BIBLIOTECA IPAM | Fevereiro, 2011
E N T R E V I S TA Adelino Alves Licenciado em Psicologia, Mestre em GestĂŁo de Marke ng e Doutorando em GestĂŁo, docente do ensino superior nas ĂĄreas de GestĂŁo de Recursos Humanos e do Consumidor.
Biblioteca IPAM: Quais as suas referĂŞncias (autores) no campo do Marke ng? Adelino Alves: As minhas raĂzes acadĂŠmicas situam-se no campo da Psicologia. Ao Marke ng cheguei tardiamente e tenho-me centrado numa ĂĄrea de pesquisa – O Comportamento do Consumidor - que, de certo modo, cons tui, para mim, parte integrante do estudo do comportamento humano em geral. Podemos dividir as ciĂŞncias mas o Homem enquanto agente de comportamentos, sejam eles de liderança, de empreendedorismo, de altruĂsmo ou de consumo, ĂŠ o mesmo.
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Necessariamente tenho procurado enquadramentos teĂłricos em vĂĄrios autores da ĂĄrea do Marke ng, sem, contudo, poder, honestamente, diferenciar algum deles como referĂŞncia. Gostaria, no entanto, de deixar, nos tempos de mudança acelerada que vivemos, uma referĂŞncia a dois autores dos nossos dias que se tĂŞm dedicado ao estudo da forma como devemos ajustar os nossos comportamentos a essa mudança. Conselhos que sĂŁo vĂĄlidos quer para a gestĂŁo dos comportamentos a nĂvel organizacional, do consumo ou atĂŠ mesmo da vida pessoal. ReďŹ ro-me a Spencer Johnson e John ko1er que conseguiram encerrar em duas simples mas fantĂĄs cas fĂĄbulas, que se lĂŞem de uma assentada, respec vamente “Quem mexeu no meu queijo?â€? e “O nosso Iceberg estĂĄ a derreterâ€?, muito do que se pode dizer sobre como sobreviver e ter ĂŞxito em condiçþes adversas atravĂŠs das mudanças de comportamento.
BIPAM: Qual o futuro do Marke ng dentro das empresas e na sociedade contemporânea? A.A.: Modestamente a minha resposta a esta questĂŁo situa-se ao nĂvel do homem comum e nĂŁo do especialista em Marke ng que nĂŁo sou. Dito isto considero que o Marke ng jĂĄ tem e con nuarĂĄ a ter uma importância relevante para as empresas, para a sociedade em geral e atĂŠ para a condução da vida pessoal. Basta constatar a inuĂŞncia da informação e dos meios que a veiculam e a compe ção a todos os nĂveis e de forma globalizada, para se 2
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destacar quem ĂŠ capaz de seleccionar e dirigir essa informação e de deďŹ nir estratĂŠgias de sobrevivĂŞncia e de sucesso para empresas, produtos ou pessoas. Puxando a brasa Ă minha sardinha direi que o ĂŞxito do Marke ng passarĂĄ muito pela profundidade com que conseguir conhecer e ajustar-se
Ă
diversidade de
consumidores. De facto o
“Consumidorâ€? nĂŁo ĂŠ uma en dade genĂŠrica a quem se possa aplicar a mesma car lha de inuĂŞncia. Direi mesmo que o “Consumidorâ€? nĂŁo existe, exis rĂŁo “Consumidoresâ€? jĂĄ que cada indivĂduo ĂŠ um ser complexo e mul facetado. Podem, assim, coexis r na mesma pessoa vĂĄrios consumidores: o que compra calças de ganga no ChinĂŞs e que em certas ocasiĂľes veste um fato Armani e o que usa companhias de aviação low cost e em seguida vai jantar ao El Bulli em Barcelona.
BIPAM: Quando ĂŠ que se deu conta da importância do Marke ng, e como ĂŠ que procedeu Ă escolha de enveredar tambĂŠm por este campo? A.A.: Factualmente a perspec va e possibilidade de alargar as minhas competĂŞncias para a ĂĄrea do Marke ng deu-se apĂłs iniciar a ac vidade de docĂŞncia no IPAM. Era na altura responsĂĄvel pela Unidade Curricular, “MĂŠtodos de DiagnĂłs co e Mudança Organizacionalâ€?, que, de certo modo, se posicionava num interface entre o Comportamento Organizacional, o Marke ng e a GestĂŁo de Pessoas. 3
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Corresponde por outro lado Ă visĂŁo que tenho hoje sobre progressĂŁo nas carreiras, nos saberes e nas competĂŞncias que nĂŁo deverĂĄ assentar exclusivamente numa dimensĂŁo ver cal mas tambĂŠm em perspec vas mul funcionais e de ziguezague, consciente que hĂĄ competĂŞncias transferĂveis para vĂĄrias esferas proďŹ ssionais e que a aquisição de novas competĂŞncias por esta via ĂŠ uma mais-valia proďŹ ssional. Lembro a este propĂłsito que o Departamento de Emprego dos EUA prevĂŞ que os estudantes de hoje, quando chegarem aos 38 anos, terĂŁo passado em mĂŠdia por 10 a 14 empregos e que o modelo de Bolonha que adoptĂĄmos no Ensino Superior permite e, de certo modo, incen va este alargamento de horizontes.
BIPAM: Sendo docente das ĂĄreas da GestĂŁo de Recursos Humanos e de Comportamento Organizacional, como vĂŞ o estado do ensino do Marke ng em Portugal? A.A.: JĂĄ tenho suďŹ cientes cabelos brancos para me recordar do tempo em que, jovem Consultor de Recursos Humanos, quando as empresas me pediam para recrutar proďŹ ssionais da ĂĄrea do Marke ng, o que acontecia raramente e sobretudo vindo de uma ou outra mul nacional, os proďŹ ssionais que encontrava no mercado eram formados fundamentalmente pela “Escola da Vidaâ€?. Posteriormente, de uma forma Jmida, começaram a surgir no mercado jovens licenciados em GestĂŁo com uma opção pela ĂĄrea do Marke ng feita no ďŹ nal do Curso. 4
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É neste contexto que surge o IPAM que, qual pedrada no charco, implementou um curso estruturado de raiz na ĂĄrea do Marke ng, assumindo, assim, uma posição pioneira e de referĂŞncia. Nas duas Ăşl mas dĂŠcadas o exemplo pegou, havendo hoje bastante oferta quer ao nĂvel do Ensino UniversitĂĄrio quer PolitĂŠcnico. Creio, assim, que estĂŁo lançadas as raĂzes e aberto o caminho para o Marke ng se desenvolver e fortalecer como ĂĄrea cienJďŹ ca autĂłnoma. Espero que nesta compe ção desigual entre ensino PĂşblico e Privado, UniversitĂĄrio e PolitĂŠcnico, o IPAM possa manter a sua posição de referĂŞncia.
BIPAM: A obra “O comportamento do Consumidorâ€? aborda par cularmente as dimensĂľes emocionais e racionais do consumidor, no momento actual de crise, vĂŞ o Marke ng como parte da solução para a recuperação da conďŹ ança dos consumidores? A.A.: Considero que a auten cidade ĂŠ um dos valores do Marke ng e, como tal, nĂŁo acho que possa ser entendido como uma espĂŠcie de panaceia ou malabarista que resolve todas as situaçþes. As dimensĂľes racionais e emocionais nĂŁo sĂŁo en dades separadas. Elas actuam conjuntamente na formação da conďŹ ança dos consumidores, ainda que, eventualmente, com pesos diferentes. HaverĂĄ consumidores para os quais as evidĂŞncias racionais serĂŁo mais geradoras de conďŹ ança enquanto outros conďŹ arĂŁo mais nos seus feelings. 5
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Se o marketeer souber interpretar as mo vaçþes profundas dos consumidores, estarĂĄ em condiçþes de mobiliza-los para a conďŹ ança usando a sua “maneira de dizerâ€? sem desvirtuar a realidade e serĂĄ, seguramente, um facilitador da recuperação da conďŹ ança. Lembro a este propĂłsito aquela histĂłria do cego que pedia esmola no passeio, onde todos os dias passava um professor universitĂĄrio a caminho da sua faculdade, e que nha um cartaz que dizia: “Ajudem-me, sou cego de nascençaâ€?. Um dia o professor pegou no cartaz e escreveu: “A Primavera estĂĄ a chegar e eu nĂŁo poderei ver o desabrochar das oresâ€?. No regresso a casa o cego pergunta-lhe: “Professor o que escreveu aĂ? Hoje recebi muito mais dinheiro‌â€? O professor nĂŁo desvirtuou a realidade, apresentou-a de forma diferente.
BIPAM: Dentro dos seus pareceres quais são aqueles que mais inuenciam o consumidor a comprar um determinado produto? A.A.: Creio que no acto de compra interfere uma mul plicidade de factores de que destaco a tendência de compra de cada consumidor individualmente, as mo vaçþes concretas de compra, ou seja, as necessidades u litårias, hedónicas e simbólicas, e o envolvimento e dimensão emocional/racional dos próprios produtos e serviços. De facto todas as pessoas fazem compras impulsivas (com forte envolvência emocional), planeadas/racionais (com forte contributo racional), compras com forte envolvimento 6
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emocional e racional e compras negligentes ou seja sem grande reexão ou envolvimentol. PorÊm a tendência para ser habitualmente mais racional ou mais emocional persiste, sendo este um dos factores com forte inuência na compra. Por outro lado os produtos, enquanto esJmulos à compra, tambÊm se diferenciam pelo peso da sua natureza emocional e racional e como tal encerram uma forte inuência sobre o consumidor.
BIPAM: Qual a sua opiniĂŁo rela vamente aos novos paradigmas que tĂŞm surgido acerca da tomada de decisĂŁo por parte dos consumidores? A.A.: Por norma, as anJteses tendem para ser extremistas. Depois de sĂŠculos de “ditaduraâ€? da razĂŁo sobre a emoção na nossa cultura ocidental, em que se defendia que as decisĂľes sensatas eram aquelas que provinham de uma “cabeça friaâ€? que se sabia desembaraçar das emoçþes, eis que irrompe, nas Ăşl mas dĂŠcadas do sĂŠculo XX, o furação emocional a reclamar o seu espaço. Rapidamente surgiram os defensores de uma nova ditadura de pĂłlo oposto, reclamando o domĂnio, no processo de decisĂŁo, da emoção sobre a razĂŁo a quem caberia um mero papel de jus ďŹ cação das decisĂľes. Pugnava-se, assim, pelo destronamento do homo economicus e do homem pensante (thinking man) e a sua subs tuição pelo homem sensĂvel (emocional) (feeling man). PorĂŠm, esta ideia de dicotomia entre emoção e razĂŁo ou de uma mistura como a ĂĄgua e o azeite, para usar as palavras de 7
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AntĂłnio DamĂĄsio, nĂŁo tem suporte na nossa estrutura cerebral, onde as vĂĄrias regiĂľes desde os cĂłr ces prĂŠ-frontais, ao hipotĂĄlamo e ao tronco cerebral cooperam entre si. Estamos assim condenados a ser decisores emocionais e racionais e penso que ĂŠ a par r desta premissa que se estruturam os actuais paradigmas decisionais independentemente do peso emocional ou racional que cada decisĂŁo concreta possa assumir.
BIPAM: Como interpreta o comportamento do consumidor para os prĂłximos tempos, uma vez que estamos perante uma mudança constante de mentalidades? A.A.: Os Ăşl mos anos do sĂŠculo passado e os primeiros do novo milĂŠnio foram caracterizados ao nĂvel do comportamento do consumidor por uma explosĂŁo da subjec vidade em que o ponto de vista experiencial e hedĂłnico do consumo, visando a obtenção de prazer imediato, foi roubando espaço Ă perspec va funcionalista ou u litĂĄria. O eclodir da crise econĂłmica e ďŹ nanceira mundial e a crescente consciencialização da necessidade de preservação do meio ambiente tĂŞm vindo a travar esta aspiral consumista pelo que penso que ao nĂvel do comportamento do consumidor vamos entrar num processo de sĂntese. Provavelmente os consumidores vĂŁo tornar-se mais selec vos e tender para reforçar a sua caracterĂs ca “hĂbridaâ€?, ou seja, consumidores que con nuarĂŁo a comprar produtos e serviços de custos elevados, nomeadamente, os que 8
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estruturam a sua auto-iden ďŹ cação e es lo de vida e produtos de baixo custo, genĂŠricos, sem marca ou em saldos para sa sfazer necessidades mais bĂĄsicas. NĂŁo assis remos, seguramente Ă troca da “orgiaâ€? consumista por um asce smo de “pĂŠ descalçoâ€? mas, provavelmente, a uma menor pressĂŁo do consumismo e a uma revalorização dos produtos e do prazer que proporcionam.
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