celebrado todos os anos, no mês de junho, esperando que o seu exemplo seriaimitadopelosdemaisBisposdaItáliaede todo o mundo. São suas estas palavras: "É necessário por isso insistir diante de Deus benigníssimo. Para tanto queremos que num dia do mês de junho, que no futuro será sempre consagrado a tal fim, em todas as igrejas da Cidade que afortunadamente tem por Pastor o próprio Vigário de Cristo, se promovam funções solenes para implorar do Sacratíssimo Coração de Jesus, tão amante das almas, a graça da vocação a muitíssimasalmas".

No mesmo ano, exortava os pregadores a nãodeixarpassarocasiãodetratarassuntosde tamanha importância e de "fazer sentir ao laicato, às famílias, aos pais e mães, a grande benção que representa, mesmo que seja uma só vocação sacerdotal, semeada à distânciaemmeiodeumageração".

Ao Bispo de Orte escrevia: "diga a seu clero e repita a todos seus diocesanos e insista com todos aqueles com quem tiver oportunidade de tratar durante a visita pastoral, que eu não tenho outro desejo, que não peço ao Senhor outra graça, senão a de poder com meu Pontificado ressurgir e tornar vigorosa a vida espiritual e intelectual dos Seminários. Para os Seminários darei tudo o que possuo, dispostomesmoacontrairdívidas,sea

necessidade deles reclamar e estivesse eu desprovido de meios. Para os que favorecerem os Seminários eu dou uma Benção especial, e para qualquer subscrição a favor deles, eu quero ser o primeiro a dar minha oferta e ficarei bem contente se outros, em sua generosidade, queiram superar o que tenho feito. A mais grata prova de afeto que espero de meus filhos é a ajuda moral e material que eles deremaosSeminários".

Em 1925, a Sagrada Congregação dos SemináriosdirigiaumapeloaoEpiscopadodos Estados Unidos para que fundasse em todas as diocesesdaquelepaísaObradasVocações.

A 22 de fevereiro de 1928, o Santo Padre na acostumada audiência aos párocos de Roma encareceu muito a Obra das Vocações, chamando-a de "Obra absolutamente divina".

O atual Papa, ainda quando Secretário de Estado, pronunciou um importante discurso, a 31 de janeiro de 1932, na igreja da "Trinitá dei Monti", dizendo que a "causa das vocações eclesiásticas é a mesma de Deus e da Igreja". Da peroração desse discurso é que foi tiradaaOraçãodesteCongresso.

O Santo Padre Pio XI, na alocução de 7 de julho de 1934, aos membros da Ação Católica, recomendando o apoio à Obra das Vocações, disse: De entre as coisas que "Ação Católica e todos nós devemos pedir e esperar de Deus poucas preces podem ser mais oportunas, mais necessárias como a oração para obter bonsesantossacerdotes".

Na grande Encíclica "Ad Catolici Sacerdotii Fastigium", de 20 de dezembro de 1935, definida pelo mesmo Santo Padre, como o documento mais importante de seu Pontificado, exortava os fiéis a trabalhar pelas vocações sacerdotais, escrevendo: "Louvamos, abençoamos e recomendamos com toda a alma aquelas obras salutares que de mil formas e com mil indústrias sugeridas pelo Espírito Santo, se destinam a defender e promoverasVocaçõesSacerdotais".

Cruzada pelas Vocações Sacerdotais
151

No mesmo dia da publicação da monumental Encíclica saía também a Missa Votiva de Jesus, Sumo e Eterno Sacerdote, resumo de toda a doutrina sobre a vocação e o sacerdócioecoroadetudoquantosedisseese fez pelas vocações, para ser celebrada nas quintas-feiras,quantoasrubricaspermitirem.

Para incrementar a celebração do Dia do Sacerdote ou Sábado do Sacerdote, a 11 de março de 1936, foi ampliada a faculdade de celebrar-se esta Missa Votiva para todas as primeiras quintas-feiras ou primeiros sábados, observadas as rubricas e onde, com licença do Ordinário do lugar, se promove o piedoso e providencial exercício de rezar pela santificação e aumento de sacerdote. Esta missa ficou assim gozando dos mesmos privilégios da Missa do Sagrado Coração de Jesus.

Como o Dia do Sacerdote ou Sábado do Sacerdote se espalhasse rapidamente pelo mundo, a Sagrada Penitenciária Apostólica para mais incentivá-lo, a 12 de abril de 1937, enriqueceu-odenumerosasIndulgências.

Na importantíssima publicação de 1938, "Enchiridion Clericorum", cuidada pessoalmente por S. Excia. Revma. Mons. Ernesto Ruffini, Secretário da Sagrada Congregação dos Seminários, vêm em poucas palavras e magistralmente delineados os fins daObradasVocações.

Nacostumadaaudiênciaaospárocos,de1.o de março de 1938, o Santo Padre Pio XI coroava a série de cuidados em favor da Obra das Vocações, proferindo estas palavras: "Eis um argumento que depois de tratado em todas as ocasiões que se apresentaram, se torna hoje de premente necessidade: Vocações, recrutamento, cultivo e bom aproveitamento. Diletíssimos filhos, qualquer que seja vosso ofício, fazei um voto, não só atual, mas perpétuo de zelar com todas as vossas forças de talento e cultura, e sobretudo de santa vontade, daquela santa vontade que o Senhor vos dá, de zelar da Obra das Vocações. Obra de fundamentaleessencialimportância".

"A graça de Deus, quer no campo material, quer no campo espiritual, nunca falta. A cooperação humana, porém, tanto individual como coletiva é que tem sido bastante falha".

Obra das Vocações

PioXII,a22demarçode1939

CartaaoCardealLegadodoConcílio PlenárioBrasileiro

"Sem dúvida, deve-se tratar com todo o cuidado e zelo da obra destinada a fomentar as vocações eclesiásticas e principalmente dos meios idôneos com que, em maior número, nesta cidade santa de Roma, se formem pela piedade e a sagrada doutrina os alunos escolhidosdoBrasil".

O Concílio Plenário Brasileiro, promulgado a 7 de setembro de 1940, pelo Decreto 444, ordenou que "se instituísse em todas as diocese a Obra das Vocações e fosse amparada em todas as paróquias pelo clero, pelas associações religiosas, principalmente pelos elementosinscritosna"AçãoCatólica".

Entre tantos outros documentos faltava um que tratasse dessa Obra ex-professo e constituísse a sua base fundamental. Chegou ele pelo "Motu proprio Cum nobis" do Santo Padre Pio XII, com o qual instituiu a Obra Pontifícia, fixando-lhe claramente os fins e as linhas mestras. Este documento em relação aos anteriores é a coroa de todos os demais e ao mesmo tempo o ponto de partida para um trabalhomaisorganizado,intensoeamplo.

A 30 de janeiro de 1942, a Sagrada Penitenciária Apostólica para atrair mais a atenção e interesse dos fiéis abriu os Tesouros de Indulgências em favor daqueles que em cruzada tão santa e urgente se inscreverem e deremseuauxílio.

Precioso também é o discurso que o Santo Padre Pio XII proferiu na audiência de 25 de março de 1942, aos neo-esposos e aos pais de famílias.

Memorável é aindaa Radiomensagemqueo SantoPadredirigiuaoBrasil,a7de

Cruzada pelas Vocações Sacerdotais
152

setembro de 1942, por ocasião do encerramento do IV Congresso Eucarístico Nacional de São Paulo, da qual destacamos apenas estas palavras: "Com prazer soubemos que um dos fins principais do Congresso era o estudo e a solução do problema, vital para todas as nações, mas assinaladamente para o Brasil, das vocações sacerdotais. Confiamos que se tenha encontrado a solução prática do momentoso problema e que em breve a vejamosrealizada".

A 8 de setembro de 1943, saíram os Estatutos e Normas para o funcionamento da ObraPontifícia,queconstituemparanósabase e o roteiro de todas as nossas atividades em favordaObradasVocações.

Entre os documentos que dizem respeito mais de perto ao Brasil temos a Carta Apostólica de 23 de abril de 1947, em que o Santo Padre encarece o serviço da Obra Pontifícia em favor das Obras Diocesanas. "O desenvolvimento, escreve o Papa, desta obra Providencial em cada Diocese servir-vos-á por certo, Veneráveis Irmãos, de decisivo auxílio para o copioso recrutamento de seminaristas e para obtenção de maiores meios de subsistência dos Seminários ampliados. É pois com íntima consolação que Nos alegramos convosco pelo incremento que, graças a Deus, a Pontifícia Obra das Vocações vem tomando em tantas Dioceses ao mesmo tempo que asseguramos seja ela sempre mais desenvolvida e amparada pelo vosso zelo pastoral".

O Emmo. Sr. Card. Pizzardo, pela carta de 8 de agosto de 1948, ao Exmo. e Revmo. Sr. Dom Antônio Siqueira, Bispo Auxiliar de Sua Emcia. o Sr. Card. Mota, escrevia: "Sua Santidade deseja que a Obra seja colocada na base de todasasiniciativasapostólicas".

No encerramento do V Congresso Eucarístico Nacional, a 23 de outubro de 1948, em São Leopoldo, era subscrita pelo Episcopado Brasileiro a monumental Pastoral Coletivade1915,devidamenteatualizada,ena

qual se lê no Artigo nº. 1183 estas palavras: "Em todas as paróquias de nossas dioceses, deve ser instituída a Pia Obra das Vocações Sacerdotais, para a qual deverão prestar o seu concurso todo o clero e todas as pias associações, sobretudo os membros da AçãoCatólica".

No discurso inaugural da Semana de Estudos Pedagógicos da América Latina, realizada em Roma, em julho de 1950, Sua Emcia. o Sr. Card. Pizzardo pôs na ordem do dia, como primeiro e essencial argumento a necessidade de dar à Igreja da América Latina mais numerosos sacerdotes, requeridos pelo maravilhosoflorescimentodeobrasdobem.

O auge de toda a preocupação e solicitude do Santo Padre se manifesta na Carta de 29 de Junho de 1955, dirigida ao Emmo. Sr. Card. Adeodato Piazza, Presidente da Conferência GeraldoEpiscopadodaAméricaLatina.

Nela o Santo Padre diz que, em meio de tantas amarguras e sofrimentos, de um lado encontraconsolonalegiãoesplêndidadefilhos da Igreja, fiéis às tradições católicas de seus antepassados, mas de outro sente uma preocupação constante ao não ver resolvidos os graves problemas da Igreja da América Latina, sobretudo no que concerne ao problema das vocações, cuja escassez aponta como o mais grave perigo para a Igreja e para asalmas.

Descrevendo os efeitos da falta de padre, contudo não partilha dos pressentimentos tristes de alguns, mas nutre a radiosa esperançadequeaAméricaLatinasedisponha a cumprir a missão que Deus lhe reserva, contanto que se ponha a trabalhar imediatamente com decisão, generosidade e bravura, não malbarate valiosas energias, mas ascoordeneparaquesemultipliquem.

Finalmente,temosaDeclaraçãoconjuntado Episcopado, de 4 de agosto de 1955, que recomenda a Obra das Vocações como o meio fundamental e insubstituível para resolver-se o problema das vocações: "É portanto vivíssimodesejodestaConferênciaque

Cruzada pelas Vocações Sacerdotais
153

a Obra das Vocações Sacerdotais seja considerada em todas as Dioceses como a Obra fundamental e insubstituível, a que deve ocupar a todos, a que merece a afetuosa solicitude e a ajuda efetiva de todos".

O convencimento da importância, necessidade e urgência da Obra das Vocações é o primeiro meio a ser empregado em sua fundação.

ORIGEMDAOBRADASVOCAÇÕES

A origem histórica foi vista. A intrínseca vamosvernaturalmente.

OsacerdócioéoresultadodagraçadeDeus e da cooperação humana: da cooperação individual, de quem recebe a vocação e da cooperação coletiva, de para quem ela se destina.

A graça de Deus, quer no campo material, quer no campo espiritual, nunca falta. A cooperação humana, porém, tanto individual comocoletivaéquetemsidobastantefalha.

Corrigir essa falha e melhorar a correspondência à graça deve constituir a preocupação dos chamados, dos sacerdotes, dos fiéis e das almas todas em favor das quais Deus concede a homens a sublime graça da vocaçãosacerdotal.

Da necessidade de corresponder à graça nasceu a necessidade de união de esforços ede iniciativas, uma vez que a sociedade e os indivíduos precisam do sacerdócio para atingiremseufimsupremo.

O orgão unificador e coordenador das atividades individuais e coletivas é que chamamos de Obra das Vocações Sacerdotais, essa obra máxima "na qual céus e terra se movem,seempenhamecolaboramdemãos dadas e sem a qual o próprio Reino de Deus desapareceriadaterra,porqueaReligiãose extinguirianasalmas".

NATUREZADAOBRADASVOCAÇÕES

Sendo a Igreja obra inteiramente sobrenatural e espiritual, tem contudo uma organizaçãovisível,porqueseusmembrossão

criaturasdealmaedecorpo.

Assim a Obra das Vocações, cuja causa, no dizer do Santo Padre Pio XII, é a mesma de Deus e da Igreja, precisa organizar-se em associação sob a chefia de quem o Espírito Santo colocou para reger a diocese e de seus padresdelegados,umavezquepretendetomar parte na obrigação de suscitar e de cultivar as vocações.

ÉpoisaObradasVocaçõesumaassociação.

Por associação entendemos um grupo de pessoas físicas e morais que se unem e se combinam para unificar seus esforços pessoais e coletivos e assim alcançar um determinado fim, comum a todos, por meios igualmente comuns.

Existem na Igreja três categorias de associações, conforme visam: ou a perfeição da vida cristã, ou alguma obra de piedade e de caridade; ou o incremento do culto público. (Cânones685,700e707).

Podemos dizer que a Obra das Vocações é a associação das associações, como é a Obra das obras (Pio XI, 22.02.1922), porque abrange o incremento da vida de piedade, das obras de caridade, do culto público, proporcionando o elementoindispensável,vitalecapitalcomoéo sacerdote, definido por um de nossos venerandosbispospor"Religiãoemato".

Como associação ou sodalício foi instituída a Obra das Pontifícia das Vocações, porque criada com a faculdade de agregar outras da mesma espécie conforme dispõe o Cânon 720 doDireitoCanônico.

Oportuno é dizer que seria um erro conceber a Obra das Vocações somente como uma agência de propaganda e mais grave ainda, como um meio de arrecadar dinheiro e auxílios materiais. Até nisto ela é sobrenatural, porque a esmola que ela pede, material na substância, é inteiramente espiritual na intenção,nosfinsenosmeios.

PodemosafirmarqueaObradasVocaçõesé umaassociaçãodepiedadeedezelo.

Visadespertar,fomentar,cultivar,

Cruzada pelas Vocações Sacerdotais
154

favorecer as vocações sacerdotais antes de tudo pelo aprimoramento espiritual, intelectual, moral e religioso de seus membros, qualidades estas sem as quais não poderão alcançarosobjetivosdaObra.

E entre as associações, baseado no argumento da autoridade e razões intrínsecas, podemos afirmar sem receio que é a mais importante.

Sua importância depreende-se do objetivo que ela visa, dos interesses que ela serve e dos resultadosqueelaalcança.

É a mais importante, porque está intimamente ligada com o negócio mais importante de nossa vida, com a salvação de nossa alma. Com efeito, na ordem presente de nossaRedenção,oshomenssesalvampormeio de outros homens investidos de poderes divinos. A Obra de que depende a existência, a continuação e conservação de sacerdotes encarregados por Deus de nos salvar, é e deve ser considerada por nós como a mais importanteemaisnecessária.

É a mais importante relativamente às demais associações existentes ou por existir. Quem estabelece e conserva a unidade moral dos membros e faz convergir para o fim próprio de cada associação as atividades dos associados, estimulando, moderando, regulando conforme o modo mais apto para o bem de todos e de cada um é o padre. Sem o padre que esteja à frente ou mesmo ocultamente influenciando qualquer associaçãoouobra,elanãovaiparafrente.Ora, é na Obra das Vocações que as irmandades vão encontrar o elemento mais indispensável para a sua sobrevivência e consecução de sua finalidade.

É a mais importante ainda em relação às instituições de caridade, de ensino e de assistência.

Todas essas instituições são irradiações benéficas da ação da Santa Igreja de que os sacerdotes são elementos essenciais e capitais, e sem os quais estará praticamente extinta. Ora,aObradasVocações,visadaraessas

instituições e a outras que aparecerem, a alma, o inspirador, o motor de todas essas iniciativas.

A Obra das Vocações não é somente a mais importante,maséamaisurgenteenecessária.

No caso de uma invasão estrangeira ou de uma calamidade pública os cidadãos, não só deixam de lado suas querelas particulares, mas até negócios e interesses para se unirem e coligarem suas forças e iniciativas a fim de repeliroinvasoroudebelaracalamidade.

A falta de padres representa a invasão de todas as heresias, erros, vícios e pecados e a calamidade que afeta a vida toda, temporal e eterna da sociedade e de seus membros. É o que descreve o Santo Padre na Carta de 29 de junho de 1955: "Onde falta, com efeito, o sacerdote ou onde este não é "vaso de eleição, santificado e idôneo para uso do Senhor, disposto para toda a boa obra" (2Tim. 2, 21), necessariamente se obscurece a luz da fé, afrouxam-se as leis e normas da vida, impostas pela religião, e facilmente enlanguescee seapaga a vida da graça, relaxam-se, no povo, os costumes em moleza e incúria e desmorona, na conduta pública e privada aquela salutar firmeza de propósitos que só pode manifestar-se quando cada qual se conforma em todas as circunstâncias,comaluzdoEvangelho".

É portanto urgente a união de todos os católicos, a união dos esforços e das iniciativas, a aplicação de todas as energias e recursos para resolver-se o problema que preocupa tantoaoSantoPadreeameaçanossapátria.

Cada diocese do Brasil poderá apresentar elenco impressionante de suas necessidades espirituais. Para exemplo basta citar a atuação da diocese de Sorocaba, onde mercê de Deus, o Sr. Bispo, o Clero e os fiéis têm feito grande esforço para solucionar o problema, sem conseguir ainda, depois de 32 anos de trabalhos ingentes, fazer que o número de ordenações cobrisse o de óbitos, que o número de padres atualmente existentes fosse maior do que existia no início da diocese, não obstante a

Cruzada pelas Vocações Sacerdotais
155

população ter duplicado e os problemas se multiplicarem e se agravarem, e as forças dos poucos padres estarem quase esgotadas. Se com tantos esforços e em tantos anos, numa diocese onde o problema não foi descuidado, pouco ou quase nada se conseguiu, qual não será a situação do Brasil, se não houver uma campanha organizada, uma cooperação generosa e um trabalho amplo e infatigável?

A propósito diz o Santo Padre: "Sem embargo, para lograr a realização destes Nossos votos, é necessário pôr-se a trabalhar imediatamente com decisão, generosidade e bravura; é mister não malbaratar, com perniciosa dispersão, valiosas energias, mas coordená-las para quevenhamaserquasemultiplicadas".

É portanto urgentíssima a fundação e o funcionamentodaObradasVocações.

OBJETIVOSDAOBRADASVOCAÇÕES

O fim último da Obra das Vocações é a glória de Deus. Por ser a Obra meio excelente e providenciam para atingir esse fim é que merece muita estima e nosso amor. Quem ama e quer um fim, deve amar e querer os meios adequados.

Os demais objetivos são como cadeias de uma corrente, tanto mais preciosas quanto mais vizinhas do fim último, Deus Nosso Senhor. Por isso os fins podem ser remotíssimos, remotos, próximos e imediatos. Os fins próximos são meios subordinados aos maisremotos.

Assim para chegarmos a Deus, nosso fim último, precisamos e por disposição divina, da Santa Igreja, fora da qual não há salvação, não serealizanossofimúltimo.

OestabelecimentodaIgrejanasalmasesua exaltação, como meio indispensável a nosso fimúltimo,constituiofimremotíssimodaObra das Vocações. Mas a Santa Igreja existe e subsiste por seus sacerdotes, participantes do Sacerdócio de Jesus. Quando e onde falta o sacerdote e este não é como deve ser, a Igreja desaparece, perdendo-se as almas, frustrandoseseufimúltimo,suasalvaçãoeterna,aglória

aqueDeustemdireito.

Santificar, pois, e aumentar o número de padres é o fim remoto da Obra das Vocações. O sacerdote santo e numeroso, porém, é resultado da graça de Deus e da cooperação humana unida, organizada, intensa. Unir, organizareintensificarasatividadeseenergias dos fiéis para que os frutos sejam mais abundantes constitui o fim próximo da Obra das Vocações. Mas o fim imediato, primeiro e urgente da Obra é provocar as atividades, e despertar as energias latentes dos católicos. Precisa a Obra das Vocações semear o ideal sacerdotal no terreno das almas, nos canteiros das famílias. Precisa descobrir ou revelar a planta da vocação. Precisa cultivá-la com os recursos da vida cristã, defendê-la com os meios de que se serve um bom agricultor, transplantá-la em seu tempo para o viveiro do Seminário, mantê-la durante o tempo de seu desenvolvimentoenãodesampará-ladepoisde formada. O fim imediato é o despertar da consciência católica para que conheça a realidade e se disponha a corresponder com a graça que, por parte de Deus, não obstante ser graça inteiramente gratuita, nuncafalta.

MEIOSDEQUEAOBRADASVOCAÇÕES SESERVE

Para obtermos um fim, precisamos empregar todos os meios adequados. Fim sobrenatural, meios sobrenaturais ou sobrenaturalizados pela intenção, fim e modo. Em quatro categorias estão classificados os meios para a solução do problema do clero: Oração, Instrução, Organização e Contribuição. A estes meios propostos objetivamente correspondem quatro atividades subjetivamente consideradas e que podem se resumir em uma palavra com quatro adjetivos: Colaboração espiritual, intelectual, moral e material.

Esta colaboração é a união de orações, de doutrina, de iniciativas e de esmolas. É a união das mentes, das vontades, dos corações e dos esforços.Éauniãodemando,naobediência,na disciplinaenosresultados.

Cruzada pelas Vocações Sacerdotais
156

Contribuir materialmente é alguma coisa, mas é muito pouco. Apoiar moralmente serve, mas não é o bastante. Estudar o problema é bom, mas é insuficiente. Rezar é ótimo, e é tudo, quando acompanhado da ação e de outrosmeiosaonossoalcance.

O segredo para o êxito da Obra das Vocações é saber aproveitar as atividades, as energias, os recursos, os dotes de espírito e do coração, os bens da sobrenatureza e da natureza do homem como ele é, criatura dotada de corpo e alma, de faculdades espirituais e de sentidos, de bens da graça e de bensdafortuna.Afalhadacooperaçãohumana está em se pedir uma ou outra atividade, a que se julga mais urgente e importante, quando o homem inteiro deve cooperar de acordo com as suas possibilidades. A Obra das Vocações foi instituída para despertar e aproveitar as atividades dos católicos, atividades espirituais, atividades intelectuais, atividades morais, atividadesmateriais.

Os meios podem ser considerados quanto ao objeto, às pessoas, ao tempo e ao modo. Quanto ao objeto podem ser espirituais, intelectuais, morais e materiais. Quanto às pessoas podem ser gerais e especiais. Quanto ao tempo, podem ser diários, semanais, mensais, trimestrais, anuais e ocasionais. Quanto ao modo podem ser empregados de maneirasoleneousimples.

O aspecto mais prático, sob o qual se deve considerar o emprego dos meios, é quanto ao tempo.

A causa das vocações sairá vitoriosa, se se conseguir estabelecer com firmeza um tempo para o emprego dos meios recomendados. Seria necessário determinar uma hora do dia, um dia na semana, no mês e no trimestre, um dia, um tríduo ou semana no ano. Nesse tempo seriam postos em prática simultaneamente os quatro meios: Oração, Instrução, Apoio moral e material.

A título desugestão,propomososseguintes tempos:

No dia, o primeiro toque do "Angelus" que lembra a vocação de Maria Santíssima para ser a Mãe de Deus e dos homens, servirá para lembrar nossa vocação e a fidelidade que a ela devemos.

Na semana, a quinta-feira é dia apropriado para nos lembrar a instituição da Eucaristia e do Sacerdócio, principalmente quando se aproveitar da faculdade concedida pelo Santo Padre Pio XI, a 20 de dezembro de 1935, de celebrar-se, quando as rubricas permitirem, a Missa Votiva de Jesus, Sumo e Eterno Sacerdote. Aos poucos iriam estabelecendo a ligaçãodenossosacerdóciocomodeJesus.

No mês, o Dia do Sacerdote ou Sábado do Sacerdote com Missa, Comunhão geral, Hora Santa é uma ocasião das mais excelentes. O Apostolado da Oração penetrou profundamente no coração dos fiéis, foi por ter um dia certo, a primeira sexta-feira, dedicado a devoção ao Sagrado Coração de Jesus. Assim serácomaObradasVocaçõessehouverumdia emquesereze,sefale,sefaçaalgumacoisaem favor das vocações sacerdotais e dos sacerdotes.

No mês ainda, atrairia a simpatia e a gratidãodosfiéis,sefosseinstituídaumaMissa pelos falecidos do mês, especialmente pelas almas que por falta de padres, ficaram sem sufrágios especiais. Seria uma excelente oportunidade de mostrar a falta de padres e a obrigação de auxiliar a Obra das Vocações em proveito dos próprios fiéis que na hora mais angustiosa da vida ficam sem amparo da Religião. Além disso essa Missa celebrada com alguma solenidade serviria para combater ou neutralizarosefeitosdoespiritismo.

No trimestre, o Sábado das Têmporas, desde a antiguidade reservado para as ordenações, é outra oportunidade para a oração, instrução e apoio prático dos fiéis. No trimestre ainda se deveriam celebrar Reuniões solenes da Obra das Vocações para a leitura do relatóriotrimestralebalançodasatividades.

Não queremos propor devoções novas, mas sugerirdeaproveitarasexistentes,decolocara causa das vocações na base de todas nossas iniciativaseatividades. 157

Cruzada pelas Vocações Sacerdotais

No ano, já existe por determinação do Concílio Plenário Brasileiro, decreto 445, e da Pastoral Coletiva, artigo 1184, a obrigação de celebrar-se o Dia das Vocações, fixado pela Conferência Nacional dos Bispos no último domingo de maio. Para resultado prático desta instituição tem faltado material de propaganda comparável ao que se distribui na preparação doDiadasMissões.

O Dia das Vocações por mais movimentado que seja, mesmo depois de uma propaganda bem feita, pouco resultado dá diante das imensasnecessidadesdoSeminárioedianteda ignorância do povo em relação à vocação e ao sacerdócio. É indispensável a celebração da Semana das Vocações, celebradas com aparato deCongressoesobretudodeMissãopopular.

Certamente todas estas solenidades sugeridas já são postas em prática em muitíssimas dioceses do Brasil, mas o que falta para que sejam inteiramente eficientes é a coordenação de todas elas, "a fim de que venham a ser quase multiplicadas", como recomendaoSantoPadrePioXII.

MEMBROSDAOBRADASVOCAÇÕES

Todasaspessoasbatizadasna Igrejapodem e devem pertencer à Obra das Vocações, senão em todas, ao menos em alguma das categorias deassociados.

Com o Santo Batismo a alma começa a gozar dos benefícios espirituais e temporais da Santa Religião, de que os sacerdotes unidos com Nosso Senhor Jesus Cristo são elementos constituídos essenciais. Com o Santo Batismo nasce também o dever de se interessar pela vidaesobrevivênciadaIgrejaedosacerdócio.

Os católicos podem ser associados individuais,coletivoseseccionais.

I-Associadosindividuais.

Podem pertencer a uma ou a todas as categoriasconformeostítulosmerecidos.

1 - Podem ser zeladores, se pertencerem ao corpo de zeladores encarregados de zelar pela vidaeprosperidadedaassociação.

2-Podemsersimplesmentecontribuintes,

se rezarem alguma pequena oração e derem alguma pequena contribuição mensal ou avulsa.

3 - Podem ser cooperadores, se rezarem e concorrerem com donativos em espécie, como víveres.

4 - Podem ser benfeitores, se rezarem e oferecerem uma importância apreciável, se pela pensão de um aluno se responsabilizarem por um ou vários anos, se fundarem principalmente uma Bolsa de Estudo com que sucessiva e perenemente ampararem alguma vocação.

5 - Podem ser beneméritos, se se distinguirem pela oração e por alguma obra ou donativo fora do comum, como seriam as pessoas que são ao mesmo tempo zeladores, contribuintes,cooperadoresebenfeitores.

Esta classificação supõe uma escrituração muito bem feita e um livro de associados bem ordenado.

II-Associadoscoletivos.

1 - As Irmandades religiosas, das quais se destaca um ou vários membros que as representemnaObradasVocações.

2 - As Instituições católicas ou de católicos também representadas por algum membro na ObradasVocações.

ÉmuitojustoquecooperemcomaObradas Vocações, uma vez que todas elas direta ou indiretamente recebem a influência do sacerdote católico. Não seria injusto que, ipso facto, pertencessem à Obra das Vocações todos os que estiverem ou venham a ser inscritos numa associação religiosa. Se os simples fiéis têm o dever de amparar as vocações, com maior razão os que mais aproveitam da ação sacerdotal, como são os membros de irmandades. Aliás, essas associações e instituições estão mencionadas no Canon 1356 § 1 que manda contribuir para o Seminário "quavis appelatione remota, reprobata quilibet contraria consuetudine et abrogato quolibet contrario privilegio".

III-Associadosseccionais.

Cruzada pelas Vocações Sacerdotais
158

1 - Seção para crianças, com o fim de contribuíremespecialmentecomorações.

2 - Seção para coroinhas, de onde costuma sairamaioriadossacerdotes.

3-Seçãoparaosenfermos,cujossacrifícios, além de atraírem as bênçãos de Deus para as vocações e fecundidade para o ministério sacerdotal, servem muito para tirar aos enfermos aquela sensação de peso e de inutilidadequeadoençatrazconsigo.

DIREÇÃODAOBRADASVOCAÇÕES

Toda associação bem constituída supõe e requer uma autoridade dotada de poderes adequados,porqueelaprecisadeleisenormas que a façam funcionar, de elementos que as executem e solucionem as dificuldades e questõesqueaparecerem.

O diretor nato da Obra das Vocações é o bispo, o qual poderá e deverá ser auxiliado por outrossacerdotesdesuaconfiança.

A participação dos sacerdotes se realiza através do Conselho Central Diocesano, da Diretoria Diocesana, das Diretorias paroquiais ecolegiais.

OConselhoCentralDiocesanosecompõede Presidente que sempre será o Bispo, de VicePresidente que será o Vigário Geral, de Secretário que será sempre o Diretor Diocesano da Obra, de Tesoureiro especialmente escolhido e nomeado pelo Presidente, de dois Assistentes que serão respectivamente o Reitor e o Diretor espiritual do Seminário e dos quatro membros das ComissõesTridentinas.

A Diretoria Diocesana a quem compete a parte executiva da Obra, porque a legislativa e judiciária compete ao Conselho Diocesano, se compõe de Diretor que desempenha ao mesmo tempo o cargo de Secretário do Conselho Central, de secretário apresentado pelo Diretor e nomeado pelo Bispo, e de Auxiliares escolhidospeloDiretoreaprovadospeloBispo.

A Diretoria paroquial se compõe de Diretor que será sempre o pároco ou seu delegado, de Presidente,Vice-Presidente,Secretárioe

Tesoureiro na sede e de Zelador-chefe nos bairros, apresentados pelo pároco e nomeados peloDiretorDiocesano.

A Diretoria colegial constará de Diretor, Presidente, Vice-Presidente, Secretário e Tesoureiro, apresentados pelo Diretor e nomeadospeloDiretorDiocesano.

ATRIBUIÇÕESDOSMEMBROS

I-CONSELHOCENTRALDIOCESANO.

A atribuição do Conselho Central é reunirsetrimestraleanualmentepara:

1 - Traçar o plano geral de trabalhos em favordasvocações;

2-Traçaroplanogeralparacadaano;

3 - Indicar os métodos que devem ser observados;

4 - Proporcionar os meios necessários para aconsecuçãodosfinspropostos;

5 - Ouvir o relatório, tomar conhecimento dos resultados obtidos, das dificuldades encontradas,dasquestõesquesurgiram;

6 - Dar solução e normas diretivas aos Diretores:Diocesano,paroquiaisecolegiais

II-DIRETORIADIOCESANA.

ADiretoriaDiocesanatempordever:

1 - Zelar pela fundação e funcionamento da Obraemtodasasparóquiasecolégios;

2 - Zelar pelo cumprimento dos Estatutos e pela observância das normas diretivas emanadasdoConselhoCentralDiocesano;

3 - Estudar os meios para executar o plano de trabalho traçado pelo Conselho Central e organizarascampanhasdeacordocomoplano aprovadopeloConselho.

4-TrazeremdiaaescrituraçãodaObradas Vocações.

5 - Apresentar ao Conselho Central trimestral e anualmente minucioso relatório dos trabalhos, dos resultados quanto à parte espiritual,intelectual,moralematerial.

III-DIRETORIAPAROQUIALECOLEGIAL.

Cruzada pelas Vocações Sacerdotais
159

SãodeveresdessasDiretorias:

1 - Zelar pela fundação e funcionamento da Obra;

2 - Zelar pela observância dos Estatutos e normas práticas elaboradas pela Diretoria DiocesanadeacordocomoConselhoCentral;

3 - Cuidar da escrituração e comunicar trimestralmente à Diretoria Diocesana o resultado dos trabalhos executados, como também as dificuldades que encontram para serem submetidas à consideração do Conselho Central.

IV-CORPODEZELADORES.

Sãodeveresdoszeladores:

1 - Zelar pela campanha espiritual, rezando efazendooutrosrezarem;

2 - Zelar pela campanha moral, dando o bom exemplo e combatendo quanto é possível osmauscostumesparadefenderasvocações;

3 - Zelar pela propaganda, instruindo-se e transmitindo aos outros as instruções recebidasouaprendidas;

4 - Zelar pela campanha material, auxiliando e alistando associados que contribuírammensaleanualmente.

V-CORPODECONTRIBUINTES.

Os associados, sejam de qualquer categoria, devem:

1 - Apoiar a campanha de orações, fazendo o Ramalhete ou, pelo menos, rezando diariamenteumaoraçãooujaculatória;

2 - Apoiar a campanha moral, dando o bom exemplo e não se deixar levar apenas pelas normastoleradaspelaIgreja;

3 - Apoiar a campanha intelectual, ouvindo pregações, estudando o Catecismo das Vocações e fazendo desses assuntos matéria de conversacompessoasamigas.

4 - Apoiar a campanha material, contribuindo mensalmente com alguma coisa de acordo com as suas posses e com importância da Obra, como contribuindo de alguma forma nas campanhas especiais ou anuais.

VANTAGENSESPIRITUAISDOSMEMBROS

A Obra das Vocações como associação espiritual vive do Tesouro da Igreja. Goza de vantagens espirituais, além do aumento de fervor com a recepção mais frequente dos Santos Sacramentos, com as orações recitadas em comum, com a celebração das festas especiais. Os membros gozam das seguintes vantagens:

1-ProteçãoespecialdosSantosPatronos. (*) Nãoéoutraarazãopelaqualaofundar-seobra de tamanha responsabilidade e importância procura-se dar-lhe patronos que do alto lhe garantam junto de Deusexistênciaproveitosae cadavezmaisbrilhante.

A entrada de uma pessoa na Obra representa também de certo modo uma consagração a seus Patronos celestes, um implorar de proteção, por isso ela se torna merecedora do patrocínioespecialdosPatronosdaassociação. 2-ParticipaçãodasIndulgênciasePrivilégios.

A Santa Igreja, para mostrar seu interesse pela Obra, abriu seus tesouros de Indulgências. Quase não há uma jaculatória, uma oração, um exercício de piedade, uma boa obra que não tenha anexo uma graça espiritual concedida peloPapa.

3 - Participação nos merecimentos e bênçãos dossacerdotes.

Grande é o bem que o sacerdote faz às almas. Grande são seus merecimentos. É evidente que aquele que concorreu para a formação de um padre, concorreu para o bem das almas beneficiadas pelo seu ministério, e por conseguinte, participa dos méritos do sacerdote, e se torna merecedor da gratidão dospadres.

4-Gratidãodasalmasbeneficiadas.

A caridade mais perfeita e aquela que se faz só por Amor de Deus. Quando se oferece uma esmola para a Obra das Vocações não se sabe qual é a alma que vai aproveitar dela, só Deus sabe. E por isso mesmo é a mais proveitosa, porqueDeushádeaplicá-laparaaalma

Cruzada pelas Vocações Sacerdotais
160

que oferece mais correspondência e por isso mesmo mais merecimentos em favor da alma caridosa, que concorreu na formação de um sacerdote.

(*) A Obra Pontifícia está consagrada a Jesus, Sumo e Eterno Sacerdote, colocada sob a proteção maternal da Rainha dos Apóstolos, de SãoJoséedosPríncipesdosApóstolos.

A Obra diocesana tem como Patronos particulares os Santos de sua devoção, São Carlos Borromeu, São João Batista Vianney e outros,àescolha.

Os dias de festa dos santos patronos são também ocasião muito oportuna para a oração, instrução e apoio moral e material à Obra das Vocações.

Cruzada pelas Vocações Sacerdotais
161

Mudança para Itatinga/SP.

missão da Bahia donde retornou para a Argentina. O Revmo. Pe. Francis Miller ficou conosco até o dia 24 de maio quando retornou, juntamente com o Neo-sacerdote Frei Boaventura,paraosEstadosUnidos.

Acesseaquiasfotos

Ordenações Diaconal e Presbiteral e Primeira Missa de Frei Boaventura.

Quis a Divina Providência nos conceder, na zona rural de Itatinga/SP, uma fazenda apta para ser transformada num convento. Qual não foi nossa surpresa ao saber que o valor de locação da dita fazenda era o mesmo pago mensalmente pela casa de Botucatu!Assim, em meados de maio deste ano transferimos o convento para Itatinga/SP. Confira algumas fotosdamudança:

Maisfotos

Visita de S. Excia. Mons. Pio Espina e Pe. Geral Revmo. Francis Miller, O.F.M. Sub

No dia 19 de maio de 2023, Mons. Pio EspinaconferiuodiaconatoaoFreiBoaventura de Nossa Senhora Sede da Sabedoria; no dia 20, Festa de São Bernardino de Sena, o presbiterato; e no dia 21, o Padre Boaventura cantou sua primeira missa. Estavam presentes à cerimônia: o Revmo. Pe. Geral Francis Miller, o Revmo. Pe. Guardião Pedro Maria Santos da Silva, o Revmo. Padre Ernesto Cardoso, o Revmo. Padre Gabriel Maria Rodrigues e o Revmo. Pe. Nico Orasch (à época Frei Timóteo do SS. Sacramento, O.F.M. Sub), além de toda a comunidade dos Frades Menores e fiéis de váriasregiõesdopaís.

Acesseaquiasfotos

Os Trabalhos dos Irmãos

Por ocasião das ordenações em Maio deste ano, recebemos a visita de S. Excia. Revma. Mons. Pio Espina Leupold e de nosso Pe. Geral Revmo. Francis Miller. Mons Espina administrou o Santo Crisma no domingo, dia 21demaioelogoemseguidapartiuparaa

Atualidades
162

Com o fim de ajudar nas despesas do Convento, nossos frades estão vendendo os pães por eles produzidos pelas ruas de Itatinga. Os que desejarem comprar podem entrar em contato conosco: (11) 971724702. Em breve produziremos também outrosquitutes.

Missões Franciscanas

FotosdaReforma

Ampliação Convento Clarissas

E por falar em reforma…. Aproveitamos para dar notícia sobre o andamento das obras de ampliação do Convento das Irmãs Clarissas.Eisalgumasimagens:

Nos últimos meses nossos frades visitaram várias missões: a do Sagrado Coração de Jesus, em Presidente Prudente/SP, a de Araçatuba/SP, a de São Pio X, em Olímpia/SP, a dos Sagrados Corações, em Ribeirão Preto/SP, a de São José Operário, em Mococa/SP, a de São João Maria Vianney, em Alfenas/SP, a de Nossa Senhora do Carmo, em Serra Dourada/BA, a de Nossa Senhora de Fátima, em Contagem/MG, a de Cristo Rei, em Ipatinga/MG, a de Nossa Senhora D’Oropa, em Cachoeira Paulista/SP, a do Menino Jesus de Praga, em São José dos Campos, a deSantaFilomena,emJaguariúna/SP…

FotosdasMissões

Reforma da Capela N. Sra. do Carmo

A Capela de Nossa Senhora do Carmo, em Serra Dourada/BA, está passando por uma grande reforma. Eis aqui algumas fotos tiradas duranteostrabalhos:

FotosdaAmpliação

AsPinturaseasIlustraçõesdeFreiJoão

Atualidades 163

Nossofradeartistaestáprontoparareceber os pedidos de nossos caros leitores. Os que desejarem encomendar alguma pintura ou ilustraçáo podem entrar em contato conosco: (11) 97172-4702. Também emolduramos a ilustração caso o estimado benfeitor assim deseje.

MaisFotos

Corpus Christi

Em 08 de junho foi cantada no Seminário Seráfico São Boaventura a Missa de Corpus Christi. A solenidade contou com uma procissão nos arredores do Convento. Estiveram conosco os Seminaristas Paulo Cavalcante, do Most Holy Trinity Seminary, e Lucas Costa, da C.M.R.I., ambos em período de férias.

CorpusChristi

Aniversário do Pe. Guardião

Noúltimodia14 deJunho,comemoramoso aniversário natalícios do nosso estimado Pe. Guardião Frei Pedro Maria Santos da Silva. Que Deus o conserve e lhe dê muitos anos de vida. Infelizmente nesta data o Padre não pôde estar conosco já que estava visitando as várias missõesespalhadaspeloBrasil.Masosfiéisdas missões, hospitaleiros e gentis, prepararam uma singela comemoração que muito alegrou FreiPedro.

AniversáriodoPe.Guardião

Graças aos ingentes esforços de Frei Serafim, Diretor Local da Pia União e de Madre Imaculada, clarissa, os associados puderam receber, no último mês, as fitas distintivas da obra pia. De cor azul marinho, recorda-nos que neste mar tempestuoso da vida é a Virgem Santíssima nosso farol e guia. Devem os associados sentir um santo orgulho ao usar tão belosímboloduranteosofícioslitúrgicos.

FitadaPiaUnião

Atualidades 164
Pia União dos Zeladores da Santa Casa de Loreto Fogueira São João Batista

Consoante às heranças religiosas de nossa pátria, nossos frades acenderam na Véspera da Festa do Nascimento de São João Batista, a tradicional fogueira de São João. Sobre ela, como vimos à pág. 34, Frei Vicente do Salvador em 1627 já dizia fazer parte do patrimônio culturaldonascentepovobrasileiro.

AlgumasFotos

Fundação do Seminário Secular

candidatos. Vós, bons católicos do Brasil e da América do Sul, estão convidados a ajudá-los, pois vós e vossos filhos se beneficiarão, medianteavontadedeDeus,deseustrabalhos. Começaremos com quatro candidatos há muito conhecidospornós.

Nós vos pedimos que rogueis por nós e por estasalmasqueestãoatendendoaochamado.

Que Deus recompense suas orações e apoio para aqueles que vêm para a “grande ceia em que muitos são convidados” (S. Lucas XIV, 624).

AtenciosamenteemSãoFranciscodeAssis, P.FreiFrancisMiller,OFMSub.

SeminárioSecular

Mosteiro Tradicional das Filhas de Santa Teresa e São José

Reproduzimos na íntegra a carta de nosso Pe. Geral, datada de 22 de junho, dando notícia dafundação:

Carosirmãosepovocatólico, Paxetbonum!

A Divina Providência de Deus tem sido generosa para nosso pequeno convento. Neste espírito de generosidade, e para cuidar das numerosas almas também interessadas na vocação sacerdotal, a comunidade foi encorajada a ajudar a formar homens para o vocação sacerdotal secular. A aceitação desses candidatos é nosso primeiro esforço para cumprir o desejo da Santa Madre Igreja de que o clero fosse formado localmente. Um padre com muitos anos de experiência pastoral será para eles protetor para formá-los em um grupo.

Assim como Deus deu a vocação, o chamado, Ele proverá os meios para vesti-los, alimentá-los e abrigá-los, bem como todas as muitascoisasqueavidarequerparaeducaros

Desde o dia 27 de junho de 2023, assistimos espiritualmente as freiras carmelitas do Mosteiro Tradicional das Filhas de Santa Teresa e de São José. Residindo em Botucatu/SP, aRevma.MadreMariaRafaelade Jesus Menino, priora com quase 25 anos de vida religiosa e a Revma. Madre Teresa de Jesus, subpriora, contam com a generosidade dos queridos benfeitores para que possam construir um Mosteiro que permita receber vocações.Osdadosnecessáriospararealizaras doaçõesestãonapáginaseguinte.

OutrasImagens

Atualidades 165

Vestição do Irmão Natan, Ordem Terceira Regular.

Festa de Santa Clara, Patrona da Segunda Ordem Franciscana.

Na Festa do Preciosíssimo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo, 02 de julho, recebemos mais um Confrade na Ordem Terceira Regular: o Irmão Natan que futuramente dará ingresso na Ordem Primeira como Irmão Leigo. Rezemosporsuaperseverança.

FotosdaVestição

Entreemcontatoconosco: sursumcordaofmsub@outlook.com

Dados bancários do nosso Convento para doação:

Nome:AssociaçãoIrmãosdeSãoFrancisco

Banco:033–Santander

ContaCorrente:13000847-4

Agência:0517

PIX:43.486.023/0001-60

Paypal:secretaria@fradesmenores.com

Em 12 de agosto foi celebrada a Missa Solene da Festa de Santa Clara. Oficiou como sacerdote Frei Boaventura, que chegara da Missão nos Estados Unidos desde o dia 10, como diácono o Revmo. Padre Frei Pedro, GuardiãoConventualecomoSubdiáconooFrei JoãoMariaVianney.

FestaSantaClara

Banco:290–PagSeguro

Agência: 0001

Conta:29801869-8

Pix: 086.157.434-60

Banco: 0260–Nubank

Agência: 0001

Conta:46293399-4

CONTATOVOCACIONAL: Dirigir-seaRev.MadreTeresadeJesus: (11)91094-7969 E-mail: mosteirotradicional23@gmail.com
DadosbancáriosdoMosteiroTradicionaldas FilhasdeSantaTeresaedeSãoJoséparadoação:
Atualidades 166

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.